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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.23 no.2 São Paulo jul./dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Arte, verdade e ambivalência

 

Art, truth and ambivalence

 

 

Fábio FurlaneteI; Rodrigo LimaII; Thiago PelogiaIII

IUniversidade Estadual de Londrina - Departamento de Música e Teatro. Contato: ffurlanete@uel.br
IIUniversidade Estadual de Londrina - Departamento de Filosofia e Educação. Contato: rodrigolimaphi@gmail.com
IIIUniversidade Estadual de Londrina - Departamento de Filosofia. Contato: thpelogia@gmail.com

 

 


RESUMO

Na modernidade, os discursos filosófico e literário tendem a reservar para a arte o papel privilegiado de instância de verdade, terapêutica e pedagogia para a vida e sobre a vida. Ao mesmo tempo, a prática artística frequentemente é legitimada por discursos de verdade sobre a natureza, o social e o sentir. Isso a despeito de, ao contrário de outras formas do pensamento humano como a ciência e a filosofia, a verdade não ser para a arte um objeto central. Essa relação intrincada com a verdade, associada ao seu alegado poder sobre o sujeito, indica uma semelhança entre a arte e a direção de conduta: um discurso ancorado em narrativas de verdade que procura moldar a subjetividade na direção de formas pré definidas do desejo. Papel que a arte parece ser capaz de assumir, mas não completamente, e ao custo de seu próprio poder que reside no caos da incompatibilidade entre o homem e a linguagem descoberta pela modernidade, o caos do texto sem um corpo presente que limite suas possibilidades de sentido. Este trabalho investiga as possibilidades abertas ao se pensar a arte, simultaneamente, como direção de conduta e texto sem corpo, e o artista como a personagem que navega essa ambivalência.

Palavras-chave: arte, verdade, modernidade, direção de conduta, revolução estética


ABSTRACT

In modern times, philosophical and literary discourses tend to reserve for art the privileged role of instance of truth, therapy and pedagogy for life and about life. At the same time, artistic practice is often legitimized by speeches of truth about nature, the social, and the feeling. This is despite the fact that, unlike other forms of human thought such as science and philosophy, truth is not a central object for art. This intricate relationship with the truth, associated with its alleged power over the subject, indicates a similarity between art and the direction of conduct: a discourse anchored in narratives of truth that seeks to shape subjectivity in the direction of predefined forms of desire. Role that art seems to be able to assume, but not completely, and at the cost of its own power that resides in the chaos of the incompatibility between man and the language discovered by modernity, the chaos of the text without a present body that limits its possibilities of meaning . This work investigates the possibilities opened when thinking about art, simultaneously, as a direction of conduct and text without a body, and the artist as the character that navigates this ambivalence.

Keyword: art, truth, modernity, direction of conduct, aesthetic revolution


 

 

A arte ocupa uma posição privilegiada nos discursos literário e filosófico dos últimos 200 anos. Seja na educação estética do homem ou na formação da identidade que o unifica politicamente, seja afastando a náusea ou construindo mundos possíveis, a arte transgride normas, denuncia opressões, educa para o diferente, fornece direção e sentido para a vida, torna-a tolerável. A arte salva. Simultaneamente, a arte ilude as massas, difunde a ideologia e torna-se fetiche; degenera a si mesma e à sociedade, afastando a possibilidade de sua salvação. A arte corrompe. Apartada do cotidiano na forma de espelho crítico ou de convite sedutor, e ainda parte essencial das identidades que compõem esse mesmo cotidiano, ela é transformada pela modernidade em um espaço de luta pelas formas do sentir.

Essa luta não se dá, entretanto, somente no território do sentir. Ela transborda e se entrelaça numa rede ampla, e frequentemente contraditória, de manifestações de verdade. Essas manifestações são bastante diversas e variam de tema com a época, com o contexto e com a necessidade de legitimação de quem fala. É comum, por exemplo, o tema do social: o trabalho artístico pode ter sua importância definida pela forma como apresenta, ou pode ser associado a identidades, tradições, bandeiras, seja pelo viés reacionário do resgate, seja pela postura revolucionária da ruptura. Também é comum o tema da representação/manifestação da natureza: a música é boa porque é baseada nas relações da série harmônica, ou o edifício é belo porque manifesta em suas proporções a secção áurea. Ainda na categoria dos discursos sobre arte e natureza estão aqueles que tomam o corpo como instância de verdade: a mecânica do movimento, que ao contornar a consciência do bailarino, dirige os movimentos da improvisação, ou o gesto do instrumentista, que conectado à gestualidade inerente aos corpos que ouvem, dá à música seu sentido formal. Mais recentemente elas surgem também na forma de um otimismo hiperbólico a respeito da capacidade da biologia para desvendar os mecanismos através dos quais atribuímos sentido às nossas experiências no campo das artes, numa atualização do velho tema do trabalho artístico que comunica ao público o sentimento, a experiência subjetiva do artista.

Se por um lado temos manifestações de verdade que legitimam o trabalho artístico, por outro lado é comum esperar que a arte seja capaz de comunicar, transmitir mensagens e funcionar como uma espécie de substrato de verdade ancorado na experiência estética. Do drama wagneriano à La fabbrica illuminata de Nono, do futurismo italiano aos murais de Rivera, a modernidade tem consistentemente buscado na arte um veículo privilegiado para a mensagem política. Mesmo quando a mensagem não faz parte da construção do trabalho artístico, ele frequentemente acaba sendo colocado, por associação, na posição de emprestar a todo tipo de discurso o prestígio de uma prática acima de toda experiência cotidiana. Seja no museu construído pelo político proeminente ou no festival de Jazz financiado pelo fabricante de cigarros, seja no resgate de um passado belo, puro e justo ou nos espaços de resistência que reivindicam um futuro livre, múltiplo e justo, todas as demandas encontram na arte um suporte de autenticidade.

Isso não significa que ideias retiradas de domínios externos ao campo da experiência estética não possam ser úteis para o artista, tanto no processo de invenção, quanto como via de compreensão do contexto e das possibilidades de interação com o público. Não significa sequer que seja possível desemaranhar da arte esses domínios e suas instâncias de verdade. A questão que nos interessa é como a prática artística da modernidade, por princípio focada na qualidade da experiência subjetiva, e por isso pretensamente distante da questão da verdade, torna-se entrelaçada às manifestações de verdade que a legitimam ou são por ela legitimadas. A relação moderna entre arte e verdade será investigada neste texto a partir de duas referências distintas: no aspecto estético, as noções de desentendimento e texto sem corpo de Jacques Rancière e, no aspecto ético, a direção de conduta descrita por Michel Foucault em seus últimos cursos no Collège de France.

* * *

No curso intitulado A coragem da verdade (1983-1984/2011, p. 158-165) Foucault faz uma associação direta entre a arte da modernidade e a filosofia cínica da antiguidade. Ele observa três elementos que puderam transmitir, no mundo moderno, o modo cínico de existência: o ascetismo cristão, os movimentos revolucionários e, sobretudo, o artista moderno. Ao analisar o jogo político da antiguidade greco-romana e tratar do cinismo antigo como uma forma de crítica sobre as relações de poder, Foucault oferece-nos um substrato para pensarmos a arte tendo como ponto de partida o cinismo como a máxima manifestação da parresía.

A noção de parresía, para Foucault, é entendida como parte de um conjunto de práticas de si mesmo. Este termo de origem grega normalmente é traduzido em francês como franc-parler, franco falar, tudo dizer, dizer-a-verdade, dar a liberdade de falar, liberdade da palavra, falar francamente, dizer veraz, discurso livre, coragem da verdade, cuja etimologia significa dizer-tudo, pan (tudo) rhema (o que é dito). Não se trata aqui do problema da verdade como entendemos na modernidade, mas sim, do que diz respeito ao dizer-a-verdade como prática do sujeito numa atitude ética.

Foucault identifica três tipos de parresía: a política, a filosófica e a ética. Primeiro, a parresía política é o dizer-a-verdade no jogo agonístico do poder. Na política ateniense ela era uma condição para a democracia, bem como para o modo de vida ético do cidadão. Este usufruía da isegoria, o direito da fala, e da isonomia, a igualdade de possibilidade na participação do poder. Mas o dizer-a-verdade deve ser entendido aqui também como a condição de possibilidade e a obrigação daquele que governa. A parresía é um dever, uma virtude que aquele que dirige sua própria consciência e a consciência dos outros deve possuir. Para Foucault, a tragédia Euripidiana Íon é a peça que revela o tema da parresía política de modo mais significativo, ao colocar a questão: quem tem o direito, o dever e a coragem de falar a verdade? Nela, essa problemática, diretamente relacionada à parresía política, é o ponto central da discussão entre os homens e os deuses. Íon procura constituir e justificar a autoridade política e moral no contexto das instituições humanas, ou seja, a instauração do homem assumindo o lugar daqueles que dizem a verdade, já que os deuses não são mais qualificados para assumir esse papel.

Essa parresía política é pensada por Foucault a partir do conceito de aleturgia. O termo aparece em seu curso Do governo dos vivos (1979-1980/2014, p. 8) como uma manifestação de verdade sine qua non ao exercício do poder. Verdade que não é somente fruto das relações de poder como algo que legitima tal prática ou a produção de um saber fixado pelo poder. A aleturgia está concatenada com o poder, cujo exercício é gerido por essa manifestação da verdade. Para Foucault, não há exercício de poder sem manifestação de verdade, sem aleturgia. Por isso, a parresía, que se apresenta na democracia como forma característica da ação ético-política, é uma premissa problemática para esse campo de igualdade. Ela presume a ascendência de uns sobre os outros e tensiona a relação entre a isegoria, o direito de falar e o discurso verdadeiro que deve guiar o coletivo. Discurso verdadeiro que, na democracia, só se mostra no embate, no confronto de uma oposição agonística. Nesse campo de confrontos o discurso verdadeiro será atacado a todo momento pela democracia: "não há democracia sem discurso verdadeiro, pois sem discurso verdadeiro ela pereceria; mas a morte do discurso verdadeiro, a possibilidade da morte do discurso verdadeiro, a possibilidade de redução ao silêncio está inscrita na democracia." (Foucault, 1982-1983/2010, p. 170)

Segundo, se na parresía política a verdade era dita à assembleia dos iguais, a parresía filosófica se dá na relação individual com os cidadãos ou com o Príncipe. Ela é associada ao conflito e ao risco de morte frente ao interlocutor poderoso que deve ouvir a verdade. Essa forma de parresía se dá no engajamento em dizer-a-verdade ao ouvinte para nele formar uma convicção pessoal, um posicionamento crítico que o permita assumir o governo de sua própria vida e, consequentemente, ter condição de governar os outros. Por meio do uso da liberdade de dizer-a-verdade, o parresiasta, ao falar simultaneamente para si e para o outro, é visto como portador do dizer propriamente filosófico. Isso se dá quando este dizer está relacionado às condições do dizer-a-verdade na política, em suas relações de poder e sobre os padrões morais concernentes aos modelos de conduta.

Por último, a parresía ética é caracterizada por chamar a atenção do interlocutor a cuidar de si mesmo. Desse modo, podemos afirmar que a parresía ética é estritamente o cuidado de si que se dá na medida em que a prática, o direito, a obrigação, o dever de veridicção é definido não em relação à polis, mas pelo modo de fazer, de ser e de conduzir os indivíduos a um éthos sobre a sua constituição como sujeito moral. A parresía é o sinal de exterioridade de uma ética do sujeito que lhe garante o acesso à verdade. Em face da crise política atravessada pelo platonismo, pelo fato do discurso político na Atenas democrática não permitir mais a parresía verdadeira, deixou de ser possível disseminar uma forma de cuidado consigo mesmo que poderia produzir no sujeito o éthos necessário para a vida política. Assim, tem-se esse deslocamento da parresía política para o campo da ética, visando a construção de um modo de vida e de uma estética da existência.

Ainda no mesmo curso apresentado por Foucault no Collège de France, intitulado A coragem da verdade, aula de 28 de março de 1984, são analisados o cinismo e a parresía cínica. Ele toma como objeto de estudo Diógenes de Sínope, figura que apresenta um estilo de vida comprometido com a verdade, um viver verdadeiro, uma vida como escândalo da verdade, ou seja, o cínico como o parresiasta por excelência. Para Foucault, só pode ser considerado parresiasta aquele que coloca sua vida em risco pelo dizer-a-verdade. Assim, a parresía se configura como forma de vida, pois o sujeito portador de verdade é aquele que carrega consigo uma atitude moral, é o possuidor de um éthos, base da direção de conduta para si e para os outros, um estilo no qual a verdade é levada à radicalidade da franqueza. Desse ponto de vista, a parresía pode ser entendida como uma postura moral (éthos), uma maneira de ser. Ela é também uma atividade técnica realizada por aquele que fala, isto é, uma verdadeira técnica de vida (tekhnê), uma habilidade artística e profissional adquirida com a prática, um modo da arte de viver como uma aprendizagem de si e para os outros.

Essa tekhnê se reflete na relação complexa entre parresía e retórica desde Eurípedes, passando pelos textos socrático-platônicos. Relação que aparece claramente no Górgias, onde se apresenta um discurso longo de caráter retórico e sofístico. Nele, enquanto a parresía é caracterizada por diálogos que apresentam questões e respostas em busca da verdade, a retórica é mostrada como uma técnica de persuasão, de convencimento, que não tem compromisso com a verdade. Contudo, tanto a retórica quanto a parresía, procuram convencer, a primeira pela lisonja, a segunda pela franqueza. Essa distinção entre parresía e retórica faz-se presente no século IV a.C., nos textos de Platão, em Sêneca e se estenderá até os textos do século II d.C.

A característica do parresiasta é a coragem de dizer-a-verdade, sua liberdade é marcada por escolhas: escolhe dizer-a-verdade a persuadir pela lisonja, escolhe a verdade à mentira ou ao silêncio, o risco de vida à segurança, escolhe criticar ao invés de bajular, o dever à apatia moral. O parresiasta vive uma vida pública e, por este motivo, é sempre notado. Ele tem ciência do risco que corre uma vez que deve dizer a verdade, não sob qualquer forma de coerção, mas porque possui a obrigação moral de fazê-lo voluntariamente. Na parresía o dever moral sobrepõe o interesse pessoal e a apatia característica de um compromisso do indivíduo consigo mesmo. Nesse sentido, a parresía é a implicação direta entre o sujeito e a verdade. O dizer-a-verdade cínico presume uma verdadeira vida, o modo de vida inerente ao dizer-a-verdade. Trata-se da busca de uma vida bela na forma da verdade. É uma vida de desprendimento, moralmente autônoma, portadora de uma autarquia, de uma auto-suficiência, independentemente das circunstâncias em que se encontra, sejam externas ou internas. Para o cínico, seu modo de vida é seu maior bem e a virtude é um fim em si que constitui a verdade. Na relação entre o dizer-a-verdade e o modo de vida dos cínicos se dá, de certo modo, a fusão entre o dizer e o viver "a verdadeira vida como a vida verdadeira" (Foucault, 1983-1984/2011, p. 152). Podemos pensar a questão ontológica do cínico como aquela do sujeito portador da coragem de dizer-a-verdade, coragem de exortar, de transgredir, que constitue o próprio ser, afirmação de si como subjetivação.

Essa transgressão, para Foucault, "é o gesto relativo ao limite: é aí na tênue espessura da linha, que se manifesta o fulgor de sua passagem, mas talvez também sua trajetória na totalidade, sua própria origem" (1963/2009, p. 32). Ela é caracterizada pela contestação dos valores sociais e crítica às regras vigentes da sociedade. O cínico tinha como modo de vida rejeitar tudo aquilo que poderia causar angústia, insegurança e confusão ocasionadas pelos bens e riquezas; optava por viver a vida mais natural possível, com a finalidade de alcançar o bem supremo, isto é, a felicidade. A vida de Diógenes de Sínope é a de uma vida animalesca, já que para ele a natureza possui uma ética em si que pode ser observada na conduta dos animais, uma vida de exercícios. Essa característica de um agir de "animalidade é uma maneira de ser em relação a si mesmo, que deve assumir a forma de uma perpétua provação. [...] É uma tarefa para si mesmo, e é ao mesmo tempo um escândalo para os outros" (Foucault, 1983-1984/ 2011, p. 234).

Assim, a aleturgia como produção de verdade e instância e legitimação do poder não diz respeito às questões de caráter lógico ou epistemológico que se dão dentro do discurso ou do enunciado, muito menos pelas estruturas dos discursos que sugere e que são acolhidos como discurso verdadeiro. A aleturgia cínica está relacionada ao modo de conduta, à postura de engajamento, de militância e de coragem que garante a verdade como forma de vida - uma estilística da existência, ou seja, a verdadeira vida (alethés bíos) como modo de alteridade que corrobora para uma vida ascética da verdade, uma vida não dissimulada, que não tem nada a esconder e do que se envergonhar, e que se converte em corolário da condição ontológica da vida cínica. O éthos filosófico como atitude limite, sem interrupção, uma vida levada até a fronteira dos saberes dados por uma cultura, "essencial à ontologia crítica de nós mesmos como uma prova histórica-prática dos limites que podemos ultrapassar e como o exercício de nós mesmos sobre nós mesmo enquanto seres livres" (Foucault, 1984/ 2001, p. 1393). A atitude cínica da vida não dissimulada pode ser compreendida como uma transvaloração que produz de seu cumprimento um escândalo. Essa transvaloração se dá por meio de uma dramatização, uma "vida artista", isto é, encenação da vida em seu cotidiano, em sua realidade diante dos olhares do público, um "descortinar da vida cínica", uma vida fidedigna e não dissimulada. Assim: "a vida pública cínica será portanto uma vida de naturalidade exposta e inteiramente visível, fazendo valer o princípio de que a natureza nunca pode ser um mal" (Foucault, 1983-1984/2011, p. 224).

Ainda assim, não se pode dizer que a vida cínica seja caracterizada apenas pela oposição de uma natureza, como instância de verdade, a um poder. Apesar de sua atitude de insulto e de desafio, a posição dos cínicos tem mais nuances do que a simples oposição binária, tanto no que diz respeito ao entendimento do que seja a verdade quanto às relações de poder. Retomando o exemplo de Diógenes Sínope, Foucault aponta que

essa parrhesía se apresenta, diante do poder político, numa relação complexa visto que, por um lado Diógenes, dizendo que é um cão, diz que "afaga os que me dão". Por conseguinte, afagando os que lhe dão regalos, aceita uma certa forma de poder político, integra-se a ele e o reconhece. Mas ao mesmo tempo, late contra os que não lhe dão nada e morde os que são maus (Foucault, 1982-1983/2010, p. 261).

A parresía não é a liberdade para qualquer um dizer qualquer coisa. Ela pressupõe uma estrutura institucional, implica o exercício de certa ascendência sobre aquele que ouve e ocupa um espaço no interior de um campo agonístico (Foucault, 1982-1983/2010, p. 271-272). Foucault argumenta, em O governo de si e dos outros (1982-1983/2010, p. 310), que a filosofia como a livre coragem do dizer-a-verdade para conduzir os outros é uma consequência da parresía. Ela é parresía, não só por ser (forma de) vida, mas por se dirigir aos que governam, tanto na forma da insolência cínica quanto na forma da educação do Príncipe pelos estóicos (p. 312).

Essa modulação do exercício do poder entre as formas do dizer-a-verdade pode ser verificada na comparação feita por Foucault entre as formas da parresía praticadas por Diógenes, o Cínico, e por Platão:

[...] temos no caso dos cínicos um modo de relação do dizer-a-verdade filosófico com a prática [política] que se faz na forma da exterioridade, do desafio e da derrisão, ao passo que vamos ter em Platão uma relação do dizer-a-verdade filosófico com a prática [política] que será antes da ordem da interseção, da pedagogia e da identificação do sujeito que filosofa com o sujeito que exerce o poder (Foucault, 1982-1983/2010, p. 261).

No caso da arte, é interessante notar a relação de proximidade e codependência entre a arte da modernidade e toda a rede de instituições de ensino e apoio à prática artística construída a partir do século XIX. São escolas e conservatórios, universidades e centros de pesquisa, museus e teatros, fundações e sociedades de concerto, prêmios e concursos. Todas elas são instâncias que requerem recursos e o constante engajamento das parcelas mais ricas e politicamente ativas da população. Não deve ser um exagero, nesse caso, imaginar que traços de ambos os modos da relação entre o dizer-a-verdade e a política, e não apenas do modo cínico, possam ser encontrados na herança carregada pela arte moderna. Seja em praça pública, seja junto ao Príncipe, "a prova pela qual, através da qual a veridicção filosófica vai se manifestar como real é o fato de que ela se dirige, que ela pode se dirigir, que ela tem coragem de se dirigir a quem exerce o poder" (Foucault, 1982-1983/2010, p. 208). Trata-se de "se dirigir a eles, de lhes falar, de lhes dizer a verdade, de persuadi-los da verdade e, com isso, de governar sua alma, a alma deles, que tem que governar os outros" ( p. 206).

Assim, o modo de vida cínico que Foucault associa à arte moderna nos aparece como atitude corajosa do dizer-a-verdade em desafio ao poder e de denúncia da artificialidade das convenções sociais. Ao mesmo tempo, aparece ela mesma como posição de poder que, exatamente a partir dessa verdade, busca a legitimidade para dirigir a consciência dos outros e, em particular, daqueles que governam. Mas no que consiste então essa verdade na qual se apoia o poder cínico herdado pela arte moderna?

A descrição da parresía cínica feita por Foucault chama à atenção pelo fato de se parecer para nós, leitores modernos, muito mais com o discurso sincero do que com o discurso necessariamente verdadeiro (Foucault, 1982-1983/2010, p. 285). De fato, a filosofia antiga, como prática parresiástica, não pode ser medida de acordo com o padrão da filosofia ocidental posterior. Sua verdade não se parece com aquela que entendemos contemporaneamente, seja como verdade científica, transitória e sempre dependente da verificação experimental, seja como verdade mística/transcendental, oferecida pela revelação. Ao invés disso, é fundamental para ela a noção de étymos lógos: a ideia de que a linguagem tem em sua própria realidade uma relação originária com a verdade (Foucault, 1982-1983/2010, p. 285). Assim, na filosofia antiga, a verdade não deve ser a condição prévia do discurso, mas algo com o qual o discurso se relaciona constantemente através da dialética. Nesse contexto, o discurso filosófico convence porque se aproxima da verdade, e o filósofo se estabelece como verdadeiro parresiasta por ser, simultaneamente, dialético - aquele que alcança a verdade através do logos - e psicagogo - retórico, diretor de consciência, condutor de almas (Foucault, 1982-1983/2010, pp. 302, 305).

É a partir desse cenário que se articula a oposição entre retórica e filosofia como dois modos distintos de ser do logos. O primeiro como modo logográfico baseado na lisonja e o segundo como modo autoascético baseado na verdade do ser e na prática da alma (Foucault, 2010, p. 305). Relação complexa de oposição na qual os polos se caracterizam como "dois modos de ser do discurso que pretendem dizer a verdade e que pretendem operar a verdade na forma da persuasão na alma dos outros" (Foucault, 1982-1983/2010, p. 280). Necessidade de persuasão através da verdade que os impede de se afastarem completamente, a filosofia devendo dar ao seu discurso verdadeiro uma forma convincente e a retórica dependendo de um substrato de verdade no qual apoiar sua forma. É nesse contexto que Foucault sugere que uma história ontológica dos discursos de verdade deve considerá-los como práticas, jogos de veridicção, ficção (Foucault, 1982-1983/2010, p. 281).

Se podemos usar o paralelo estabelecido entre o modo de vida cínico e as artes da modernidade para traçar esse cenário das manifestações de verdade associadas à arte, não é possível usar do mesmo caminho para a noção de verdade na própria prática artística. Primeiro, porque Foucault nunca desenvolveu realmente uma estética no sentido de uma disciplina das artes. Ele trata da arte apenas em trechos muito curtos e esparsos em sua obra. Em segundo lugar, não há como discutir a noção de verdade relacionada ao próprio de uma arte tipicamente moderna exclusivamente a partir do paralelo com modelos da antiguidade. Contudo a arte deve ser entendida como um acontecimento da manifestação de liberdade, pois é um modo de experiência autônoma do sujeito, sobretudo através de seu discurso, de suas linguagens.

Portanto, para pensar a possibilidade de manifestações de verdade intrínsecas às práticas artísticas da modernidade, recorremos à teoria político/estética de Jacques Rancière.

* * *

Ao tratar da relação entre modernidade, vanguarda e arte em A partilha do sensível (2000/2009), Rancière identifica a existência de três regimes de pensamento da arte - ético, poético, ou representativo, e estético. Em linhas gerais, um regime de pensamento da arte é o modo como o fazer artístico diz, a si e ao seu fora, sobre si mesmo como pensamento, de modo que, ao mudar de um regime para outro, muda-se a conexão entre as práticas artísticas e as suas formas de visibilidade e, consequentemente, muda-se a própria ideia do pensamento que ali se constitui e se expressa. Rancière propõe que o regime estético é o regime próprio da modernidade - de certo modo, um correlato à modernidade no contexto da arte.

Nesse regime existe a Arte, pois ela não se identifica - ou melhor, pretende não ser identificada - por sua relação direta com a verdade e com a utilidade, ou ainda pelos modos do fazer a partir dos quais ela se dá, mas por um modo de ser sensível específico, próprio da arte: uma potência heterogênea que é a cifra de um "sensível tornado estranho a si mesmo" que advém de "um pensamento que se tornou ele próprio estranho a si mesmo" (Rancière, 2000/2009, p. 32-33). Em outras palavras, o regime estético marca o surgimento da Arte, desse nome que abriga as diferentes artes, isto é, os diferentes modos do fazer sob um mesmo teto: um sensorium, esse modo de ser sensível próprio da arte.

Para Rancière (2002), o modelo estaria em Schiller e poderia ser pensado de modo sistemático a partir de três pontos: 1) a autonomia que há no regime estético não é a autonomia da obra de arte, mas de um modo de experiência; 2) a experiência estética é uma experiência marcada pela heterogeneidade - para o próprio sujeito dessa experiência ela é a destituição de certa autonomia; 3) o objeto dessa experiência é estético na medida em que não se limita à arte, isto é, na medida em que arte é sempre mais que arte. A arte é, assim, estetizada, isto é, postulada como uma "forma autônoma da vida" (Rancière, 2002, p. 137).

Daí desenham-se três cenários. Primeiro: arte que se torna vida, em que arte não é apenas expressão da vida, mas uma forma de autodidatismo da própria vida, isto é, arte é a formação de uma moldura, de um sensorium para novos ethos coletivos. Sob esse aspecto, a arte se refere a uma verdade da qual dá testemunho. Segundo: vida que se torna arte, arte como encarnação do pensamento, na medida em que as propriedades da experiência estética são transferidas para a obra de arte. Sob esse aspecto, a obra de arte é expressão de uma crença e de uma ideia que, por estarem limitadas à materialidade e às técnicas que possibilitam a obra, transbordam a própria obra: a obra "figura a distância entre aquela vida coletiva e o modo como ela pode expressar-se a si mesma" (Rancière, 2002, p. 141). Terceiro: arte e vida que trocam suas propriedades, em que as fronteiras entre arte e vida se enfraquecem e passa a existir certa permeabilidade por meio da qual o ordinário pode se tornar artístico e o artístico pode se tornar ordinário. Sob esse aspecto, arte e história se ligam, marcados pela cifra do romântico que produz uma multiplicação das temporalidades da arte.

Em todo caso, subsumidas as particularidades concernentes a cada um desses cenários, o regime estético instaura um domínio específico da arte em que ela é estetizada, como um mergulho nas possibilidades do modo de ser sensível próprio da arte. Nessa ideia de que na arte há um jogo entre autonomia e heteronomia e de que arte é sempre mais do que arte, o que o regime estético põe em jogo é uma relação entre o consciente e o inconsciente, entre o voluntário e o involuntário, entre um logos e um pathos. É nisso, mais precisamente, que consiste a revolução estética que rompe com a normatividade do regime representativo e faz surgir o regime estético: estética, aqui, não corresponde ao domínio do conhecimento sensível de Baumgarten ou às formas a priori da sensibilidade de Kant, mas, mais precisamente, à identidade entre pensamento e não-pensamento que surge com o romantismo e com o idealismo pós-kantiano. Em suma, estética é um terreno onde o fazer artístico coloca em causa a relação desses opostos, fazendo-os coincidirem na obra. Ao promover o rompimento com o regime poético que estabelecia uma ordenação hierárquica entre o pensamento e o não-pensamento, entre a atividade e a passividade, a revolução estética dá luz a uma ideia selvagem e existencial do pensamento na arte. Assim, a revolução estética abre espaço para uma ideia do pensamento que admite que há pensamento que não pensa, isto é, pensamento que se dá sob a forma do não-pensamento - tal como se vê em Hegel (1986/2001); mas também que há não-pensamento que pensa, isto é, não-pensamento que se dá sob a forma do pensamento - tal como se vê em Schopenhauer (1819/2015) e Nietzsche (1886/1992).

No âmbito do literário, a ideia de pensamento própria do regime estético liga-se a uma ideia de escrita, que é, ao mesmo tempo, um modo da palavra e uma concepção do que é palavra: o modo contraditório da palavra muda/falante, tal como Rancière a concebe em Políticas da Escrita (1995/2017) em referência ao Fedro platônico. O que se põe é isto: no regime estético, a escrita é muda, pois está liberta do ato de palavra que a acompanha; mas por esse mesmo motivo é falante, pois está disponível a qualquer um. É "quando a referência do enunciado e a identidade do enunciador caem na indeterminação" (Rancière, 1995/2017, p. 9). Nesses termos, a escrita é ambivalente; sua mudez a desliga da legitimação atribuída a ela pelo autor: ela é, pois, um enunciado livre, "regime errante da letra órfã, cuja legitimidade nenhum pai garante"; daí sua verborragia, seu excesso: ela é a "inscrição imutável do que a comunidade tem em comum", isto é, a palavra (p. 10).

Porém, assim como adverte o Fedro, a escrita morta carece da voz viva. Em seu sentido anárquico, a escrita é tomada como doença: "a doença da circulação desses corpos incorporais que devolve à própria contingência toda posição legítima de fala e toda ordem das funções de corpo comunitário"; má escrita, como doença cujo remédio é sempre outra forma de escrita - que, em suma, é uma não-escrita: ou uma escrita que é menos que escrita, "um puro trajeto do lógos que não se expõe a nenhum desvio"; ou uma escrita que é mais que escrita, "cujo teor seja indelével, infalsificável, pois que traçada na própria textura das coisas" (Rancière, 1995/2017, p. 11).

No primeiro caso, o projeto socrático-platônico do Fedro é o grande exemplo entre os antigos, o projeto de uma escrita que é, no fim das contas, a voz viva da palavra que comunica a verdade de modo imediato; na modernidade, de modo distinto, vê-se em Mallarmé um representante dessa forma da palavra, "puro trajeto do sentido quase-imaterial, do sentido 'sem instrumentos de escriba'" (Rancière, 1995/2017, p. 12-13). No segundo caso, Schelling nos dá o modelo de uma escrita que busca se livrar da indeterminação por meio de uma reconstrução da verdade inscrita na própria materialidade sensível das coisas: "Aquilo que chamamos de natureza é um poema que permanece encerrado em maravilhosa escrita secreta" (Schelling apud. Rancière, p. 13). É, portanto, uma (re)escrita que se dá sob a forma de uma arqueologia que parte do princípio de que tudo fala; se no primeiro caso havia a necessidade da voz viva do autor para que a verdade fosse ouvida, agora são os fantasmas de uma materialidade sensível mitologizada que vêm dar testemunho da verdade. Sob esse registro se encontram Victor Hugo e Balzac, em quem não existe o insignificante, não há hierarquia dos temas e gêneros, não existe o mero detalhe. Tudo fala, isto é, tudo "carrega em si a potência da linguagem", a potência da enunciação de uma verdade presente nas coisas sensíveis (Rancière, 2001/2009, p. 37).

A escrita mais que escrita se dá, ainda, sob outra forma: a da palavra solilóquio ou palavra surda. O modelo está em Maeterlinck, no qual a escrita é a palavra dos "gestos inconscientes do ser", de um "'querer' inconsciente do ser", a palavra de "uma potência sem nome que permanece por trás de toda consciência e de todo significado" (Rancière, 2001/2009, p. 40-41). Enquanto o primeiro modo da escrita mais que escrita opera um deslocamento do não-pensamento ao pensamento, da verdade muda de uma materialidade à sua enunciação, o segundo modo dessa escrita opera o deslocamento inverso, do pensamento ao não-pensamento, do consciente ao inconsciente. É, novamente, a relação de um logos e de um pathos que se coloca em questão e configura aquilo que Rancière (2001/2009) chamou de inconsciente estético.

No intuito de evitar a ambivalência da escrita muda/falante, a escrita menos que escrita e a escrita mais que escrita operam como dispositivos que buscam restituir o sentido legítimo do texto e revelar a verdade da enunciação, dar ao texto um corpo, um arkhé; são máquinas de escrita criadas na intenção de evitar que os enunciados caiam na indeterminação. Na modernidade, a verdade da mimesis, seja como imagem ética platônica ou como a representação aristotélica, é substituída pela verdade "do corpo que pode confirmar a letra numa escrita mais e menos que escrita" (Rancière, 2001/2009, p. 16). Porém, essas máquinas de escrita não são capazes de eliminar a ambivalência. Ao contrário, sua pretensão é solapada pelo próprio esforço, deixando sempre algo escapar, um certo excesso das palavras. A isso Rancière chama literalidade: a qualidade do caótico próprio da escrita, de um irredutível que se encontra entre a verdade de uma escrita menos que escrita e a de uma escrita mais que escrita, de um caráter anárquico próprio da palavra que resiste a toda tentativa de fundamentação e legitimação. Nesses termos, a literatura produz um texto marcado pela cumplicidade entre literalidade e democracia: um texto sem corpo.

* * *

A arte moderna, esse conjunto heterogêneo de modos de fazer reunido sob um modo de ser do sensível, herda da vida cínica um desejo de verdade. Uma verdade que, atualizada no discurso que a circunda e perpassa, não apenas legitime sua prática e a permita subsistir, mas também torne possível resistir corajosamente às instâncias de poder estabelecidas e fazer a denúncia escandalosa das convenções de uma sociedade decadente ou em vias de ser superada. Verdade que autorize o gesto definidor das formas desejáveis do sentir e que, ao convidar à formação das comunidades do sentir que dão significado à resistência e à denúncia do poder, fazem com que a arte se configure, ela mesma, como instância de poder na forma da direção de consciência.

Essa verdade, entretanto, é uma construção que não se permite deslocar anacronicamente da antiguidade dos cínicos para a modernidade de nossa arte. A verdade do étymos lógos não pertence ao nosso modo de pensar e a prática cínica nos alcança apenas na forma do falar sincero. Assim, temos dificuldade para atribuir ao discurso sobre a arte o estatuto de ponto fixo para todo um universo de formas do sentir. A modernidade, assim, torna-se palco para essa vontade vacilante de enunciação da verdade, seja ela qual for: vida que se torna arte, arte que se torna vida, vida e arte que trocam suas propriedades, palavra inscrita na materialidade sensível, palavra do querer inconsciente do ser. Ao fazer da arte mais que arte, o regime estético não elimina a relação do fazer artístico e da obra com a questão da verdade. Ao contrário, essa relação se torna mais complexa - uma ambivalência que ganha uma quantidade maior de entropia no regime estético.

Citamos o caso da escrita muda/falante que produz um texto sem corpo porque o caso da literatura é exemplar para se pensar as outras artes, de modo análogo, a partir da relação paradoxal que nela se encerra: a constante contradição entre o esforço de fixar o sentido correto à letra e o excesso irredutível da palavra que se dá gratuitamente a qualquer um. Há uma literalidade na arte em que se relacionam estética e política. A boa arte - nos termos da boa escrita, isto é, da não-escrita - é aquela que liga a ordem do sensível à ordem social, produzindo pacificação, consenso, sob a cifra de certa legitimidade. A arte - nos mesmos termos - é aquela que faz romper essa ligação e realiza uma partilha do sensível que produz um embaralhamento. O que se vê a partir das ideias de Rancière (2000/2009) é que a política da arte está na arte. Se a arte é política, ela não o é por sua capacidade de enunciação de uma verdade, pela produção de identidades, de corpos identificáveis, mas justamente pela verdade que não é capaz de enunciar, pelo processo de subjetivação que pode desencadear, pela produção desses incorpóreos.

Se em Foucault vemos que há um elemento de cinismo na arte moderna, por meio de Rancière e de sua análise em relação ao regime estético da arte, somos capazes de perceber o modo como esse aspecto cínico também entra no jogo ambivalente do fazer artístico. Jogo que consiste na exploração da tensão entre o desejo de compartilhar uma experiência que não é completamente partilhável e a possibilidade de uma comunicação que nunca chega, de fato, a se realizar. No plano das relações de poder, isso se reflete no conflito entre seu potencial para a direção de consciência, por conta do apelo à experiência desejável, e a impossibilidade de delinear com precisão essa experiência, dando margem à multiplicação imprevisível das comunidades do sentir.

 

Referências

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Rancière, J. (1995). Políticas da escrita. 2ª Ed. Tradução de Raquel Ramalhete, Laís Vilanova, Lígia Vassalo e Eloísa Ribeiro, 2017.         [ Links ]

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