SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 issue2Observer effects on the behavior of non-habituated wild living marmosets (Callithrix jacchus)Ethogram of black-and-gold howler monkeys Alouatta caraya (Humboldt, 1812) (Primates, Atelidae) from a group in a fragmented habitat author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista de Etologia

Print version ISSN 1517-2805On-line version ISSN 2175-3636

Rev. etol. vol.8 no.2 São Paulo Dec. 2006

 

ARTIGOS

 

Imobilidade tônica e imobilidade do nado forçado em cobaias*

 

 

Clotilde Maria Michelan; Lílian Daltro Michelan; Hugo M. G. de Paula; Katsumasa Hoshino

Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências, Depto. de Ciências Biológicas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Sabe-se pouco a respeito da origem evolutiva e dos mecanismos fisiológicos subjacentes às inúmeras respostas comportamentais caracterizadas pela imobilidade corporal. O presente estudo determinou se a imobilidade tônica (IT), que constitui a última defesa antipredatória de muitos animais, tem relação com a imobilidade observada na situação de nado forçado (INF) que é, por sua vez, considerada uma manifestação equivalente ao da depressão psiquiátrica. Os dados mostraram que o nado forçado prévio não afeta o tempo de IT e que, tampouco, o INF é afetado pela submissão prévia às condições indutoras de IT, tanto em machos e fêmeas de cobaias (Cavia porcellus). Conclui-se que estas imobilidades têm funções adaptativas diferentes, com origens e mecanismos neurais distintos e que a falta de ação do nado prévio sobre a IT questiona o uso de uma só sessão para induzir manifestações similares à depressão.

Palavras-chave: Imobilidade tônica, Nado forçado, Respostas de imobilidade, Cobaias.


ABSTRACT

The evolutionary origin and the physiological mechanisms responsible for the multiple forms of behavioral responses expressed by movements arrest are still poorly understood. The present study determined if tonic immobility (TI), the last antipredatory defensive response of many animals, is related to the immobility observed in the forced swimming situation (FSI = Forced Swimming Immobility), which, by its turn, is considered a manifestation equivalent to the psychiatric depression. Previous forced swimming did not change the time of TI and the duration of FSI was not affected by the previous submission to the TI inducing condition, both in male and female guinea-pigs (Cavia porcellus). It is concluded that these immobilities have distinct adaptive functions, with different origins and neural mechanisms. Additionally, the absence of an action of the forced swimming on the TI raises the question on the use of a single session of swimming to induce depressive-like manifestations.

Keywords: Tonic immobility, Forced swimming, Immobility responses, Guinea pigs.


 

 

A imobilidade corporal, promovida por mecanismos neurais ativos que suspendem a emissão de atividade motora dos músculos esqueléticos, é uma manifestação comportamental compartilhada por inúmeras espécies animais. Assim, é possível observá-la durante o sono da maioria das espécies, nos filhotes de mamíferos quando suspensos pela pele dorsal do pescoço pelas mães que os transportam seguros nos dentes, em predadores durante a espreita para emboscar uma presa, em vários animais em situações de alerta ou medo, em animais que mimetizam elementos inanimados do ambiente e em outras situações mais específicas, tal como nas fêmeas de muitas espécies durante a cópula. A ampla variedade de situações, a vasta gama topográfica das posturas de imobilidade e o número de espécies em ela ocorre levaram a cunhar o termo respostas de imobilidade para designá-las em conjunto (Klemm, 1983). Estas características de ocorrência indicam que as diferentes formas de expressão foram preservadas ao longo da evolução das espécies por conferirem papéis funcionais importantes para a sobrevivência. Não se sabe, entretanto, como se deu este processo evolutivo. Como apontam Fregoso-Aguilar e Zamudio (2006), discute-se se existe uma resposta de imobilidade fundamental com expressões diferentes, induzida por uma série de estímulos diferentes e segundo a espécie considerada, ou se existem diferentes formas de imobilidade com diferentes características em cada espécie e diferentes formas de imobilidade coexistam em uma mesma espécie.

Uma possibilidade para a obtenção de dados filogenéticos a respeito das respostas de imobilidade é verificar se a indução de um tipo de resposta afeta a manifestação de outro tipo de resposta de imobilidade. De fato, se dois tipos de respostas têm a mesma origem filogenética, eles são baseados em um mecanismo nuclear comum. Em tais casos, é possível a alteração de uma resposta pela manifestação prévia da outra, tal como ocorre na emissão de tremores em função da manifestação prévia de atividade motora voluntária em dias de frio.

As respostas de imobilidade conhecidas como imobilidade tônica (IT) e imobilidade do nado forçado (INF) parecem ter relações filogenéticas comuns, pois elas pertencem à categoria de comportamentos de defesa, ambas são precedidas inicialmente por emissão de comportamentos de enfrentamento e são respostas evocadas por uma situação de estresse. A IT, conhecida anteriormente com os nomes de hipnose animal ou tanatose, é a última resposta de defesa antipredatória de algumas espécies e se caracteriza por fingir-se morto para conseguir uma oportunidade de fuga por induzir relaxamento da atenção do predador. Experimentalmente, se induz a IT forçando o animal, geralmente a cobaia ou aves, a adotar posturas não naturais e retirando-se a contenção suavemente após a instalação da imobilidade. Esta se prolonga por períodos variáveis de tempo, podendo chegar a uma dezena de minutos em alguns animais. A INF é observada em roedores, principalmente ratos e camundongos, quando colocados para nadarem por 15 minutos em situação inescapável. A imobilidade de se instala após período inicial de emissão intensa de tentativas de evasão da situação estressante e aversiva. Em camundongos a sessão de natação é única e no rato se mede 24 horas após e se compara os tempos de imobilidade dos 5 minutos iniciais das duas sessões, como preconizaram seus idealizadores (Porsolt, Le Pichon, & Jalfre, 1977). A possibilidade da indução da INF afetar a manifestação da IT, ou vice-versa, é plausível, pois ambas envolvem a mediação da serotonina cerebral (Jaffe, De Frias, & Ibarra, 1993; Leite-Panissi, Ferrarese, Terzian, & Menescal-de-Oliveira, 2006) e a administração de drogas antidepressivas que atuam nos mecanismos da serotonina cerebral as reduzem (Borsini, 1995; Detke, Johnson, & Lucki, 1997; Olsen, Hogg, & Lapiz, 2002).

O esclarecimento da origem evolutiva comum da IT e da INF baseado em um mesmo mecanismo central mostra ser importante, uma vez que pode contribuir para o melhor conhecimento desta resposta induzida pelo nado. Este padrão de imobilidade tem sido considerado similar a algumas manifestações da depressão psiquiátrica e utilizada experimentalmente como parâmetro em estudos de fins práticos para a triagem de drogas antidepressivas (Detke et al., 1997; Lucki, 1997), assim como, para a construção de hipóteses etiológicas deste transtorno psiquiátrico (Boccia et al., 2007). A associação da INF com a depressão sugere a alteração da IT subseqüente, visto que neste transtorno há desenvolvimento de anedonia e indiferença. Por outro lado, já se aventa a possibilidade de uso da IT para avaliação de efeitos ansiolíticos (Olsen et al., 2002), fato compatível com a constatação de que animais com tempo de IT mais longos tem níveis mais altos de ansiedade (Tikal, 1991). Visto que muitas drogas antidepressivas, previstas pela redução da INF, são também eficazes no tratamento dos distúrbios de ansiedade, reforça-se a hipótese de que a manifestação de IT afete a INF ou vive-versa.

O presente estudo avaliou se a manifestação prévia da imobilidade do nado forçado afeta o tempo de imobilidade tônica e vice-versa em machos e fêmeas de cobaias.

 

Método

Trinta e duas cobaias (Cavia porcellus), popularmente conhecidas como porquinhosda- Índia, provenientes do Biotério Central da Universidade Estadual Paulista (UNESP, Botucatu, SP) foram usados, formando dois grupos de 8 machos cada, com 3 meses de ida91 Imobilidade na cobaia de, e dois grupos de 8 fêmeas cada, com 5 meses de idade. Os animais foram transportados para o Campus de Bauru e mantidos no Biotério da Faculdade de Ciências em ambiente com ciclo de luz (claro das 7:00 às 19:00 h) e temperatura (23-25º C) automaticamente controlados. Os animais tiveram alimento comercial e água potável ad libitum, sendo suas gaiolas de propilpropileno com maravalha e 4 animais cada, higienizados a cada dois dias.

O projeto de pesquisa, com descrição minuciosa dos procedimentos experimentais a serem seguidos, foi apresentado previamente ao Comitê de Ética da Instituição, sendo as atividades iniciadas somente após sua aprovação. Todos os procedimentos recomendados pelo Colégio Brasileiro de Experimentação (COBEA) foram observados.

A imobilidade tônica foi induzida pela colocação manual do animal em decúbito dorsal em uma prancha de contenção (“goteira”) para cirurgia de pequenos animais. Esta prancha, de madeira, media 30 cm de comprimento, 14,5 cm de largura e possuía, em sua linha mediana, uma canaleta longitudinal com a forma da letra V, com 2 cm de profundidade e 4,5 cm de abertura superior. Esta canaleta era ligeiramente inclinada no sentido longitudinal, tendo 6,5 cm de altura na sua porção anterior e 5,0 cm na parte posterior. Esta prancha foi posicionada sobre uma mesa de 80 cm de altura, tampo de 60x80 cm e era iluminada por lâmpada doméstica de luz fluorescente mantida 180 cm acima. O animal foi colocado com cuidado na prancha para que a coluna vertebral se acomodasse ao longo da canaleta e imobilizado. A mão esquerda do experimentador conteve o segmento posterior do animal com o polegar e indicador envolvendo a pelve do animal e a mão direita imobilizava os segmentos anteriores com o polegar e indicador inserido nas axilas e a palma da mão restringindo os movimentos da cabeça. Este procedimento foi mantido até que as tentativas de correção postural e de escape deixassem de ser emitidas. As mãos foram, então, vagarosamente retiradas em 10-15 segundos e o cronômetro acionado para a medida do tempo de imobilidade. O término da IT foi definido como sendo o momento em que o animal reassumia a postura natural. Três avaliações sucessivas, cada uma com o máximo de 10 minutos de duração, foram feitas em cada animal e a média usada como a manifestação do indivíduo.

O nado forçado foi imposto individualmente por 15 minutos, colocando-se o animal em um balde de plástico transparente com 21 cm de diâmetro na base e 30 cm no parte superior, contendo água a 26º C, em quantidade suficiente para se ter 12 cm de profundidade. Definiu-se como imobilidade do nado forçado o período em que o animal cessava seus movimentos, permanecendo em postura semiverticalizada, com apoio na ponta de uma das patas posteriores no fundo, ou em flutuação, mantendo apoio de uma ou ambas as patas superiores na parede do balde e a cabeça verticalizada acima da superfície da água. Os movimentos rápidos de correção postural após a perda lenta e progressiva do equilíbrio, observados após instalado um episódios de imobilidade, não foram considerados como finalizações. Estas foram estipuladas como sendo a procura de novas posturas, locomoções, atividade exploratória com movimentos seqüenciados da cabeça. A água foi renovada e a temperatura corrigida com adição de água fria ou quente antes do teste de cada animal. A soma cumulativa das durações dos episódios de imobilidade durante o período de 15 minutos de natação forçada foi obtida em cronômetro manual. As medidas do tempo foram efetuadas concomitantemente por dois observadores, após treino preliminar para se obter no mínimo 90% de concordância. A média dos dois observadores foi usada durante os experimentos.

Um dos grupos de animais machos foi submetido à avaliação do tempo de IT duas horas após o nado forçado e este tempo foi comparado ao tempo de IT do outro grupo do mesmo sexo, determinado sem o nado forçado prévio. Este último grupo foi submetido ao nado forçado duas horas após para se avaliar a possibilidade da IT prévia alterar o tempo de INF. Para comparação intersexual, um dos grupos de 8 fêmeas foi submetido inicialmente à IT, seguido de nado forçado e, duas horas após, novamente à IT. O segundo grupo de fêmeas foi submetido às duas avaliações de IT com a intercalação de nado forçado simulado. A colocação dos animais deste grupo por 15 minutos no balde, sem água, teve a função de avaliar se a intercalação do nado forçado não suprime uma possível alteração decorrente da repetição do teste de IT. O tempo de duas horas interposto aos testes de IT realizados após o nado forçado baseou-se em observações preliminares que mostraram haver recuperação da temperatura corporal após a hipotermia induzida pelo nado forçado.

Elegeu-se a análise de variância para o estabelecimento da significância estatística nas diferenças encontradas entre as médias e usou-se o Pearson Product-Moment Correlation (Statisoft) para estabelecer a significância da correlação entre as duas avaliações da IT feitas nas fêmeas, adotando-se o nível de significância a 0,05.

 

Resultados

O teste de IT mostrou uma grande variabilidade inter e intraindividual nos tempos dos episódios de imobilidade. Interindividualmente os machos apresentaram variações entre um mínimo relativo a um único caso de ausência de IT até o tempo máximo de 255 s. Intraindividualmente, observou-se variação acentuada entre os tempos das três avaliações feitas em cada indivíduo. Os tempos mínimos e máximos de IT observados nas fêmeas foram respectivamente de 11 e 437 s. Embora esta variação interindividual, detectável na Tabela 1 pela magnitude dos erros-padrão, os tempos individuais apresentados pelas fêmeas na primeira avaliação antes do nado foram equivalentes na segunda avaliação, feita após o nado. Em virtude desta estabilidade de dados, o coeficiente de correlação foi de 0,78 que mostrou ser significante (p=0,02).

 

 

O tempo individual mínimo de INF observado foi de 99 e o máximo de 549 s em machos, sendo estes valores respectivamente de 87 e 599 s nas fêmeas. A análise de variância mostrou que as médias deste parâmetro (Tabela 1), determinadas nos dois grupos de machos não diferem significantemente entre si, tampouco da média observada no grupo de fêmeas submetidas ao nado.

Os tempos médios de IT, determinados antes e depois do nado forçado, não mostraram diferença significante do ponto de vista estatístico, tanto quando avaliados em grupos independentes (machos), quanto avaliado em um mesmo grupo (fêmeas). Esta ausência de significância foi constatada também na comparação das médias das fêmeas avaliadas sem o nado forçado real.

Embora os tempos individuais de IT da primeira avaliação tenham mostrado correlação significante com a segunda avaliação nas fêmeas, a verificação da correlação entre o tempo de IT e tempo de INF mostrou ser inexistente, tanto em machos como em fêmeas, mesmo analisando- se separadamente os tempos de IT antes e após o nado.

 

Discussão

Os dados do presente estudo mostraram que o tempo de IT das cobaias de ambos os sexos não se alteram após serem submetidos à natação forçada e que o tempo de INF também não se altera quando os animais são submetidos previamente à situação indutora de IT. Esta ausência de efeitos se confirma, ainda, pela constatação de que os valores de IT são equivalentes quando se faz ou se deixa de efetuar o nado forçado. Estes dados levam à interpretação de que os dois tipos de imobilidade têm, hipoteticamente, mecanismos etiológicos principais independentes, sugerindo origens filogenéticas diferentes. Tal conclusão corrobora a existência de diferentes mecanismos neurais para cada um dos tipos de respostas de imobilidade, postulada por Klemm (2001).

A visão de que as duas respostas de imobilidade estudadas sejam aquisições filogenéticas independentes implica em papéis funcionais distintos, embora ambas possam ser evocadas em situações similares de risco à sobrevivência. A análise neste sentido revela que a IT é manifestação cujo fim é o escape da situação predatória que é mortal. O nado é uma defesa para acidentes naturais, tais como inundações ou queda involuntária na água. A inescapabilidade nestas situações é uma possibilidade e a emissão de imobilidade, após um período de enfrentamento ativo, pode ter a função de conservação de energia para gasto em condições mais favoráveis, como já sugerido por outros autores (Sandrin, 2002; Valentim & Hoshino, 2006), ou ser manifestação de um estado depressivo que evoluiu filogeneticamente para tornar indiferente o sofrimento da morte em condições adversas extremas (Hoshino, 2006). Assim, a IT é ainda manifestação de enfrentamento ativo da situação mortal, enquanto a INF é uma expressão subseqüente de extinção do enfrentamento ativo nas situações de risco. Embora pertencentes ao mesmo eixo dos comportamentos defensivos, as defesas conferidas são de naturezas diferentes, podendo ser, portanto, de origens filogenéticas baseadas em mecanismos neurais distintos.

A literatura relata o envolvimento de hormônios sexuais nas respostas de imobilidade (Fregoso-Aguilar & Zamudio, 2006; Sternberg, Chesler, Wilson, & Mogil, 2004). As comparações intersexuais no presente trabalho mostrou que os tempos de INF e de IT são estatisticamente equivalentes nos dois sexos. A falta da constatação de uma diferença intersexual não significa, entretanto, contradição com os dados da literatura. Esta falta decorre do arranjo experimental que avaliou os tempos das imobilidades independentemente da fase do ciclo estral em que as fêmeas se encontravam. As avaliações nas fêmeas foram realizadas com intervalos de aproximadamente duas horas em nosso estudo, portanto, com grande probabilidade de terem sido realizadas dentro de uma mesma fase do ciclo estral, ao menos, na maioria dos casos. A correlação significante entre os valores da primeia avaliação com as da segunda sustentam a suposição. Assim, não se nega a existência de uma variabilidade dos tempos de imobilidade em função da fase do ciclo estral. A similaridade dos tempos de imobilidade em machos e fêmeas indica que as situações de alto risco induzem imobilidades cujas intensidades sobrepujam as variações mais sutis decorrentes da oscilações hormonais. A inclusão de fêmeas no presente estudo, complementando os dados de machos, parece ter sido acertada, pois tem a vantagem de tornar as conclusões mais representativas para a espécie.

A conclusão de que as imobilidades estudadas são independentes frustra a possibilidade metodológica de se usá-las alternativamente. Em muitos problemas experimentais há necessidade de se reavaliar um mesmo parâmetro duas ou mais vezes, porém, isto é impossível em decorrência da interferência de variáveis como habituação, sensibilização, outras aprendizagens ou pela ação do tratamento experimental. A existência de dois ou mais testes diferentes para a avaliação da mesma variável seria útil para a solução destes casos. Em tal perspectiva, o presente trabalho mostrou que a INF e a IT expressam dois fenômenos nuclearmente distintos e não podem ser usadas substitutivamente.

A interpretação de que a IT e a INF são decorrentes de processos evolutivos independentes se defronta com dois questionamentos. O primeiro é relativo às similaridades e relações existentes entre elas, tais como as já citadas anteriormente e outras, como a analgesia observada na IT (Menescal-de-Oliveira & Hoffmann, 1993) e no nado forçado (Porro & Carli, 1988; Suaudeau & Costentin, 2000). Elas podem indicar o compartilhamento de mecanismos neurais comuns, ao menos parciais. Ao que tudo indica, algumas manifestações comuns, como a analgesia, pertencem à categoria dos ajustes gerais do organismo para as situações de perigo e são evocadas pelos mecanismos de alerta que as situações de estresse ativam. De fato, a presença do cheiro de raposas é suficiente para induzir analgesia e liberação de corticosterona em ratos (Vendruscolo et al., 2006). Outras manifestações, concomitantes nos dois tipos de imobilidade, sugerem ser decorrentes da ativação dos mecanismos responsáveis pelos processos neurofisiológicos básicos e pela suspensão ativa da atividade nos músculos esqueléticos. Segundo, a conclusão pode ser questionada pela possibilidade de inexistência de efeitos residuais da ativação dos mecanismos etiológicos comuns por uma situação eliciadora de uma resposta, deixando inalterada sua ativação pela outra. Ou seja, o mecanismo central responderia da mesma maneira às repetidas ativações, incluindo aquelas promovidas por situações diferentes. Favorece tal hipótese a constatação de que os tempos de IT individual se preservam aproximadamente iguais, conforme observado no presente estudo. Esta possibilidade de ativação invariante pode, no entanto, ser descartada porque o tempo de INF é afetado pela submissão prévia a uma outra modalidade de imobilidade, que é a da contenção forçada contínua (Poleszak et al., 2006). A ausência de correlação significante entre os tempos de IT e de INF observados nos mesmos animais possibilita, também, afastar a possibilidade em questão.

A falta de um efeito da submissão prévia ao nado forçado sobre o tempo de IT, constatada no presente trabalho, leva ao questionamento da validade da INF como manifestação similar ou relacionada à depressão psiquiátrica, ao menos na forma em que ela é abordada na atualidade. O transtorno depressivo se caracteriza primordialmente pela anedonia, apatia e indiferença às coisas da vida, incluindo a morte. Tais manifestações deveriam diminuir o tempo de IT após o nado forçado, visto que em depressão a morte seria indiferente. A dúvida da INF como manifestação depressiva é também expressa por outros autores (Armario, Gavaldà, & Martí, 1988; Borsini & Meli, 1988; Hawkins, Hicks, Phillips, & Moore, 1978), entretanto, o nado forçado tem sido preconizado e empregado em larga escala (Detke et al., 1997; Jaffe et al., 1993; Lucki, 1997; Qi, Lin, Li, Pan, & Wang, 2006). Os relatos recentes de que o estresse crônico, incluindo o do nado forçado, promove anedonia em ratos da linhagem Sprague-Dawley (Qi et al., 2006) e em uma linhagem de camundongos C57BL/6N (Strekalova, Gorenkova, Schunk, Dolgov, & Bartsch, 2006) parecem oferecer uma oportunidade para se determinar se estados depressivos em animais afetam suas reações de defesa antipredatória. Tal determinação se reveste de interesse, pois tal fenômeno pode desempenhar papel adaptativo nos processos biológicos supra- individuais, tal como nos mecanismos de regulação da densidade populacional.

 

Referências

Armario, A., Gavaldà, A., & Martí, O. (1988). Forced swimming test in rats: Effect of desipramine administration and the period of exposure to the test on struggling behavior, swimming, immobility and defecation rate. European Journal of Pharmacology, 158, 207-212.        [ Links ]

Boccia, M. L., Razzoli, M., Prasad-Vadlamudi, S., Trumbull, W., Caleffie, C., & Pedersen, C. A. Imobilidade na cobaia (2007) Repetead long separations from pups produce depression-like behavior in rat mothers. Psychoneuroendocrinology, 32, 65-71.        [ Links ]

Borsini, F. (1995). Role of the serotonergic system in the forced swimming test. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 19, 377-395.        [ Links ]

Borsini, F., & Meli, A. (1988). Is the forced swimming test a suitable model for revealing antidepressant activity? Psychopharmacology, 94, 147-160.        [ Links ]

Detke, M. J., Johnson, J., & Lucki, I. (1997). Acute and chronic antidepressant drug treatment in the rat forced swimming test model of depression. Experimental Clinical Psychopharmacology, 5, 107-112.        [ Links ]

Fregoso-Aguilar, T. A., & Zamudio, S. R. (2006). Differential effect of testosterone and repetitive induction on cataleptic and dorsal immobility in mice. Hormones and Behavior, 50, 27-32.        [ Links ]

Hawkins, J. N., Hicks, R. A., Phillips, N, & Moore, J. D. (1978). Swimming rats and human depression. Nature, 274, 512-513.        [ Links ]

Hoshino, K. (2006). A perspectiva biológica do luto. Sobre Comportamento e Cognição, 17, 313-326.        [ Links ]

Jaffe, E. H., De Frias, V., & Ibarra, C. (1993). Changes in basal and stimulated release of endogenous serotonin from different nuclei of rats subjected to two models of depression. Neuroscience Letters, 162, 157-160.        [ Links ]

Klemm, W. R. (1983). Cholinergic-dopaminergic interaction in experimental catalepsy. Psychopharmacologia, 81, 24-27.        [ Links ]

Klemm, W. R. (2001). Behavioral arrest: in search of the neural control system. Progress in Neurobiology, 65, 453-471.        [ Links ]

Leite-Panissi, C. R., Ferrarese, A. A., Terzian, A. L., & Menescal-de-Oliveira, L. (2006). Serotonergic activation of the basolateral amygdala and modulation of tonic immobility in guinea pig. Brain Research Bulletin, 69, 356-364.        [ Links ]

Lucki, I. (1997). The forced swimming test as a model for core and component behavioral effects of antidepressant drugs. Behavioral Pharmacology, 8, 523-532.        [ Links ]

Menescal-de-Oliveira, L., & Hoffmann, A. (1993). The parabrachial region as a possible region modulating simutaneously pain and tonic immobility. Behaviral Brain Research, 56, 127-132.        [ Links ]

Olsen, C. K., Hogg, S., & Lapiz, M. D. (2002). Tonic immobility in guinea pigs: A behavioural response for detecting an anxiolytic-like effect? Behavioral Pharmacology, 13, 261-269.        [ Links ]

Poleszak, E., Wlaz, P., Kedzierska, E., Nieoczym, D., Wyska, E., Szymura-Oleksiak, J. et al. (2006). Immobility stress induces depression-like behavior in the forced swim test in mice: Effect of magnesium and imipramine. Pharmacological Reports, 58, 746-752.        [ Links ]

Porro, C. A., & Carli, G. (1988). Immobilization and restraint effects on pain reactions in animals. Pain, 32, 289-307.        [ Links ]

Porsolt, R. D., Le Pichon, M., & Jalfre, M. (1977). Depression: A new animal model sensitive to antidepressant treatments. Nature, 266, 730-732.        [ Links ]

Qi, X., Lin, W., Li, J., Pan, Y., & Wang, W. (2006). The depressive-like behaviors are correlated with decreased phosphorilization of mitogen-activated protein kinases in rat brain following chronic forced swim stress. Behavioral Brain Research, 175, 233-240.        [ Links ]

Sandrin, M. F. N. (2002). Densidade populacional e padrões comportamentais do hamster sírio Mesocricetus auratus (Waterhouse, 1839) (Rodentia: muridae) no nado forçado. Tese de doutorado, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP.        [ Links ]

Sternberg, W. F., Chesler, E. J., Wilson, S. G., & Mogil, J. S. (2004). Acute progesterone can recruit sex-specific neurochemical mechanisms mediating swim stress induced and kappa-opioid analgesia in mice. Hormones and Behavior, 46, 467-473.        [ Links ]

Strekalova, T., Gorenkova, N., Schunk, I., Dolgov, O., & Bartsch, D. (2006). Selective effects of citalopram in a mouse model of stress-induced anhedonia with a control for chronic stress. Behavioral Pharmacology, 17, 271-287.        [ Links ]

Suaudeau, C., & Costentin, J. (2000). Long lasting increase in nociceptive threshold induced in mice by forced swimming: Involvement of an endorphinergic mechanism. Stress, 3, 221-227.        [ Links ]

Tikal, K. (1991). Tonic immobility and factors influencing its duration in rats. Homeostasis in Health and Diseases, 33, 199-203.        [ Links ]

Valentim, M. G., & Hoshino, K. (2006). Imobilidade no teste do nado forçado: depressão ou estratégia de sobrevivência? Sobre Comportamento e Cognição, 18, 286-291.        [ Links ]

Vendruscolo, L. F., Vendruscolo, J. C., Teremina- Rigaldie, E., Raba, F., Ramos, A., Takahashi, R. N. et al. (2006). Genetic influence on behavioral and neuroendocrine responses to predator-odor stress in rats. Neuroscience Letters, 409, 89-94.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Katsumasa Hoshino
Campus de Bauru
Av. Luiz Edmundo Carrijou Coube, 14-01
17033-360, BAURU, SP, Brasil
Tel. 014 3103-6092
E-mail:hoshino@fc.unesp.br

Recebido em 4 de março de 2007
Aceito em 12 de maio de 2007

 

 

* Trabalho apresentado previamente no XIV Congresso da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas, 2005.

Creative Commons License