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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.19 no.1 São Paulo jul. 2017

 

DOSSIÊ

 

Figuração e figurabilidade: no início eram as sensações

 

Figuration and figurability: in the beginning were the sensations

 

 

Carlota Ibertis*

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo aborda a relação entre a operação onírica de figuração plástica e a noção de figurabilidade na 11ª Conferência de introdução à psicanálise. Entendida como conversão dos pensamentos latentes do sonho em imagens, a operação supõe uma série de condições de possibilidade que Freud chama figurabilidade. Assim, considera-se, em primeiro lugar, o conceito de regressão e seus pressupostos metapsicológicos. Em segundo lugar, examina-se o papel das sensações e dos seus registros mnêmicos. Por último, indaga-se acerca da explicação freudiana da preeminência do visual sobre os outros tipos de sensações.

Palavras-chave: figuração onírica; figurabilidade; sensações; regressão; representação de objeto; representação de palavra.


ABSTRACT

This paper examines the relationship between the dreamlike operation of plastic figuration and the notion of figurability in the 11th Conference of Introduction to Psychoanalysis. This operation, conceptualised as the conversion of the latent thoughts of dream into images, presupposes a series of conditions of possibility that Freud calls figurability. In this paper, we begin by discussing the concept of regression and its metapsychological assumptions. We then analyse the role of sensations and their memory registers. Finally, we explore the Freudian explanation of the pre-eminence of the visual over other types of sensations.

Keywords: oneiric figuration; figurability; sensations; regression; object presentation; word presentation.


 

 

Seja realmente proferida ou simplesmente publicada como texto, a modalidade de conferência como método de exposição é escolhida por Freud em repetidas ocasiões. Nelas ele manifesta seu talento para apresentar as ideias em tom de conversação tranquila e quase intimista e,durante seu curso, antecipações de possíveis objeçõesdinamizam a apresentação.

Consideradas um verdadeiro inventário dos pontos de vista freudianos da situação da psicanálise à época da Primeira Guerra Mundial, as Conferências de introdução à psicanálise, publicadas entre 1916 e 1917, também deixam entrever alguns indícios das mudanças teóricas da década seguinte. De acordo com Strachey (1963/1976), ainda em temas mais trilhados como o dos atos falhos e o dos sonhos, elas reservam algo de inesperado na maneira de dizer. Do seuconjunto, o comentarista salienta o valor das "observações rápidas e pontuais" (Strachey, 1963/1976, grifos nossos,) com informações preciosas acerca da perspectiva freudiana sobre os assuntos tratados. No que segue, vamos nos deter naquelas observações que se referem à figuração plástica dos pensamentos no trabalho onírico para, a seguir, examinar a noção de figurabilidade como expressão das suas condições de possibilidade.

Diferentemente dos sonhos infantis, queresultam apenas de duas transposições – do modo desiderativo ao indicativo e dos pensamentos a imagens visuais -, nos adultos intervém a censura, tornando necessária a interpretação. Se estaprocede das imagens ou cenas oníricas aos pensamentos que originam o sonho, o trabalho onírico procede de modo inverso, dos pensamentos às imagens. Assim, nesse processo, instauram-se entre os elementos oníricos manifestos e as latentes relações da parte ao todo; de alusão; de figuração plástica de palavras e pensamentos. No que diz respeito a esta última, Freud afirma sem mais explicitação que se trata da realização do trabalho do sonho "mais interessante psicologicamente" (Freud, 1916-1917/2014, p. 236). Exemplo das observações mencionadas por Strachey, esta, em especial, chama a atenção, pois, como salientam César e Sara Botella (2001, p. 62), as análises freudianas sobre o assunto são muito sucintas. Enquanto condensação e deslocamento – vinculados às relações da parte ao todo e de alusão – são abordados repetidas vezes, passando a ser considerados conceitos básicos para compreender o inconsciente, a conversão em imagens ou figuração plástica permanece sem maior aprofundamento conceitual por parte de Freud. Por essa razão, perguntamo-nos: a sua declaração sobre o interesse da figuração é meramente retórica? Acreditamos que não. O propósito de entendermos o alcance de tal afirmação guia o percurso a seguir.

 

1) A figuração plástica nos sonhos: figurabilidade e regressão

Na 11ª das Conferênciasde introdução à psicanálise, Freud repete a comparação de A interpretação dos sonhos entre o processo de figuração onírica com a substituição de um artigo jornalístico editorial por uma série de ilustrações com o intuito de evidenciar as limitações da expressão através de imagens. O paralelo entre os modos linguístico e imagético assinala as dificuldades de exprimir não apenas palavras abstratas, mas também conexões lógicas entre ideias, partes da linguagem que indicam relações conceituais, como desinências e conjunções etc., elementos esses que acabam se perdendo no trabalho do sonho.

Para Freud, a conversão de pensamentos em imagens envolve dois conjuntos conectados de questões: as concernentes ao desenvolvimento da linguagem e das línguas, por uma parte, e as relativas ao desenvolvimento do pensar, por outra. Em um primeiro momento, a dificuldade de figurar visualmente pensamentosleva a estabelecer uma correspondência entre o trabalho do sonho e a evolução das línguas:

Depois, hão de se lembrar que a maioria das palavras abstratas compõe-se de palavras concretas que perderam sua coloração, motivo pelo qual, tanto quanto possível, recorrerão ao significado concreto original dessas palavras. Ficarão felizes em poder representar o "possuir" [Besitzen] de um objeto mediante um "sentar-se" real e físico em cima dele [Daraufsitzen]. Assim faz também o trabalho do sonho. (Freud, 1916-1917/2014, pp. 236-237)

De acordo com isso, o trabalho do sonho reverteria a evolução das palavras concretas às abstratas. Nos diversos textos freudianos dedicados aos sonhos, encontramse exemplos dessa recondução do significado abstrato ao concreto que pressupõem uma perspectiva empirista 1 para pensar a constituição das línguas. Na 7ª conferência, encontramos a menção a dois fragmentos de sonhos que exemplificam rapidamente a operação de figurar plasticamente. Em um deles, o "sonhador tira [hervorziehen] uma dama (determinada, conhecida) de detrás da cama" (Freud, 1916-1917/2014, p. 161, grifos do autor). A ação de tirar de detrás da cama figura aideia abstrata de dar preferência [vorziehen] (Freud, 1916-1917/2014, p. 161). Noutro, o sonhador sonha que "seu irmão está dentro de uma caixa" (Freud, 1916-1917/2014, p. 161, grifos do autor). Freud relata que, na primeira associação, "caixa" [Kasten] é substituída por "armário" [Schrank], e que a segunda fornece a chave interpretativa: o irmão estaria restringindose [sich einschränken] (Freud, 1916-1917/2014, p. 161). Ambos fragmentos evidenciam como o trabalho onírico figura o conteúdo latente mediante uma imagem plástica concreta a partir da literalidade das palavras.

Outra peculiaridade notável da figuração onírica diz respeito ao modo como se expressam as oposições:

Uma analogia bem-vinda para esse estranho comportamento do trabalho do sonho nos é oferecida pela evolução das línguas. Diversos linguistas afirmam que, nas línguas mais antigas, oposições como fraco-forte, claro-escuro, grande-pequeno eram expressas por palavras de mesma raiz ("O sentido antitético das palavras primitivas"). (Freud, 1916-1917/2014, p. 241)

Freud retoma aqui os exemplos de Carl Abel sobre a coexistência em um mesmo significante de dois significados opostos.A esse respeito, Arrivé observa que a leitura freudiana dos casos registrados por Abel põe ênfase na semelhança sonora sem insistir na diferença gráfica "levado pelo irreprimível efeito de seu desejo de encontrar as palavras de sentidos opostos que confirmarão a sua teoria da origem comum da linguagem e do simbolismo" (Freud, 1986/2001, p. 90). Em todo caso, é notável o quanto, para Freud, linguagem e inconsciente comungam.

Quanto ao pensamento, Freud defende uma origem empírico-sensualista que contempla a ligação com a linguagem como momento posterior. O trabalho do sonho, ao converter pensamentos latentes expressos linguisticamente em imagens sensoriais, desanda o caminho da formação do pensar:

Ora, nossos pensamentos se originaram de imagens sensoriais desse tipo. Seu primeiro material e seus estágios preliminares foram impressões dos sentidos, ou, melhor dizendo, imagens mnemônicas delas. Apenas depois ligaram-se a elas palavras, que, por sua vez, foram enfeixadas em pensamentos. Assim, o trabalho do sonho submete os pensamentos a um tratamento regressivo, reverte seu desenvolvimento, e essa regressão precisa deixar pelo caminho toda nova aquisição ocorrida no percurso que vai das imagens mnemônicas até os pensamentos. (Freud, 1916-1917/2014, pp. 243-244)

O parágrafo esboça uma concepção empirista no que concerne à origem e ao desenvolvimento dos pensamentos e da linguagem. Nessas linhas, Freud delineia o movimento progressivo que implica a gênese dos pensamentos, mencionando as limitações decorrentes desse percurso que o caminho regressivo do trabalho onírico enfrenta. Assim, figurar plasticamente os pensamentos oníricos pressupõe a reversão destes nas imagens mnemônicas que serviram de base para a sua elaboração originária. Nesse sentido, tanto o processo de figuração quanto a condição de figurabilidade dependem da regressão. O pressuposto disso é o modelo do funcionamento do aparelho psíquico em elaboração desde o texto sobre as afasias.Na próxima seção, após a explicitação do significado do termo figurabilidade, examinamos as teses freudianas necessárias para compreender a relação entre figuração, figurabilidade e regressão.

 

2) Figurabilidade: sensações e memória em jogo

No capítulo VI de Interpretação dos sonhos, encontramos nos títulos das seções C e D os termos Darstellungsmittel e Rücksicht auf Darstellbarkeit estabelecendo uma distinção entre "figuração" ou "representação" e "figurabilidade" ou "representabilidade"2. O Vocabulário de Laplanche e Pontalis sintetiza o significado da expressão "consideração à figurabilidade/representabilidade" [Rücksicht auf Darstellbarkeit] - do título da referida seção D do capítulo VI de Interpretação dos sonhos– em termos da exigência de seleção e de transformação dos pensamentos do sonho que os torna aptos a serem figurados em imagens sobretudo visuais (Freud, 1986, p. 250). Segundo os tradutores, coordenados por Luiz Hanns, na edição de 2006 da Imago:

[…] o verbo darstellen significa "dar expressão a", ou "dar representação"; "apresentar", "figurar" em geral remetendo a algo que ainda não tem forma apreensível e que é agora dotado de uma forma; neste sentido Darstellung é diverso do termo Vorstellung, enquanto o primeiro trata de dar forma e expressar algo ainda informe, o segundo se refere a reapresentar internamente uma imagem anteriormente já disponível, algo como "imaginar", "colocar em cena". O substantivo Darstellbarkeit refere-se à possibilidade de dar a algo uma forma apreensível (de dar "figuração", dar "expressão"), portanto, a Darstellbarkeit, que Freud utiliza também em A Interpretação dos sonhos […] designa a capacidade de algo ser expresso em imagens oníricas […].(Freud, 1917/2006b, p. 95)

De acordo com o dito até aqui, consideramos a figuração como o processo mesmo de conversão dos pensamentos em imagens e a figurabilidade3 como o conjunto das condições de possibilidade da figuração que abrangem tanto a capacidade de um pensamento ser expressado em imagens quanto o funcionamento do aparelho psíquico que permite a operação de figurar. A figuração define-se, então, como caminho regressivo em direção às imagens mnêmicas originadas em impressões sensíveis, o que pressupõea perspectiva metapsicológica do aparelho psíquico presente no capítulo VII de Interpretação dos sonhos e na Carta 52.

2.1) Memória e regressão4

Na Carta 52, Freud parte do pressuposto de que há um dinamismo gerador da memória: a estratificação sucessiva. Em primeiro lugar, o processo estabelece camadas; em segundo, isso é feito por etapas de modo a constituir um sistema complexo formado por subsistemas.

Assim, o que há de essencialmente novo em minha teoria é a tese de que a memória não se faz presente de só uma vez, e sim ao longo de diversas vezes, e que é registrada em vários tipos de indicações" (Masson, 1986, p. 208)

A multiplicidade estaria constituída pelo registro em diferentes tipos de signos, segundo diversos nexos associativos e diversos portadores neuronais 5 . Todavia, diferentemente do apresentado no Projeto, na Carta 52, Freud desdobra o sistema ? em vários subsistemas, cada um dos quais supõe especificidade na forma de registro. À ideia da multiplicidade da memória que vem desde os Estudos sobre histeria, acrescenta-se uma nova modalidade da dimensão diacrônica, estabelecendo uma determinada sucessão entre os sistemas mnêmicos. Nos Estudos, uma das formas de ordenação das lembranças é a cronológica (Freud, 1893-1895/2016, p. 404). Na Carta 52, os diversos sistemas mnêmicos estabelecem uma ordem de processamento da excitação que incide nas formas de representar. Em outras palavras, cada sistema mnêmico é uma maneira de representar que pertence a uma etapa do desenvolvimento do aparelho, assim como também a uma etapa do curso entre a percepção e a descarga.

Freud começa a elaborar as questões do aparelho psíquico e do conceito de traço mnêmico por meio de conceitos neurofisiológicos - aparece já uma menção em Contribuição sobre as afasias e continua, com modificações, no Projeto - que gradativamente irá substituindo por imagens da escrita - notadamente na Carta 52. Dessa curiosa transição, o conceito de traço mnêmico adquire uma certa ambiguidade acerca do estatuto que Freud lhe confere, o que torna difícil interpretá-lo. Em todo caso, a analogia com a escrita parece se assentar noque se trata de um conjunto de signos duradouros que deixam rastros, como se fossem registrados na exterioridade de uma superfície marcada com incisões.

Na carta, a disposição espacial das inscrições/transcrições antecipa o esquema apresentado nocapítulo VII de Interpretação dos sonhos, e cumpre uma função expositiva, devendo ser compreendida como representação da sucessão temporal chamada por Freud de estratificação. O que nesta é chamado inscrições e transcrições com características pré-conscientes ou inconscientes, transforma-se, no texto de 1900, emsistemas pré-consciente e inconsciente pela sua relação com a instância censora.

Na Interpretação, o aparelho é pensado em termos psicológicos, abandonando a semântica da anatomia e da neurofisiologia, própria da abordagem do Projeto (Freud, 1900/1976c, p. 529). Dessa vez, a comparação com um aparelho óptico auxilia Freud na análise do aparelho psíquico.O objetivo é claramente exposto:

Permanecerei no campo psicológico, e proponho simplesmente seguir a sugestão de visualizarmos o instrumento que executa nossas funções anímicas como semelhante a um microscópio composto, um aparelho fotográfico ou algo desse tipo. Com base nisso, a localização psíquica corresponderá a um ponto no interior do aparelho em que se produz um dos estágios preliminares da imagem. No microscópio e no telescópio, como sabemos, estes ocorrem, em parte, em pontos ideais, em regiões em que não se situa nenhum componente tangível do aparelho. Não vejo necessidade de me desculpar pelas imperfeições desta ou de qualquer imagem semelhante. Essas analogias visam apenas a nos assistir em nossa tentativa de tornar inteligíveis as complicações do funcionamento psíquico, dissecando essa função e atribuindo suas operações singulares aos diversos componentes do aparelho. (Freud, 1900/1996, p. 565)

Trata-se, aqui, de um recurso expositivo cujo caráter provisório depende da sua serventia.Com base nele, Freud elabora o modelo, esboçado de modo germinal na Carta 52, esquematizado graficamente como um pente invertido, na seção B do capítulo VII. A metáfora do microscópio (ou do telescópio) serve para indicar a sequência temporal ordenada e fixa dos sistemas de funcionamento que compõem o aparelho psíquico. A analogia com o objeto e seu funcionamento prepara a imagem espacial para figurar tanto os componentes quanto as direções progressiva e regressiva do processamento da excitação.

Sobre o esquema do arco-reflexo, Freud monta a representação do aparelho psíquico, em cujos extremos encontram-se o sistema perceptivo e o motor 6. Entre ambos se desdobram os sistemas mnêmicos. Como sabido, as linhas verticais representam lugares psíquicos. A sua distribuição em diferentes pontos da linha horizontal representa a diferença de funcionamento de acordo com leis próprias. De modo que de esquerda à direita resultam transcrições do figural ao verbal. Diferentemente, se a ocupação acontece em sentido contrário, a transformação vai de representações-palavra a representações sensoriais alucinatórias.

Nos Estudos e na Carta 52 fica explícita a tese do registro múltiple dos traços. Nesse sentido, poder-se-ia interpretar que para um mesmo conteúdo haveria mais de um traço em sistemas diversos ou, em termos dos Estudos, que um conteúdo estaria armazenado em diferentes arquivos. Na Interpretação, o modelo espacial para descrever os sistemas inconsciente e pré-consciente pode dar lugar a interpretar as transcrições como situadas, em um sentido concreto, em localidades psíquicas.

Entretanto, em consonância com a imagem da luz passando pelas diversas lentes do telescópio, lemos também na Interpretação: "Assim, chamamos 'regressão' ao fato de que no sonho a representação volta a mudar-se na imagem sensorial da que alguma vez partiu" (Freud, 1900/1976c, p. 537). Na seção F do capítulo VII, Freud corrige o mal-entendido de atribuir aos sistemas duas localidades no interior do aparelho psíquico:

Desse modo, podemos falar num pensamento inconsciente que procura transmitir-se para o pré-consciente, de maneira a poder então penetrar na consciência. O que temos em mente aqui não é a formação de um segundo pensamento situado num novo lugar, como uma transcrição que continuasse a existir junto com o original; e a noção de irromper na consciência deve manter-se cuidadosamente livre de qualquer ideia de uma mudança de localização.(Freud, 1900/1996, p. 634)

A multiplicidade da memória não consistiria, então, em suas representações estarem localizadas de forma simultânea e diversa, mas em sucessão. O parágrafo continua:

Do mesmo modo, podemos falar num pensamento pré-consciente que é recalcado ou desalojado e então acomodado pelo inconsciente. Essas imagens, derivadas de um conjunto de representações relacionadas com a disputa por um pedaço de terra, podem tentar-nos a supor como literalmente verdadeiro que um agrupamento psíquico situado numa dada localização é encerrado e substituído por um novo agrupamento em outro lugar. Substituamos essas metáforas por algo que parece corresponder melhor ao verdadeiro estado de coisas, e digamos, em vez disso, que uma catexia de energia é ligada a um determinado agrupamento psíquico ou retirada dele, de modo que a estrutura em questão cai sob a influência de uma dada instância ou é subtraída dela. O que fazemos aqui, mais uma vez, é substituir um modo tópico de representar as coisas por um modo dinâmico. O que consideramos móvel não é a própria estrutura psíquica, mas sua inervação. (Freud, 1900/1996, p. 634, grifos do autor)

As diversas perspectivas estabelecidas pelas formas de representar o aparelho psíquico questionam acerca de como devemos compreender o fenômeno das transcrições. Emque sentido a memória é múltiple? À pergunta subjaz a dúvida sobre como conciliar as hipóteses tópica e dinâmica. Como explicitado em O inconsciente,ela diz respeito a lugares de inscrição para explicar as transcrições (Derrida, 1971, p. 213). Em palavras de Freud:

Se um ato psíquico experimenta a transposição do sistema Icc ao sistema Cc (ou Pcc), devemos supor que a essa se liga uma fixação (Fixierung) nova, à maneira de uma segunda transcrição da representação correspondente, que então pode estar contida também em uma nova localidade psíquica subsistindo, além demais, a transcrição originária, inconsciente? Ou antes, devemos acreditar que a transposição consiste em uma mudança de estado que se cumpre em idêntico material e na mesma localidade? (Freud, 1915/1976, p.170)

A solução ao impasse é encontrada por um outro caminho, alternativo às duas hipóteses em jogo:

Elas [representações consciente e inconsciente] não são como acreditávamos, diversas transcrições do mesmo conteúdo em lugares psíquicos diferentes, nem diversos estados funcionais de ocupação no mesmo lugar, senão que a representação consciente abrange a representação-coisa mais a correspondente representação-palavra, e a inconsciente é a representação-coisa sozinha. O sistema Icc contém as ocupações de coisa dos objetos, que são as ocupações de objetos primeiros e genuínos; o sistema Prcc nasce quando essa representação-coisa é sobreocupada pelo enlace com as representações-palavra que lhe correspondem. (Freud, 1915/1976, p. 198)

A hipótese econômica dá a chave para explicar a diferença entre os sistemas do aparelho psíquico e as transcrições entre estes. Freud retoma aqui a composição da representação estabelecida no texto das afasias, porém, com outra terminologia. Em vez de "representação de objeto", usada em 1891, adota o termo "representação-coisa".O termo "ocupação" remete à ideia de ocupação por quantidade do Projeto, com a mudança de que, nesse caso, não se trata de neurônios ocupados, mas de representações ou, melhor, traços mnêmicos.

À luz das diversas interpretações acerca do que acontece nas transcrições, podese dizer que a direção do aparelho psíquico ganha maior especificidade em cada um dos textos. Notadamente entre a Carta 52 e a Interpretação fica salientada a diferença. Na primeira é possível inferir que as inscrições anteriores se mantêm, ainda que inibidas, de forma a cumprir a multiplicidade da memória para cada momento e para cada conteúdo. Na segunda, a correção de Freud indica que cada nova inscrição se realiza sobre o material da anterior modificando-o.

Em um acréscimo de 1914 ao capítulo VII da Interpretação, Freud estabelece a distinção entre os tipos de regressão temporal, formal e tópica. A concepção diacrônica do aparelho psíquico estabelece uma trama peculiar na organização do material mnêmico, que pode ser descrita a partir das três perspectivas sem deixarem de ser uma única:

No fundo, porém, todos esses três tipos de regressão constituem um só e, em geral, ocorrem juntos, pois o que é mais antigo no tempo é mais primitivo na forma e, na tópica psíquica, fica mais perto da extremidade perceptiva. (Freud, 1900/1996, p. 576)

Às diferentes formas de regressão correspondem a sucessão do tipo de processos psíquicos, a complexificação progressiva das formas de representação e a ordenação dos sistemas mnêmicos. O sistema mnêmico pertencente a um determinado lugar psíquico representa de uma certa forma, segundo uma ordenação cronológica. Adiante e atrás, do mais simples ao mais complexo e antes e depois são as três dimensões em que se desenvolve a vida psíquica. Em particular, a figuração onírica percorre o caminho da regressão do mais complexo ao mais simples do ponto de vista formal, o que implica a reconversão do verbal ao imagético.

2.2) Sensações: o privilégio do visual no sonho

Como processo regressivo, a figuração onírica serve-se das imagens mnêmicas, resultado do registro das impressões sensíveis. Dentre todos os tipos de imagens, são as visuais as que predominam no sonho. Se considerados os sonhos dos videntes, isso parece indiscutível. Todavia, qual é a explicação para esse fenômeno no seio da teoria freudiana? Do ponto de vista de Freud, por que são as imagens visuais, e não outras, os meios privilegiados de manifestação dos sonhos? Haveria alguma explicação na concepção freudiana para o processo regressivo se deter de forma preponderante em um tipo de imagens?

Na perspectiva do desenvolvimento libidinal, por exemplo, as sensações táteis parecem ter um papel de maior destaque nos inícios da vida psíquica. Basta lembrar, em primeiro lugar, os Três ensaios de teoria sexual, em que encontramos a descrição das pulsões sexuais parciais surgidas por apoio nas funções fisiológicas de nutrição e excreção, o que leva ao tema do autoerotismo e do caráter erógeno do corpo (Freud, 1905/1976d, pp. 164 e ss.). Em segundo lugar, o Projeto apresenta a vivência de satisfação, modelo para a formação dos futuros desejos, constituída pelas associações entre os estados de tensão, a percepção visual, mas também tátil, do seio materno e o alívio consecutivo (Freud, 1950/1976e, p. 363). Assim, o Projeto como os Três ensaios apontam, mesmo que de maneira implícita, àrelevância da experiência tátil na constituição do psiquismo. Por que, então, segundo Freud, o caminho regressivo do trabalho onírico culmina nas imagens mnêmicas visuais e não nas táteis?

No verbete sobre a consideração pela figurabilidade, Laplanche e Pontalis observam que o predomínio das imagens visuais seria consequência da atração da recordação visual infantil que tenta ressurgir (Laplanche e Pontalis,1986, p. 251). De modo semelhante à maneiracomo uma fantasia posterior pode encontrar expressão em lembranças encobridoras infantis apresentadas visualmente, os sonhos realizam alucinatoriamente um desejo com base emimpressões sensoriais, sobretudo visuais. O exemplo freudiano da cena dos dois meninos tirando as flores amarelas das mãos da menina encobrindo a fantasia de deflorar uma moça da qual o sonhador estava apaixonado ilustra a transformação de pensamentos em imagens visuais. Mais uma vez, cabe perguntar como se encaixa na teoria freudiana esse privilégio cognitivo do visual?

A chave para responder àquestão parece-nos estar em Contribuição à concepção das afasias. Nesse texto, Freud introduza tese de que as representações são complexos associativos de imagens de diversas qualidades sensíveis. Mais especificamente, uma representação estaria constituída pela associação de dois complexos: o da representação de objeto – formado por sua vez por um complexo associativo aberto de imagens táteis, sonoras, olfativas, gustativas, cinestésicas e visuais – por uma parte eo da representação de palavra – um complexo fechado, também formado por associações entre imagens de diversos tipos, incluídas as sinestésicas da fala – por outra (Freud, 1891/2013, p.104).

Dos conjuntos de imagens associadas, as visuais, no da representação de objeto, e as auditivas, no da representação de palavra, são as sensações cuja ligação estabelece a ponte entre um complexo e o outro para formar a representação consciente. Ou seja, dentre todas as imagens sensíveis associadas que constituem o objeto, são as visuais as que representam o objeto, enquanto dentre as de palavra são as sonoras que representam a palavra. Assim, Freud atribui a cada uma dessas uma relevância cognitivamaior que as atribuídas às outras qualidades sensíveis. Com efeito, visão e audição são os sentidos predominantes na hora de pensar objetos, seja que o façamos através de imagens, em cujo caso as visuais se impõem, ou por meio da linguagem, em cujo caso as auditivas ganham importância.

A união do complexo de palavra com o de objeto constitui a dimensão de significado e referência da linguagem. A ruptura dessa união explica as diversas variedades de afasia agnóstica. Como observa Hervé Huot (1991, p. 89), para Freud, o vínculo da linguagem com o mundo dos "objetos" sensíveis passa pelo olho, ou seja, pela imagem visual do objeto e pela fala, ou a imagem sonora da palavra. Freud afirma enfaticamente "as imagens visuais são as partes mais salientes e mais importantes de nossas representações de objeto" (Freud, 1891/2013, p.105) ainda que, diante da falta de imagens visuais, outras imagens sensíveis 7 podem substitui-las para poder usar a linguagem (Freud, 1891/2013, p. 104).

Um exemplo clássico do papel das imagens visuais – e sua relação com a linguagem – é o do famoso esquecimento do nome de Signorelli. No episódio, quantomais tenta Freud recordar – inutilmente porque recalcado – o nome do pintor do afresco da capela de Orvieto, mais nítida se apresenta a imagem do retrato, mas não o nome. Enquanto o nome permanece esquecido, a imagem de Signorelli "ilumina-se" no quadro. Quando finalmente alguém o lembra, a imagem visual começa a esfumar-se (Freud, 1898/1976b, p. 282). Essa relação entre imagens visuais e sonoras encontra-se presente também em "O inconsciente", texto em que Freud retoma as noções de representação de palavra e representação de objeto - introduzidas pelaprimeira vez no texto sobre as afasias - para dar conta da diferença entre representações conscientes e inconscientes (1915/2006a, p. 50).

Ora, os pressupostos metapsicológicos em torno dos caminhos complementares progressivo e regressivo implicam que a bagagem de experiências sensoriais registradas mnêmicamente são os elementos para a figuração. Consequentemente, alguém, que não tiver registros mnêmicos de tipo visual, processará a conversão dos pensamentos oníricos em imagens de acordo com a especificidade das suas experiências sensíveis. Cabe perguntar, então: se os nãovidentes de nascimento sonham com uma imagética diferente8,por que não indagar se nos sonhos de videntes os outros sentidos não têm maior ingerência que a reconhecida pela teoria? Quais dificuldades para a interpretação dos sonhos acarretariam tais imagens? As perguntas, orientadas em especial às sensações e imagens táteis,renovam o problema de Molyneux sob outra roupagem e novos desdobramentos9.

 

Considerações finais

A observação freudiana acerca da figuração plástica ser a operação do trabalho onírico mais interessante do ponto de vista psicológico guiou o percurso até aqui. As questões implicadas concernem desde a explicação metapsicológica do aparelho e funcionamentopsíquicos passando pelas noções de representação de palavra e de objeto até culminarmos na consideração do papel das sensações na formação das imagens mnêmicas, bases dos processos psíquicos. Assim, a figuração e as suas condições de possibilidade envolvem tanto a constituição do psiquismo nas suas dimensões consciente e inconsciente quanto a formação do pensamento e do mundo enquanto pensado e vivenciado.

Com efeito, pensar a figuração em imagens no seio da teoria freudiana implica trazer à tona o modelo da primeira tópica, as noções de traço mnêmico, a distinção percepção-representação, a diversidade de registros; ou seja, a singularidade da concepção da memória como múltiple, as teses sobre o desenvolvimento do pensamento e da linguagem, além dos pressupostos associacionistas dos textos iniciais como o das afasias, a Carta 52, o Projeto e a Interpretação.

Desse modo, a figurabilidade dos pensamentos oníricos em imagens é determinada pela possibilidade de desandar o processo de formação de pensamentos a partir das suas sensações originárias de acordo com três condições. Em primeiro lugar, os pensamentos devem se caracterizar por certo grau de concretude que torne possível a sua transformação em imagens. Em segundo lugar, é necessário que o sistema mnemônico disponha de imagens adequadas à expressão dos pensamentos oníricos em questão, e, em terceiro lugar, que o mencionado sistema conte com redes associativas que permitam a vinculação dessas imagens adequadas com os pensamentos a serem transformados.

No leque de temas em torno dafiguração incluem-se também as ideias freudianas acerca das sensações. A esse respeito, como mencionado, Freud avança teses empiristas em relação à origem do pensamento e da linguagem. Em particular, acerca das sensações haveria na teoria uma distribuição não sistematizada quanto à relevância de cada tipo. Por uma parte, a reivindicação do papel das sensações auditivas e visuais em detrimento das restantes quando se trata da concepção do funcionamento psíquico da linguagem e do conhecimento de objetos; por outra, a reivindicação do papel das sensações táteis quando se trata das vivências mais primitivas e de ordem afetiva como a de satisfação e as experiências autoeróticas da primeira infância.

O texto freudiano sugere a tarefa de indagarmos em que medida sensações e imagens como as táteis, as olfativas e as de sabor fazem parte dos nossos sonhos e como impactam na realização onírica de desejos. Certamente, tais indagações alcançariam os demais âmbitos da vida psíquica.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Carlota Ibertis
E-mail: carlota.ibertis@ufba.br

 

 

* Professora adjunta do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ex-coordenadora do grupo de trabalho"Filosofia e Psicanálise" da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Membra do Colégio de Psicanálise da Bahia. E-mail: carlota.ibertis@ufba.br.
1 A abordagem da origem das línguas do ponto de vista empirista é cara a filósofos do século XVIII. ParaCondillac(1746/2014, p. 253), por exemplo, o desenvolvimento das línguas pressupõe um longo período em que as únicas palavras são nomes de objetos sensíveis. De acordo com Monzani (1989, pp. 7- 9), pode-se enxergar uma linhagem de pensamento que vai de certos filósofos modernos franceses a Freud.
2 Enquanto em inglês a tradução de "Darstellbarkeit" é "representability", a versão francesa de Denise Berger adota o termo "figurabilité", e a edição em castelhano de Etcheverry, "figurabilidad".A versão em português da Imago, dirigida por Jayme Salomão,usa o termo "representabilidade"; já a tradução coordenada por Luiz Hanns, do Suplemento Metapsicológico à Teoria dos Sonhos, o termo escolhido é "figurabilidade".
3 Para uma rápida recapitulação das diversas conceitualizações pós-freudianas de figurabilidade para além do trabalho do sonho, cf. Botella, 2001.
4 A primeira versão da presente seção encontra-se emIbertis, 2008.
5 A ideia de portador neuronal remete ao Projeto e os sistemas φ, ψ e ω, mas Freud, nesse momento, já a considera um pressuposto prescindível, segundo sua própria declaração.
6 A superposição com o esquema do arco-reflexo acena para o fato de esse modelo não ser incompatível com o referencial anatômico. A esse respeito, cf. Monzani, 1989b, pp. 126-127.
7 "No caso da paciente de Farges mencionado por Freud no texto acerca das afasias, a perda da visão acarreta a impossibilidade de comunicação e de fala: a paciente não reagia a chamados, repetindo sem cessar 'não quero, não posso'. Não reconhecia a voz do médico, mas bastava que ele a segurasse pelo pulso para que ela o reconhecesse e começasse a falar normalmente sem distúrbios de linguagem enquanto durasse o contato." (Freud, 1891/2013, p. 104).
8 Sobre o assunto na perspectiva psicanalítica, cf. Camargos, 2008, além do texto já citado de Hervé Huot. Fora da perspectiva psicanalítica, numerosas pesquisas abordam a questão.
9 Proposto por Molyneux a Locke e retomado por vários filósofos do século XVIII, questiona acerca da relação entre o sentido do tato e a visão e o papel que ambos jogam no conhecimento de objetos em geral apartir do caso de um cego de nascença que ganharia a possibilidade de enxergar quando adulto (Locke,1694/1999, L. 2, cap. 9).

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