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Revista de Etologia

versão impressa ISSN 1517-2805

Rev. etol. vol.9 no.2 São Paulo dez. 2010

 

ARTIGO

 

Migração de baleias-jubarte: o que falta conhecer?

 

Humpback Whale Migration: what else needs to be known?

 

 

Artur AndrioloI,II; Alexandre N. ZerbiniI,III

I Universidade Federal de Juiz de Fora

II Instituto Aqualie

III Alaska Fisheries Science Center


 

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As baleias ocorrem em todos os oceanos do planeta e realizam migrações entre áreas de alimentação e reprodução. Determinar rotas e destinos migratórios é essencial para estabelecer planos de conservação e estratégias de gestão. A telemetria por satélite é um método muito eficiente para estudar o comportamento e os movimentos de animais. A baleia-jubarte se reproduz no litoral central e nordeste do Brasil, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte. Investigando as hipóteses existentes sobre as possíveis rotas migratórias das baleias-jubarte, verificou-se que animais do Banco dos Abrolhos (16-18oS) adotam uma rota migratória relativamente retilínea e se alimentam ao sul da Convergência Antártica, em águas afastadas da costa a nordeste e leste da Georgia do Sul e das Ilhas Sandwich do Sul. Mesmo com os resultados já obtidos, ainda faz-se necessário realizar estudos adicionais para avaliar o uso do habitat nas áreas de reprodução e para verificar se os animais distribuídos em outras áreas do litoral do Brasil fazem uso das mesmas rotas migratórias e áreas de alimentação.

Palavras-chave: Baleia-jubarte. Comportamento. Migração.


ABSTRACT

Whales inhabit all oceans and typically perform migrations between feeding and breeding areas. To determine migration routes and destinations is essential for the implementation of proper conservation and management plans. Satellite telemetry is an efficient method to investigate the behavior and movements of migratory animals. Humpback whales winter along the central and northeast coast of Brazil, from Rio de Janeiro to Rio Grande do Norte. This study tested hypotheses about the migratory routes and feeding destinations and discovered that whales wintering in the Abrolhos Bank (~16-18oS) adopt a relatively linear migration route and feed south of the Antarctic Convergence in offshore waters to the northeast and east of South Georgia and the South Sandwich Islands. Despite these results, additional studies are necessary to assess habitat use in the breeding grounds and to investigate whether whales from other areas off Brazil use the same migratory routes and feeding grounds.

Keywords: Humpback whale. Behavior. Migration.


 

 

As baleias ocorrem em todos os oceanos do planeta e realizam migrações entre áreas de alimentação e reprodução. Determinar rotas e destinos migratórios é essencial para estabelecer planos de conservação e estratégias de gestão, tanto numa escala regional quanto global. Oito espécies de baleias migram para o litoral brasileiro. Com exceção da baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae), cujas rotas e destinos migratórios começaram a ser revelados pelo presente estudo (Zerbini et al., 2006; Zerbini et al., 2011a), o comportamento migratório das demais espécies é desconhecido.

A telemetria por satélite é um método muito eficiente para estudar o comportamento e os movimentos de animais. O trabalho com animais marinhos é mais recente devido à necessidade de melhorar a tecnologia para suportar as condições físicas inerentes ao meio aquático. A utilização da telemetria por satélite em grandes baleias (subordem Mysticeti e o cachalote, Physeter macrocephalus) é dificultada pela impossibilidade de capturar e manter esses animais imóveis enquanto o transmissor é instalado.

Na última década, os sistemas de fixação (e.g. o desenvolvimento da haste de marcação de Villum, Heide-Jorgensen et al., 2003) e a tecnologia de construção dos transmissores se desenvolveram consideravelmente, permitindo o monitoramento de diversas espécies por períodos mais longos.

A baleia-jubarte se reproduz no litoral central e nordeste do Brasil, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Norte (e.g. Andriolo et al., 2010; Martins et al., 2001; Siciliano, 1995; Zerbini et al., 2004). O Banco dos Abrolhos é considerado a principal área de reprodução da espécie (Martins et al., 2001; Andriolo et al., 2006). A população que inverna no litoral brasileiro foi estimada em 6250 indivíduos (CV=0.16) em 2005 (Andriolo et al., 2010) e corresponde a aproximadamente 30% do seu tamanho pré-exploratório (Zerbini et al., 2011b).

Duas hipóteses principais foram propostas na tentativa de determinar as rotas e destinos migratórios das baleias jubarte que habitam o litoral brasileiro: (1) As baleias migrariam por rotas costeiras em direção à Península Antártica, uma área de alimentação onde a baleia-jubarte é regularmente avistada (Secchi et al., 2001; Stone & Hammer, 1988). Contudo, uma comparação entre catálogos de baleias fotoidentificadas nessa região e aquelas que invernam no Brasil não resultou em nenhuma reavistagem (Stevick et al., 2004). Ao contrário, revelou que as baleias observadas na Península Antártica migram para áreas de reprodução na Colombia (Stevick et al., 2004; Stone, Flórez-Gonzáles & Katona, 1990), o que foi também corroborado por estudos moleculares (Engel et al., 2008; Olavarría et al., 2000). (2) Uma segunda hipótese, era que as baleias migravam por áreas oceânicas para algum lugar remoto no sul do Oceano Atlântico e no Mar de Weddell, próximo ao continente Antártico (Mackintosh, 1965). Essa hipótese foi confirmada por estudos de telemetria realizados pelos proponentes desse projeto (Zerbini et al., 2006; Zerbini et al., 2011a). Esses estudos mostraram que as baleias partem do litoral brasileiro numa área de aproximadamente 500 km de extensão ao longo do litoral do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, adotam uma rota migratóriarelativamente retilínea e se alimentam ao sul da Convergência Antártica em águas afastadas da costa a nordeste e leste da Georgia do Sul e das Ilhas Sandwich do Sul. O uso dessas águas por animais brasileiros foi posteriormente confirmado através de fotoidentificação (Stevick et al., 2006).

Embora rotas e os destinos migratórios de baleias-jubarte invernando no litoral do Brasil tenham sido demonstrados, o número amostral ainda é relativamente pequeno e os locais de marcação relativamente próximos. Até o presente, a fixação de transmissores satelitais ocorreu principalmente na porção sul do Banco dos Abrolhos, onde a maioria da população se concentra. Portanto, faz-se necessário realizar estudos adicionais para avaliar se os animais distribuídos em outras áreas do litoral do Brasil utilizam as áreas de reprodução da mesma maneira e se fazem uso das mesmas rotas migratórias ou preferem rotas alternativas.

Estudos futuros devem incluir também a identificação dos movimentos, as rotas e destinos migratórios de distintas classes de idade e sexo (por exemplo, fêmeas e machos), uma caracterização do habitat preferencial das baleias em áreas de alimentação, e a definição de habitats críticos de baleias-jubarte e suas possíveis interações com atividades antrópicas. Nesse contexto, os resultados dos estudos de telemetria são fundamentais por permitirem expandir substancialmente o conhecimento sobre a dinâmica dos movimentos das baleias e, portanto, podem ser aplicados em ações de conservação e manejo. Por exemplo, as informações produzidas com a telemetria podem ser utilizadas pelas agências de controle e monitoramento ambiental (e.g. IBAMA, Secretarias de Meio Ambiente) para fomentar a política de manejo de recursosnaturais do Brasil. Baleias são protegidas pela legislação nacional (Lei 7.643, 18 de dezembro de 1987) e, portanto, atividades que possam molestar os animais ou causar alterações do habitat devem ser acompanhadas de um monitoramento contínuo que esteja baseado em metodologias técnico científicas. Atualmente, algumas dessas atividades estão em rápido desenvolvimento no Brasil, destacando-se a indústria de prospecção e exploração de petróleo. A telemetria por satélite permite o acompanhamento dos movimentos e comportamento das baleias, permitindo monitorar suas alterações em áreas com atividade antrópica. Por exemplo, observa-se que as baleias-jubarte, ao migrarem das áreas de reprodução no Nordeste do Brasil, navegam próximo à costa e também pelo interior da Bacia de Campos (Siciliano, Pizzorno & Barata, 1999; Zerbini et al., 2006), uma das principais áreas de exploração de petróleo no litoral brasileiro. Essas baleias podem estar vulneráveis a impactos, mas não se sabe qual proporção da população atravessa as áreas de maior risco e não se conhece como ou se efetivamente os animais são afetados. O uso da telemetria por satélite pode determinar se existem diferenças comportamentais entre baleias trafegando entre uma área com plataformas e uma área sem plataformas, além de permitir estimar que proporção de baleias usa uma ou outra região.

 

Referências

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Recebido em: 02/05/2010
Aceito em: 30/08/2012

 

 

Endereço para correspondência

Artur Andriolo
Departamento de Zoologia
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal de Juiz de Fora
Minas Gerais, 36036-900, Brasil.
Instituto Aqualie
Projeto Monitoramento de Baleias por Satélite
R. Edgard Werneck 428/32, Rio de Janeiro, RJ, 22763-010, Brazil.


Alexandre N. Zerbini
Alaska Fisheries Science Center
NOAA Fisheries, 7600 Sand Point Way NE, Seattle, WA, 98115, USA.
Instituto Aqualie
Projeto Monitoramento de Baleias por Satélite
R. Edgard Werneck 428/32, Rio de Janeiro, RJ, 22763-010, Brazil.