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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.11 no.2 São Paulo fev. 2009

 

ESTUDO DE CASO

 

A regressão e seu manejo no caso Patrick. Questões da clínica winnicottiana

 

Regression and its management in case Patrick. Issues Winnicottian Clinic

 

 

Tania Corrallo Hammoud*

Sedes Sapientiae, Centro Winnicott de São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO: O texto apresenta algumas considerações a respeito da clínica winnicottiana com base no relato do caso clínico de um menino que teve uma reação retardada à perda traumática do pai. O atendimento, que foi realizado primordialmente pela mãe do menino, com as orientações de Winnicott, remete–nos ao conceito de manejo da regressão.

Palavras–chave: Diagnóstico, Manejo, Regressão.


ABSTRACT: The text presents some considerations regarding the Winnicottian clinic through out the story of the clinical case of a boy who had a reaction delayed to the traumatic loss of his father. The treatment conducted primordially by the boy‘s mother, through the guidency of Winnicott, addresses the concept of management of the regression.

Keywords: Diagnosis, Management, Regression.


 

 

Para Winnicott, o início da vida é marcado pela solidão, da qual parte o movimento que levará a todo desenvolvimento psíquico. Para que esse movimento garanta, para além da ausência ou presença da doença, o desenvolvimento de uma pessoa capaz de encontrar sentido na vida, torná–la, como nos diz Winnicott, digna de ser vivida, esse movimento precisa favorecer crescimento natural, criatividade e contribuição pessoal; em síntese, a possibilidade de ser.

Assim, o primeiro passo é a solidão, e esta só ganhará existência psíquica numa situação de dependência máxima de um ambiente, que de início é a mãe. Sendo suficientemente boa, a mãe irá satisfazer as necessidades do bebê, não aquelas advindas das tensões instintuais, mas as originadas pelo próprio desenvolvimento do ego do bebê, que constitui o seu vir a ser. Para Winnicott, esse vir a ser nada tem de filosófico ou sentimentalista. Trata–se, para ele, de algo que tem a ver com experiência, vivência. Poderíamos dizer que o bebê, ao nascer, não precisa só mamar. Ele precisa, ele mesmo, mamar. Se a mamada é imposta, chega antes do tempo ou se é retardada, ela é vivida como intrusão e impede a continuidade do ser, do ser ele mesmo.

Dado esse estado de dependência absoluta nessa fase inicial da vida, qualquer falha nesse processo de vir a ser pode ser vivida com uma intensidade tal que poderia ser descrita como algo da ordem de um colapso, uma sensação apavorante de estar caindo continuamente, de estar completamente isolado num espaç sem espaço, perdido de tudo e de si mesmo, tal como nos dizem nossos pacientes mais regredidos. São as agonias impensáveis, conforme nos afirma Winnicott. Um trauma dessa ordem se dá pela ausência, nesse momento, de uma estrutura tal que permita à criança tornar previsível o imprevisível, e poder, assim, sobreviver psiquicamente. A intensidade do trauma depende, portanto, do grau de integração presente no momento em que ele ocorre.

É por essa visão da condição humana que Winnicott dará ao ambiente um valor primordial. É a capacidade da mãe de ir sensivelmente apresentando à criança o mundo e dando a ela a condição de viver a ilusão de sua criação que lhe favorecerá o vir a ser. Uma mãe suficientemente boa age de modo a garantir que o bebê possa vivenciar a apresentação do peito materno como se ele próprio, o bebê, tivesse–o criado.

O conceito de regressão e de manejo da regressão na situação analítica surge da transposição que Winnicott faz dessas considerações para a situação analítica. Para além da interpretação, é o setting e seu manejo que se tornam aqui a base do tratamento. Tempo, espaço, distâncias, presença ou ausência, dosados e manejados com sensibilidade, de acordo com a necessidade do paciente, são os fatores que contam para o desenvolvimento da análise. Para Winnicott, o manejo da regressão é uma das formas de atuação na psicanálise e deve, assim como as demais modalidades técnicas de intervenção, estar relacionado com a compreensão diagnóstica do paciente. Durante todo o desenvolvimento do trabalho analítico, diz–nos, estamos avaliando e reavaliando a força do ego do paciente, e é essa avaliação que vai definindo a interpretação, a regressão e o manejo, mesmo no desenvolvimento da análise de pacientes neuróticos diante de seus momentos regredidos.

O estudo e o lugar da regressão, segundo Winnicott, é uma das tarefas que Freud nos legou. Assim, o primeiro passo a levar–nos ao entendimento e ao uso correto da regressão passa pela possibilidade de diagnóstico. Podemos dizer sobre isso que Winnicott (1958a / 2000) costuma dividir os casos em três categorias distintas:

1. Os pacientes que funcionam em termos de pessoa inteira, cujas dificuldades se referem aos relacionamentos interpessoais; a técnica para o tratamento desses pacientes seria a psicanálise clássica.

2. Os pacientes nos quais a personalidade começu recentemente a integrar–se e a tornar–se algo com o que podemos contar. Trata–se aqui da análise do concernimento. A técnica para esse tipode trabalho é a mesma, a psicanálise clássica, porém acrescida dos manejos, que serão necessá– rios devido ao espectro mais amplo do material clínico abordado. O elemento importante aqui é a sobrevivência do analista.

3. Os pacientes cuja análise deverá lidar com os estágios iniciais do desenvolvimento emocional, anteriores ao estabelecimento da personalidade como uma entidade e anteriores à aquisição do status de unidade em termos de espaç–tempo. Aqui a ênfase recai sobre o manejo e, por vezes, passam–se longos períodos em que o trabalho fica aí restrito.

Nos casos em que é a regressão a esse estado de dependência que se faz necessária, visa–se ao restabelecimento da confiança no ambiente. Trata–se de poder criar para o paciente a adaptação ambiental que faltou a ele no seu processo de crescimento, sem a qual ele estaria restrito ao uso de seus mecanismos de defesa. Manejar o ambiente é propiciar o desenvolvimento, a progressão, agora diante de um ambiente confiável.

Para Winnicott, o que está na origem da doença é o ambiente, e é por isso que a análise deve manejar o ambiente. A vida psíquica refaz–se à luz dessa nova situação ambiental, dando ao indivíduo a oportunidade de viver algo até ali não experimentado e ter, assim, outro olhar sobre si mesmo.

Essa concepção de tratamento, cuja ênfase está no manejo e que prescinde, em certa medida, da interpretação, permite ao analista recorrer aos pais ou às instituições que acolhem a criança, como parceiros do tratamento. Ele entende que há, nesse procedimento, uma perda, sim, dado que esse tipo de tratamento não chega até onde a psicanálise clássica pode chegar, levando o paciente à percepção mais profunda de seus processos internos. Porém, essa perda não é muito significativa, porque o essencial é o paciente–bebê poder receber aquilo que toda criança tem direito no início da vida, ou seja, “um período em que é natural que o ambiente se adapte ativamente às suas necessidades” (Winnicott, 1958a / 2000, p. 184).

É dentro desses pressupostos que Winnicott desenvolve a cura de Patrick, (Winnicott, 1989a / 2000) que havia perdido o pai num afogamento no dia de seu 11° aniversário. Patrick teve uma reação emocional retardada a essa tragédia em que esteve envolvido. Esse retardo se deveu parcialmente ao fato de ele já se encontrar doente por ocasião da perda do pai; pode–se dizer que o episódio trágico fez parte da enfermidade total do menino.

Essa enfermidade teve como primeiro fator etiológico um período de afastamento da mãe, quando ele tinha cinco dias de idade. Em função de vômitos, fica internado por seis semanas e perde muito peso. Ao retornar para casa, tem uma rápida melhora. O segundo e mais importante fator foi um perigoso período de separação da mãe quando Patrick tinha um ano e meio de idade. A família com a qual ele foi deixado incentiva uma defesa maníaca. Também dessa vez ele tem uma rápida recuperação, depois de dormir por vinte e quatro horas no colo da mãe. A partir daí, Patrick estreita o laç que o une à mãe, baseado na incerteza dele quanto à confiabilidade dela. Isso acaba por interferir também no desenvolvimento de sua relação com o pai. Aí vem a tragédia e sua reação retardada a ela. Começa, então, a apresentar sintomas na escola. Torna–se paranoide, hipersensível a qualquer ideia de castigo e com alguns episódios alucinatórios. É nessa época que começa o tratamento com Winnicott.

Rastreando as questões técnicas de diagnóstico, manejo, regressão e interpretação, vamos encontrar as seguintes proposições. Os dados da história são levantados por meio da própria criança. Winnicott apenas faz algumas indagações que o ajudarão a preencher as lacunas. Assim procedendo, ele entende que colherá os elementos vitais da história, ainda que ela possa conter algumas incorreções. A criança relata e revela a própria história, permitindo o diagnóstico que determinará sua capacidade de tolerar os fatos. Sendo assim, enfatiza–se a importância do diagnóstico, no qual a avaliação da força do ego ganha importância. Pode–se assim avaliar: o grau de integração da personalidade; sua capacidade de suportar conflitos e tensões; suas defesas, tanto em força como em qualidade.

Apesar de ser o mais importante, esse não é, no entanto, o único diagnóstico de que ele necessita. Ele vai também levantar dados que lhe permitam diagnosticar o ambiente, avaliando a família e a confiabilidade ou inconfiabilidade do meio ambiente em geral. Dessa forma, irá atender pessoalmente à mãe apenas depois da sexta entrevista com o menino, e cinco meses depois da conversa inicial com ela por telefone, realizando, no espaç de um ano e meio, dez entrevistas com o menino e quatro com a mãe, além dos contatos eventuais com a escola e a orientação da mãe por telefone.

Essas foram as bases da análise que se realizou. Ainda assim, Winnicott afirma que esses princípios são os mesmos que caracterizam um tratamento psicanalítico. A diferença está em que, na psicanálise clássica, tenta–se fazer todo o possível, enquanto na psiquiatria infantil se faz o mínimo que precisa ser feito, sem que isso deixe de caracterizar–se como psicanálise, envolvendo manejos só possíveis a um analista.

Assim, ele acolhe, num primeiro momento, uma mãe que, ao telefone, revela–se cética e bastante hostil em relação ao tratamento psiquiátrico, mas que, no entanto, torna–se, ao longo do contato com Winniccott e através de suas orientações, capaz de desempenhar o papel de “amamentadora mental” de Patrick, fornecendo a ele as condições de ajuda que o levaram a superar seu colapso. Essa mãe, considerada pela escola como inadequada psicologicamente, é “diagnosticada” por Winnicott como aquela que será sua parceira nesse tratamento. De onde vem a confiança nessa mãe, tão desacreditada pela escola? Winnicott não nos descreve em detalhes, mas é certamente algo revelado nessa primeira conversa telefônica, que ele permite que seja longa e marcada por queixas, desabafos e críticas, que vai permitir–lhe diagnosticar a mãe como esse bom suporte, ainda que de início isso não se fizesse evidente. Podemos pensar que ele já via na forma como ela o afrontava qualidades da força de seu ego, digamos, suficientemente bom.

Vem, então, a primeira entrevista com Patrick, que dura duas horas; esse manejo do tempo é o primeiro movimento de Winnicott para estabelecer com ele uma relação de confiança. Podemos pensar com Winnicott: uma criança que passou por um trauma dessa ordem e custou a reagir, precisará de suporte especial, precisará de tempo. E é isso que ele lhe oferece. Usando o jogo do rabisco, Winnicott vai se dando conta tanto dos recursos como das possíveis defesas que estão presentes na personalidade dessa criança. Suas defesas, avalia, poderiam encobrir as tensões emocionais em função dos temores paranoides, mas também poderiam ser a base para um sistema organizado de pensamento.

Alguns desenhos vão–se revelando importantes. O segundo antecipa sua principal necessidade terapêutica – uma mãe segurando um bebê. O quarto, uma árvore no local da tragédia, antecipa a visão de que ele será capaz de lidar com o problema da morte de seu pai. São informações que não podem ainda ser avaliadas em seu significado e importância, mas que irão compor, a posteriori, o diagnóstico que permitirá os manejos subsequentes.

Num dos desenhos, o menino transforma o rabisco de Winnicott em uma cascavél; Winnicott percebe, então, como, pela transformação de impulsos agressivos em desenho “de arte, o menino revela a capacidade de controle sobre estes. Nessa mesma sessão, com a escuta interessada de Winnicott, Patrick vai revelando sua história e seus temores. Relata um sonho. Nele falta uma pessoa. Ao relatar detalhes do sonho, ele lembra de um bebê pulando para cima e para baixo e faz dessa cena um novo desenho.

Embora não exista ainda como entender a importância dessa informação, esse será um dos desenhos que mais irão contribuir para o diagnóstico dessa criança. O significado dele aparecerá na quarta entrevista. O menino, longe da mãe, sem poder vivenciar seus sentimentos, reage de forma maníaca. O menino diante da perda do pai, como que perdendo a mãe pela segunda vez, não pode vivenciar seus sentimentos e reage de forma maníaca mais uma vez. O diagnóstico vai–se estabelecendo.

É nessa entrevista que Patrick fala do amor pelo pai, mas de como o via pouco. Conta como os pais eram capazes de concordar um com o outro no geral, mas brigavam muito pelas pequenas coisas, cabendo a ele a tarefa de reuni–los. Vai assim revelando uma espantosa capacidade de insight. Winnicott e o menino podem, com base nisso, repassar em detalhes o episódio que levou à morte do pai. Patrick pensava que o pai era infeliz por não poder contar com a mãe, e que talvez sua morte tivesse sido um suicídio e, ainda, que, se o pai não tivesse morrido, a mãe se suicidaria. Essa era a verdade do relacionamento dos pais para o menino.

Do ponto de vista técnico, o importante a notar é que, até aqui, como em todo o tratamento depois, Winnicott, que vai já se dando conta de vários mecanismos do menino, não faz uma única interpretação. As interpretações podem ser, nessas situações, ainda que pertinentes e precisas, vividas pelo paciente como invasões do ambiente, levando–lhe a reviver as reações advindas das primeiras falhas ambientais. Nesses casos, quando interpreta, Winnicott está buscando mostrar aquilo que está impedindo o desenvolvimento. O que importa nesse tipo de tratamento é a conquista da confiança. Assim, ao final dessa longa entrevista, Winnicott diz–nos que ele e o menino sabiam, então, que havia muito mais a ser feito, mas isso não precisava ser dito. O efeito principal já havia se dado; Patrick tinha conquistado confiança em Winnicott e este já sabia bastante sobre o menino “desde dentro dele mesmo”.

Após essa entrevista, o menino tem um colapso, foge da escola e, na entrevista seguinte, ele mesmo é capaz de reconhecer que fora em virtude da confiança obtida em Winnicott na primeira entrevista que ele pôde entrar em colapso e que este o trouxe de volta. A terceira entrevista é marcada por muita tensão, mas o menino consegue comunicar–se de modo mais profundo, e é aí que é feito o manejo mais decisivo. Winnicott autoriza o menino a estar doente, promovendo a possibilidade de um lento processo de recuperação. Objetivamente, o manejo consistiu em comunicar ao menino que ele estava doente, tirá–lo temporariamente da escola e mandá–lo com a mãe para a casa da família a beira–mar, onde o pai se afogara. Portanto, os manejos decisivos foram: oficializar a doença e, com isso, autorizar a regressão; informar que ele (Winnicott) iria dizer à mãe o que fazer, criando simultaneamente uma relação de parceria com ela (parceria que fazia falta ao menino no vínculo dos pais) e assumindo um papel masculino forte e presente na vida do menino, presença paterna da qual Patrick também se sentia carente; por fim, informar que trataria com a escola a respeito do menino, mais uma vez o tranquilizando e liberando para a regressão de que ele necessitava.

O fator desencadeante da doença foi a perda da confiança na mãe quando das duas separações bem iniciais. Nas palavras do próprio menino, ele precisava ficar muito próximo dela a partir daí. Patrick diz: “O senhor vê, eu nunca mais fui capaz de ficar inteiramente seguro quanto à mamãe desde então, e isso fez com que eu me apegasse a ela, o que significava mantê–la afastada de papai; eu mesmo não tinha muito uso para papai”. Winnicott entende que, antes do conflito edípico, estava em causa a necessidade de estar com a mãe. Depois da perda da confiança, era preciso ficar muito próximo dela. O pai precisaria ter entrado como suporte da mãe nessa época, mas ele não pôde fazê–lo.

Da cama dos pais para o colo da mãe, como nos diria Loparic, eis aí o novo paradigma, a nortear as ações de Winnicott. é da mãe que ele precisa, num estado de dependência quase total, e é isso que Winnicott cuida para que aconteça. É de um pai que lhe dê segurança por meio de um bom suporte à mãe, e é isto que Winnicott oferecerá à mãe. Com a aliança com ela, Winnicott restabelece o laço do menino com a figura paterna.

O primeiro salto clínico importante ocorreu, no entanto, na entrevista seguinte, a quarta. Patrick havia tentado entender o significado do desenho do bebê pulando e, para tanto, fora conversar com a mãe. Descobre, então, o afastamento dela quando pequeno e a estada na casa de amigos, quando ficara superexcitável, pulando de cima para baixo. Ele lembra: “Era como no desenho e, quando mamãe me falou a respeito, lembrei–me das barras do berço”. Quando a mãe lhe deu colo, enquanto ele dormia durante vinte e quatro horas, ela já sabia que precisava dar–lhe esse suporte. Caso não o tivesse feito, é possível que já se tivesse dado ali “um rompimento do fio da continuidade de seu ser”. Patrick conta esse episódio e o que se segue, como se fosse um adulto falando de outra pessoa. É claro, preciso, e quase faz de si mesmo um pequeno diagnóstico.

Essa entrevista produziu no menino um grande alívio, dando início à fase de regressão, que o levaria a uma gradual recuperação. A necessidade de regressão se fazia necessária e ela se dá de forma profunda. Patrick reagiu durante esse período como se tivesse quatro anos de idade, dependendo muito da mãe. Numa pequena cartinha em que explicita sua confiança nela e em Winnicott, ele pede uma nova entrevista. Como uma criança pequena, escreve: “Você me ama? Muito obrigado. Posso ver logo o Dr. Winnicott?”

E assim é marcado o quinto encontro. Segundo Winnicott, ele vem a esse encontro para contar–lhe um sonho que, ao pedir a entrevista, ele já sabia que iria sonhar. Ele tinha algo importante a comunicar, precisava do encontro! Winnicott escuta o sonho e percebe que, através do relato deste, Patrick pôde reviver de muito perto a agonia real da situação de afogamento. Winnicott não faz sobre isso nenhum comentário. Apenas ouve. No entanto, quando, na sequência, o menino lhe pergunta sobre o que fazer com o fato de a avó ter tido um derrame e essa situação estar sendo muito difícil para a mãe, Winnicott, como poderia ter dito em relação à morte do pai, responde–lhe observando que tudo que poderia ser feito era sobreviver ao horror da situação.

Winnicott conclui que o sonho e seu relato haviam demonstrado a força da organização atual de seu ego e de sua capacidade em acreditar na mãe, em Winnicott, como substituto paterno, e no trabalho conjunto dos dois, como figuras parentais que sabiam agir em conjunto. A compreensão da situação triangular, nesse momento, entra para orientar–lhe quanto ao manejo necessário a ser dado ao caso. Acompanhar a mãe, orientá–la a acolher as demandas do menino para poder alterar a situação ambiental de perda de confiança na mãe, e no pai como suporte da mãe. Alterar a situação ambiental de forma a que ela restitua aquilo que foi perdido.

A sexta entrevista ocorre para que Patrick possa falar de sua depressão relacionada às ausências da mãe. Um mês depois disso, e cinco meses após o primeiro contato telefônico, ocorre a primeira entrevista com a mãe. Nesta, Winnicott está atento à possibilidade de fornecer à mãe o apoio que ela não sentia ter recebido do marido na educação dos filhos. Assim, ouve–a queixar–se da própria mãe, depois ouve seu relato sobre como usa de sua intuição para conduzir–se com Patrick e apoia a mãe em suas próprias ideias, reforçando a conduta de só permitir o retorno de Patrick aos estudos na medida de seus desejos. Explica que ela tinha uma missão, a de esperar por movimentos progressivos espontâneos dele e, de forma alguma, esperar qualquer coisa diferente disso nesse estágio. Ajudar a mãe a tolerar a regressão do filho é aqui o manejo fundamental.

Alguns dias mais tarde, ocorre a sétima entrevista com Patrick. A escola “tira” Patrick de seu estado de regressão lhe enviando provas que ele deveria fazer por escrito. Ele perde, assim, a capacidade de relaxamento e volta a se sentir perseguido. Winnicott vê, então, o menino e proíbe totalmente testes e exames. “Ponha–os na privada e puxe a descarga”, diz Winnicott ao menino. A mãe fica ansiosa, por temer a reação da escola, e esta desaprova o fato de o menino ficar longe do processo educativo, aos cuidados de uma mãe neurótica e sem nenhuma figura paterna. No entanto, Winnicott reafirma sua condução do caso, sendo esse mais um dos manejos necessários para garantir a regressão. O resultado é que Patrick pôde retomar seu processo regressivo, voltando a ser feliz e, inclusive, “brincando com as provas”, realizá–las.

Veio, então, o primeiro aniversário da morte do pai, juntamente com o aniversário de Patrick. O movimento da família teria sido o de realizar uma festa e isso teria escondido a ferida. Winnicott impede e aconselha mãe e filho a ficarem sozinhos. Não favorecer o retorno às defesas maníacas, um dos padrões defensivos do menino, foi o manejo desse momento, marcando a virada de um movimento regressivo para um progressivo.

A oitava entrevista foi para que Patrick contasse um sonho no qual ocorre uma conversa com um crítico de arte, revelando o retorno de figuras paternas vivas em sua realidade psíquica interna. A nona entrevista foi precedida de uma carta recomendando o retorno de Patrick à escola, tendo transcorrido apenas como uma boa conversa. Nada a interpretar, apenas a escutar, acompanhar, deixar ser.

Ocorre, então, a segunda entrevista com a mãe, e nela a mãe pôde se queixar de como ela havia ficado com raiva, por ter sido deixada “numa perna só”, sem apoio para ela mesma. Esse é o conteúdo básico dessa entrevista, e Winnicott sabe que a mãe finalmente podia agora ter sua vez, e é isso o que ele lhe oferece. Felizmente, como Winnicott esperava, ela pôde esperar e ser o suporte da regressão de que o menino precisava. A mãe conta o progresso do filho: estava agora entre os melhores da escola e gostando dos estudos; estava feliz e dormindo bem, e suas fobias haviam desaparecido completamente; podia aproveitar as férias, longe dela; demonstrava capacidade de insight, fazendo ele mesmo os planos para a passagem do segundo aniversário da morte do pai e recusando uma viagem com o amigos. Ao se dar conta de que a viagem seria numa ilha e que as datas seriam coincidentes, diz a si mesmo: “Nesse dia não, não seria bom estar no mar”. Não precisava contornar o momento, e sabia que ainda se achava afetado pelos sentimentos relativos à tragédia.

É possível, rastreando casos como esse, perceber como Winnicott lança mão de alguns recursos para construir os manejos e as interpretações que irão permitindo a cura da criança. Ele ouve a mãe, mas não a vê, vê o menino e não a ela, porque quer fazer um diagnóstico que lhe permita entender quais os manejos que serão necessários. Quando manda o menino com a mãe para a casa à beira–mar, ele ainda não sabe da importância para o menino da perda da mãe, nem sabe ainda que a perda do pai foi uma espécie de segunda perda da mãe. Mas já sabe da necessidade de regressão, em função do entendimento da fuga do menino da escola como um pedido de socorro. É o diagnóstico, nesse momento, que lhe orienta o manejo. A regressão faz–se necessária, e é para que ela aconteça que Winnicott dirige todos os seus esforços. Era o que, nesse caso, se fazia necessário e suficiente!

 

Referências

Winnicott, D. W. (2000a). Aspectos clínicos e metapsicológicos da regressão no contexto psicanalítico. In D. Winnicott (2000/1955d) Da pediatria à psicanálise. Obras escolhidas. (Trabalho original publicado em 1954; Bibliografia Huljmand: 1958a) Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (1958a). Tolerância ao sintoma em pediatria: relatório de um caso. In Winnicott (2000/1953b) Da pediatria à psicanálise. Obras escolhidas. (Trabalho original publicado em 1953; Bibliografia Huljmand: 1958a) Rio de Janeiro: Imago, 2000.         [ Links ]

Winnicott, D. W. (2000c). Um caso de psiquiatria infantil que ilustra a reação retardada à perda. Cap.43. In Winnicott (2000/1965f) Explorações psicanalíticas. (Trabalho original publicado em 1965; Bibliografia Huljmand: 1989a) Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E–mail: taniac.h@uol.com.br

 

 

* Psicóloga e Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae e professora do Centro Winnicott de São Paulo.