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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.17 no.2 São Paulo  2015

 

ARTIGOS

 

O autômato: entre o corpo máquina e o corpo próprio

 

The automaton: between the machine body and the one's own body

 

 

Claudia MurtaI,*; Ericson FalabrettiII,**

IUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES)
II
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Esse trabalho discute, numa primeira parte, a ideia de corpo máquina em Descartes e homem máquina em La Mettrie. Num segundo momento, examina o alcance dessas ideias para as teorias contemporâneas do comportamento. Num terceiro momento, apresenta como MerleauPonty contrapõe a noção de corpo próprio ao conceito de corpo máquina para, enfim, discutir como Lacan propõe uma nova compreensão da noção de corpo máquina e de comportamento autômato.

Palavras-chave: autômato; corpo máquina; mecanicismo; fenomenologia; psicanálise.


ABSTRACT

This paper discusses initially the idea of machine body in Descartes and machine man in La Mettrie. Secondly, it examines the scope of those ideas for contemporary theories of behavior. In a third part, this work presents how Merleau-Ponty opposes the notion of one's own body to the machine body to finally discuss how Lacan proposes a new understanding of the notion of machine body and automaton behavior.

Keywords: automaton; machine body; mechanism; phenomenology; psychoanalysis.


 

 

Em seu texto La conaissance de la vie [O conhecimento da vida], George Canguilhem estabelece que o mecanicismo, muito mais do que o tema de uma época, "é uma atitude típica do homem ocidental" (Canguilhem, 1965, p. 110). Conforme Canguilhem, o que Descartes fez para o animal Aristóteles tinha feito pelo escravo, a quem considerava uma máquina sem alma, desvalorizando-o a fim de justificar sua utilização como instrumento. Assim, no seu entender, desde os gregos já intuíamos o orgânico como uma máquina. O modelo vivente-máquina é, como pretendemos discutir, o fundamento de todos os discursos sobre o corpo e sobre o homem que tem dominado diferentes campos da episteme: filosofia, psicologia, biologia e psicanálise. As reflexões em torno desse tema nos mostram que o mecanicismo não elimina a vida, mas retoma a máquina como um logos explicativo do organismo vivo. Mas o que significa mecanicismo? O que significa corpo máquina? Qual é o alcance desse conceito na explicação do comportamento, do corpo e do homem, sobretudo a partir da modernidade?

No século XVII, a tese mecanicista de Descartes sobre o corpo estabeleceu que o mesmo modelo de inteligibilidade dos objetos físicos explicaria o corpo humano. Se, em As paixões da alma, o corpo é comparável a um relógio, no tratado O homem, são as metáforas do órgão e de um sistema hidráulico que parecem sustentar a tese do corpo máquina autômato. Podemos dizer que Descartes estabelece um conceito tecnomecânico sobre o corpo humano, englobando conhecimentos da anatomia, da fisiologia e da física. Como podemos ler no sexto artigo do tratado As paixões da alma, o corpo humano funcionaria como um relógio:

[...] julguemos que o corpo de um homem vivo difere do de um morto como um relógio, ou outro autômato (isto é, outra máquina que se mova por si mesma), quando está montado e tem em si o princípio corporal dos movimentos para os quais foi instituído com tudo o que requer para a sua ação; [ele] difere de outra máquina quando está quebrado e o princípio de seu movimento para de agir. (Descartes, 2000, p. 79)

No tecnomecanicismo cartesiano, os corpos (e não os homens) não passam de aparatos autômatos. Como toda coisa extensa, a explicação do funcionamento de um corpo vivo deve ser procurada em conexões lineares, em forças físicas dispostas na forma de relações de causalidade no circuito fisiológico. Desse modo, para Descartes, a diferença ontológica entre a alma e o corpo não se aplicaria aos diferentes corpos, sejam eles naturais ou fabricados. Além do mais, não seria a alma que daria movimento e calor ao corpo, sendo estes princípios básicos de um corpo vivo, como afirma o quinto artigo de As paixões da alma: "Que é um erro que a alma dá movimento e calor ao corpo" (Descartes, 2000, p. 78). Os movimentos e as várias funções biológicas do corpo podem, então, ser reduzidas a operações quantitativas, ao choque de forças e tensões e a funções de causalidade. A proposição cartesiana do corpo como uma máquina, um autômato ontologicamente distinto da alma, reproduz no campo da medicina os princípios basilares da nova física24: causalidade mecânica, ação e reação etc. Em O discurso do método, escrito alguns anos antes de As paixões da alma, Descartes explicita na quinta parte o modelo mecânico do corpo:

[...] quão diversos autômatos ou máquinas móveis a indústria dos homens pode produzir, sem empregar nisso senão pouquíssimas peças, em comparação à grande multidão de ossos, músculos, nervos, artérias, veias e todas as outras partes existentes no corpo de cada animal – considerará esse corpo como uma máquina que, tendo sido feita pelas mãos de Deus, é incomparavelmente melhor ordenada e contém movimentos mais admiráveis do que qualquer das que possam ser inventadas pelos homens. (Descartes, 1979a, p. 60)

Entre todas as máquinas, o corpo, justamente por ser obra de Deus, seria a máquina mais perfeita. Além disso, de Deus depende toda a existência, ele é a garantia da ordem, do controle, da harmonia e do conhecimento. Seguindo as regras da mecânica, para Descartes um corpo é tudo aquilo que não pode ser movido por si mesmo, mas por algo alheio que lhe seja tocado. Assim, as ações corporais são puramente causais e seguem a disposição e a direção dos órgãos. Na visão cartesiana, o máximo que pode acontecer é que a alma esteja unida ao corpo, mas ela não faz parte do corpo, não se confunde ontologicamente com ele, como podemos ler em Meditações metafísicas. Já na parte final do tratado O homem, Descartes reafirma essa perspectiva tecnomecanicista sobre o corpo como um autômato, pois, no exame do corpo humano, importam tão somente os acontecimentos fisiológicos, e o sistema não se explica por nada estranho a ele, como, por exemplo, a noção de alma: "Suponho que o corpo não seja outra coisa que uma estátua ou máquina de terra (...)" (Descartes, 2009, p. 209). O tecnomecanicista cartesiano estabelece no campo da filosofia os princípios fundamentais para o pensamento objetivo de corpo máquina: 1) todas as funções – respirar, mover-se etc. – obedecem apenas a disposições internas dos seus órgãos; 2) o corpo é um objeto partes extra partes; e 3) a máquina é um todo organizado.

 

1) O homem-máquina

No século XVIII, Julien Offray de La Mettrie escreve o polêmico livro intitulado L'homme-machine [O homem-máquina]. Se Descartes propõe o corpo como uma máquina, La Mettrie conclui que o homem é uma máquina. Em suas palavras:

Eu creio que Descartes é um homem respeitável em todos os sentidos [...]. É verdade que este célebre filósofo enganou-se bastante, e ninguém discorda. Mas, enfim, ele conheceu a natureza animal; ele foi o primeiro a demonstrar perfeitamente que os animais eram puras máquinas. Ora, depois de uma descoberta dessa importância e que supõe tanta sagacidade, o melhor, sem ingratidão, é não prestar atenção em todos os seus erros! (La Mettrie, 1981, p. 206)

Há toda uma discussão se o materialismo de La Mettrie é ou não decorrente do pensamento de Descartes. Ao acompanharmos o movimento do pensamento no século XVIII, podemos perceber que, nesse século, a filosofia não tem como fundamento a ciência matemática, como o tem para Descartes. A base científica da filosofia no quadro teórico do século XVIII está voltada para as ciências naturais. Sendo assim, Julien Offray de La Mettrie elabora em sua obra uma tese própria para sua época. A proposta de Descartes, que descreve o funcionamento do corpo humano como uma máquina, é assim conduzida para outra afirmação mais radical: o homem é uma máquina.

Para Paul-Laurent Assoun, o mecanicismo de La Mettrie encontra sua fonte mais importante na fisiologia, e não se apresenta, como em Descartes, com referências eminentemente quantitativas: elas são qualitativas. Descartes aplica a racionalidade mecânica vinda da física, já La Mettrie participa de outra corrente do mecanicismo promovida no interior da prática médica de seu tempo e filiada à tradição hipocrática. Para La Mettrie:

Eu quero falar desse princípio incitante e impetuoso que Hipócrates chama de alma. Esse princípio existe e tem seu lugar no cérebro, na origem dos nervos, para os quais ele exerce seu império sobre todo o resto do corpo. Assim se explica tudo o que se pode explicar, até os efeitos surpreendentes das doenças da imaginação. (La Mettrie, 1981, p. 194)

A finalidade do homem-máquina está na própria máquina e isso confirma o monismo radical de La Mettrie. Já para Descartes, a tese do animal-máquina é a consequência do dualismo da alma e do corpo e serve para garantir ao homem seu privilégio metafísico, que consiste no pensamento, e que engaja também a imortalidade de sua alma. Nesse sentido, para Descartes, o mecanicismo serve para ultrapassar a ilusão do fenômeno e, pela via da realidade mecânica, conceber seu princípio real. Para La Mettrie, o princípio real é inconcebível e impõe o esquema mecânico como modo de ficção do real. Em suas palavras: "a natureza do movimento nos é tão desconhecida quanto a da matéria" (La Mettrie, 1981, p. 203).

Baseado na fisiologia de Albrecht von Haller, La Mettrie propõe que o corpo se representa como um conjunto de órgãos articulados cuja base é a fibra muscular e seu mecanicismo é neuromuscular. Em La Mettrie, a grande aproximação com o mecanicismo de Descartes está fundada na concepção de que "a matéria se move por si só" (La Mettrie, 1981, p. 202). Para La Mettrie, "a matéria organizada é dotada de um princípio motor que por si só a diferencia daquela que não o é" (La Mettrie, 1981, p. 203). E, para fazer homenagem ao materialismo, ele conclui seu manifesto da seguinte forma: "concluímos, então, ardorosamente, que o Homem é uma máquina, e que apenas existe em todo o Universo uma única substância diversamente modificada" (La Mettrie, 1981, p. 214).

Já na ciência contemporânea, herdeira dessas perspectivas tecnomecanicistas sobre o corpo e o homem, encontramos uma biologia e uma psicologia do corpo, cada uma falando a seu modo, mas todas, sem exceção, tomando o corpo como uma coisa ontologicamente distinta do pensamento. Na leitura merleau-pontyana, o discurso científico sobre o corpo, como encontramos na teoria do reflexo, fixou de modo geral dois princípios que ainda permanecem soberanos, sobretudo na práxis médica: 1) o corpo é uma coisa partes extra partes; e 2) no corpo operam relações de força de causalidade lineares. Desse modo, para a ciência em geral e mais particularmente para psicologia do reflexo, o corpo seria o invariante orgânico do conceito de coisa fixado pela ciência moderna. O corpo seria apenas o meio material que colocaria em relevo alguma marca, algum esboço dos nossos pensamentos, sentimentos, vontades e paixões.

O discurso científico converteu o corpo vivo em um objeto e excluiu a ideia de que gestos e expressões denotam uma certa maneira de ser no mundo em benefício de relações objetivas como: excitação, reação, reflexo, inibição etc. Sentir, por exemplo, seria tão somente ser afetado por uma qualidade e, por consequência, toda a resposta corresponderia a um equivalente de intensidade das excitações provocadas no tecido nervoso. O comportamento passou a ser visto como uma reação a um estímulo determinado, e as intenções motoras converteram-se em movimentos objetivos. O corpo tornou-se um objeto entre objetos, a subjetividade, um interior sem exterior e, finalmente, a intersubjetividade tornou-se um feito irrealizável, pois o outro passou a ser visto tão somente como um corpo-objeto. Como podemos acompanhar nas descrições de Ivan Pavlov, muito próximas às teses de La Mettrie:

Opino que temos o direito de supor, baseando-nos no que temos dito, que no fundo da, como assim dizemos, covardia e temores normais e, sobretudo, como base de todas as fobias patológicas, encontramos um simples predomínio do processo fisiológico de inibição; predomínio que expressa a debilidade das células corticais. (Pavlov, 1955, p. 81)

Assim, no corpo concebido como um objeto – sustentado por uma camada de processos mecânicos –, o sorriso, a tristeza e todas as formas de afeto, por exemplo, devem-se resolver numa série de relações orgânicas de matriz causal. "O corpo vivo assim transformado deixava de ser meu corpo, a expressão visível de um Ego concreto, para tornar-se um objeto entre todos os outros" (Merleau-Ponty, 1999a, p. 88).

 

2) A máquina energética

Em seu seminário Le moi dans la théorie de freud e dans la technique da la psychanalyse [O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise] (1978), ao comentar sobre a influência do mecanicismo na psicanálise, Jacques Lacan indica que a originalidade do pensamento biológico de Sigmund Freud quanto à suposição de um psiquismo energético tem origem na proposição do corpo humano como máquina. Segundo Freud, o sistema nervoso tende a retornar ao equilíbrio e o cérebro opera como um órgão homeostático. Os fatos que o fizeram acreditar nisso encontram expressão na hipótese de que o aparelho mental se esforça para manter a excitação baixa e constante. Essa é a formula do princípio básico do funcionamento mental proposto por Freud: o princípio de prazer.

Em sua formulação, o princípio do prazer se apresenta como regulador do curso dos eventos mentais da seguinte forma: uma tensão desagradável toma uma direção tal que seu resultado final coincide com uma redução dessa tensão, evitando o desprazer e produzindo prazer. O prazer é obtido quando o desprazer é eliminado. Assim, todo o trabalho mental se traduz em um aumento de tensão energética que gera desprazer, um desprazer tão insuportável que o prazer é obtido quando o desprazer é eliminado. O prazer reduz a tensão e encaminha o aparelho psíquico ao equilíbrio no nível mais baixo possível de tensão – no nível mais baixo possível até a morte. Assim, o princípio de prazer serve à pulsão de morte. De acordo com Freud, essa tendência geral é denominada princípio de nirvana, que, por influência da libido, é modificado em princípio de prazer. No texto freudiano:

Seja como for, temos de perceber que o princípio de nirvana, pertencendo, como pertence, à pulsão de morte, experimentou nos organismos vivos uma modificação através da qual se tornou o princípio de prazer, e doravante evitaremos encarar os dois princípios como um só. Se nos preocuparmos em acompanhar essa linha de pensamento, não é difícil imaginar a força que foi a fonte da modificação. Ela só pode ser a pulsão de vida, a libido, que, assim, lado a lado com a pulsão de morte, se apoderou de uma cota na regulação dos processos de vida. Assim, obtemos um conjunto de vinculações, pequeno, mas interessante. O princípio de nirvana expressa a tendência da pulsão de morte; o princípio de prazer representa as exigências da libido, e a modificação do último princípio, o princípio de realidade, representa a influência do mundo externo. (Freud, 1976, pp. 200-201)

A situação paradoxal é que o organismo vivo luta com toda a sua energia contra fatos que poderiam auxiliá-lo a atingir mais rapidamente possível seu objetivo de vida por meio de uma espécie de curto-circuito. O princípio do prazer é uma tendência que opera a serviço de uma função, o retorno ao inorgânico, e, nesse sentido, serve ao que está "além do princípio do prazer", ou seja, a pulsão de morte.

Os princípios que governam o funcionamento mental estão profundamente marcados pelas duas pulsões fundamentais. Trabalhando a noção desses princípios, Freud delimitou a existência da pulsão de morte. Ele percebeu que as pulsões de morte podem manifestar-se através da compulsão à repetição ou automatismo de repetição, percebida na análise de neuróticos e nas brincadeiras de crianças. O automatismo de repetição tem referência à pulsão de morte.

A pulsão se relaciona com a compulsão à repetição porque uma pulsão é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas – impulso que o vivo foi obrigado a abandonar sob a pressão de forças perturbadoras externas, expressão da inércia inerente à vida orgânica. As pulsões têm a aparência de ser uma força de mudança, mas expressam a natureza conservadora da substância viva. A seguir, o comentário de Lacan em seu seminário sobre essa proposta freudiana: "Em outros termos, a máquina se mantém, desenha certa curva, certa persistência. E é pela via mesma desta subsistência que alguma coisa outra se manifesta, sustentada por essa existência que está aí e que lhe indica sua passagem" (Lacan, 1978, p. 103). O homem como máquina energética é a proposta freudiana que se relaciona com os dois princípios da termodinâmica: o princípio da tendência ao equilíbrio que utiliza a ideia de conservação e o princípio da entropia que exprime a ideia de mudança.

 

3) O homem-máquina ocidental

A possibilidade de o modelo mecanicista – que acabou por alcançar as diversas áreas de conhecimento de nosso tempo – ser ou não uma consequência do pensamento de Descartes é paradoxal, como constatamos a partir das considerações de George Canguilhem e Paul-Laurent Assoun. Ambos anunciam que o mecanicismo é uma atitude do homem ocidental. Nessa acepção, "ocidental" é o homem-máquina, a corroboração exemplar dessa visão de mundo. A consequência desse tipo de pensar e viver a realidade do "homem ocidental" é aquela que o reduz a seu próprio fazer-se, ou seja, construir-se máquina. Isso confirma um monismo radical que acredita ao extremo na força da técnica sobre a vida. Tal ideia se distancia da então proposta por Descartes, que pensa o animalmáquina como consequência do dualismo alma-corpo, servindo para garantir ao homem seu privilégio metafísico, o pensamento, e, por conseguinte, torna-se impossível uma alma animal; contudo, a inscrição do mecânico no orgânico encontra também seus fundamentos no conceito cartesiano de animal-máquina. Dessa forma, segundo Canguilhem, o mecanicismo está inscrito no organismo independentemente da concepção antropomórfica ou teleológica do mundo físico. De todo modo, a paternidade da teoria mecânica do organismo é cartesiana.

As interpretações cartesianas do animal-máquina foram modificadas, mas o princípio geral foi mantido. Na cibernética, por exemplo, propõe-se como uma teoria aplicada, renovando o estudo da natureza, do animal e do homem a partir de modelos tecnológicos dispostos como válidos. A cibernética parte dessa afirmação radical de que não somente no organismo tudo é máquina, mas o organismo é apenas máquina, retomando, dessa forma, o essencial da tese do animal-máquina. Segundo Norbert Weiner, em seu livro Cibernética e sociedade:

Quando comparo o organismo vivo como tal à maquina, nem por um momento pretendo dizer que os processos físicos, químicos e espirituais específicos da vida tal como a conhecemos habitualmente sejam os mesmos que os das máquinas simuladoras de vida. Quero simplesmente dizer que ambos podem exemplificar localmente processos antientrópicos que talvez possam ser exemplificados de muitas outras maneiras que, naturalmente, não chamaremos nem de biológicas nem de mecânicas. (Weiner, 1993, p. 32)

O simulador encarna a coerência mecanicista e representa algo que vai além da referência humana e além do simbólico. Tanto faz se os autômatos são artificiais ou humanos, eles são descritíveis em termos fisiológicos. Para Weiner, importa se o simulador tem algumas caraterísticas básicas: se são projetados para realização de uma ação; possuem órgãos motores; estão em relação com o mundo exterior; são capazes de realimentação para ajustar conduta futura; e se possuem órgãos decisórios centrais e memória para o registro da informação retransmitida por comando. Para ele, o sistema nervoso e a máquina automática são análogos e a sinapse no organismo vivo corresponde ao dispositivo comutador da máquina. Ambos são dispositivos que resistem local e temporariamente ao aumento de entropia.

Segundo Jacques Lacan, a cibernética procede por um movimento de encontrar a linguagem humana funcionando praticamente só, pois ela demonstra que a máquina encarna a atividade simbólica mais radical no homem (Lacan, 1978). Pela ação da realimentação, a mensagem se processa no interior da máquina como abertura e fechamento articulados, do mesmo modo que acontece com as oposições fundamentais do registro simbólico. A cadeia de combinações possíveis de 0 e 1 seguem uma ordem que subsiste em seu rigor, independentemente do sujeito. Assim, como não há sujeito nessa operação, o simbólico se encarna no real da combinação de 0 e 1. Os nossos mecanismos simbólicos são os mesmos da máquina. Nas palavras de Lacan: "é necessário que isso funcione no real e independentemente de toda subjetividade" (Lacan, 1978, p. 342). Assim, para a psicanálise de orientação lacaniana, a proposição do homem-máquina ocidental é uma forma de encontro com o real do corpo.

 

4) O real do corpo

Quando Lacan apresenta o automatismo mecânico como o real do corpo que age independentemente de qualquer subjetividade, sua afirmação caminha na vertente cartesiana de distinção entre corpo e alma, pois o real do corpo máquina não permite a interferência de qualquer ordem subjetiva, seja consciente ou inconsciente. Segundo Descartes, o corpo máquina não tem alma e, segundo Lacan, também não tem consciência e muito menos inconsciente (Lacan, 1978, pp. 65 e 350). O automatismo é da ordem do real do corpo sem sujeito.

Devemos lembrar que, em seu texto "A ciência e a verdade" (1966/1998), Lacan identifica o sujeito do inconsciente com o sujeito da ciência. Para ele, a psicanálise seria impensável antes da ciência moderna inaugurada no século XVII. O correlato da ciência é a posição cartesiana do sujeito. O sujeito é, de fato, a condição da ciência moderna. Contudo, em vários momentos, Lacan aponta que a ciência é a recusa do sujeito. Já Descartes, ao mesmo tempo em que inventa o sujeito da ciência, abre a vertente da recusa do sujeito com a proposição da teoria do corpo máquina, que é isenta de sujeito. O sujeito é separado do corpo e isso tem consequências que implicam em sua recusa. O animalmáquina é proposto sem a possibilidade de inclusão do sujeito que, por sua vez, se solidariza, em seu surgimento, com o campo da metafísica. O sujeito é legado à metafísica, e o corpo máquina passa a ser submetido à investigação científica. Contudo, com a admissão do sujeito da ciência na psicanálise, Lacan traz de volta o sujeito que fora excluído da ciência. O inconsciente, por se assemelhar ao saber científico, traz o sujeito como efeito de seu saber, e não como sua causa, já que o sujeito do inconsciente é efeito da produção de saber efetuada na cadeia de significantes.

Quando La Mettrie pergunta em seu manifesto se "não é maquinalmente que o corpo se retira, arrebatado pelo terror diante de um precipício inesperado? / (...) não é maquinalmente que agem todos os esfíncteres? / (...) que os músculos eretores elevam o pênis no homem?" (La Mettrie, 1981, p. 193), podemos pensar que o recurso ao automatismo se dá quando o sujeito desaparece. E, sem o sujeito, o único operador que conta é o saber do corpo sem efeito de sujeito. O encontro com o real do corpo implica na perda do sujeito.

 

5) A crítica fenomenológica à noção de corpo máquina

Todavia, o automatismo e a ação reflexa esgotam a ideia de corpo? Husserl (2006) encontrou um novo sentido, uma nova perspectiva para a noção de corpo, alargando a visão objetiva dominante na psicologia, de uma massa partes extra partes, para a noção de corpo vivido. Para ele, é preciso considerar a diferença entre Leib e Körper. Em oposição a Körper, Leib é o corpo vivo e sensível, aquele que eu habito e, por isso mesmo, um corpo que não se reduz ao atomismo material das coisas. A significação fundante e original do mundo da vida – Lebenswelt – é a expressão das experiências do corpo vivo. Já Körper é o corpo da ciência, aquele tomado como uma coisa entre coisas: junção de órgãos no qual operam relações de causalidade lineares e objetivas. De modo geral, Körper é extensão, enquanto Leib é corpo sentiente-sentido, da experiência da reversibilidade, como foi ilustrado por Husserl e, mais tarde, por Merleau-Ponty, na imagem da mão que toca e, ao mesmo tempo, é tocada.

Em Merleau-Ponty, a noção de Leib vai ser enriquecida pelas ideias de ambiguidade, saber anônimo, sinestesia, reversibilidade, expressividade e afetividade, indicando, desse modo, o sentido mais próximo da noção de corpo próprio como antítese do corpo máquina. A ambiguidade do corpo não é conclusão teórica ou o signo de uma falha. É, antes de tudo, o sentido nascido da condição própria do corpo que embaralha todas as definições clássicas sobre sujeito e objeto. Ao corpo cabem todas as denominações do pensamento mecanicista e, ao mesmo tempo, nenhuma exclusivamente. Ele é um objeto, uma coisa, uma conexão de órgãos, uma massa de carne e é, também, um pensamento vivo. É um objeto, como a própria psicologia já havia descoberto, mas totalmente diferente da noção clássica de coisa, pois o corpo é um objeto que não me deixa e que não se deixa apreender por interior. O corpo nunca está diante de mim, mas, entre todos os objetos, é o único sobre o qual tenho o sentimento perpétuo de uma posse integral.

Sou o que sou porque tenho um corpo. É pelo meu corpo e tão somente pela minha existência corporal que encontro o sentido do meu ser-no-mundo, aquela significação perpétua de que sou um para-si cercado de coisas e de outros sujeitos: um para-si-para-ooutro. O corpo não é a sede da minha alma, mas a carne do meu ser. Mais do que o emblema de uma subjetividade, ele é o registro da minha situação no mundo. Tudo o que sou e faço é corporal. Mesmo funções interiores como pensar, imaginar, sonhar, comunicar, querer e respirar são experiências corporais. É impossível ser, agir e pensar fora de uma relação carnal. É sempre um ser corporal que pensa, imagina, vê, fala e se move, ainda que esse ser não tenha em determinadas situações voz ou mesmo não possa andar. O corpo opera como uma Gestalt, assim como a expressão não se resume apenas à voz e a visão não é exclusividade do olho. Como interpreta Merleau-Ponty em O olho e o espírito (2014), toco as coisas com a minha visão como, também, as vejo com as minhas mãos.

Mas é preciso compreender a teoria do corpo próprio de Merleau-Ponty além da antítese da tese do corpo máquina. Desde A estrutura do comportamento, ele contrapõe ao exame objetivo do corpo a perspectiva fenomenológica. Nesse caso, mais do que propriamente negar a tese do corpo máquina, é preciso reencontrar a significação estrutural presente no comportamento autômato e reconhecer que o corpo máquina é apenas uma variante reducionista nascida do corpo vivido. O exame que parece melhor reencontrar os limites do corpo máquina e a significação do comportamento autômato está na análise do caso Schneider, um paciente dos médicos Gelb e Kurt Goldstein. Schneider, à primeira vista, é um autômato perfeito. Paciente com ferimento de guerra sem sequelas aparentes, apresentava uma série de patologias: distúrbios de percepção, de reconhecimento visual e tátil, de motricidade, de memória, de inteligência e, como indicado a seguir, também de linguagem, como afasia e alexia. Na descrição de MerleauPonty, tomada de Goldstein, Schneider se apresentava como:

O sujeito não pode acompanhar um sermão ou um discurso. Fala fluentemente em respostas às solicitações de uma situação concreta; em todos os outros casos tem que preparar antecipadamente as suas frases. Para recitar as palavras de uma canção tem que assumir a postura do cantor. Não pode subdividir em palavras uma frase que acabou de pronunciar e, inversamente, palavras coerentes separadas por uma pausa nunca constituem para ele uma frase. Não sabe nem soletrar as letras de uma palavra que pronuncia bem como conjunto e nem escrevê- las isoladamente, ao passo que possui a palavra como conjunto motor automático. Isso mostra o quanto a linguagem é nele deficiente, embora essas insuficiências sejam especialmente marcadas na instituição de conjuntos simultâneos. (Merleau-Ponty, 1999a, p. 104)

As conclusões de Goldstein indicam que os sintomas de linguagem em Schneider são uma resposta do organismo aos problemas do meio e representam uma perturbação no comportamento de conjunto. Merleau-Ponty interpreta que é preciso considerar "que a doença não se refira ao conteúdo do comportamento, mas à sua estrutura e que, em consequência, ela não seja alguma coisa que se observa, mas que se compreenda" (Merleau-Ponty, 1999a, p. 93). No caso da alexia, por exemplo, o doente não demonstra incapacidade absoluta de ler, porém, não consegue ler fora de um contexto específico; a transformação ocorre no sentido de um comportamento menos diferenciado, menos organizado, mais global, mais amorfo e quase totalmente aderente ao meio. A doença, portanto, não se refere ao seu conteúdo, mas à sua estrutura, pois a função da linguagem se mantém quase intacta e Schneider permanece como alguém que fala. É o que Goldstein denomina atitude categorial: "o distúrbio poderá (...) ser definido como incapacidade de captar o essencial de um processo ou, enfim, como a incapacidade de circunscrever nitidamente um conjunto percebido, concebido ou apresentado a título de figura em um fundo tratado como indiferente" (Merleau-Ponty, 1999a, p. 98).

Já a patologia motriz de Schneider dissocia o pegar e o mostrar: "Um doente a quem se pede que mostre com o dedo uma parte do seu corpo, por exemplo, o nariz, só consegue se lhe permite pegá-lo" (Merleau-Ponty, 1999a, p. 150). Essa diferença entre pegar e mostrar está na base da distinção entre o espaço nascido do esquema corporal e o espaço objetivo, pois é semelhante à distinção entre movimentos abstratos – que visam o espaço virtual – e concretos, entre o atual e o virtual. Quando recebe um estímulo qualquer – uma agulhada no braço, por exemplo –, Schneider só é capaz de identificar onde ocorreu o estímulo se puder alcançá-lo posando a própria mão no local dolorido. Ele é incapaz de identificar o local exato da agulhada no seu corpo mostrando ou dizendo algo como "acima do joelho", "no antebraço esquerdo" etc. Schneider somente executa movimentos e localiza no seu corpo os estímulos que se ligam ao complexo vital de sua existência; para ele, o espaço só existe a partir de situações práticas. Schneider não pensa, não localiza o virtual: ele se mantém inteiramente no espaço concreto no fundo de movimento dado para alguém que perdeu o sentido do espaço simbólico, pois a morbidade de Schneider é um enfraquecimento do esquema corporal em benefício das relações vitais. Sua patologia não revela apenas uma perda de função, mas uma desorganização encontrada no esquema corporal e, por consequência, na relação de conjunto do doente com o mundo:

Abaixo da inteligência enquanto função anônima ou enquanto operação categorial, é preciso reconhecer um núcleo pessoal que é o ser do doente, sua potência de existir. É aí que reside a doença. Schneider ainda gostaria de ter opiniões políticas e religiosas, mas sabe que é inútil tentar. Ele precisa contentar-se com crenças grosseiras, sem poder exprimi-las. Ele nunca canta ou assobia por si mesmo [...], nunca toma inciativa sexual. Nunca sai para passear, mas sempre dá uma caminhada. (Merleau-Ponty, 1999a, p. 188)

O comportamento autômato de Schneider – sem opiniões, sem iniciativa, sem espontaneidade etc. – não se explica simplesmente pela perda de dados táteis e visuais, ou mesmo por causalidades reflexas, mas está ligada à vida prática do sujeito, à perda de um referencial simbólico, de um espaço virtual. O enfraquecimento do corpo para esboçar um comportamento fora do habitual resulta de um déficit da intencionalidade original nascida no esquema corporal, no domínio imediato do eu desejo, e não do eu penso. Como o texto anterior indica, Schneider nunca procura o ato sexual, não se excita pela visão e quase nunca abraça espontaneamente, e o beijo para ele nunca tem valor de estimulação sexual. Todas as reações de Schneider são locais e dependem de contato. O gozo é raro, somente físico e sempre sem sonhos. Ele vive uma inércia no domínio da vida desejante. O exame de seu comportamento patológico mostra que entre o automatismo e a representação existe uma zona vital sexual, um Eros ou uma Libido que animam o mundo original. É a estrutura da percepção erótica que está alterada. O corpo do outro para Schneider não tem essência particular, pois ele perdeu o poder de se colocar em situação erótica, de projetar um mundo afetivo diante de si: as pessoas não são atraentes, não são simpáticas e nem bonitas, assim como a natureza é apenas funcional. O mundo da vida e das paixões é, podemos dizer, neutro. Em um sujeito normal, a percepção do corpo do outro é habitada por um esquema sexual, por zonas erógenas e afetivas. O corpo do outro é compreendido com os caracteres equivalentes ao vivido no próprio corpo (MerleauPonty, 1999a, p. 183).

Podemos ler em Lacan essa mesma perspectiva sobre o comportamento autômato de Schneider. Todavia, além da amizade entre Merleau-Ponty e Lacan25, podemos destacar convergências entre a teoria psicanalítica de Lacan e a teoria fenomenológica de Merleau-Ponty, presentes, sobretudo, nos primeiros escritos de Lacan. Como lembra Eran Dorfman, Lacan criticou, a exemplo de Merleau-Ponty, a teoria mecanicista da ciência aplicada à causalidade das patologias psíquicas. Referindo-se diretamente à teoria da psicogênese de Henry Ey, Lacan recusou a relacionar de maneira determinante a gênese de qualquer transtorno mental a dispositivos de jogos compreendidos unicamente no corpo, jogos que repousariam, em última análise, em interações moleculares prolongadas "partes extra partes", como foi pensado pela física clássica e pela teoria do reflexo.

Nesse texto, Lacan parece concordar com a críticas de Merleau-Ponty ao mecanicismo científico e à teoria do localizacionismo. Entretanto, é a intepretação de Lacan do caso Schneider que nos interessa aqui. O paciente apresenta uma cegueira psíquica que, seguindo Lacan, não pode ser explicada exclusivamente a partir de dados fisiológicos, pois, mesmo considerando que a lesão é "localizada na área de projeção visual", Schneider apresenta sintomas que afetam toda a esfera da vida simbólica, conforme já descrevemos anteriormente. Todavia, Schneider é, à primeira vista, um modelo quase perfeito de autômato. Mas, considerando as análises de Merleau-Ponty e Lacan, poderíamos perguntar: onde se encontra esse automatismo? No corpo? Na consciência? Para o filósofo e o psicanalista, a patologia de Schneider não está no substrato fisiológico ou mental, trata-se, antes, de uma patologia de estrutura. Conforme a leitura de Eran Dorfman, isso é suficiente para Lacan encontrar por meio desse caso a mesma estrutura que a loucura e, especialmente, a do ser humano como tal. É preciso compreender Schneider além do automatismo e, ainda mais importante, é preciso reter o que o automatismo nos ensina. Sua cegueira não resulta do substrato fisiológico, mas é uma condição que afeta a relação entre a visão e a função simbólica.

Ainda que, ao contrário da fenomenologia, a vocação clínica da psicanálise não vise transformar o sujeito empírico em transcendental ou fenomenal, já que o objetivo terapêutico é curar o ego empírico e não levá-lo ao domínio das coisas mesmas, Lacan propõe um caminho que não refuta em absoluto o automatismo. Assim como a loucura, é preciso compreendê-lo num jogo de causalidades muito mais rico do que o da mecânica clássica. O caso Schneider nos mostra que, no lugar da teoria mecanicista, devemos caminhar em direção a uma metafísica da causalidade psíquica, cujo âmbito de aplicação se estende bem além do reino da loucura: ela está, podemos dizer, presente no modo como o nosso corpo interage e reage no mundo.

Desse modo, na perspectiva da psicanálise lacaniana, podemos anotar que, diante do encontro com o real, o sujeito apresenta-se antes de tudo pelo e com o seu corpo. Essa elaboração sobre o real foi formulada por Descartes pela via do animal-máquina e desenvolvida em outras teorias decorrentes do mecanicismo, as quais apontamos algumas. Em Lacan, como podemos ler em "Freud, Hegel e a máquina" (1978), o corpo máquina não é, em uma última instância, uma coisa ou, tão somente, uma objetificação do simbólico. Podemos concluir que o corpo de Schneider é uma máquina reveladora da "atividade simbólica mais radical no homem" (Lacan, 1978, p. 95). Desse modo, a psicanálise, ao adotar o sujeito da ciência como sujeito do inconsciente – aquele sujeito que somente passou a existir e ter um corpo depois de Descartes –, trabalha na perspectiva da retomada do sujeito como efeito da produção de saber sempre que ele falta.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Claudia Murta
E-mail: cmurta@terra.com.br

Ericson Falabretti
E-mail: efalabretti@gmail.com

 

 

* Professora do programa de pós-graduação em filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
** Professor do programa de pós-graduação em filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
24 Em seu Le seminaire, livre 2 (1978), o psicanalista Jacques Lacan comenta que "o médico, em relação ao corpo, tem a atitude de um senhor que desmonta uma máquina" (Lacan, 1978, p. 93). É impressionante como a ideia do corpo máquina se adapta bem ao campo da medicina intervencionista, pois em uma máquina pode-se intervir tranquilamente. Quando entra em um hospital, um paciente se torna instantaneamente uma máquina ou, como enuncia Descartes nas Meditações metafísicas, o mesmo que um corpo morto. As dissecações anatômicas levaram à grande mudança da ideia de corpo na modernidade. Lacan continua: "esta perspectiva, que decompõe a unidade do vivente, tem, certamente, algo de transtornante, escandaloso, e toda uma direção de pensamento se coloca em oposição – eu penso no gestaltismo e outras elaborações teóricas de boa vontade, que gostariam de retornar à harmonia natural preestabelecida. Claro que nada prova que o corpo seja uma máquina, e tem mesmo todas as chances que ele não o seja. Mas o problema não está aí. O importante é que a questão foi abordada assim por Descartes. Ele não estava só, pois se fizeram necessários muitos desenvolvimentos para que ele pudesse começar a pensar o corpo como uma máquina" (Lacan, 1978, p. 93).
25 Cf. artigo de Lacan publicado inicialmente na revista Tempos modernos em homenagem a MerleauPonty: Lacan, J. (2003). Maurice Merleau-Ponty. In J. Lacan, Outros escritos . Rio de Janeiro: Zahar.

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