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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.13 no.2 São Paulo  2011

 

 

Skinner e uma crítica a Freud: apresentação e considerações1

 

A Skinner's criticism to Freud: introduction and remarks

 

 

Marcos Rodrigues da Silva*; Lucas Roberto Pedrão Paulino**

Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina
e-mail: mrs.marcos@uel.br,
e-mail: lucasrppaulino@gmail.com

 

 


Resumo

O artigo é uma apresentação de "Critique of psychoanalytic concepts and theories", traduzido neste volume. Num primeiro momento apresentamos algumas ideias gerais de Skinner. Num segundo momento, discutimos algumas teses de "Critique of psychoanalytic concepts and theories". Por fim, apresentamos algumas considerações filosóficas com base no artigo de Skinner.

Palavras-chave: Skinner, teorias e conceitos psicanalíticos, behaviorismo radical.


Abstract

In this paper we are concerned with an introduction of Skinner's "Critique of psychoanalytic concepts and theories", which was translated in this issue. In the first place, we present some general conceptions of Skinner. Second, we discuss some propositions of the "Critique of psychoanalytic concepts and theories". Finally, we present philosophical arguments from Skinner's paper.

Keywords: Skinner, psychoanalytic concepts and theories, radical behaviorism.


 

 

1. Skinner e o behaviorismo radical

Burrhus F. Skinner (1904-90) é um autor bastante reconhecido na Psicologia. Suas contribuições, entretanto, muitas vezes extrapolam essa área do conhecimento. Formado inicialmente em Literatura e posteriormente em Psicologia, sua história é marcada por interesses de cunho acadêmico, filosófico e científico. No início de sua carreira, após ganhar o Ph.D. em Filosofia, lecionou Lógica Matemática e Filosofia da Matemática em Harvard e compartilhou a cadeira da Junior Fellow de Harvard com Willard Quine (Malone, 2001, p. 66).

Entre outros fatores profundamente relevantes na construção do legado skinneriano estão os trabalhos de Jacques Loeb, com a fisiologia do cérebro e a psicologia comparada, de Bertrand Russell, com sua filosofia da linguagem, de John Watson, com o behaviorismo watsoniano, de Ivan Pavlov, com o condicionamento reflexo, de Edward Thorndike, com a lei do efeito, de Ernst Mach, com a descrição como explicação, e de Charles Darwin, com a seleção natural (Carrara, 2005, p. 98).

Essa lista parcial de nomes relacionados a Skinner é uma apresentação demasiado sumarizada dos trabalhos que de alguma forma auxiliaram na constituição do conjunto de suas obras. Ela pretende antes contextualizar histórica e teoricamente o rumo tomado pela teoria skinneriana do que identificar os diferentes aspectos de cada obra. Ela, assim, fornece alguns indícios da conjectura que proveu um suporte para o desenvolvimento da principal contribuição teórica de Skinner para a humanidade: o behaviorismo radical.

O behaviorismo radical é explicitamente apresentado como uma filosofia da ciência do comportamento, não como uma ciência do comportamento (Skinner, 1963, p. 951; Skinner, 1974, p. 3). Esta é uma filosofia preocupada com os problemas e os métodos da Psicologia que uniu partidários e gerou um programa de pesquisa válido e praticado até hoje. Tal programa de pesquisa consiste na análise do comportamento, que apresenta uma enorme variedade de práticas subsidiárias, como a análise experimental do comportamento, a análise comportamental aplicada e as psicoterapias analítico-comportamentais. Sendo todas de orientação behaviorista radical e constituintes de uma estrutura comunitária própria.

É importante ressaltar que o behaviorismo radical é um tipo de behaviorismo. Este último pode ser entendido como um movimento teórico-científico que representa uma mudança paradigmática proeminente na história da Psicologia, a saber, sua aproximação com os métodos das ciências naturais. Além disso, é um nome dado a um conjunto de teorias que versam sobre o comportamento, e cada uma delas apresenta explicações diferentes sobre as ações humanas e tem uma visão de ser vivo bastante diferente uma da outra. O behaviorismo seria mais bem entendido se fosse chamado de "behaviorismos", de forma que supor que o termo descreva "uma abordagem unificada não é nem consistente com a história nem com o fato corriqueiro de que grande parte da psicologia contemporânea pertence a uma tradição comportamental" (Chiesa, 006, p. 164).

O behaviorismo radical é, todavia, possivelmente o único constructo teórico behaviorista remanescente na atualidade que permanece orientando um grupo e uma prática científica consistentes. Ele difere dos outros behaviorismos – por exemplo, o behaviorismo watsoniano, cujo padrão explicativo é estímulo-resposta (S-R); os behaviorismos hullniano e tolmaniano, cujo padrão explicativo é estímulo-mediador-resposta (S-M-R) – pela demonstração do modelo operante do comportamento. Neste, o comportamento, entendido como um processo (Skinner, 1953, p. 15) que envolve a interação entre um estímulo/contexto, uma resposta e uma consequência (definindo o padrão S-R-C); é explicado pela descrição de sua regularidade e determinado pelas suas consequências.

Uma das principais teses do behaviorismo radical consiste na defesa de uma ciência do comportamento que se propõe a lidar com os fenômenos relacionais entre um organismo e seu meio com base naquilo que se pode observar e manipular diretamente, e, assim, prever, controlar, elaborar leis, etc. Essa tese contrapõe-se às abordagens que se propõem a lidar com os mesmos tipos de fenômenos, porém, com base em algo que não se pode observar e manipular diretamente, se é que pode ser observado e manipulado de alguma forma, e, ainda assim, tem a previsão, a ordem e o controle como valores. A crítica a essas últimas recebe nomes como antimentalismo ou anticognitivismo. Nomes que, na ausência do conhecimento da extensão da crítica podem ser, e o foram muitas vezes, mal interpretados. Como veremos agora, o artigo "A critique of psychoanalytic concepts and theories" consiste em uma parcela, direcionada à psicanálise, da crítica maior de Skinner às teorias ditas mentalistas ou cognitivistas.

 

2. A crítica de Skinner a Freud

O artigo "A critique of psychoanalytic concepts and theories" foi publicado em um período extremamente fértil no desenvolvimento do behaviorismo radical. Alguns anos antes foram publicados dois artigos, "The operational analysis of psychological terms" e "Are theories of learning necessary?", respectivamente em 1945 e 1950. Tais artigos foram marcos no behaviorismo radical e na carreira de Skinner, gerando efeitos discutidos até hoje. Eles abordaram questões sobre os limites ontológicos, lógicos, observacionais e procedimentais dos objetos de estudo de uma ciência, e podem ser considerados leituras preliminares a uma melhor compreensão da crítica dos conceitos e teorias psicanalíticos. Além disso, "A critique of psychoanalytic concepts and theories" foi publicado entre duas outras obras importantíssimas de Skinner, a saber, os livros Science and human behavior, de 1953, e Verbal behavior, de 1957, que estava sendo preparado desde antes de 1934. Ambas as obras trataram da possibilidade de uma ciência do comportamento, de seus possíveis problemas e soluções, e de suas características essenciais. Essas obras supracitadas fornecem um relevante contexto histórico e teórico da elaboração do artigo aqui examinado.

O ponto principal da crítica skinneriana a Freud não reside na discussão acerca da existência dos aparatos mentais por ele postulados, mas no argumento segundo o qual tais aparatos, enquanto objetos de estudo e prática psicanalíticos, não são delimitados com precisão dentro da própria teoria psicanalítica e, por isso, geram inúmeros problemas. Freud teria concebido seu objeto disposto em algum lugar da mente, não necessariamente físico, mas que, ainda assim, poderia ser descrito e explicado em termos físicos.

É importante entender os limites da crítica de Skinner para que ela não seja tomada como ingênua. De seu ponto de vista, ao conceber-se um objeto de estudo, também se deve delimitá-lo. A pergunta relevante é: no caso de uma ciência que lida com processos passíveis de observação e manipulação, por que atribuir a explicação a eventos que não podem ser observados ou manipulados? A intervenção do psicólogo não está no domínio da cirurgia, da medicação ou do esoterismo, assim, os limites explicativos de qualquer ciência que se preste a explanar um fenômeno que abrange eventos observáveis e manipuláveis deveriam ser aqueles que podem ser previstos e controlados. Quando Skinner dialoga com as teorias da aprendizagem que atribuem causas neurais, ele diz:

Nós todos estamos familiarizados com mudanças que supostamente estão no sistema nervoso quando um organismo aprende. Conexões sinápticas são feitas ou quebradas, campos elétricos são interrompidos ou reorganizados, concentrações de íons são formadas ou diluídas, e assim por diante. Em uma ciência da neurofisiologia, declarações desse tipo não são necessariamente teorias no presente sentido. Mas em uma ciência do comportamento, que está preocupada se, ou não, um organismo secretará saliva quando um sino toca, ou pula em direção a um triângulo cinza, ou diz bik quando um cartão sinaliza tuz, ou ama alguém que se assemelha a sua mãe, todas as declarações sobre o sistema nervoso são teorias no sentido de que não são expressadas nos mesmos termos e não podem ser confirmadas pelos mesmos métodos de observação dos fatos de que eles dizem dar conta (Skinner, 1950, p. 193).

De acordo com Skinner, seria problemático para uma ciência que seu objeto de estudo fosse concebido de tal forma, que a delimitação teórica desse objeto não permitisse ordem, previsão e controle. Um tipo de delimitação pode ser, por exemplo, identificar um objeto concebido a um objeto de outra ciência e atribuir ao primeiro as mesmas limitações e características do segundo. Caso as limitações de um objeto não se apliquem a outro, pode-se concluir que não são idênticos, e sua identificação seria ilegítima.

Skinner claramente identifica a natureza de seu objeto com a natureza dos objetos de estudos de ciências tradicionais como a física, a química e a biologia. O comportamento, enquanto objeto de estudo da análise do comportamento, teria sua natureza nessas ciências e não teria necessidade de ser justificado de outra forma. Ele afirma:

Quando dizemos que o comportamento está em função do ambiente, o termo "ambiente" presumivelmente significa qualquer evento no universo capaz de afetar o organismo. E parte desse universo está contida dentro da pele do próprio organismo. Algumas variáveis podem, então, relacionar-se com o comportamento de uma forma única. [...] No que diz respeito a cada indivíduo, em outras palavras, uma pequena parte do universo é privada (Skinner, 1953, p. 257; o itálico está no original).

E complementa:

O behaviorismo inicia com a assunção de que o mundo é feito de apenas um tipo de coisa – tratado com grande sucesso pelos físicos e suficientemente bem, para todos os propósitos, pelo senso comum. Organismos fazem parte desse mundo, e seus processos são, então, processos físicos (Blanshard & Skinner, 1967, p. 325).

Aquilo que ocorre no interior de cada um, como pensamentos e emoções, são, para o behaviorismo radical, objetos com as mesmas propriedades dos objetos da física, da química e da biologia, sendo passíveis de manipulação da mesma forma que os objetos dessas áreas. Essa visão, contudo, somente com dificuldade é partilhada com algumas formulações mais tradicionais. Segundo Skinner,

A ciência do comportamento não surgiu nesse campo especial [linguagem] para encontrá-lo desocupado. Elaborados sistemas de termos que descrevem o comportamento verbal têm sido desenvolvidos. O vocabulário leigo os tem em abundância. Retórica clássica, gramática, lógica, metodologia científica, linguística, crítica literária, discurso patológico, semântica e muitas outras disciplinas têm contribuído com princípios e termos técnicos. Em geral, entretanto, o assunto em questão não tem sido claramente identificado, nem os métodos apropriados para seu estudo têm sido desenvolvidos (Skinner, 1957, pp. 4-5).

Quando Skinner afirma que o assunto não está sendo claramente identificado, nem os métodos adequados para seu estudo estão sendo desenvolvidos, ele quer dizer que para o psicólogo, que lida com fatos mundanos diferentes dos da astronomia ou da química molecular, ou seja, que não lida com objetos de difícil acesso, observação ou manipulação direta, como as constelações ou os átomos, existem métodos mais eficazes (Skinner, 1969, pp. viii-ix).

O problema da teoria freudiana, nessa perspectiva, consiste na elaboração de um objeto de estudo além do alcance da própria teoria e, conseguintemente, da prática subjacente. Freud poderia ter declarado que os limites de seu objeto seriam, por exemplo, os limites fisiológicos do cérebro, tal como é estudado na biologia, aliando-se, assim, a uma ciência com um objeto preciso e delimitado, mas na operacionalização de seus conceitos não os declarou dessa forma. Ele os haveria apresentado de forma alusiva e, ao mesmo tempo, com pretensões científicas. Freud, então, haveria aceitado seu objeto de estudo como real em vez de ficcional, mesmo que na prática seu objeto não se identificasse com os objetos de ciências já consolidadas, ou seja, não fosse passível de ser abordado pelos mesmos métodos. Disso decorre a impossibilidade de previsão e controle pelos métodos físicos e naturais, tal como Skinner acrescenta:

Não importa o quanto desejemos representar tal sequência de eventos causais, não podemos satisfazer os requerimentos de interpretação, predição ou controle, a menos que voltemos aos eventos externos que agem sobre o organismo – eventos, além de tudo, que são observados tal como qualquer evento é observado nas ciências físicas e biológicas. É de senso comum, entretanto, tanto quanto de uma boa prática científica, assegurar que os conceitos de uma teoria do comportamento sejam explicitamente e cuidadosamente relacionadas com tais eventos. O que é preciso é uma definição operacional dos termos. Isso significa mais que uma simples tradução. O método operacional é comumente mal utilizado ao consertar e preservar conceitos que são estimados para razões alheias e irrelevantes. Assim, é possível reunir definições aceitáveis de instintos, necessidades, emoções, memórias, energia psíquica, e assim por diante, nas quais cada termo seja cuidadosamente relacionado a certos fatos comportamentais e ambientais. Mas não temos garantias de que esses conceitos serão úteis quando as relações funcionais forem mais bem entendidas. Um programa mais razoável nesse nível é tentar dar conta do comportamento sem apelar para entidades internas explicativas. Podemos realizar isso dentro da estrutura da Biologia, ganhando, assim, não apenas uma segurança pessoal do prestígio de uma ciência bem desenvolvida, mas também um extensivo conjunto de práticas experimentais e sistemas dimensionais. Estaremos prevenidos de supersimplificação e más representações dos fatos disponíveis porque não transmutaremos nossas descrições em outros termos. O critério prático de predição e controle nos forçará a considerar uma corrente causal completa em cada instância. Tal programa não está preocupado com estabelecer a existência de eventos inferidos, mas em avaliar o estado de nosso conhecimento (Skinner, 1955/1961, pp. 214-215).

O ponto de vista alternativo sustenta que Freud não descobriu o aparato mental, mas o inventou e questiona a necessidade de constructos desse tipo no prosseguimento de uma ciência comportamental. Ele elaborou um modelo causal com três aspectos principais: evento ambiental, estado mental e sintoma comportamental. E a explicação comportamental advém do estado mental. Esse tipo de explicação gera os problemas de como observar e manipular o estado mental, e é inadequado para representar a história ambiental, dificultando o estudo do comportamento como uma variável independente e obscurecendo as variáveis ambientais pela sua transformação em eventos internos.

Dos problemas resultantes dessa abordagem, Skinner cita cinco: 1) a natureza da ação como unidade de comportamento não é esclarecida, podemos "ter" comportamento apenas como expressão de eventos internos; 2) as dimensões do comportamento, como suas propriedades dinâmicas, não são adequadamente representadas; a probabilidade de um comportamento ocorrer é tratada como algum tipo de modificação interna, como aumento ou diminuição da quantidade de energia libidinosa, instintiva ou de tendências agressivas; 3) a gênese do comportamento é tratada como aquisição de eventos internos, posteriormente manifestados em comportamento, e não com o comportamento em si; 4) o tratamento do comportamento como dado observável inexiste; e 5) afasta-se dos problemas científicos legítimos relacionados ao estudo apropriado do comportamento; por exemplo, ao estudar a auto-observação representada fora dos limites da ciência física.

O artigo conclui dizendo que a teoria psicanalítica não permite a experimentação de seu objeto e, no máximo, deve esperar que as descobertas de ciências como a neurologia venham a satisfazer suas analogias. É importante ressaltar que, embora o título do artigo sugira o direcionamento de uma crítica específica à teoria freudiana, ele pode ser considerado como uma crítica muito mais abrangente. Segundo Dutra (2004, p. 195), uma discussão preliminar dessa crítica mais abrangente, que envolve uma análise operacional dos termos psicológicos, já estava presente no artigo "The concept of reflex in the description of behavior", publicado em 1931.

A crítica dos conceitos e teorias psicanalíticos ressalta, na teoria freudiana, aspectos de um tipo teórico cujos prejuízos e problemas já haviam sido previamente e com mais detalhes objeto de argumentação em outro trabalho, chamado "Are theories of learning necessary?". Assim, a crítica do artigo é proveniente de uma crítica maior direcionada às teorias que estabelecem um objeto de estudo fora do domínio da própria teoria ou que não delimitam seu objeto de estudo, tornando-o de difícil acesso ou controle, se é que pode ser acessível ou controlado.

 

3. Algumas considerações filosóficas

Nesse artigo, um ponto que chama a atenção é que Skinner nem sempre está reivindicando aquilo que os filósofos da ciência costumam denominar "referência empírica", ou seja, que a cada conceito introduzido em uma teoria haja uma referência empírica específica para este conceito. Em vez disso, Skinner abre margem para uma interessante discussão acerca da natureza relacional dos conceitos científicos, senão vejamos.

Por um lado, é possível reivindicar cientificidade para teorias caso estas apresentem evidência empírica para podermos afirmar com segurança a existência de objetos ou processos reais que correspondam aos conceitos por ela assumidos. Teorias científicas, entretanto, nem sempre conseguem estabelecer empiricamente a existência de objetos correspondentes aos conceitos; neste caso, dizemos que estamos diante de "entidades inobserváveis": entidades que são assumidas pelas teorias, mas que, ao menos em um primeiro momento, não são detectadas empiricamente (embora se presuma que o desenvolvimento da pesquisa científica acabe por conduzir-nos a uma demonstração futura de sua existência)2.

Note-se que estamos falando de "entidades", e entidades que são individualizadas (o gene, o elétron, o elemento químico etc.). Desde há algum tempo em filosofia da ciência existe, todavia, a opção por uma discussão que leva em consideração não a entidade isoladamente, mas a entidade em sua relação com outras entidades e no interior de teorias científicas. Tal abordagem será aqui denominada abordagem relacional dos conceitos científicos.
Um ponto interessante dessa abordagem é a exigência de que os conceitos científicos não apenas se estabeleçam em função de sua referência empírica, mas igualmente como conceitos relacionados com outros no interior de teorias científicas. Assim, para que um conceito se estabeleça, ele necessita estar conectado a outros conceitos já previamente estabelecidos. E isto abre margem para três considerações fundamentais para a compreensão dessa abordagem.

Em primeiro lugar, conceitos problemáticos (que denotam entidades inobserváveis) são assumidos muitas vezes em função do sucesso de determinadas teorias como um todo; isto é exemplificado por diversos episódios da história da ciência, tais como o conceito de gravidade (Kuhn, 1995, pp. 139-140), o conceito de flogisto (Thagard, 1992) e o conceito de dupla-hélice do DNA (Silva, 2007; 2010).

Em segundo lugar, mesmo conceitos não problemáticos (que possuem referencial empírico determinado) necessitam (no interior de uma abordagem relacional) criar relações com outros conceitos a fim de se estabelecer – um notável exemplo disto é o conceito de oxigênio (Thagard, 1992). Pois, de acordo com Quine, as sentenças (nas quais os conceitos estão inseridos) desempenham um jogo de "interanimação": uma sentença depende da outra para que a teoria como um todo possua um significado (Quine, 1960). Deste modo, mesmo sentenças que consideremos triviais estão imersas em suas relações com outras sentenças.
Em terceiro lugar, vem a questão – suscitada por Skinner – da relação com o conhecimento anterior. De fato, ao utilizar-se um conceito já consagrado por uma ciência – como é o caso do conceito de força –, espera-se alguma relação com outros conceitos também consagrados por esta mesma ciência, sobretudo no que diz respeito à questão da coerência. Assim, ao usar-se "força", espera-se que o usuário o faça de modo coerente com outros conceitos atrelados ao conceito "força". Note-se, porém, que não se está solicitando (ao menos, não direta ou preliminarmente) que tal conceito esteja empiricamente estabelecido (embora, no caso em questão, ele de fato esteja), mas simplesmente que ele seja coerente com outros conceitos a ele relacionados. Deste modo, Skinner aponta uma interessante discussão teórica sobre o modo pelo qual os conceitos são empregados, e uma discussão que não diz respeito apenas ao problema da referência empírica dos conceitos, mas igualmente ao problema da relação dos conceitos entre si.

Por fim, apontamos uma possível consequência dessa discussão sobre a abordagem relacional dos conceitos científicos. Sabe-se que um dos objetivos dos cientistas quando utilizam conceitos já consagrados por outras teorias (bem-sucedidas) é fornecer respaldo pragmático para suas próprias teorias; ou seja, fornecer a seus colegas de comunidade científica padrões científicos já bem estabelecidos em outros campos científicos. Assim, talvez seja o caso de interpretarmos o artigo de Skinner como reivindicação de uma relação da ciência do comportamento com a física não apenas com base em parâmetros de observabilidade, mas também em termos de constituição de uma ciência (a ciência do comportamento) que seja adequada aos padrões de uma outra (a física) já bem estabelecida.

 

Referências

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Recebido em 04/09/2011
Aprovado em 08/12/2011

 

 

* Doutor em Filosofia e professor do Departamento de Filosofia da UEL
** Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UEL
1 Esta apresentação, bem como a tradução do artigo de Skinner, ocorre no âmbito de pesquisas realizadas no Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina, especialmente no Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Especialização em História e Filosofia da Ciência, e mais especificamente ainda no grupo de pesquisa de história e filosofia da ciência do prof. Marcos Rodrigues da Silva.
2 Ocorre que teorias científicas, em sua demanda pela explicação de fenômenos, precisam muitas vezes adotar recursos extraobserváveis para dar conta desta demanda; tais recursos são as chamadas entidades postuladas, ou seja, entidades que não estão abertas à inspeção empírica direta (Psillos, 1999, p. 3).