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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Ilegalismos, governamentalidade e desejo de muros: a produção do migrante pobre como ilegal1

 

Illegalisms, governmentality and the wish for walls: the production of the poor migrant as illegal

 

 

Cesar Candiotto

Doutor em Filosofia pela PUC-SP. Professor e pesquisador da Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), onde também é professor do Mestrado em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Bolsista de Produtividade do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico)

 

 


RESUMO

O artigo estuda a preocupação político-filosófica acerca dos migrantes miseráveis na época contemporânea, como novo objeto de gestão administrativa dos Estados e de regulação da ordem política estabelecida. Objetiva-se apropriar-se das noções de gestão dos ilegalismos e de governamentalização do Estado, introduzidas por Foucault, para apontar como elas transformam a política migratória em polícia migratória. Mediante a prática dos ilegalismos, a gestão desses migrantes utiliza-se de mecanismos infralegais que evidenciam os limites da relação tradicional entre legalidade e ilegalidade. Através do modus operandi da governamentalização, o Estado regula o fluxo migratório como mecanismo compensatório para mascarar o declínio de sua soberania política. Com isso, aponta-se a insuficiência da designação jurídica do Estado no que diz respeito ao tratamento dos migrantes. Para além das pesquisas de Foucault, propõe-se articular a governamentalização do Estado moderno à ideia de soberania erodida, enfatizada por Wendy Brown (2009). Nesta perspectiva de leitura, o declínio da soberania política do Estado-Nação é associado à ascensão do Estado securitário. E o desejo de muros estimulado por deste último, evidencia a nostalgia de um modelo de Estado que já não existe. Assim, a produção do imigrante pobre como inimigo da nação resulta de um mecanismo de defesa social empreendido pelo Estado securitário, diante de uma suposta segurança permanentemente ameaçada. Apesar disso, esse desejo de segurança jamais é totalmente satisfeito.

Palavras-chave: Ilegalismos; Governamentalidade; Soberania; Desejo de muros; Migrantes.


ABSTRACT

The article studies the political-philosophical concern about the miserable migrants in the contemporary era, as a new object of administrative management of the States and of regulation of the established political order. The objective is to appropriate the notions of "management of illegalisms" and "governmentalization of the State", introduced by Foucault, to point out how they transform migratory politics into migratory police. Through the practice of illegalism, the management of these migrants uses infra-legal mechanisms that highlight the limits of the traditional relationship between legality and illegality. Through the modus operandi of governmentalization, the State regulates the migratory flow as a compensatory mechanism to mask the decline of its political sovereignty. With this, the insufficiency of the legal designation of the State with regard to the treatment of migrants is pointed out. In addition to Foucault's research, it is proposed to articulate the governmentalization of the modern state to the idea of "Waning Sovereignty", emphasized by Wendy Brown (2009). In this perspective of reading, the waning of the nation-state's political sovereignty is associated with the rise of the security state. And the "desire for walls" stimulated by the latter, shows the nostalgia for a state model that no longer exists. Thus, the production of the poor immigrant as an enemy of the nation results from a social defense mechanism undertaken by the security state, in the face of an alleged security that is permanently threatened. Despite this, this desire for security is never fully satisfied.

Keywords: Illegalisms; Governmentality; Sovereighty; Desire for Walls; Migrants.


 

 

1. Introdução

Nesse artigo examina-se a pertinência do pensamento de Michel Foucault para identificar o surgimento de uma problemática relevante para a filosofia social e política nos últimos anos. Trata-se da preocupação acerca das grandes migrações de populações pobres e miseráveis da periferia do mundo para os grandes centros industriais e pós-industriais. Ora, o pensador francês não tratou diretamente dessa população em sua analítica do poder na primeira metade dos anos 70, bem como em seus desdobramentos na segunda metade desta década. Contudo, algumas noções que introduz em um percurso circunscrito entre 1973 e 1978 podem ser reapropriadas para delimitar os principais elementos da objetivação negativa dos migrantes pobres e miseráveis.

A primeira delas é a de gestão de ilegalismos (sempre usado no plural), proposta, pela primeira vez, no curso de 1973, A sociedade punitiva. Ao estudar as punições e penalidades na forma-fábrica e na forma-prisão, Foucault sustenta que o exercício da legalidade está pautado na gestão diferencial dos ilegalismos, ao condenar ou tolerar os mesmos atos a depender do contexto e de quem os comete. No caso específico do fluxo dos migrantes pobres, propomos uma leitura heterodoxa de Foucault segundo a qual os ilegalismos podem ser articulados aos novos processos de inclusão excludente. Se nas suas investigações do início dos anos sessenta, como em História da loucura, a exclusão é considerada a estrutura negativa de uma sociedade e o grande Outro, a partir do qual ela encontra sua identidade, cogitamos que ela pode ser reinvestida em passagens pontuais depois de 1973, quando se trata de examinar a constituição do migrante pobre pelo par inclusão-exclusão.

Outra noção importante introduzida (ou pelo menos dinamizada) por Foucault na segunda metade dos anos 70 é a de governamentalidade. No curso de 1978, em Segurança, território, população, ele sugere que o Estado tem sido cada vez mais governamentalizado por dispositivos heterogêneos que emanam do exercício do poder-saber nas práticas sociais em vias de institucionalização. Esse exercício do governo, quando alcança a própria esfera de atuação do Estado, não pode ser compreendido somente pela delimitação jurídico-filosófica do Estado de direito e do par legalidade-ilegalidade, mas precisa ser problematizado, especialmente pelas diferentes formas de regulação de certas populações pelo par ordem-desordem. A esse respeito, buscamos demonstrar que a maneira de governar os migrantes pobres em bom número dos países ocidentais pós-industriais nos últimos anos pode ser compreendida a partir da regulação destas populações como inimigos que perturbam a ordem social, econômica e política estabelecida.

Portanto, o artigo percorre a problemática da produção do migrante pobre a partir destas noções legadas por Foucault, e, por isso mesmo, para além dele. Desde os anos 90, o acontecimento das migrações passa a ser um objeto irrenunciável do diagnóstico filosófico do presente. Este diagnóstico é inseparável da tarefa da problematização, ou seja, do escopo de saber como algo em determinado momento se torna problemático e motivo de preocupação para uma sociedade determinada, impondo-se como objeto a ser pensado. Assim, pode-se afirmar que, há séculos, os migrantes pobres perambulam de cidade em cidade, de um País a outro como algo que não representava grande incômodo para os governos ou pessoas que os acolhiam.

Por que, então, em um determinado momento, eles passaram a ser objeto de enorme preocupação por parte das práticas de regulação governamentais, mas também das práticas sociais? Enfim, para além das pesquisas de Foucault, propõe-se articular a governamentalização do Estado moderno à ideia de soberania erodida, tal como tem sido enfatizada por Wendy Brown (2009) e retomada por Michael Foessel (2010). De algum modo, ambos entendem que o declínio da soberania política do Estado-nação é correlato da ascensão do Estado securitário. E, justamente o desejo de muros, constitutivo deste último, não deixa de ser uma certa nostalgia de um modelo de Estado que já não existe. Assim, a produção do imigrante pobre como inimigo resulta de uma espécie de mecanismo de defesa social diante de uma suposta segurança ameaçada.

 

2. Ilegalismos e Migrações

Na primeira parte do artigo aponto o nascimento da expressão gestão dos ilegalismos na analítica do poder de Foucault, para, em seguida, apropriar-me dela como uma ferramenta que ajude a entender o nascimento da regulação das migrações e dos migrantes pobres. Em decorrência, sustento que a desproporcionalidade entre os fluxos intensivos de circulação da riqueza na nova ordem política e econômica mundial e a ambivalência das políticas de regulação do fluxo dos migrantes pobres solicitantes de refúgio pode ser repensada, não necessariamente pelo viés jurídico que envolve a aplicação igualitária das leis concernentes a todos os migrantes, mas por meio de uma espécie de gestão economicista de populações. Esta gestão define a boa ou a má migração, sendo que, quase sempre, seu valor positivo ou negativo está associado à importância que o trabalho e o lucro ocupam na Modernidade e à consequente desqualificação da pobreza.

A expressão gestão de ilegalismos é introduzida por Foucault em 1973, no curso A sociedade punitiva, a propósito do nascimento da penalidade burguesa moderna e no contexto da associação entre moralização e penalização do trabalhador industrial. Ela é retomada em 1975, no livro Vigiar e punir, concernente ao surgimento da penalidade no início do século XIX e no contexto da produção da delinquência pela circularidade entre aprisionamento e reincidência.

A penalidade moderna, segundo o livro de 1975:

seria [...] uma maneira de gerir os ilegalismos, de esboçar os limites de tolerância, de dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte deles, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles. Em resumo, a penalidade burguesa inaugurada entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, não "reprimiria" pura e simplesmente os ilegalismos; ela os "diferenciaria", asseguraria sua "economia" geral.2

A instauração de uma outra economia geral da penalidade na Modernidade não anula a praticada na época do poder soberano clássico, baseada somente na repressão e na interdição, mas a reinveste pela diferenciação. Essa diferenciação, ora tolera, ora penaliza os mesmos atos e comportamentos. Às vezes, os inclui (permite, dá terreno), outras, os exclui; tira deles proveito, ou os neutraliza.

Um ato ou comportamento é definido pela gestão dos ilegalismos quando, nas lutas travadas ao redor do poder político, ele é tolerado ou até mesmo incentivado sob a forma de resistência, transgressão ou crítica a determinadas leis por considerá-las injustas e quando for executado por determinados agentes em um contexto específico; e, contrariamente, quando esse mesmo ato ou comportamento passa a ser penalizado, porque considerado infracionário, delitivo ou criminoso à ordem política estabelecida ao ser praticado por outros agentes, seja no mesmo contexto, seja em um contexto diferente. Tolerância e estímulo, no primeiro caso; penalização, no segundo.

Esse operador conceitual utilizado por Foucault para caracterizar a penalidade moderna poderia ser estendido para identificar certa continuidade nas leis migratórias que vigem atualmente. Elas são aparelhos de gestão de fluxos de circulação migratória muito mais que instrumentos que visam à proteção e à garantia da igualdade jurídica que deveria incidir sobre quaisquer migrantes. As medidas restritivas adotadas em relação aos migrantes pobres por parte dos governos dos Países que deveriam acolhê-los, assim como os estímulos concedidos aos migrantes endinheirados que viajam livremente a trabalho, a lazer ou fixam facilmente residência, apontam a insuficiência do par legalidade-ilegalidade e sua aplicação meramente jurídica para interpretar a problemática migratória. Antes, estas medidas e estímulos evocam a reconfiguração das fronteiras e a ampliação da gestão dos ilegalismos no contexto da globalização econômica transnacional.

Desse modo, nem todo migrante é necessariamente inimigo social; nem todo pedido de refúgio deve ser negado, ou pelo menos, não com o mesmo tempo de espera, tampouco com igual intensidade e gradação. Em vez de entidades soberanas fortes e sólidas que protegem seus cidadãos e seus direitos no interior de suas fronteiras, tanto no sentido político quanto no econômico, os países de destino das migrações contemporâneas estão mais interessados na gestão do fluxo do capital material e imaterial dinamizado por sua elite econômica. E, nesse sentido, a política migratória desliza-se para a gestão dos ilegalismos ao criar uma divisão entre os migrantes que devem ser bem acolhidos e aqueles que serão incluídos como ilegais ou sequer socorridos.

A produção de populações se dá pela introdução de fraturas e divisões. No caso das migrações, não existe uma única população. Isso revela que não há, a rigor, uma política migratória, mas uma gestão de populações migrantes. Ser um migrante ilegal nem sempre é um estatuto unicamente jurídico. Ele é produzido juridicamente como ilegal em razão da desqualificação infra jurídica que lhe é associada. Ou ainda, o sistema de legalidade não é totalmente neutro e igualitário sempre que na aplicação da lei ele vê no migrante miserável a reconfiguração contemporânea do pobre e do vagabundo, há muito tempo desqualificados pela moral burguesa.

Uma de minhas hipóteses é que a gestão dos ilegalismos, que vigia e pune por meio de tolerâncias e coerções a população dos migrantes, opera pelo duplo viés da inclusão e da exclusão em pelo menos três níveis.

Em um primeiro nível, o migrante pobre sequer é socorrido em um país de destino, ao mesmo tempo em que o migrante rico é facilmente qualificado como cidadão mediante a regulação que opera a exclusão do primeiro e a inclusão do segundo. A aplicação da lei é, portanto, sujeita a uma diferenciação que extrapola os próprios limites jurídicos. A depender de quem ela se aplica, pode ser flexibilizada; ou, pelo contrário, exercida com o devido rigor, não deixando jamais ingressar ou simplesmente deportando quem é considerado indesejável.

Em um segundo nível, o migrante pobre ilegal é alguém incluído na condição de excluído. Incluído para que dele sejam extraídos benefícios econômicos e políticos, mas excluído porque é destituído de um estatuto jurídico que lhe garanta proteção de todos os direitos no país em que vive. Neste caso, se bem os migrantes pobres cruzem as fronteiras geográficas, contudo permanecem presos nas fronteiras instituídas pelas práticas divisórias já existentes em uma sociedade e segundo as quais ela deve se defender contra seus inimigos internos. Neste caso, o delinquente, considerado um desses inimigos internos, é facilmente associado ao migrante ilegal.

Em um terceiro nível, temos as populações situadas nos campos de detenção ou de refugiados. Estas populações não são totalmente incluídas, pois são socorridas sem serem acolhidas; mas tampouco eliminadas, pois ali são deixadas na condição da mera sobrevivência e sem que haja um prazo limite para que seu pedido de refúgio seja atendido. "Os migrantes se encontram encurralados na borda da nação, são vidas na fronteira, comprimidas indefinidamente em um dentro-fora permanente, do qual o campo é finalmente o paradigma." (Le Blanc; Brugère, 2017, p.128).

Se o internamento clássico produz os associais, se o aprisionamento moderno fabrica o delinquente, então o campo de detenção transforma o migrante pobre em migrante indesejável. A suposta hospitalidade3 concedida aos migrantes pobres tem somente uma função de suplemento moral, pois, neste caso, não se trata de socorrê-los para acolhê-los, e sim, de socorrê-los para vigiá-los e puni-los e, em seguida, devolvê-los de onde vieram. Nesse sentido é que, na heterotopia que caracteriza o campo de detenção, a hospitalidade parece ter chegado ao seu termo.

Uma das características dos migrantes pobres que habitam os campos de detenção é que nestes lugares eles jamais estão totalmente dentro ou completamente fora do País de acolhida. Eles estão dentro de meu País, porém invisibilizados; eles estão no interior de minha fronteira territorial, contudo isolados; eles são o meu outro potencial, suscetível ao fracasso e à miséria; eles são aqueles que não sou, mas que poderia ser. Eles habitam um espaço outro, um contraespaço heterotópico. Foucault salienta, ainda nos anos 60, que inexistem sociedades sem a constituição desses contraespaços, de tal modo que elas poderiam ser classificadas "segundo as heterotopias que elas constituem" (2013, p. 21).4 Podemos igualmente cogitar que os atuais campos de detenção são exemplos heterotópicos de nossa sociedade, estes outros espaços que a constituem negativamente mediante a invisibilização dos migrantes pobres. Contudo, porque se trata de um espaço em que não se está totalmente dentro ou completamente fora de um país de acolhida, ou ainda, porque jamais essa destituição de estatuto político tem um prazo determinado para acabar, o resultado disso é a indefinição sobre a possibilidade de uma exclusão completa (a expulsão definitiva) ou a probabilidade da inclusão mediante a obtenção do estatuto de refugiado.

Durante muito tempo Foucault entendeu a noção de exclusão como a estrutura constitutiva da formação da identidade de qualquer sociedade. A cultura de uma sociedade se define por aquilo que ela rejeita e exclui. Desde o Préface da primeira edição de História da loucura, de 1961, a exclusão é o eixo interno em torno do qual o corpo social se forma. Entretanto, em 1973, no curso A sociedade punitiva, ele adverte que deixará de lado essa noção pois o exercício do poder produz algo, mais do que se define pela exclusão.

De minha parte, quando se trata de gestão dos ilegalismos, considero que o exercício do poder produz um objeto, no caso o migrante ilegal ou o migrante clandestino, pela articulação entre inclusão e exclusão. Trata-se de incluir o migrante pobre e miserável, excluindo-o ao mesmo tempo da partilha dos bens políticos e culturais da comunidade em que vive. Ou, ainda, trata-se de mantê-lo indefinidamente em um campo de detenção, sem que sua exclusão para fora das fronteiras seja realizada ou seu estatuto político de refugiado seja expedido e reconhecido. Nestes casos, a exclusão deixa de ser identificada somente ao elemento "negativo que uma sociedade exclui" para fora dela mesma (como nos manicômios, prisões), tornando-se algo do qual ela se reapropria, incluindo-a, para produzir alguma coisa, ou melhor, para poder gerir ilegalismos sob o manto da legalidade.

Foucault realiza uma genealogia do social a partir da história dos indesejáveis, dos infames, dos incorrigíveis, dos vagabundos, dos loucos, dos delinquentes e pervertidos. Foucault não analisa a constituição desse incluído-excluído, que é o migrante pobre e ilegal. Bem provavelmente, esse novo sujeito forma corpo com as demais figuras do mundo dos indesejáveis. Sua constituição negativa pode ser o prolongamento de uma gestão de ilegalismos que tem fabricado em nossa sociedade o normal e o anormal, o mesmo e o outro, o acolhido e o rejeitado.

 

3. A regulação governamental da migração e sua perturbação da ordem social

Na primeira parte deste artigo, tentamos mostrar que o par legalidade-ilegalidade é insuficiente e, inclusive, inadequado para situar a política migratória. Isso porque essa política tem sido reduzida, muitas vezes, a uma gestão dos ilegalismos em relação aos migrantes, especialmente aos migrantes pobres. Portanto, tentei apontar que a problemática da migração tem sido redirecionada a uma aplicação diferenciada da lei, que atende antes a mecanismos de caráter infra-legal associados à condição econômica do migrante.

Na sequência, tentarei demonstrar que, embora a acolhida dos migrantes tenha sido efetivada por mecanismos exclusivamente estatais, estes mecanismos não derivam necessariamente da representação jurídico-política do Estado de direito. Antes, eles procedem de outros dispositivos associados ao conceito de governamentalidade, introduzido por Foucault no curso de 1978, Segurança, território, população. O pensador considera que o Estado moderno, em seu modus operandi, tem sido colonizado, cada vez mais, por dispositivos de poder-saber, também presentes nas práticas sociais em vias de institucionalização. E um dos dispositivos privilegiados de sua atuação têm sido as técnicas de regulação de certas populações pelo par ordem-desordem. A esse respeito, busco demonstrar que a maneira de governar os migrantes pobres em bom número dos países ocidentais pós-industriais nos últimos anos pode ser compreendida a partir da regulação destas populações produzidas como inimigos que perturbam a ordem social, econômica e política estabelecida.

No curso de 1978, Foucault apresenta um deslocamento importante do papel do Estado. Durante o poder soberano clássico, é sua principal atribuição a garantia da segurança interna a partir da proteção do território e suas fronteiras. É papel do Estado territorial proteger somente os cidadãos de dentro de uma fronteira contra os inimigos - representados pela figura do soldado estrangeiro - que estão do lado de fora em busca de uma anexação territorial e, portanto, na ampliação de sua potência política e econômica. A relação Estado-território é fundamental na compreensão de sua soberania.

O que ocorre em meados do século XVIII é um deslocamento da função do Estado, menos preocupado com a proteção do território contra os inimigos externos e mais voltado para o governo de uma população por meio dos dispositivos de segurança. Nas primeiras aulas do curso de 1978 são estudados três mecanismos de segurança que visam a preservar a população de suas ameaças internas: a exclusão dos leprosos na Idade Média, em virtude da qual a sociedade é dividida entre aqueles com os quais se pode conviver e aqueles que devem ser excluídos mediante um conjunto jurídico de leis, regulamentos e rituais religiosos; em seguida, a quarentena da peste entre os séculos XVI e XVII, durante a qual um conjunto de indivíduos é isolado num espaço específico e submetido a práticas de vigilância e controle de tipo disciplinar; enfim, as práticas de vacinação e inoculação para o controle da varíola no final do século XVIII. À diferença do caso da lepra que resulta na exclusão, ou da quarentena da peste que atua por mecanismos de vigilância disciplinar, o controle da varíola supõe a adoção de medidas em relação a um grupo de indivíduos que conformam uma população. Entende-se porque no andamento do curso de 1978 Foucault muda a tripartição inicialmente proposta: "segurança-território-população" por essa outra: "segurança-população-governo" (2004, p. 91). Na verdade, trata-se mais da descontinuidade entre o modelo da soberania dos séculos XVI e XVII e o modelo de governo moderno preocupado com a população. Dito de outra maneira, se a articulação entre Estado e território era fundante do poder soberano, a articulação Estado e população é constitutiva de um reinvestimento moderno do poder, pensado a partir da governamentalidade.

Governar é regular, por meio de cálculos demográficos, estatísticos, médicos, administrativos e probabilísticos, os movimentos ocasionais, aleatórios e desviantes de um determinado meio, introduzindo variações em seu fluxo, a fim de obter da população que dele faz parte respostas comportamentais sistemáticas. Desse modo, esta perspectiva se distancia da racionalização jurídico-filosófica centrada na rígida lógica dicotômica entre legalidade e ilegalidade, privilegiando uma análise segundo a qual as formas de regulação de um ambiente vital e social estão mais próximas de uma racionalidade bipolar, tensional e mutuamente constitutiva entre ordem e desordem. Em suma, não se governa um povo, mas uma população. Já não se toma como conceito central a lei, mas sim a regulação.

Pensar no governo da população a partir do marco jurídico-filosófico do Estado, segundo Foucault, tornaria impossível inserir a desordem no próprio exercício. Sua inserção impõe, pelo contrário, não a elaboração de uma teoria do Estado, mas a história de formas de poder e suas tecnologias. Nesse sentido, não há rigidez nas atribuições dessas formas de poder. Em cada época, podemos identificar a preeminência da "linha de força" (Foucault, 2004, p. 112) de uma forma de poder sobre as outras: na Idade Média, a soberania; na modernidade, disciplina; na contemporaneidade, o governo. Isso não significa, no entanto, que exista uma era de soberania, outra de disciplina e outra de governo. E isso também se reflete nas técnicas usadas por cada uma dessas formas de poder: não há a era do legal, a da disciplina e a da segurança.

É na contemporaneidade que a forma de poder governamental se impõe sobre as outras, e que sua principal técnica, a segurança, provoca "a reativação e transformação das técnicas jurídico-legais e das técnicas disciplinares" (Foucault, 2004, p. 111). Portanto, somente o predomínio da linha principal do governo e de suas técnicas de segurança é que tornam apreensível a incorporação de fluxos aleatórios, curvas e desvios, enfim, distúrbios ocasionais - mas também sistematicamente produzidos no conjunto de uma população em seu ambiente - como objetos de regulação.

A partir dessa breve evocação da noção de governamentalidade, uma questão se impõe para a problemática que nos concerne: como os conceitos de ordem e desordem são importantes para entender a fabricação social e política do migrante pobre e do indivíduo improdutivo?

Comparativamente, se o louco na Idade Clássica é aquele que "complica a ordenamento do espaço social" (Foucault, 1972) e por isso deve ser internado em um outro lugar que o invisibiliza ao lado de outros miseráveis, assim também os migrantes pobres em nossos dias formam uma zona de desordem porque considerados perigosos para o Estado e para a dinâmica da sociedade. Por essa razão, a regulação dos migrantes indesejáveis é feita antes pela atuação da polícia do que pela aplicação irrestrita da lei. E toda população considerada perigosa para o Estado é geralmente tratada não pelo que ela faz ou é, mas pelo que ela pode ser, pelo que ela representa, pela sua virtualidade. Aos cidadãos se aplica a lei conforme seus direitos; às populações consideradas inimigas do Estado e da sociedade se aplica a lei da exceção, ou seja, o emprego de todos e quaisquer meios para excluí-los ou neutralizá-los.

Há uma associação diabólica entre o criminoso e o migrante pobre. O primeiro é sempre considerado o inimigo público número um; o segundo, mas

por um prolongamento propriamente insensato, [...] é considerado como um criminoso potencial e é tratado frequentemente como esse inimigo. Ele é o hóspede que ninguém quer, o membro fantasma que nenhuma hospitalidade pode fazer existir plenamente. No seio da nação, nenhuma lei, nenhuma justiça pode fazer dele um próximo, um semelhante, uma irmã ou um irmão, um vizinho (Le Blanc; Brugère, 2017, p. 178).

Ora, estes efeitos nefastos sobre a política migratória são decorrentes de um estado cada vez mais governamentalizado pela lógica securitária na Modernidade. Minha hipótese, para além do que Foucault desenvolveu neste curso, é que a chamada crise migratória, propalada desde os anos 90 e acentuada nas duas primeiras décadas do século XXI, intensifica essa governamentalização do Estado. E o principal cariz dessa governamentalização, há mais de quarenta anos depois do curso de Foucault, é sua face securitária, como assinalarei na sequência.

 

4. Para além de Foucault: fronteiras securitárias e muros do medo

Em outro registro que o da governamentalidade de Michel Foucault, pode-se cogitar que a crise migratória acentua a crise da soberania política do Estado contemporâneo. Não se está mais diante do Estado-nação que protege seu território da nação inimiga. Predomina a governamentalidade estatal que produz inimigos mediante a regulação diferencial dos fluxos populacionais: um fluxo amplo para qualquer pessoa no mundo portadora de alto poder aquisitivo ou capital humano; um fluxo restritivo para pessoas que não agregam valor algum, como é o caso dos migrantes pobres.

E em relação a estes últimos, os muros se impõem como dispositivos constitutivos de governo. Eles não devem ser rigorosamente protegidos diante da possível invasão de qualquer estrangeiro, mas regulados de maneira diferenciada e flexibilizada, a depender da qualidade do fluxo da população que procura entrar ou sair.5 Temos uma espécie de luta transnacional que envolve "de um lado, os sedentários móveis que atravessam as fronteiras por seu trabalho ou lazeres e, de outro, os nômades sem abrigo que são forçados à errância e aos barracos precários" (Le Blanc; Brugère, 2017, p. 170). Há fluxos populacionais desejáveis, cuja entrada e saída devem ser estimuladas; há outros, indesejáveis, em relação aos quais somente a saída é imposta.

Wendy Brown, no livro Walled States, Waining Sovereignty (2009)6, ressalta que os muros são destinados justamente para frear ou, até mesmo, bloquear o fluxo vital de novos tipos de inimigo: o migrante pobre que oblitera e altera a circulação normal do fluxo da riqueza. Em nossos dias, o desejo dos muros hostiliza todos aqueles considerados econômica e socialmente indesejáveis. Vale então a pergunta: "Qual é o sentido dessa pulsão de muros?" E a resposta pode ser: "Fazer desaparecer legalmente vidas sem matá-las, tornando-as invisíveis." (Le Blanc; Brugère, 2017, p. 170). O desejo de muros pretende fazer uma cisão em um meio imediato e aparentemente ameaçado. O muro, porém, não se resume a uma medida defensiva em relação àqueles que vêm de fora. Antes, ele serve para fabricar identidades interiores, assim como outrora as fronteiras territoriais o faziam em relação aos estrangeiros. Mais do que separar um interior próspero de um exterior miserável e temerário, o desejo de muros forma um dentro no qual as populações, ao se sentirem seguras, buscam nesse desejo sua própria autossatisfação. Contudo, o desejo de muros e a política de barreiras que tenta satisfazê-lo nunca garantiu e jamais garantirá que viveremos, enfim, em segurança.

O desejo de muros é constitutivo ainda da tentativa infrutífera de reterritorialização da política nas democracias ocidentais. Ela objetiva restituir à soberania nacional uma potência da qual ela já não dispõe. Diante de um mundo dominado pelos fluxos imateriais no qual o poder opera de maneira microfísica e virtual, o desejo de muros retrata a nostalgia de uma época pré-moderna, marcada pela solidez do poder soberano.

Ainda que a construção de muros seja uma tentativa de reterritorialização do poder soberano, trata-se de uma soberania que já se encontra irremediavelmente debilitada em função de sua nova dependência da normatividade da racionalidade do mercado transnacional. "Se o muro é uma afirmação da soberania, ele é também uma monstruosa homenagem aos Estados-nações soberanos cuja viabilidade está em declínio." (Brown, 2009, p. 43). Uma coisa é certa: os muros somente são edificados quando a soberania está erodida.

Como salienta M. Foessel:

Não se trata mais para o Estado-nação de garantir a segurança contra outros Estados ou de afirmar sua potência com o objetivo de evitar a guerra. O perigo não é, no sentido estrito, internacional, mas transnacional, posto que ele toma a figura de indivíduos nômades e sem pátria real. Outrora identificada à figura do soldado, a ameaça designa doravante o imigrante clandestino, tornado indesejável sobre todos os solos (2010, p. 11).

Não estamos mais diante de Estados-nações independentes e fortes, razão pela qual a identificação com o poder securitário pela construção de muros destinados aos migrantes pobres - cada vez mais associados a vagabundos, narcotraficantes, delinquentes e terroristas - é algo anacrônico e ineficaz. Como ainda enfatiza Foessel:

Os imigrantes amontoados do outro lado dos muros ou mantidos fora dos espaços ainda desejáveis da globalização pagam o preço a esse desejo melancólico de manter ilusoriamente o que já parcialmente desapareceu na globalização capitalista: a afirmação de si das identidades nacionais (2010, p. 12).

O desejo de muros e barreiras é um reinvestimento do desejo de segurança que sempre esteve presente em diferentes culturas, mas que tem adquirido novos contornos na biopolítica atual. Estar livre da visibilidade dos migrantes pobres que rondam as sociedades desenvolvidas, ou ainda, da visibilidade dos indivíduos improdutivos e miseráveis das periferias que margeiam as grandes cidades é também um sintoma do fracasso da democracia, da nossa capacidade de vivermos em um mundo comum.

Essa segurança, objeto de desejo daqueles que estão do lado de cá do muro, não é a que se desprende do contrato social de Hobbes. Na teorização do pensador inglês, diante do medo da guerra de todos contra todos no estado de natureza, o desejo de segurança é considerado a pré-condição da liberdade e de qualquer instituição política. A rigor, a segurança é o único direito natural: a que um indivíduo possui quando usa todos os meios para a preservação de seu ser. Ele se refere à liberdade que cada um tem de usar seu próprio poder, como ele mesmo quer para a preservação de sua própria natureza, em outras palavras, de sua própria vida. Ao criar o Estado, o medo de todos contra todos é objetivado na figura do soberano. Ao canalizar todos os medos, o Estado identificado ao soberano impede que ele esteja em toda parte e em parte alguma, ou seja, um medo sem objeto. A objetivação do medo centrada na figura do soberano minimiza a insegurança diante de tudo e de todos. O desejo de segurança, quando encontra no Estado sua satisfação, deixa de ser somente um afeto, para transformar-se em um direito.

No contexto da biopolítica contemporânea, contudo, o desejo de segurança identificado ao desejo de muros, não pode ser lido como a tradução de um direito pré-político. Ele deixa de ser constitutivo de um Estado-nação soberano. Doravante marcado por fluxos mercadológicos e populacionais transnacionais, ele se torna um bem a ser regulado por dispositivos governamentais. Trata-se da segurança interpretada em clave securitária, como a que se desdobra na restrição das liberdades políticas e garantias individuais sempre que estiver em questão a precaução em relação à suposta nocividade dos migrantes pobres, dos delinquentes suburbanos e traficantes ou os suspeitos de terrorismo.

Alguns desdobramentos da transformação do desejo de segurança, de direito natural pré-político a bem intercambiável, podem ser identificados na hipervalorização da dimensão vital do ser humano em detrimento de sua condição política, ou ainda na busca de segurança no mundo das relações econômicas e sociais. O medo é canalizado não naquele que ameaça minha liberdade e minha condição plural, como pensa Hobbes, mas naquele que ameaça a minha sobrevivência econômica e meu trabalho, conforme a centralidade moderna e contemporânea do mundo do trabalho.

A despolitização decorrente do desejo de muros tem como resultado o reinvestimento da guerra social em torno da competitividade e da concorrência no âmbito do trabalho, ocasionando a exclusão daqueles e daquilo que supostamente ameaçam minha sobrevivência social e econômica em um mundo que exige evolução, criatividade e adaptação ao fluxo cada vez mais rápido do mercado. Os migrantes pobres, por fim, são objetivados como essa grande ameaça. Por isso é que a política migratória foi transformada em polícia migratória no mesmo momento em que o Estado soberano é convertido em Estado securitário.

 

Referências

Boudou, B. (2017) Politique de l'hospitalité: une généalogie conceptuelle. Paris: CNRS Éditions.         [ Links ]

Brown, W. (2009) Murs: Les murs de séparation et le déclin de la souveraineté étatique. Traducción de Nicolas Vieillescazes. Paris: Les Prairies ordinaires.         [ Links ]

Derrida, J. (1991) Donner le temps: la fausse monnaie. Paris: Galillée.         [ Links ]

Foessel, M. (2010) État de vigilance: critique de la banalité sécuritaire. Paris: Le Bord de L'eau.         [ Links ]

Foucault, M. (1961) Histoire de la folie à l'âge classique, Paris, Gallimard, 1972.         [ Links ]

Foucault, M. (1975) Surveiller et punir. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Foucault, M. (2004) Sécurité, territoire, population. Cours au Collège de France. 1977-1978. Édition établie sous la direction de François Ewald et Alessandro Fontana, par Michel Sennellart. Paris: Gallimard; EHESSE; Seuil.         [ Links ]

Foucault, M. (2013a) La société punitive. Cours au Collége de France. 1972-1973. Édition établie par François Ewald et Alessandro Fontana, par Bernard Harcourt. Paris: EHESS/Gallimard/Seuil.         [ Links ]

Foucault, M. (2013b) As heterotopias. In O corpo utópico, as heterotopias. Tradução de Salma Tannus Muchail. São Paulo: N-1 edições.         [ Links ]

Le Blanc, G.; Brugère, F. (2017) La fin de l'hospitalité. Lampedusa, Lesbos, Calais...jusqu'où irons-nous?. Paris: Flammarion.         [ Links ]

 

 

1 O presente artigo foi realizado com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Chamada Universal 28/2018, Processo: 422565/2018-0, intitulado: "As novas fronteiras da biopolítica contemporânea", e como resultado parcial da Bolsa de Produtividade em Pesquisa, do CNPq (2018-2021), Processo: 307257/2018-5, intitulado: "Migrantes pobres e indivíduos improdutivos: novas formas de governo da vida e gestão dos ilegalismos na biopolítica contemporânea" (2019-2022), ambos executados na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
2 Em Vigiar e punir, a propósito da gestão da delinquência, Foucault escreve: "Os castigos legais devem ser recolocados numa estratégia global dos ilegalismos. O fracasso da prisão pode provavelmente ser compreendido a partir daí" (Foucault, 1975, p. 157).
3 A maioria das pesquisas a respeito da relação entre filosofia social e política e as migrações concede centralidade ao conceito de hospitalidade. Esse não é o foco deste artigo, já que as migrações são circunscritas pela análise dos ilegalismos, da biopolítica e da governamentalidade. Sobre a questão da hospitalidade, recomendo o dossiê da Revue Esprit, juil./août. 2018. Acesso: www.esprit.presse.fr., organizado por Guillaume Le Blanc e Fabienne Brugère, bem como o livro desses dois autores intitulado, La fin de l'hospitalité (2017). Também é relevante o livro de Boudou (2017), no qual o autor estabelece diferentes modalidades históricas de hospitalidade: selvagem, sagrada, cosmopolita e incondicional. Sobre esta última modalidade, são bem conhecidos os trabalhos de Derrida, principalmente os que tratam sobre a noção de dom, no sentido de dádiva, que não demanda reciprocidade. Assim, a hospitalidade ou é dádiva, ou ela não existe. O doado do dom, que é a hospitalidade, não pode retornar ao doador, mas deve ser entregue de maneira gratuita (Cf. Derrida, 1991, p. 18).
4 As casas de repouso, as clínicas psiquiátricas, as prisões e as casas de recolhimento são exemplos das "heterotopias de desvio". Afinal, "a ociosidade em uma sociedade tão atarefada quanto a nossa é como um desvio - desvio, aliás, que acaba por ser um desvio biológico quando ligado à velhice e, creia-se, desvio constante para todos aqueles, pelo menos, que não têm a discrição de morrer de infarto nas três semanas após a aposentadoria" (Foucault, 2013, p. 22).
5 Basta ver, por exemplo, um conjunto de Políticas criadas pelo governo de Portugal para atrair populações com alto poder aquisitivo mediante a flexibilização na concessão no visto de residência permanente, principalmente direcionado a franceses e ingleses aposentados e a brasileiros que demonstrem alta renda.
6 Aqui, utilizo a edição francesa: Murs: Les murs de séparation et le déclin de la souveraineté étatique, 2009.

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