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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.21 no.2 São Paulo jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

Pluralismo moral e raciocínio prático

 

Moral pluralism and practical reasoning

 

 

Andrea Faggion1

Departamento da Filosofia da Universidade Estadual de Londrina - UEL / E-mail: andreafaggion@gmail.com

 

 


RESUMO

Procuro esclarecer e precisar o que seria o pluralismo moral com base em uma caracterização do que julgo ser a forma mais profunda e radical de conflito moral: o conflito entre valores incomensuráveis. A seguir, lido com os limites do papel da sensibilidade moral nos cenários de conflitos práticos. Por fim, introduzo um modelo de racionalidade prática consistente com o pluralismo moral mais radical. Concluo que, longe de significar a abdicação da racionalidade no domínio prático, o pluralismo, uma vez absorvido pela nossa cultura moral e política, traria importantes lições de tolerância para nossa época.

Palavras-chave: pluralismo, racionalidade, moralidade.


ABSTRACT

My aim is to clarify and specify what is moral pluralism. My starting point is what I consider the deepest and most radical type of moral conflict: the conflict between incommensurable values. Next, I deal with moral sensibility and the limits of its role in scenarios of practical conflict. Last, I introduce a model of practical rationality consistent with the most radical form of moral pluralism. My conclusion is that, rather than signifying the abdication of rationality in the practical domain, pluralism, once integrated in our moral and political culture, brings relevant lessons of tolerance to our age.

Key-words: pluralism, rationality, morality.


 

 

1. Introdução

Tive a honra e o prazer de ser orientada por Zeljko Loparic no mestrado e no doutorado em filosofia, ambos concluídos na Universidade Estadual de Campinas no início dos anos 2000. Desde aquela época, admiro o fato de Loparic ser um filósofo antes de ser um historiador da filosofia. Em outras palavras, em vez de transformar sua leitura dos clássicos em um fim em si mesmo, limitando-se a julgar o trabalho de diferentes intérpretes em comparação com o texto interpretado, tarefa a qual, infelizmente, muitos reduzem a atividade filosófica na academia brasileira, Loparic estuda filósofos em busca de soluções para problemas filosóficos. Nesse espírito, resolvi homenagear o meu professor com um ensaio cujas pretensões, embora modestas, são filosóficas, e não meramente exegéticas.

Minha homenagem a Loparic neste ensaio também tem um outro aspecto. Recentemente - e, notadamente, com base em sua pesquisa sobre o psicanalista D. W. Winnicott -, Loparic (2013) tem enfatizado a existência de diferentes modelos éticos, contrastando, em especial, a ética do cuidado de Winnicott à ética da virtude dos antigos e à ética da lei de Kant. Esses modelos éticos não representam simples teorias morais que rivalizam entre si na explicação de um mesmo fenômeno. Podemos dizer que são fenômenos morais diferentes. Além disso, são modelos irredutíveis entre si. Como não sou estudiosa de Winnicott, não me proponho a falar de sua ética do cuidado. Em vez disso, vou explorar a ideia de um pluralismo moral, segundo o qual não pensamos diferentes modelos éticos como alternativas em uma disjunção: ou optamos pela ética do cuidado ou, por exemplo, pela ética da lei. O que quero explorar aqui é a possibilidade de a vida moral humana ser marcada por uma conjunção de modelos éticos, por exemplo: ética do cuidado e ética da lei.

Na segunda seção, introduzo a questão do pluralismo moral como coisa de raposas e, para tanto, naturalmente, valho-me de Isaiah Berlin. No entanto, o tratamento que o pluralismo moral recebe na obra de Berlin me deixa um tanto insatisfeita de um ponto de vista analítico. Por isso, na terceira seção, recorro a Thomas Nagel em busca de auxílio para uma maior precisão da questão. Na quarta seção, trato de um tema caro a Loparic: a sensibilidade moral. Se diferentes formas de pensar moralmente conflitam entre si, poderia a sensibilidade nos auxiliar na resolução desse conflito? A quinta seção mostra os limites desse possível auxílio, enquanto a sexta e última seção busca em Joseph Raz, amparado pelos clássicos, um modelo de racionalidade para não nos desesperarmos com os conflitos morais.

Sei que essas breves reflexões não estão à altura da celebração dos 80 anos de vida de um pensador tão importante quanto Loparic, mas se trata de uma oferta sincera de quem, infelizmente, não tem maneira melhor de retribuir tudo o que aprendeu com o mestre.

 

2. O ouriço e a raposa

A certa altura de sua trajetória intelectual, Isaiah Berlin deixou de se considerar um filósofo e passou a se definir como um historiador das ideias. Porém, o que ele de fato passou a escrever não era apenas história, sendo de importância inestimável para a filosofia. Foi escrevendo sobre Leon Tolstói, autor que não costuma ser incluído no cânone da filosofia, que Berlin (1953/2013) apresentou uma ideia própria muito influente até hoje a esta área do conhecimento: a distinção dos pensadores em raposas e ouriços. Berlin queria entender a peculiaridade de Tolstói e, para tanto, acabou fazendo uso metafórico de versos antigos, do poeta grego Arquíloco, apresentados a ele por um amigo. Esses versos dizem que a raposa sabe muitas coisas (ou, em algumas traduções, muitos truques), enquanto o ouriço sabe uma grande coisa (ou um grande truque). Ninguém sabe com certeza o que Arquíloco queria dizer com isso. Possivelmente, os versos sugerem que o ouriço derrota a raposa, a despeito de toda a esperteza da última. Mas Berlin não estava interessado no sentido original dos versos. Ele os usou para extrair deles uma metáfora muito além de seu contexto de origem, querendo dizer que, no universo dos valores,2 raposas aceitam uma pluralidade que ouriços não estão dispostos a tolerar. A obra de Berlin, a meu ver, não é suficientemente precisa na definição do pluralismo de valores e, consequentemente, no contraste entre a raposa e o ouriço; portanto, precisamos investigar melhor o assunto.

Na verdade, ouriços não precisam acreditar que só existe um valor, sendo todo valor aparentemente diferente dele, de alguma forma, redutível a ele, como uma diferente expressão ou manifestação sua. Vamos considerar que um ouriço possa admitir uma pluralidade de valores irredutíveis, desde que ele pense esses valores formando não apenas um conjunto internamente consistente, mas também um sistema cujos membros se interconectam e reforçam mutuamente, como, por exemplo, defende Dworkin em seu Justiça para Ouriços (2011).

O importante é que o conflito entre valores, para o ouriço que admite a existência de uma pluralidade de valores, é uma mera aparência, um erro que cometemos na definição de algum conceito valorativo. No máximo, o ouriço admite conflitos práticos, como os relativos a alguma aplicação de um mesmo valor -por exemplo, quando um salva-vidas tem iguais razões para salvar duas pessoas que estão se afogando simultaneamente, mas só consegue salvar uma de cada vez, sendo que a segunda, inevitavelmente, morrerá enquanto ele estiver salvando a primeira.

Talvez possamos ampliar um pouco mais a última possibilidade, concebendo um tipo de ouriço que admite a casuística dos conflitos na realização de valores de uma mesma família, digamos assim,3 desde que sejam conflitos gerados pelo contexto da ação, e não abstratamente - como quando, em uma situação concreta específica, um sujeito precisa mentir para evitar um assassinato.

Relativamente ao último caso, em abstrato, ou seja, considerando-se apenas os conceitos e suas definições, não existe contradição entre o valor de ser honesto e o valor de se evitar violência. É o contexto particular da ação que faz com que um valor tenha que ser realizado às custas do outro. Acontece que uma raposa também poderia admitir que os mais diferentes valores são abstratamente consistentes entre si, no sentido da definição de um não conter logicamente a necessidade da violação de outro. Isso é muito pouco para falarmos em unidade de valores. Por isso mesmo, Dworkin introduz a necessidade de interconexões e reforço mútuo entre os valores. Para não perdermos a distinção entre raposas e ouriços, se vamos para além de Dworkin, admitindo conflitos contextuais entre valores,4 precisamos, ao menos, introduzir a necessidade de que o ouriço, diferentemente da raposa, considere esses conflitos solúveis.

Kant parece ter sido um ouriço desse tipo, que admite a casuística. Para ele, a moral é racional. Valores morais são sempre racionais. Ora, a razão, Kant nos dizia já na Crítica da razão pura (1781/1997, pp. 303-304), busca sempre a unidade, ou seja, um princípio incondicional como justificação última de qualquer conclusão. Na moral, domínio em que a razão é constitutiva, a razão satisfaz seu anseio por unidade por meio do imperativo categórico.

Tradicionalmente, encontramos na história da filosofia uma relação entre a inteligibilidade dos valores e a sua unidade. Mesmo em uma tradição quase antagônica ao kantismo, deparamo-nos com essa mesma ideia de que o raciocínio prático conduz a um ponto final unificador. A eudaimonia aristotélica, afinal, é o fim último de todos os raciocínios práticos.5

Ora, por que o raciocínio prático, em sua multiplicidade, não poderia nos conduzir a múltiplos fins ou princípios, fins ou princípios não apenas diferentes entre si, mas até mesmo incompatíveis uns com os outros de forma insolúvel em sua realização? Valores não seriam inteligíveis se assim o fossem? Só há inteligibilidade onde há completa unidade, de tal forma que devemos pensar todo conflito insolúvel entre valores como uma falha subjetiva e o sinal de que devemos persistir em nossa investigação até conseguirmos remover o tal conflito? Parece que assim pensaram tanto Aristóteles quanto Kant, ainda que um tenha perseguido uma unidade mais substantiva para o conjunto dos valores práticos, enquanto o outro se contentou com uma unidade meramente formal, representada pela derivação do imperativo categórico como princípio último. Mas seria tão evidente assim essa implicação da inteligibilidade dos valores para alguma doutrina da sua unidade? Para investigarmos esse ponto, temos de colocar a questão da multiplicidade dos raciocínios práticos no centro do palco.

 

3. A fragmentação dos valores

Na última seção, vimos algumas formas de conflitos práticos que um ouriço deveria ( ou, ao menos, poderia) aceitar sem se tornar uma raposa, ou seja, sem abandonar a doutrina da unidade dos valores. O que queremos saber agora é se não teríamos boas razões para pensarmos o conflito de valores de uma forma mais aguda, como fenômeno intransponível. Acima de tudo, queremos entender o que seria essa fragmentação mais radical no plano dos valores.

Penso que Thomas Nagel, no artigo The Fragmentation of Value (1977/2013), ofereça argumentos dos quais possamos nos apropriar de forma produtiva para a presente reflexão. Nagel (1977/2013, pp. 129-130) classifica cinco tipos de valores que dariam origem a conflitos básicos. São eles: 1) obrigações, 2) direitos, 3) utilidade, 4) fins perfeccionistas e 5) compromissos privados.

As obrigações que se tem em vista no primeiro tipo são as obrigações específicas, que contraímos para com outras pessoas ou instituições. Estas dependem de atos voluntários, como promessas ou de relações especiais, como o fato de sermos filhos de certas pessoas. Já os direitos, citados no segundo tipo, são direitos gerais, como o de não sermos agredidos, que podemos opor a qualquer pessoa, independentemente de suas relações conosco. A utilidade, por sua vez, refere-se aos efeitos de nossas ações sobre o bem-estar geral. Os fins perfeccionistas referem-se ao valor intrínseco de certas realizações ou criações, como seria o caso da produção de uma obra de arte ou de uma grande descoberta matemática. Por fim, o valor de um compromisso privado seria o valor de concluirmos os projetos com os quais nos comprometemos, independentemente das razões que tínhamos para nos comprometer com esses projetos em primeiro lugar.

Diante desses diferentes tipos de valores, um ouriço poderia querer sistematizá-los, ordenando-os, por exemplo, assim:

[N]unca infrinja direitos gerais, e assuma somente aquelas obrigações especiais que não podem levar à infração dos direitos de alguém; maximize a utilidade na medida em que as restrições dos direitos e das obrigações permitam; onde a utilidade seria igualmente bem servida por várias políticas, determine a escolha com referência a fins perfeccionistas; e, finalmente, onde isso deixar algo indeterminado, decida com base no compromisso pessoal ou mesmo por simples preferência. (Nagel, 1977/2013, p. 131; tradução minha)

É inevitável sentirmos uma certa flagrância kantiana nessa hipótese criticada por Nagel, afinal, parece claro que a ética kantiana jamais permitiria, por exemplo, que uma razão de utilidade sobrepujasse uma obrigação. Mas não seria mais razoável - contra Kant, se for o caso - concordarmos com Nagel que seria absurdo pensarmos existir uma única escala segundo a qual, abstratamente, poderíamos medir e equilibrar considerações tão disparatadas?

Nagel chama nossa atenção para a diferença fundamental entre as fontes dessas considerações. Podemos falar aqui em diferentes formas de raciocínio pertinentes a cada um desses tipos de valores. É assim que pensamos ser pouco razoável acreditarmos que raciocínios práticos tão diferentes entre si, conforme contemplem um ou outro desses valores, poderiam todos se submeter quer a um mesmo princípio formal, como parece querer Kant, quer a um mesmo princípio substantivo, como parece querer Aristóteles. Tampouco nos pareceria promissora uma perspectiva dworkiniana, segundo a qual uma correta compreensão do modo e do lugar de cada um desses raciocínios poderia harmonizar os resultados de todos eles, fazendo com que um, em vez de conflitar, na verdade, cooperasse com o outro.

Seguindo Nagel, podemos mostrar que a fragmentação dos valores não é mera questão de percepção pessoal, atentando para diferenças em aspectos centrais dos tipos de raciocínio prático e, portanto, nas fontes dos valores. Nagel (1977/2013, p. 132) chama nossa atenção, por exemplo, para uma diferença formal entre valores perfeccionistas e utilitaristas, considerando que o último leva em consideração o número de pessoas afetadas, enquanto esse fator é indiferente para o primeiro. Na mesma passagem, aponta um contraste igualmente formal entre direitos e obrigações de um lado, e quaisquer fins que se queira atingir de outro. Podemos dizer que direitos e obrigações são incomensuráveis com fins, porque atuam justamente como limitadores para a persecução de fins, ou seja, são side constraints na terminologia que Robert Nozick escolheu justamente para enfatizar o contraste desse tipo de valor com fins.

Voltando a Nagel, o filósofo nos lembra também que, formalmente, alguns valores representam razões que podem ser descritas como centradas no ou relativas ao agente, enquanto outros valores representam razões que podem ser descritas como impessoais ou centradas nos resultados; são razões agent neutral, como alguns diriam. Dentre as razões relativas aos agentes, incluem-se obrigações e direitos, pois, ainda que (considerando os casos de aplicação desses valores imparcialmente) seja uma boa coisa cumprir obrigações e respeitar direitos, é a participação do agente na situação que o move nesses casos, em vez de uma preocupação desengajada com o que seria melhor fazer (Nagel, 1977/2013, p. 132). Já as razões utilitaristas são sempre neutras, pois o agente, calculando a maior felicidade para o maior número de pessoas, não pode atribuir qualquer valor especial a sua própria felicidade ou a de qualquer outro agente específico.

Nagel conclui que essas diferença formais entre os tipos de raciocínios práticos ligados aos diferentes tipos de valores são tão básicas que "tornam implausível qualquer unificação redutiva da ética - para não falar do raciocínio prático em geral" (1977/2013, p. 133). Eu acrescentaria que as diferenças formais encontradas nas fontes dos valores tornam implausível até mesmo uma doutrina mais modesta da unidade dos valores, segundo a qual todos os valores, ainda que não sejam redutíveis a um só, interconectam-se e reforçam-se mutuamente.

É difícil acreditar que valores oriundos de fontes formalmente distintas sempre podem ser definidos de tal maneira a se reforçarem mutuamente nos mais diferentes contextos de aplicação, sem que transformemos ao menos um deles em um fantoche que manipulamos terminologicamente para alcançarmos nosso objetivo. Então, para tornar plausível a proposta da unidade de valores como interconexão e reforço mútuo, na verdade, teríamos que, de saída, desvalorizar certos tipos de valores, aceitando algo como a ordem de prioridade entre diferentes tipos de valores citada acima, o que nos levaria a acreditar, por exemplo, que a mais leve das obrigações sempre deve triunfar sobre o mais sério dos projetos pessoais. Agora, se não pudermos ordenar esses diferentes tipos de valores geral e abstratamente dessa maneira, será que, em casos de conflitos, sempre poderemos decidir corretamente por um deles contextualmente?

Certamente, uma parte importante da competência moral de um agente é saber avaliar o tipo de consideração que deve ter preponderância em cada situação. Podemos aceitar que, no discurso jurídico, por exemplo, obrigações e direitos realmente tenham uma precedência natural sobre razões perfeccionistas e utilitaristas. Mas não seria o discurso jurídico justamente um instrumento destinado a nos permitir evitar as dificuldades que o discurso prático geral apresenta para conceder prioridade a um valor em detrimento de outro (cf. Alexy, 1978/1989, pp. 207-208)? Se o discurso jurídico existe para suprir as indeterminações do discurso prático geral na resolução de conflitos práticos, devemos justamente evitar de concebermos todo o discurso prático geral à luz do discurso jurídico, como pode ter feito Kant, com sua moral pautada por obrigações. Mais ainda, parece que devemos aceitar que nem sempre o phronimos, quer dizer, o agente que tomarmos como modelo de sabedoria prática, saberá o que fazer quando valores colidem no raciocínio prático geral desassistido do raciocínio jurídico. Mas precisamos ver isso melhor.

 

4. O phronimos e a resolução de conflitos

Dada a pluralidade dos valores aparentes, podemos pensar em diferentes cenários para suas relações. Em um primeiro cenário, toda a pluralidade seria justamente aparente, pois os valores seriam todos redutíveis a um só. Em um segundo cenário, não é possível reduzir a pluralidade aparente de valores a um único valor, mas todos os valores formam um sistema cujas partes se reforçam mutuamente, não existindo conflitos entre valores. Neste caso, é o conflito entre valores, e não sua pluralidade em si, que é aparente. Em um terceiro cenário, os diferentes valores não são contraditórios em si mesmos - por exemplo, definir o que é útil não envolve afirmar que devemos violar obrigações -, mas são apenas abstratamente consistentes entre si e nada impede que, na prática, conflitem em suas aplicações Porém, nesse terceiro cenário, o conjunto de valores contém ao menos uma regra para ordenação abstrata dos valores; essa regra prescreve a solução de conflitos entre valores diferentes estabelecendo qual deles deve ter prioridade. Em um quarto cenário, eliminamos a referida regra de ordenação de valores. Neste último cenário, será que o phronimos aristotélico - ou alguma ideia similar de sabedoria prática voltada ao uso da sensibilidade moral para a descoberta do que se deve fazer em casos particulares - poderia nos ajudar na solução de conflitos entre valores?

Curiosamente, podemos lançar mão de alguns recursos da filosofia do próprio Kant para jogarmos luz na ideia de um agente que sabe o que fazer em um contexto particular de ação, mesmo que ele tenha que agir desassistido por uma regra geral que permita a subsunção do caso particular. Aqui, tenho em vista, em especial, a Analítica do Belo, que encontramos na terceira Crítica.

Na Analítica do Belo, Kant defende que um tipo especial de sentimento pode prover a fundação de uma pretensão normativa para um juízo particular, ainda que sentimentos não sejam intuições ou qualquer outro tipo de cognição. Para desempenhar tal papel, esse tipo de sentimento precisa ser 1) fundado em um sensus communis e 2) guiado pela razão.

Ao menos parte do papel da razão no processo é exatamente nos certificar de que a satisfação que sentimos em dada ocasião não deriva da nossa constituição privada (Kant, 1790/2000, p. 96-97). Com base nesse sentimento expurgado de idiossincrasias, atribuímos um acordo a todos os outros que julguem o mesmo caso, como faríamos se tivéssemos diante de nós um caso de uma regra (Kant, 1790/2000, p. 101).

Nesse contexto, Kant fala de uma "voz universal". A única certeza de que julgamos de acordo com essa voz universal é a consciência da separação de tudo que pertence à nossa constituição privada. É assim que o sensus communis produz o sentimento próprio para justificar um juízo de valor particular.

No caso, para Kant, é claro, trata-se apenas de juízos de valor estético: os juízos sobre o belo. O que nos interessa é que são juízos fundados na sensibilidade, mas ainda universalmente válidos. Em outras palavras, estou aqui extrapolando considerações que Kant julgou válidas apenas para o campo da estética para tentarmos entender como um juízo particular, prescrevendo a solução para um dado conflito de valores práticos, poderia ser possível sem uma regra. E não estou supondo que Kant aprovaria meu propósito.

Já David Hume não hesitou em recorrer a uma sensibilidade informada e imparcial no seio de sua filosofia moral. Hume fala de algum sentimento ou sentido universal na espécie humana (1751/2006, p. 189), pelo qual, assim como ocorre no caso dos juízos sobre o belo em Kant, esperamos que toda a audiência concorde com nosso juízo (1751/2006, p. 260). Assim como em Kant, também em Hume a razão pavimenta o caminho para esse sentimento, comparando, fazendo distinções, tirando conclusões, examinando relações e fixando fatos gerais. Ou seja, segundo Hume (1751/2006, p. 189-190 e p. 268), assim como na estética, também na vida prática raciocinamos para sentirmos o sentimento apropriado às nossas circunstâncias, um sentimento que pode até mesmo ser corrigido por meio de argumento e reflexão.

Em suma, o que quero extrair dessas considerações de Kant e Hume para nosso problema é a atribuição de um papel para a razão na formação do juízo particular que contém a resolução de conflitos entre valores, papel este que não é o de julgar dedutivamente a partir de uma regra, coisa de que, por hipótese, não dispomos, mas, sim, o papel de ajudar a constituir um ponto de vista comum, a partir do qual um sentimento apropriado pode ser sentido, de tal maneira que, graças a um sentido comum (ao menos à espécie humana), se possa justificar uma pretensão de validade universal para um juízo de valor particular. Talvez esta seja uma forma de tornarmos menos obscuro o procedimento de uma ética particularista, pelo qual um sujeito dotado de sabedoria prática simplesmente sabe o que fazer em contextos de conflito. Afinal, a ideia de uma intuição moral, como uma cognição pela qual o sujeito percebe a resposta certa quando valores conflitam, não parece ser das mais esclarecedoras.

Mas será que o sentimento moral, depurado de elementos privados pela razão, realmente serve a nosso propósito, servindo até melhor do que a obscura noção de uma intuição moral que atesta juízos particulares?

 

5. O phronimos diante do caso Wilt Chamberlain

Vamos aplicar o modo moderno e nada aristotélico como entendemos o phronimos na última seção a um caso concreto. Recorreremos a um experimento de pensamento, porque, na filosofia moral, experimentos de pensamento muitas vezes são usados justamente para averiguarmos como nossa sensibilidade moral reagiria a certas circunstâncias (o que pode nos levar a descobrir quenossas teorias e nossa sensibilidade moral nem sempre concordam entre si).

Um dos muitos experimentos de pensamento elaborados pelo filósofo Robert Nozick (1974, pp. 160-161) tinha o intuito de mostrar duas coisas: 1) que a liberdade e a igualdade são valores incompatíveis; 2) que nossa sensibilidade moral favorece a liberdade. Falo do experimento Wilt Chamberlain, que, em linhas gerais, pode ser sintetizado da seguinte forma. Imaginemos uma sociedade que realize um padrão de distribuição de bens que o leitor julgue justo. Não importa qual é essa situação inicial, mas apenas que ela não possa ser criticada pelo leitor como injusta. Nessa sociedade perfeitamente justa (segundo a concepção de justiça do leitor), nasce Wilt Chamberlain. Ele é duas vezes ganhador na loteria da natureza. Nasce com dotes muito superiores para o jogo de basquete e em uma sociedade em que todos apreciam muito esse esporte. Todos estão dispostos a usar uma parcela do quinhão que lhes coube na distribuição inicial de bens para pagarem para ver Chamberlain jogar basquete. Como esse fato é bem conhecido, Chamberlain assina um contrato com um time que repassa exclusivamente a ele uma porcentagem da bilheteria dos seus jogos em casa. O ingresso para esses jogos já contêm uma parte destacável com o nome de Chamberlain e a quantia que está sendo paga especificamente a ele por cada torcedor. Todos estão felizes em pagar essa quantia. Ocorre que, ao final da temporada, a sociedade em questão não reflete mais a situação inicial de distribuição de bens que o leitor julgava justa. As transferências voluntárias de bens feitas para Chamberlain, superando em muito o volume de transferências recebido por qualquer outro indivíduo particular, perturbou o padrão inicial de distribuição de bens.

Ao final do experimento, a pergunta de Nozick é: com base em que, nesse cenário, alguém poderia legitimamente reclamar ter sido injustiçado? Aparentemente, Nozick julga que o experimento seria bem-sucedido em mostrar que: 1) a única forma de manter o padrão de distribuição inicial - a igualdade, por exemplo - é proibindo ou restringindo transações voluntárias de bens legitimamente possuídos pelas partes, ou seja, interferindo com a Liberdade;6 2) nossa sensibilidade moral nos inclinaria a dizermos que não há boas razões para julgarmos injusta a perturbação do padrão inicial, portanto, o conflito deveria ser resolvido em favor da liberdade.

Por hipótese, estamos aceitando que 1) seja verdade, quer dizer, que há conflito entre igualdade (como um possível padrão inicial) e liberdade. Um ouriço poderia negar valor à liberdade individual negativa (o direito de não sofrer interferência) tal como pensada por um libertário, bem como a certos padrões igualitaristas de distribuição inicial, tal como seriam pensados por socialistas, redefinindo os conceitos de liberdade e igualdade de tal forma que eles não colidissem entre si (cf. Dworkin, 2001). Porém, neste artigo, em vez de negarmos a existência de conflitos entre valores, estamos querendo saber mais sobre eles, sobretudo, estamos querendo saber se são solúveis sem uma regra de ordenação de valores.

Nozick parece pensar que, em particular, o conflito entre igualdade e liberdade seria solúvel. Usando a razão para depurar o conflito entre igualdade e liberdade de outros elementos - como as origens históricas injustas da desigualdade real, cuja reprovação moral poderíamos confundir com uma reprovação moral da desigualdade em si -, Nozick procura construir uma situação que apela à nossa sensibilidade moral favoravelmente à liberdade. Ele obteve êxito?

Voltemos à distinção de Nagel de cinco fontes de valores vista na seção 3 do presente texto É evidente que alguém que favorece o raciocínio prático pautado por direitos e obrigações chegará ao mesmo veredicto que Nozick sobre o experimento Chamberlain. Nessa perspectiva, nenhum terceiro pode alegar ter tido um direito violado pelas transações envolvendo Chamberlain e o público dos seus jogos; portanto, fim da história. Não há injustiça. Mas alguém que favoreça o raciocínio utilitarista ou o raciocínio perfeccionista não necessariamente se sentirá da mesma forma diante da conclusão do experimento Wilt Chamberlain. Essa pessoa pode insistir que uma correção deva ser feita para o restabelecimento do padrão inicial de distribuição de bens, em detrimento da liberdade individual, ainda que nenhum indivíduo tenha tido um direito seu lesado e ainda que nenhuma obrigação individual tenha sido descumprida. Como já vimos, esse sujeito estaria raciocinando de forma neutra relativamente aos agentes envolvidos, ou seja, de forma voltada aos resultados. Provavelmente, então, a sua sensibilidade moral não seria afetada pelo experimento da mesma forma que seria afetada a sensibilidade moral de um libertário, que prefere as formas de raciocínio prático centradas nos agentes.

O que queremos mostrar com isso é que, em um cenário de conflito entre diferentes formas de raciocínio prático (no sentido da seção 3, a razão (como explicado na seção 4 esclarece a situação, mostra o que está para ser julgado com precisão, exclui os elementos idiossincráticos e, ainda assim, não presta suficiente auxílio para que possamos confiar na solução do conflito favorecida pela sensibilidade moral do julgador. Para que uma sensibilidade imparcial e informada pudesse nos auxiliar, teríamos de acreditar que, excluídas nossas múltiplas preferências subjetivas, que poderiam nos levar a escolher um dentre muitos tipos de vício, só restaria a alternativa virtuosa para a escolha. Em outras palavras, Aristóteles teria de ter razão quando diz que "é possível falhar de muitas formas (pois o mal pertence à classe do ilimitado, como os pitagóricos conjecturaram, e o bem, a do limitado), enquanto só é possível ser bem-sucedido de uma maneira" (2009, p. 30; tradução minha7). Mas acontece que Aristóteles não tem razão se cada tipo de raciocínio prático nos indica um caminho diferente quando chegamos a uma encruzilhada moral. A raposa é que teria razão, porque o bem também seria múltiplo, e não apenas o mal.8

 

6. Dois modelos de racionalidade prática

Com base no que temos visto, podemos discernir vários tipos de conflitos práticos. Primeiro, alguns conflitos se dão com respeito a um mesmo valor; são completamente provocados pelo contexto da ação e ninguém acreditaria na existência de uma solução para eles. Seria o caso do exemplo clássico do salva-vidas que se vê em um ponto equidistante de duas vítimas que demandam igual e simultaneamente o seu socorro e ele só consegue atender uma delas a tempo. Seria um tanto esdrúxulo se alguém dissesse que esse salva-vidas tinha uma razão conclusiva para salvar uma pessoa em vez da outra, de forma que o phronimos saberia o que fazer. Na verdade, nem sequer haveria desacordo quanto a esses casos, porque todos estariam de acordo que não há coisa certa a fazer. Cada um aceitaria que a escolha do outro seria tão boa quanto a sua, mesmo que fosse diferente. Nesse sentido, o que resolve esses conflitos é justamente a evidência de que são insolúveis. As razões para cada lado são iguais.

Em segundo lugar, existem conflitos relativos à aplicação de um mesmo valor ou à realização de valores diferentes, porém, pertencentes ao mesmo tipo de raciocínio prático ou derivados da mesma fonte (ver seção 3), relativamente aos quais podemos imaginar que uma sensibilidade moral informada e imparcial poderia vislumbrar prioridades, já que as duas alternativas em conflito, nesses casos, seriam comensuráveis, mas não seriam exatamente iguais sob todos os aspectos moralmente relevantes ditados pelo contexto.

Pensemos no exemplo kantiano do sujeito que precisa mentir a um assassino que bate em sua porta à procura de uma vítima que está escondida em sua casa. Tratam-se de valores diferentes conflitando aqui: a honestidade e a não agressão. Mas ainda estamos no âmbito do raciocínio prático relativo a direitos e obrigações, quer dizer, nosso raciocínio a favor de cada uma das hipóteses é comensurável, pois faz todo sentido pensarmos em obrigações mais ou menos importantes umas em relação às outras, sejam essas obrigações específicas ou gerais. O phronimos, no exemplo do opúsculo kantiano, encontraria diferenças contextuais suficientes entre as alternativas disponíveis à escolha para ver que a mentira, considerando o contexto, seria a violação de valor menos séria.9 E note que, para isso, ele não precisaria de uma regra geral que estabelecesse que evitar agressões (ou mesmo assassinatos) é sempre menos grave do que mentir.

Resumindo, alguns conflitos práticos são sem solução (as razões em conflito são iguais), enquanto outros possuem soluções (uma razão é mais forte do que a outra), mesmo quando não dispomos de regras gerais para resolução de conflitos de valores. O grande problema com que nos deparamos, então, são aqueles conflitos que costumam mesmo dividir opiniões de pessoas razoáveis e de boa-fé: os conflitos entre valores oriundos de fontes diferentes ou correspondentes a raciocínios práticos formalmente diferentes. Se dois ou mais tipos formalmente diferentes de raciocínio prático nos levam a conclusões significativas para um determinado caso, ou seja, nenhum deles sugere que nossa escolha nas circunstâncias dadas é de importância menor - sendo que essas soluções não apenas diferem entre si, mas também conflitam entre si -, então o recurso à sensibilidade moral para decidirmos qual violação de valor seria menos séria parece inútil. Cada ator teria um sentimento diferente, conforme seu temperamento favorecesse um tipo de raciocínio (e, consequentemente, um tipo de valor) ou o outro.

A diferença no plano da sensibilidade, aqui, não poderia ser atribuída ao mero fato de um ator estar se valendo, por exemplo, de seus interesses egoístas e de sua própria história de vida para formar seu juízo, enquanto o outro conseguiria, de fato, julgar o caso como um expectador imparcial, para, então, ter o sentimento apropriado em prol de uma das soluções. Em síntese, se existe incomensurabilidade de valores ou razões práticas, não existe resposta certa para conflitos práticos que dividem pessoas que preferem uma ou outra solução para esses conflitos. Aqui, as razões a favor de cada alternativa não são iguais e, ainda assim, nenhuma é capaz de derrotar a outra. Isso significa que chegamos a uma conclusão irracionalista no final das contas? Não necessariamente.

Primeiramente, nos casos em que o desacordo seria intratável, criamos formas artificiais de raciocínio prático para solução de conflitos, mormente, o raciocínio jurídico, que mescla a atribuição de autoridade para decidir a certas vontades com a necessidade de justificação dessas decisões dentro de um sistema de regras preestabelecidas. Porém, é verdade que não devemos e nem podemos judicializar todos os aspectos de nossa vida prática. Ademais, o raciocínio jurídico depara-se com os seus próprios hard cases, para os quais suas regras positivadas e explicitamente formuladas não ditam respostas únicas e precisas. Os hard cases do direito, da política e da nossa vida cotidiana seriam, então, ocasiões de escolha irracional?

Na verdade, não é este o caso, pois, diante de uma escolha difícil, em que valores incomensuráveis conflitam, ainda estamos escolhendo racionalmente, exatamente porque não escolhemos de acordo com uma razão que tenha sido derrotada em uma deliberação prática. Quer dizer que temos o direito de considerar nossa escolha nesses casos de conflito como racional, se realmente não estava disponível um argumento conclusivo contra nossa preferência por um valor em detrimento do outro. Pelo contrário, somos irracionais não apenas quando agimos contra razões que derrotam o valor que preferimos em um conflito, mas quando forçamos o próprio conflito, escolhendo lesar um valor quando era possível realizar igualmente bem o valor que preferimos de uma outra forma, compatível com aquele valor lesado (cf. Alexy, 1986/2002, pp. 398-399).

No sentido do que temos em mente aqui, Raz (1998/1999, cap. 3) distingue duas concepções de racionalidade. Uma concepção é intelectualista e, de acordo com ela, só somos racionais se nossas razões para agir necessitam das decisões que tomamos, derrotando todas as razões contrárias a essas decisões. Uma outra concepção de razão, que Raz chama de "clássica", é bem mais fraca. Ela exige apenas que ajamos de acordo com razões que não foram derrotadas. Essas razões tornam as nossas escolhas inteligíveis, mas não necessárias.10

Trata-se, portanto, de uma concepção subdeterminante de razão prática. Mas nem por isso de uma concepção que atribua um papel irrelevante para a razão prática em nossas decisões. O caminho da virtude e da racionalidade, na última concepção, não seria um só. Mas ainda precisaríamos de muita sabedoria prática e deliberação racional para o discernimos dos outros tantos maus caminhos, bem como para nos certificarmos de que nossa escolha não é mesmo inferior a outras.

 

7. Considerações finais

Se o conflito de valores incomensuráveis for um fenômeno ubíquo da racionalidade prática, como sugere a análise das diferenças formais entre as fontes dos valores morais, não devemos encarar o fato como uma licença para a tomada de decisões arbitrárias e irracionais, mas, sim, como um incentivo à tolerância nos casos de desacordo moral persistente. O fenômeno social atual da crescente polarização política no Brasil e no mundo ancora-se, em grande parte, na convicção, de ambas as partes, de que suas crenças políticas são as únicas possíveis para pessoas intelectualmente capazes e moralmente corretas.

A difusão de uma concepção mais fraca de racionalidade prática, condizente com a pluralidade de raciocínios práticos com a qual nos deparamos na vida pública e na vida privada, traria-nos boas chances de um cenário político menos intransigente. Adicionalmente, uma cultura moral e política própria das raposas parece mais propícia à valorização do Estado de Direito como recurso para resolução de conflitos, sem que diferentes atores políticos julguem-se no direito de violar e até mesmo minar a força das leis positivas em nome de seu valor favorito.

 

Referências

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1 Possui graduação em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina (2000), mestrado (2003), doutorado (2007) e pós-doutorado (2011) em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas, tendo sido orientada por Zeljko Loparic em seu mestrado e doutorado, e supervisionada por José Oscar de Almeida Marques em seu pós-doutorado. Também realizou estágio como pesquisadora visitante (pós-doutorado) no Departamento de Filosofia da University of Colorado, em Boulder (USA) (2011). Atualmente, é professora associada do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina, onde coordenou a Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea: Aspectos Éticos e Políticos, foi vice-coordenadora do Programa de Mestrado em Filosofia e é vice-chefe do Departamento de Filosofia. É membro permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia stricto sensu da mesma universidade. Já coordenou o curso de graduação em filosofia da Universidade Estadual de Maringá, onde trabalhou anteriormente, e uma especialização na mesma área também nesta última universidade.
2 Neste texto, entendo valores como razões não instrumentais para a ação. Assim, uma obrigação seria um valor. Existem valores que não são práticos, mas, neste texto, vou me restringir a valores práticos ou morais, se considerarmos que todas as razões não instrumentais para agirmos são razões morais.
3 Na próxima seção, ficará mais claro o que entendo por diferentes famílias de valores. Refiro-me aos diferentes tipos de valores separados por Thomas Nagel.
4 O mais próximo que Dworkin chega disso, até onde sei, é admitindo a possibilidade de conflitos entre valores e desiderata (cf. Raz, 2014, p. 13).
5 A este respeito, G. E. M. Anscombe (1957/2000, p. 34) acusa Aristóteles de ter transitado ilicitamente da tese segundo a qual todos os encadeamentos precisam parar em algum lugar para a tese que há algum lugar em que todos os encadeamentos precisam parar.
6 A liberdade prejudicada pela interferência nas transações voluntárias dos indivíduos, no caso, seria a liberdade negativa, no sentido explicado por Berlin em seu clássico ensaio "Dois conceitos de liberdade" (1958/2002).
7 Tradução baseada na edição inglesa referida.
8 Vale observar aqui que, quando escreveu seus "Dois conceitos de liberdade", Berlin falava de uma "agonia da escolha" (1958/2002, p. 214), significando, em minha interpretação desse ensaio, que a condição humana seria tal que, ao escolhermos um bem, teríamos que necessariamente fazê-lo em prejuízo de outro, sem que possamos saber qual bem deveríamos favorecer e qual deveríamos prejudicar. Porém, no artigo "Pluralism and Liberalism" (with Bernard Williams) (1994/2013), Berlin abandona essa posição em favor de uma teoria particularista, que substitui a necessidade da escolha diante do conflito de valores por justificações contextuais. Teria a principal raposa se tornado um ouriço?
9 Eu não estou interessada em discutir aqui por que Kant, em seu "Sobre um suposto direito de mentir por filantropia" (1797/1996), chegou a uma conclusão diferente daquela que teria sido encontrada de imediato por qualquer pessoa sensata.
10 Creio que a explicação do silogismo prático aristotélico dada por Anscombe em seu Intention (1957/2000, pp. 57-62) nos ajuda a entender por que Raz chama essa concepção de racionalidade prática de modelo clássico. Anscombe observa que as premissas de um silogismo prático não necessitam uma ação da mesma forma que as premissas de um silogismo teórico necessitam sua conclusão. Ainda assim, eu insistiria em classificar Aristóteles como um ouriço, dada sua doutrina da eudaimonia como único fim de toda deliberação prática (um ponto criticado pela própria Anscombe, cf. n. 4), bem como sua declaração expressa, já citada, de que só podemos ser bem sucedidos na vida prática de uma maneira.

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