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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.18 no.2 São Paulo dez. 2016

 

DOSSIÊ

 

Pressupostos conceituais para a compreensão de angústia em Freud e em Winnicott

 

Conceptual presuppositions to understand the anxieties in Freud and in Winnicott

 

 

Eder Soares Santos*

Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo consiste em apontar alguns pressupostos conceituais que são necessários para se compreender a teoria da angústia em Freud e em Winnicott. Trabalhamos com a ideia de que a teoria psicanalítica de Freud e a de Winnicott constituem paradigmas diferentes. Isso significa dizer que o conceito de angústia, no desenrolar da história da psicanálise, sofreu algumas mudanças, seja em Freud, com sua primeira e sua segunda teoria sobre a angústia, seja em Winnicott, ao introduzir o conceito de angústias impensáveis. Procurar-se-á mostrar que o conceito de angústia pode ser lido de outra perspectiva na qual o acontecer no mundo do ser humano é mais importante do que o funcionamento dos seus mecanismos psíquicos.

Palavras-chave: angústia; complexo de Édipo; amadurecimento; paradigma; Freud; Winnicott.


ABSTRACT

This article aims to show some conceptual presuppositions to understand the anxieties in Freud and in Winnicott. We defend the idea that both Freud's and Winnicott's psychoanalytic theories represent different paradigms, i.e., that the concept of anxiety, in the history of psychoanalysis, has undergone some changes, not only in Freud with his first and second theory of anxiety, but also in Winnicott, as he introduced the concept of unthinkable anguish. We seek to demonstrate that the concept of anxiety can be read from a different point-of-view, where the human Dasein is more important than the operation of their psychic mechanisms.

Keywords: anxiety; Oedipus complex; maturation; paradigm; Freud; Winnicott.


 

 

1) Introdução

Desde 1895, o tema da angústia já preocupava Freud (Cf. Freud, 1895/1987). Nessa data, ele esboçou sua primeira teoria de angústia, que permaneceu sem grandes alterações até o surgimento da segunda tópica do aparelho psíquico. Essa mudança é marcadamente clara no texto Inibições, sintomas e angústia, de 1924.

A primeira teoria propunha que a angústia era produzida por um acúmulo de tensão sexual que ou foi descarregada de forma inadequada ou não foi nem mesmo descarregada.

Freud procurou desenvolver essa teoria em seus vários aspectos, como a angústia no sonho. Porém, ela foi mais bem apresentada em relação às fobias. Na "Conferência XXV" (1916-1917/1987) das Conferências introdutórias à psicanálise, Freud manteve a base de seu ponto de vista com relação ao conceito de angústia, precisando melhor e ampliando sua compreensão sobre o tema. Nessa conferência ele introduziu as ideias de uma angústia realística e de uma angústia neurótica juntamente com a de um sinal de desprazer (Unlustsignal), que, porém, na conferência em questão, ele chamou de estado de preparação para a angústia (Angstbereitschaft). (Cf. Freud, 1916-1917/1987, p. 410). Além disso, também aparece ligada ao conceito de angústia a ideia de que um evento primevo representou uma ameaça de perigo, gerando angústia.

Entretanto, sua preocupação era com a angústia neurótica, já que o que era temido na angústia realística era um perigo externo sobre o qual se tinha consciência. Freud queria saber o que era temido na angústia neurótica. Nessa época, ele acreditava que o que era temido era a própria libido do sujeito que, de algum modo, tornou-se não utilizada. Ele também considerava nesse período que a angústia surgiria durante o processo de repressão.

A segunda teoria, definitiva em sua obra, apresenta o ego como a sede real da angústia, podendo só ele produzir e sentir angústia. A angústia vai ser um sinal que anuncia um perigo relacionado a uma ameaça de perigo externo (angústia realística) que se liga a um perigo interno. Esse perigo externo é a castração, que provoca angústia frente às exigências da libido. Vindo de fora, esse perigo só é uma ameaça porque a criança acredita nele, quer por motivos culturais, quer por motivos filogenéticos.

Essa angústia de castração está claramente ligada à fase em que o menino está passando por seu complexo de Édipo. É com a destruição desse complexo que o menino poderá eliminar esse seu medo de ser castrado pelo seu rival – seu pai – porque ele (o menino) ama sua mãe. Tendo passado por essa fase, o menino segue para o período de latência. Freud não deixa muito claro o que se passa no caso das meninas, uma vez que elas já seriam "castradas", contudo, ele adianta que suas angústias devem estar relacionadas à perda do amor1.

De Freud até nossos dias, o conceito de angústia vem sofrendo mudanças. Vemos em Winnicott um referencial importante para o aprofundamento desse conceito. Tomando como base a teoria do amadurecimento pessoal para o estudo do conceito de angústia em sua obra, nota-se que a questão da angústia pode se impor ao bebê desde o início. Dessa opinião também compartilhava Freud, que relacionava a angústia à ameaça de repetição de um evento primevo na experiência do indivíduo, isto é, ele acreditava que a angústia devia ter alguma relação com a experiência do nascimento2.

Porém, para Winnicott, as angústias do início do existir humano estão ligadas ao continuar-a-ser do bebê. Esse continuar-a-ser é proporcionado pelo cuidado que a mãe (ou aquele que se dedica a cuidar) provê ao seu bebê. Nessa fase muito inicial, as angústias que o bebê pode sentir são denominadas de impensáveis, pois não são definíveis em termos de relações pulsionais de objeto, não estão baseadas em relações representacionais de objeto e se referem a um momento anterior ao início de qualquer capacidade relacionada a mecanismos mentais (Cf. Loparic, 1997). Ao bebê que está surgindo, só importa sua continuidade de existir e é justamente essa continuidade que é atacada por essas angústias.

Essas angústias se instalam quando forma-se um padrão de falhas no cuidado e na lida que se tem com o bebê. Isso provoca a ele, que ainda está em seu início, insegurança e imprevisibilidade, ou seja, provoca a impossibilidade de estar sendo mantido (holding) no tempo e no espaço. Ao assumir essa perspectiva, Winnicott não relaciona essas angústias com nenhum tipo de experiência pulsional. Elas dizem respeito ao ser do bebê, ao gradativo amadurecimento do seu existir.

Por consequência, destacando alguns pontos nos quais esses autores se diferenciam no modo de abordar a psicanálise, vemos, por um lado, Freud conceituar as pulsões (Triebe) como inerentes desde sempre na vida do indivíduo e, por outro, notamos em Winnicott que essas pulsões – enquanto entidades metapsicológicas que fazem parte de um aparelho psíquico – são deixadas de lado. Mesmo quando Winnicott se refere a elas, estas não são pensadas como inerentes. Elas são, com o gradativo processo de amadurecimento, criadas e organizadas pelo bebê graças à presença da mãe que lhe provê cuidados necessários e adequados no momento apropriado.

A partir dessas distinções, veremos que, ao tomar o complexo de Édipo como seu problema exemplar, Freud estabeleceu um paradigma3 de grande importância para a história da psicanálise. Todavia, percebemos que Winnicott procura outro paradigma para constituir sua teoria, paradigma esse baseado no existir do ser humano enquanto possibilidade de continuar-a-ser através de um processo de amadurecimento contínuo e gradativo que culmina com a morte.

Freud estava ocupado com a angústia do ser que já existe e precisava lidar com seus conflitos psíquicos. Já Winnicott estava preocupado com a angústia de ser daquele que primeiro precisa chegar a existir de alguma forma no mundo para, então, poder lidar com os conflitos inerentes a este.

 

2) Pressupostos freudianos para o conceito de angústia

Gostaríamos de destacar algumas distinções entre os conceitos de angústia em Freud e em Winnicott. Procederemos, portanto, da seguinte forma: primeiro retomaremos algumas questões que parecem ser importantes para o pensamento da teoria freudiana. Em seguida, procuraremos mostrar que em Winnicott essas questões já não são mais as mesmas ou, pelo menos, que o seu grau de importância foi deslocado. Por fim, veremos que, em Winnicott, as considerações teóricas de Freud assumem outras perspectivas e, por isso, aquele utiliza-se de outro paradigma em sua teoria psicanalítica.

Parece-nos ser correto dizer que, em Freud, os distúrbios psíquicos estão ligados à ordem temporal e causal das representações conscientes, o que significa dizer que "os distúrbios podem ser vistos como lacunas nas cadeias de atos conscientes" (Loparic, 1999a, p. 339). Em outras palavras, isso quer dizer que o ser humano está sob a ordem de um tempo linear e de um determinismo causal que garantem seu bom funcionamento, sendo que as lacunas representam as quebras ou falhas entre esses elos temporais e causais. Assim, entre a representação de algo que ficou perdido ou escondido em algum lugar e a realidade há um espaço, uma lacuna. Afirma Freud:

[...] os dados da consciência [Vorstellung] apresentam um número muito grande de lacunas [lückenhaft]; tanto nas pessoas sadias como nas doentes ocorrem com frequência atos psíquicos que só podem ser explicados pela pressuposição de outros atos para os quais, não obstante, a consciência não oferece qualquer prova. (Freud, 1914/1991, p. 265)

Representação (Vorstellung) é um conceito-guia para se compreender a teoria freudiana. A representação dos distúrbios psíquicos, reprimidos, que estão distanciados do consciente por essa lacuna, é explicada por Freud por meio de sua regra fundamental: "Comunique tudo sem omissões e sem crítica". Em Freud, a regra é a da comunicação verbal. O princípio da representabilidade segue o princípio da verbalizabilidade (Cf. Loparic, 1999b). É essa representação por meio de uma palavra (Wortvorstellung) que ocorre ao sujeito de forma súbita (Einfall), que vai preencher os espaços vazios entre o que ficou reprimido no inconsciente e o que é representado no consciente.

Com Freud e a psicanálise, descobrimos, num primeiro momento, que temos um sistema consciente, pré-consciente e inconsciente. O funcionamento desse sistema poderia ser descrito em duas fases. Na primeira fase, o ato psíquico inconsciente, que pertence ao sistema inconsciente, procura passar para o sistema consciente. Para que tal passagem ocorra, esse ato psíquico é submetido a uma espécie de teste, de censura; se nesse momento ele for rejeitado por essa censura, então não passará para a segunda fase, que é a do sistema consciente. Do ato psíquico que foi censurado diz-se, normalmente, que ele foi reprimido e permaneceu no inconsciente. Todavia, o fato de ter passado para a segunda fase não determina uma relação direta desse ato com a consciência, embora agora não esteja operando uma censura como a de outrora. Assim, presume Freud que, por haver uma capacidade de esse ato psíquico tornar-se consciente, também o sistema consciente pode ser denominado de pré-consciente. Este também exercerá certa censura sobre o ato psíquico, porém, dessa vez, uma censura menos acentuada.

Num segundo momento, em geral denominado segunda tópica, Freud esclarece, precisa e muda um pouco sua abordagem do aparelho psíquico. Isso porque, desde a obra Além do princípio de prazer (1919), Freud vinha tentando dar conta de fazer caber em sua teoria, de forma inteligível, a pulsão de vida e a pulsão de morte4.

Freud sustenta em O ego e o id (1923) a opinião de que um elemento psíquico, uma ideia (Vorstellung), não é consciente o tempo todo. No entanto, essa ideia permaneceria latente, sendo capaz de tornar-se consciente novamente. Portanto, pode-se dizer que essa ideia era inconsciente, no sentido de que era capaz de tornar-se novamente consciente. Entretanto, não é esse tipo de inconsciente que Freud procurar esclarecer. Há, segundo ele, ideias e processos mentais de grande força que não se tornam conscientes, mantendo-se reprimidos, observações essas que já aparecem em O inconsciente, de 1915.

Duas formas de inconsciente se apresentam: o inconsciente latente, entendido descritivamente e denominado de pré-consciente; e o inconsciente reprimido, entendido no sentido dinâmico e considerado como o inconsciente propriamente dito. Aquilo que parece ser dois inconscientes na verdade é apenas um: "no sentido [Sinn] descritivo, há dois tipos de inconsciente, mas no sentido dinâmico, apenas um" (Freud, 1923/1987, p. 242).

A fim de acomodar melhor suas ideias, Freud vai ligar os diferentes sistemas de seu aparelho psíquico às instâncias psíquicas. Assim, ao ego, que é a organização coerente dos processos mentais, vai estar ligada a consciência. Do sistema pré-consciente, que também está ligado ao consciente, se destaca o superego e, ao sistema inconsciente, vai estar ligado o id. Apesar disso, vamos descobrir que tanto o ego como o superego são partes do id.

O ego tem início no sistema perceptivo que forma o núcleo deste ego e abrange o pré-consciente. Segundo Freud, "o ego também é inconsciente" (Freud, 1923/1987, p. 251), assim, ele se propõe a chamar "a entidade [Wesen] que tem início no sistema Pcpt. [perceptivo] e começa por ser Pcs. [pré-consciente] de 'ego', e (...) a outra parte da mente [Psychische], pela qual essa entidade se estende e que se comporta como se fosse Ics [inconsciente], de 'id'" (Idem).

Ora, o que nos parece é que em Freud o sujeito é constituído, antes de qualquer coisa, por um sistema inconsciente, por um id, e que as outras instâncias psíquicas descritas por ele são derivações desse id. Essa nossa impressão é confirmada pelo próprio Freud: "O indivíduo agora é para nós um id psíquico, desconhecido e inconsciente, sobre cuja superfície repousa o ego (...)" (Idem).

A teoria psicanalítica freudiana é perpassada pela ideia de pulsão, ou instinto, como é traduzido em geral o termo alemão Trieb. Em uma de suas últimas obras, Freud afirma a importância que a pulsão tem em sua teoria:

A teoria das pulsões [Trieblehre] é, por assim dizer, nossa mitologia. As pulsões são entidades míticas [mythische Wesen]. Em nosso trabalho não podemos desprezá-las, nem por um só momento, de modo que nunca estamos seguros de as estarmos vendo claramente. (Freud, 1932/1990, p. 101)

Segundo Freud, a pulsão se encontra na fronteira entre o somático e o psíquico. Isso que significa dizer que, por um lado, a pulsão surgirá de processos fisiológicos e processos energético-econômicos (acúmulo de energia, descarga etc.) e, por outro, surgirá como fenômenos psíquicos.

[...] uma pulsão [Trieb] nos aparecerá como um conceito situado na fronteira [Grenzebegriff] entre o mental e o somático, como o representante [Repräsentant] psíquico dos estímulos [Reize] que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo. (Freud, 1914/1991, p. 214)

O conceito de Trieb traz para a teoria de Freud muitas dificuldades, que se intensificam com a apresentação de sua obra Além do princípio de prazer. Ele vai precisar ceder lugar em sua teoria para fazer caber os princípios que ele mesmo criara para explicar as pulsões: o princípio de constância, o princípio de prazer, o princípio de desprazer, o princípio de nirvana, a pulsão de vida e a pulsão de morte (Cf. Freud, 1920/1987, pp. 44-45).

Nossa intenção aqui não é a de saber se Freud foi bem ou malsucedido na construção de sua teoria, mas é a de mostrar, ainda que muito rapidamente, que ele considera essas pulsões como constituintes da natureza de cada indivíduo, motivo esse que vai levá-lo a tentar sistematizar e criar uma metodologia para explicar as pulsões humanas.

A necessidade que Freud tinha de encontrar um conceito de pulsão bem articulado e fundado era, portanto, de natureza essencialmente metodológica e mesmo metafísica e não empírica ou clínica. De acordo com essa metodologia, os distúrbios eram, de antemão, efeitos causais de processos dinâmicos, quantitativos, no interior do aparelho psíquico do homem. (Loparic, 1999c, p. 102)

A partir desses pressupostos da teoria freudiana, torna-se interessante observar como Winnicott trabalha com essas questões.

 

3) Pressupostos de Winnicott

Winnicott não descarta os impulsos e as experiências instintuais do ser humano; pelo contrário, tais fatores são importantes para ele. Todavia, é preciso notar que só tem sentido falar desses instintos quando uma pessoa, no caso o bebê, já alcançou o estatuto de um eu unitário, já sabendo diferenciar o que é "eu" do que é "não-eu". As pulsões, tal como pensadas por Freud, são entidades míticas e, por isso, do ponto de vista winnicottiano, não são consideradas como inerentes ao ser humano. Quando Winnicott se refere ao bebê na fase de dependência absolta, instintos ou impulsos (drives) têm a ver com os acontecimentos físicos corporais gerados pela motilidade, e não com uma estrutura explicativa metapsicológica que está na base da explicação sobre as pulsões5. Para se adquirir a responsabilidade de aceitar os instintos, é preciso se desenvolver em um ambiente confiável, tolerar sentimentos de angústia e saber que se tem a oportunidade de reparar e reconstruir aquilo que foi atacado. Segundo Loparic (1999c), isso quer dizer que, para cada estágio do amadurecimento, há uma integração a ser realizada. Porém, é só a partir de uma posição em que o si-mesmo é sentido mais firmemente como uma unidade que uma pessoa se torna capaz de sentir-se concernida e capaz de assumir a responsabilidade para com os aspectos agressivos inerentes à vida instintiva.

Tendo sido provido pela mãe (ou mãe-substituta) nesse ambiente de confiabilidade, o bebê dá sua contribuição por meio de um gesto6 recebido pela mãe no momento em que ele é produzido. Esse gesto não é apenas uma reação instintiva; ele deve ser visto como parte da criança, o que significa dizer que ela chegou a certo grau de desenvolvimento e integração.

Existir como um ser humano implica realizar certas tarefas e conquistas essenciais ao amadurecimento. Essas conquistas são marcadas por certas tendências; a tendência à integração aparece como sendo a principal característica do processo maturativo. Esta deve se dar no tempo e no espaço e está relacionada ao cuidado suficientemente bom. Outra tendência, relacionada ao manejo, é a personalização que, quando vai bem, proporciona o relacionamento do ego7 com um ego corporal, tendo a pele como membrana limitante. Uma última tendência que pode ser destacada é o início das relações objetais, possibilitada pela apresentação de objetos, momento em que o bebê começa a descobrir e a se adaptar, por si mesmo, aos objetos, momento este que ainda não é o da satisfação pulsional (Cf. Winnicott, 1962b/1996, p. 59).

Por essa tendência à integração ser um estado a ser alcançado, a busca é, então, pelo estabelecimento de um self unitário. É a partir da proteção que a mãe suficientemente boa oferece ao ego, a fim de evitar o surgimento das angústias impensáveis, que o ser humano pode constituir sua personalidade no sentido de uma continuidade existencial.

Pode-se dizer que uma proteção do ego suficientemente boa pela mãe (em relação às angústias impensáveis) possibilita ao novo ser humano construir uma personalidade no padrão da continuidade existencial. (Winnicott, 1962b/1996, p. 60)

Entretanto, a reunião de um conjunto de falhas do cuidado que podem causar angústias impensáveis faz com que o lactente tenha que reagir, e este, reagindo, tem sua continuidade existencial interrompida.

A conquista da integração está baseada na unidade pessoal do ser, por isso a questão da continuidade existencial aparece em primeiro plano. Para que o lactente exista como uma unidade, é preciso um cuidado suficientemente bom a fim de que ele possa diferenciar o seu "eu" do que é "não-eu". Winnicott descreve essa questão assim:

A integração está intimamente ligada à função ambiental de segurança [holding]. A realização da integração é a unidade. Primeiro vem o "eu" que inclui "todo resto é não-eu". Então vem "eu sou, eu existo, adquiro experiências, enriqueço-me e tenho uma interação introjetiva e projetiva com o não-eu, o mundo real da realidade compartilhada". (Winnicott, 1965n[1962]/1996, p. 61)

Estando integrado, o bebê pode passar do estágio da dependência absoluta, que exige um alto grau de adaptação por parte da mãe às suas necessidades, para o estágio da dependência relativa, que vem a ser um estágio de adaptação às falhas graduais da mãe. Por fim, no desenrolar desse processo maturativo, o lactente segue rumo à independência que lhe possibilita se defrontar com o mundo e com todas as suas complexidades. Assim, por integração entende-se que o lactente alcançou certo amadurecimento e que adquiriu certo sentido de responsabilidade, isto é, o lactente atingiu um estágio em que ele pode estar preocupado (concerned), concernido.

O estágio de concernimento é anterior ao período do complexo de Édipo. A capacidade de preocupação (capacity to be concerned) envolve um relacionamento entre dois corpos e, mais do que isso, implica duas pessoas inteiras se relacionando: o bebê e a mãe. Esse cenário vai ter como pano de fundo um ambiente facilitador, provido pela maternagem suficientemente boa desde o nascimento do bebê.

Há razão o suficiente para se acreditar que o concernimento [concern] [...] surge no desenvolvimento emocional precoce da criança em um período anterior àquele do clássico complexo de Édipo. (Winnicott, 1963/1994, p. 101)

Atingir tal capacidade é uma questão de saúde. Segundo o autor, deve-se pressupor para tanto que uma complexa organização do ego esteja estabelecida. Organização que não deve ser pressuposta de qualquer maneira, mas sim como uma realização levada a cabo pelo cuidado do bebê, isto é, realização em termos de processo de crescimento interior.

No estágio de concernimento, por já haver certa organização integrativa, é possível pressupor que o bebê já é capaz de lidar com a experiência de ambivalência, ou seja, é capaz de combinar experiências eróticas e agressivas em relação a um objeto, o que quer dizer que o bebê começa a relacionar-se com os objetos de modo objetivo, e não como fenômenos de sua criação pessoal, de modo que os objetos não são mais ele ou parte dele, como eram no início por meio de sua elaboração imaginativa. Isso significa que "ele começou a estabelecer um si-mesmo [self], uma unidade que está contida fisicamente na pele corporal [body's skin] e que está psicologicamente integrada" (Winnicott, 1963/1994, p. 102).

Desta feita, o bebê começa a fazer uso dos objetos sem observar as possíveis consequências: os objetos são usados incompadecidamente (ruthlessly). Tal uso é direcionado à mãe, que precisa continuar viva e disponível para ele. Assim, a mãe deve sobreviver aos episódios de impulsos que podem aparecer como fantasias de sadismo oral e, além disso, ela deve continuar a ser ela mesma, ser empática e estar lá para receber o gesto espontâneo de seu bebê (Cf. Winnicott, 1963/1994, p. 103).

Nesse estágio do concernimento, surge a ambivalência e, com ela, também um resultado. A ambivalência consiste em: ao mesmo tempo em que o bebê "consome" sua mãe, ele também lhe dá sua contribuição. Isso faz com que o bebê experiencie angústia, porém, esta não é mais do tipo impensável8, pois o lactente conquistou sua integração. Essa experiência de angústia só vai poder ser suportada porque há confiabilidade. O resultado desse processo é o aparecimento do sentimento de culpa (sense of guilt) e, mais do que isso, é o fundamento da moralidade e da capacidade de brincar.

Como se percebe, diferentemente do que ocorre na teoria de Freud, não é na fase do complexo de Édipo que a criança vai adquirir tal sentimento é, na verdade, numa fase muito anterior que isso ocorre.

Pelo fato de o bebê ter garantida pela mãe a possibilidade de reparação e reconstrução por meio de um sentimento de segurança é que ele é capaz de lidar com os impulsos do id.

Assim, a oportunidade para dar e fazer reparação que a mãe oferece pela sua presença confiável capacita o bebê a tornar-se mais e mais corajoso, a experimentar impulsos do id; em outras palavras, libera a vida instintual do bebê. (Winnicott, 1963/1994, p. 104)

Winnicott usa a palavra "ego" para descrever a parte da personalidade humana que tende, sob condições favoráveis, a se integrar em uma unidade. Os fenômenos instintivos estão reunidos sob as vivências do ego (ego-experience), por isso "não há sentido em fazer uso da palavra 'id' para fenômenos que não são registrados, catalogados, vivenciados e eventualmente interpretados pelo funcionamento do ego (ego-funcioning)" (Winnicott, 1962b/1996, p. 56).

O funcionamento do ego é considerado por Winnicott como algo relativo à existência da criança como uma pessoa. Quanto às experiências instintivas, ele afirma que elas podem ser desconsideradas, pois, nesse estágio muito precoce do desenvolvimento no qual ainda se encontra o lactente, não há uma entidade (entity) capaz de ter experiências, "não há id antes do ego". Essas observações permitem a Winnicott concluir que: "Com um cuidado suficientemente bom no início, o bebê não está sujeito a satisfações instintivas, a não ser quando há participação do ego" (Winnicott, 1962b/1996, p. 59)

Esse uso que Winnicott faz do termo "ego" não traduz o termo "self", pois falar em ego implica considerar que a criança já é capaz de usar seu intelecto para lidar com as interferências do mundo e nele interferir. O ego do qual ele fala dá início ao desenvolvimento do existir humano: "há um ego desde o princípio? A resposta é que o princípio está no momento em que o ego principia" (Idem).

Com respeito ao ego, surge a questão já presente em Freud de saber se ele é forte ou fraco9. Essa questão resolve-se pela capacidade da mãe em satisfazer as necessidades do bebê no início, ou seja, será preciso que haja uma mãe suficientemente boa10 para satisfazê-lo a fim de que ele seja capaz de ter uma breve experiência de onipotência (Cf. Winnicott, 1962b/1996, p. 57). Essa breve experiência de onipotência é tornada possível por meio do ego-auxiliar da mãe (mother's supportive ego function). Desse modo, diz Winnicott, a mãe protege a continuidade de ser do bebê e impede uma irrupção imprevisível e incompreensível para ele de qualquer manifestação de um tipo de realidade (externa para o observador) que ele não pode abarcar em sua experiência.

Essa experiência de onipotência significa que os objetos (que são apresentados pela mãe ao seu bebê) são tomados pelo lactente como objetos subjetivos, isto é, objetos que, ao encontrá-los, o lactente tem a impressão de tê-los criados e de que fazem parte de si mesmo: ele faz a experiência de criar aquilo que encontra (Cf. Winnicott, 1971a/1999, p. 11).

O ser que está surgindo não é pensado por Winnicott como um ser pulsional que precisa, antes de tudo, satisfazer suas necessidades pulsionais para que fique em paz consigo mesmo, mas sim como um ser humano em seu início que precisa que suas necessidades (needs) sejam atendidas e que, se não tiver cuidados adequados no momento apropriado, pode sofrer uma angústia impensável.

No estágio que está sendo discutido, é necessário não pensar no bebê como uma pessoa que sente fome e cujos impulsos instintivos podem ser satisfeitos ou frustrados, e sim como um ser imaturo que está continuamente à beira de sofrer uma angústia impensável [on the brink of unthinkable anxiety]. (Winnicott, 1962b/1996, p. 56)

 

4) Mudanças conceituais

De certo modo, Winnicott concorda com a descrição que Freud oferece para o complexo de Édipo, isto é, que o objetivo que se apresenta na fantasia é o amor libidinal do filho pela mãe e que envolve a morte de alguém, isto é, a morte do pai. A punição vem em forma de castração, representada simbolicamente. Essa castração simbólica é uma espécie de alívio para a criança: "A angústia de castração é o que capacita a criança 10 "a continuar a viver, ou o que permite ao pai continuar vivo" (Winnicott, 1958a/1988, p. 49).

Embora Winnicott aceite essa formulação freudiana do complexo de Édipo, a perspectiva a partir da qual ela vai ser encarada é totalmente outra. Há muitas coisas que antecedem a chegada à fase do Édipo, como nos aponta Dias:

Firmemente estruturada como uma unidade e tendo-se tornado uma pessoal total, pela integração dos instintos e da responsabilidade acerca dos resultados da vida instintual, pode-se dizer que a criança não está mais sujeita ao risco de psicose. Ela tem agora saúde suficiente para enfrentar – e até para sucumbir – as dificuldades que são inerentes à administração da instintualidade no quadro das relações triangulares. (Dias, 1988, p. 180)

Para Winnicott, só faz sentido usar o termo "complexo de Édipo" quando este descreve relações entre pessoas totais (whole persons). Portanto, para se alcançar a fase do complexo de Édipo, é preciso que a pessoa tenha sido bem cuidada e tenha tido um bom desenvolvimento da saúde, para que assim seja capaz de lidar com relações triangulares, ou seja, esteja preparada para aceitar a inteira força da capacidade de amar e suas complicações.

Não é possível, segundo Winnicott, usar o termo "complexo de Édipo" aplicado às relações, a apenas duas pessoas, ainda mais quando uma delas, no caso, a criança, ainda não atingiu a capacidade de perceber as pessoas que a rodeiam nem a si mesma como uma pessoa completa.

Acredito que alguma coisa se perde quando o termo "complexo de Édipo" é aplicado às etapas anteriores em que só estão envolvidas duas pessoas, e a terceira pessoa ou objeto parcial está internalizado, é um fenômeno da realidade interna. Não posso ver nenhum valor na utilização do termo "complexo de Édipo" quando um ou mais de um dos três que formam o triângulo é um objeto parcial. No complexo de Édipo, ao menos do meu ponto de vista, cada um dos componentes do triângulo é uma pessoa total, não apenas para o observador, mas principalmente para a própria criança. (Winnicott, 1958a/1988, p. 49)

O complexo de Édipo é um acontecimento normal, e significa saúde em uma criança que vem, desde o nascimento, tendo um desenvolvimento suficientemente bom. As dificuldades pertinentes ao estágio edípico não são "resultado de falhas ambientais ou de negligência, mas dificuldades próprias à vida e às relações interpessoais. A criança tem agora suas próprias dificuldades e elas não podem ser prevenidas por cuidado materno adequado" (Dias, 1988, p. 181). Nesse período, o desenvolvimento suficientemente bom quer significar para a criança que sua família permaneça intacta, que seus pais, que já lhe são bem conhecidos, sejam capazes de tolerar e continuar amando-a, mesmo que ela os ataque com sentimentos que variam entre amor e ódio. Nesses casos, o que surgem "são defesas contra a angústia que advém do conflito pulsional. A principal dessas defesas é a repressão, momento em que surge um tipo especial de inconsciente: o inconsciente reprimido" (Dias, 1988, p. 182). Antes de indicar saúde, essas defesas podem nos remeter a sintomas que indicam doenças psíquicas causadas por um conflito de ambivalência que não conseguiu chegar a uma boa resolução.

O complexo de Édipo representa assim a descrição de um ganho em saúde. A doença não deriva do complexo de Édipo, mas da representação das ideias e inibição das funções que seguem ao doloroso conflito expresso pelo termo "ambivalência", como, por exemplo, quando o menino se percebe odiando, desejando matar e temendo o pai que ele ama e em quem confia, porque está apaixonado pela esposa do pai. (Winnicott, 1958a/1988, p. 50)

Dessa forma, poder-se-ia pensar que, também em Winnicott, o complexo de Édipo é universal, já que é um acontecimento normal da saúde do ser humano. Mas isso não é verdade. O próprio Winnicott nos desautoriza a chegar a esse tipo de conclusão, pois, se complexo de Édipo é saúde, isso pressupõe um certo desenvolvimento do processo de amadurecimento para se chegar até lá e, como se sabe, são muitos os que não conseguem chegar a um momento, em princípio, tão simples quanto o complexo de Édipo.

Poderia-se ver que, no caso neurótico mais ou menos puro, o material pré-genital era regressivo e a dinâmica pertencia ao período dos quatro anos, mas por outro lado, em muitos casos havia doença e uma organização de defesas pertencentes a períodos anteriores da vida do lactente e muitos lactentes na verdade nunca chegaram a uma coisa tão simples como o complexo de Édipo na meninice. (Winnicott, 1965va[1962a]/1996, p. 175)

Winnicott reafirma seu ponto de vista de que não é possível assumir a universalidade do complexo de Édipo também em outros momentos. Por exemplo, ao discorrer sobre o uso do objeto no contexto de Moisés e monoteísmo, de Freud, afirma:

Não é que Freud esteja errado sobre o pai e a quantidade libidinal que se tornou reprimida. Porém, deve-se observar que uma proporção de pessoas no mundo não alcançou o complexo de Édipo. Elas nunca chegaram tão longe no seu desenvolvimento emocional. Portanto, para elas a repressão da figura paterna libidinizada tem pouca relevância. (Winnicott, 1969/1989, p. 241)

Para Winnicott, se se quiser obter algum progresso, é preciso tomar outro ponto de partida para se estudar teorias como a da psicose, da esquizofrenia e da paranoia, pois o complexo de Édipo não consegue responder às questões trazidas por esses tipos de problemas psíquicos.

Para se fazer progressos em direção de uma teoria das psicoses utilizável [workable], os analistas devem abandonar a completa [whole] ideia de esquizofrenia e paranoia entendidas em termos de regressão a partir do complexo de Édipo. (Winnicott, 1969/1989, p. 246)

Os enfoques, as perspectivas e os pontos de partida mudaram. Winnicott, assim como muitos psicanalistas, trata de pacientes com problemas de ordem psíquica usando termos e conceitos que estão presentes na psicanálise de Freud e de Klein e, no entanto, não está mais abordando as mesmas coisas que esses autores. A psicanálise de Winnicott não é mais a mesma que a de Freud. Assim, onde residem as diferenças entre um e outro e o que isso implica?

As diferenças surgem quando vários pontos das teorias freudiana e winnicottiana aparecem contrastados. As abordagens teóricas de ambos os autores tomam rumos diferentes, pois cada um deles tinha preocupações diferentes – Freud, por exemplo, queria que sua teoria psicanalítica fosse vista como uma teoria científica e, em Winnicott, essa preocupação não aparece – e viam o indivíduo que estava sob suas análises de modos diversos.

Desse modo, ao tentarmos elucidar aqui algumas questões conceituais, é possível perceber que muitas mudanças e rupturas foram feitas por parte de Winnicott com a psicanálise tradicional.

 

5) Mudanças de pressupostos

Assim como Freud, também Winnicott construiu suas teorias a partir de verificações empíricas dos casos clínicos com os quais trabalhou ao longo de sua vida. Esses casos permitiram-lhe ver o que realmente deveria se passar com o ser humano para que tivesse um amadurecimento bem-sucedido. Logo, é por falarmos de ser humano que essas falhas no amadurecimento podem sempre aparecer. É por isso que também nos parece ser possível pensar que todo ser humano é permeado pela angústia.

Para Freud, a angústia de castração tem sua origem na ameaça de castração que, mais tarde, por causa do conflito de ambivalência, toma a forma de complexo de castração na situação edípica, isto é, na fase fálica. Porém, o que dizer, então, da angústia de castração de Freud? A angústia de castração não deixa de ser importante para a psicanálise. Ela deixa, juntamente com o complexo de Édipo, de aparecer em primeiro plano, no plano da universalidade, no cenário das afecções psíquicas.

Entretanto, poder-se-ia ainda perguntar: que relação, então, existe entre as angústias impensáveis e a angústia de castração? Nenhuma relação e, ao mesmo tempo, uma completa relação. Essa resposta leva a mais um paradoxo que acreditamos poder, pelo menos, elucidar.

Por um lado, não há nenhuma relação porque ambas as angústias surgem na vida do ser humano em momentos distintos. As angústias impensáveis são assim caracterizadas porque não possuem referente representativo, porém, por meio de seus casos clínicos, Winnicott diz que, se elas fossem possíveis de serem descritas, seriam como um cair para sempre, um desintegrar-se, uma perda de conexão total com o corpo, um carecer de orientação (cf. Winnicott, 1965n[1962]/1996, p. 58). As angústias impensáveis podem surgir no início do existir, quando o lactente ainda está tentando se integrar, a fim de tornar-se uma unidade, momento em que não há satisfações pulsionais de objeto, mas apenas dependência absoluta e necessidade de cuidado. Assim, quando alguma falha nesse período acontece, as angústias impensáveis podem surgir. Segundo Winnicott, a angústia de castração, por sua vez, surge quando tudo vai bem num estágio bastante posterior no processo de amadurecimento. Nesse estágio, a criança já é uma unidade; está de posse de um si-mesmo (self) verdadeiro; já compreende o mundo a partir do que é "eu" e do que é "não eu"; consegue lidar com seus impulsos de amor e de ódio; e é uma pessoa total, capaz de relacionar-se com pessoas igualmente totais. Portanto, do ponto de vista dos acontecimentos psíquicos, tanto as angústias impensáveis como a angústia de castração ocupam lugares diferentes no processo de amadurecimento. A angústia de castração se relaciona com as angústias impensáveis do ponto de vista semântico. Isso quer dizer que, com relação à mudança no tempo e no espaço, é possível estabelecer uma certa relação entre elas. Para isso, é preciso pressupor que a angústia surge a partir de um nada e se desenvolve em outras formas de angústia que mascaram11 essa angústia inicial e essencial com a qual se defronta o existir humano. Dito de outra forma, a angústia surge como uma forma de reação à volta a um estado de não-integração, isto é, os modos sob os quais ela se apresenta é uma forma de reação à ameaça de aniquilamento trazida à tona pelos traumas invasivos e por falta de cuidados suficientemente bons nos momentos adequados.

Se essas angústias do início do existir humano não se tornam recorrentes, elas poderão ser esquecidas ou ocultadas. Essa possibilidade será provida pelo cuidado suficientemente bom, que garantirá que o ser humano que está surgindo possa amadurecer o suficiente para, no futuro, deparar-se novamente com suas angústias. Essas angústias, agora, não têm mais o mesmo caráter de aniquilamento da possibilidade de continuar-a-ser como outrora, mas remetem ao conflito (psíquico) de já ser, de já existir como uma pessoa total.

Portanto, parece-nos que a angústia, de uma fase a outra do amadurecimento humano, muda de sentido; porém, ela permanece como um momento primordial que foi ocultado ou esquecido do começar a existir humano.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Eder Soares Santos
E-mail: edersan@hotmail.com

 

 

* Professor-associado da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
1 Em Freud (1987), ver volumes 13 e 14.
2 Deve-se ressaltar que Freud era muito cauteloso quanto à aceitação dessa teoria de trauma de nascimento proposta primeiramente por Otto Rank. Ver Freud, 1914/1991, p. 166.
3 Utilizamos o conceito de paradigma na acepção utilizada por Thomas Kuhn em A estrutura das revoluções científicas (1970). Sobre esse emprego, ver Loparic (1997) e Santos (2010).
4 Não entraremos na problemática levantada por essa obra, pois nos distanciaríamos muito dos objetivos traçados para este trabalho.
5 Quando Winnicott se refere à fase em que já há o início da independência no amadurecimento, ele usa em alguns de seus textos – principalmente nos anteriores à década de 1960 – uma terminologia freudiana, abordando, por exemplo, o conflito pulsional relativo à fase edípica.
6 Dias esclarece que, "apoiado numa tensão instintual (que ele [o bebê] ainda não tem como reconhecer que parte dele mesmo), ele [o bebê] faz um movimento com a mão ou com a boca na direção de um suposto objeto (...). Trata-se de um 'gesto espontâneo', já que parte de uma necessidade 'pessoal’, derivada do estar-vivo do bebê" (Dias, 2003, p. 170).
7 Ego não tem o mesmo sentido para Winnicott e Freud. Para este, ego é parte integrante da estrutura de um aparelho psíquico cujo funcionamento só pode ser explicado metapsicologiamente, ou seja, a explicação tem de levar em consideração uma tópica, uma dinâmica e uma economia. Para Winnicott, ego é "a parte da personalidade que tende, sob condições favoráveis, a se integrar em uma unidade" (Winnicott, 1962b/1996, p. 56).
8 Algumas considerações sobre o conceito de angústias impensáveis podem ser vistas em Santos (2010).
9 Ver Freud, 1918/1987, p. 124.
10 "Em minha terminologia, a mãe suficientemente boa é aquela que é capaz de ir ao encontro das necessidades [able to meet the needs] do bebê no início e satisfazê-las tão bem que a criança, na sua saída da matriz do relacionamento mãe-filho, é capaz de ter uma breve experiência de onipotência" (Winnicott, 1962b/1996, p. 57).

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