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Revista de Etologia

Print version ISSN 1517-2805

Rev. etol. vol.10 no.2 São Paulo Dec. 2011

 

Artigo

 

Especialização hemisférica cerebral e assimetraias comportamentais: o lado da cama tem gênero?

 

Cerebral hemispheric specialization and behavioral asymmetries: does the side of bed have a gender?

 

 

Katsumasa Hoshino; Sandro Caramaschi; Ana Claudia da Silva; Lílian Daltro Michelan

Faculdade de Ciências - Universidade Estadual Paulista


Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Dados acerca do lado da cama onde as mulheres dormem foram coletados para subsidiar a validade de um projeto amplo para determinar se esta atividade é lateralizada. Informações a respeito do lado que ocupam na cama de casal, sua lateralidade manual, o tempo de convívio do casal e outros itens adicionais foram coletados em amostra de 229 mulheres com idades de 20 a 65 anos. As frequências totais de ocupação nos lados da cama se mostraram estatisticamente equivalentes, porém o lado esquerdo mostrou ser significantemente (Χ2 = 5,44, 1 g.l., p<0,05) mais escolhido (70%) nos casos em que a escolha foi feita espontaneamente (i.e, não determinada por fatores impositivos). Conclui-se que os dados indicam a validade da pesquisa proposta que se insere na linha de estudos dedicados à compreensão dos mecanismos de funcionamento do sistema nervoso central.

Palavras-chave: Dominância lateral. Especialização hemisférica. Diferenças de gênero. Emoções.


ABSTRACT

Data relative on the side occupied by females in double beds were collected in order to evaluate the feasebility to carry-out a more extensive study to determine if this behavioral pattern is lateralized. Information relative to the side occupied in the bed, manual lateralization, how long lived togheter, and other related questions were collected in a sample of 229 women aged from 20 to 65 years old. Total frequencies of the bed side occupied showed to be equivalent, however, the left side showed to be chosen significantly more (70%)(Χ2 = 5.4; 1 d.f.; p<0.05) when the choice was stated to be spontaneous (i.e, not determined by an impositive factor). It is concluded that the obtained data give favourable support to an extensive study on the subject, which inserts into the area of research devoted to the understanding of the functional characteristics of central nervous functioning.

Keywords: Lateral dominance. Hemispheric specialization. Emotions. Gender differences.


 

 

A lateralização, observada em pessoas e em outras espécies de animais, é o uso preferencial de um dos lados do corpo, principalmente os membros, para a efetivação dos atos motores emitidos com frequência. A ocorrência de lateralização em um número grande de espécies sugere que seja adaptativa. A solução de problemas ambientais requer respostas motoras rápidas, destras e fortes. A lateralização na tilápia (Oreochromis niloticus), um peixe de água doce que tem 25% de canhotos, 25% de destros e 50% de ambidestros (Gonçalves, 1989), permite o giro rápido de seu corpo, sempre para um mesmo lado em um indivíduo, mesmo que o ataque recebido seja pela direita ou pela esquerda de seu corpo, e resulta na esquiva eficiente às tentativas do coespecífico arrancar as escamas para estabelecer hierarquia de dominância (K.Hoshino, observações não publicadas). Esta predominância de rotação pode ser observada em humanos, nos quais 77% das pessoas giram a cabeça e parte do corpo quando se beijam na face (Barret, Greenwood & McCullan, 2006).

A maior força conferida pela lateralização humana a um dos braços é determinante do seu uso preferencial na luta ou manejo de armas para a caça e defesa. O valor adaptativo da lateralidade faz com que ela seja garantida por herança biológica, pela história ontogenética individual e pelo ambiente cultural. Assim, mecanismos genéticos determinam que uma parcela das pessoas seja destra enquanto uma minoria é sinistra (canhota). O modo das pessoas cruzarem seus braços sobre o peito, com o braço direito sobrepondo o esquerdo ou vice-versa, é um exemplo de lateralização decorrente da história individual. Neste caso, o modo como os braços são sobrepostos nas primeiras vezes se fixa pela aprendizagem e se torna um padrão individual. A cultura ocidental determina que o cumprimento com o aperto de mãos se faça com a mão direita, cuja contração induz maior assertividade, afetos e julgamentos positivos (Harmon-Jones, 2006). Esta multiplicidade de exemplos de assimetria comportamental se deve, segundo Luria (1981), a uma das leis fundamentais de funcionamento do sistema nervoso, que é a lateralização.

A manifestação lateralizada de muitos comportamentos levou a postular, no passado, que um dos lados do cérebro possui dominância funcional sobre o outro e exerce o comando da execução das ações no lado contralateral do corpo. Hoje, vê-se a lateralidade como resultante das especializações funcionais herdadas e adquiridas por cada um dos lados do sistema nervoso, nos níveis sensorial, central e nos efetores visceral e motor. Um dos olhos é dominante em relação ao outro, o acoplamento do telefone se faz em um dos ouvidos e, segundo Tan e Tan (1995), na velocidade de condução do impulso nervoso no nervo ulnar e mediano do lado esquerdo das mulheres. Centralmente, o hemisfério direito é mais especializado para tarefas não verbais, é sintético, lida mais com coisas concretas, utiliza mais raciocínio analógico, é não temporal, é espacial, intuitivo e holístico, enquanto o esquerdo é verbal, analítico, simbólico, abstrato, temporal, digital, lógico e linear (Brandão, 1995). O funcionamento conjugado dos dois hemisférios se dá através do corpo caloso, que é relativamente mais espesso nas mulheres (DeLacoste-Utamsing & Holloway, 1983; Hoptman & Davidson, 1994) e resulta em algumas diferenças de gênero na emissão das respostas motoras.

A prevalência de ocorrência de distúrbios psicossomáticos no lado esquerdo do corpo indica maior envolvimento do hemisfério direito no processamento das informações emocionais (Min & Lee, 1997). A lateralização das atividades motoras é fenômeno de constatação empírica, tal como a vista para a escrita. Entretanto, as diferenças de gênero, tal como o uso preferencial do braço esquerdo para propiciar conforto, são menos conhecidas. Horton (1995) mostrou que um número maior de mulheres destras pega ursos de pelúcia com a mão esquerda quando se lhes conta que eles estão precisando de conforto por estarem desamparados, enquanto elas usam a mão direita quando se trata de bolas.

As observações precisas dos comportamentos lateralizados proporcionadas pela Psicologia e pela Etologia, muitas vezes, parecem ser curiosidades irrelevantes à primeira vista quando estão desinseridas de seus contextos. É o caso da maior tendência feminina de segurar os bebês (ou substitutos) no lado esquerdo de seu colo (cradling bias, CB) que, segundo Harris (2002), foi inicialmente constatada por Salk em 1962, e é observada em 60 a 85% das mulheres. Estas descrições são, entretanto, extremamente importantes, pois são necessárias às pesquisas que visam o estabelecimento dos mecanismos neurais que organizam os comportamentos e, por extensão, conduzem ao entendimento das alterações na lateralização que Lauerma et al.(1994), Lohr e Caligiuri (1995) e Zivotofsky et al. (2007) apontam existir nos portadores de desordens mentais.

Supõe-se que o CB seja geneticamente determinado ou fruto de aprendizado com as mães e outras mulheres aparentadas (Manning & Denman, 1994), podendo ser constatado já em crianças de três anos (Souza-Godeli, 1996). O viés é visto também em homens, mas menos que nas mulheres, aumenta com a idade, mas não tem influência da experiência de ter lidado previamente com bebês ou de serem pais (van der Meer & Husby, 2006).

As hipóteses correntes relativas à causa do CB, segundo Sieratzki e Woll (1996), são: a propriedade calmante dos sons cardíacos maternos; lateralização manual; a sensibilidade do seio materno esquerdo; fatores sóciopsicológicos e vantagens de monitoramento dos bebês. A hipótese de que a mães aprenderiam a carregar os seus bebês do lado esquerdo do corpo porque os sons cardíacos maternos têm propriedade calmante se deve a Salk (1960). Van der Meer e Husby (2006), entretanto, defendem a hipótese de que a dominância manual é que determina o CB. Segundo estes autores, a preferência materna de segurar os bebês com a mão esquerda é para deixar a do lado dominante livre para a execução de outras tarefas. As observações de Tomaszycki et al. (1998) de que os filhotes recém-nascidos de macacos rhesus têm uma frequência maior de relações com o mamilo esquerdo da mãe e que esta os transporta mais vezes segurando-os com o braço esquerdo, levou-os a acreditar que a origem do CB se deriva desta característica. Sieratzki e Woll (2002) postulam que o CB seria decorrente da assimetria inter-hemisférica para o apego social e comportamento de comunicação. O hemisfério direito (HD) que recebe as informações do campo visual esquerdo, seria especializado na comunicação emocional (melodia da fala, sorrisos, sinais e afagos) e determinaria o CB para o monitoramento das expressões faciais emocionais do bebê. A voz materna acalma mais as crianças quando elas são seguras no lado esquerdo da mãe do que no direito. Duda e Brown (1984) mostraram que as informações de rostos alegres são reconhecidas mais rapidamente quando apresentadas no campo visual esquerdo para serem processadas no HD, mas as informações de rostos tristes não têm esta diferença de campo visual. As mulheres são superiores aos homens no reconhecimento dos estímulos emocionais da face quando apresentadas no campo visual esquerdo, e são mais precisas em reconhecer faces tristes. Rodway, Wright e Hardie (2003) encontraram maior discriminação de faces com expressões emocionais negativas quando apresentadas no campo visual esquerdo (processamento no HD), enquanto a discriminação de emoções positivas foi mais precisa quando apresentadas no campo visual direito (processamento no hemisfério esquerdo - HE). Esta assimetria configura um viés para emoções positivas no HE feminino (van Strien & van Beek, 2000).

A diversidade de hipóteses relativas à causa determinante do CB indica a necessidade de estudos adicionais para estabelecimento da validade de uma delas. Uma estratégia possível nesta direção é a de se procurar situações de lateralização onde um ou mais fatores atribuídos como causa do CB estejam ausentes. A avaliação de situações reais com estas características indica a possibilidade do lado da cama de casal ocupado pelas mulheres revelar dados significativos. Em geral, esta situação envolve alguns aspectos das hipóteses de causação da CB, tais como a existência de apego entre os protagonistas, a liberdade de um dos braços em caso de rotação do corpo para a visualização do parceiro, enquanto, neste caso, a imagem do parceiro fica no centro do campo visual.

O presente trabalho objetiva analisar os dados de uma sondagem inicial que avaliou se o lado em que as mulheres ocupam na cama de casal é um fenômeno lateralizado e, com isto, justificar a validade de realização de pesquisa futura em amostra populacional ampla e representativa para esclarecer sua possibilidade em contribuir para o entendimento do CB e, por extensão, dos padrões de atividade funcional do hemisfério direito feminino.

 

Método

As informações relativas ao lado da cama em que dormem foram coletadas em 229 mulheres, recrutadas aleatoriamente em diferentes ocasiões e ambientes. Esta coleta se fez individualmente e os critérios de inclusão foram idade igual ou superior a 20 anos, entendimento das instruções e o fornecimento de informações pertinentes quando solicitadas. O projeto inicial foi devidamente e aprovado pelo Comitê de Ética da Instituição dos pesquisadores e todos os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para participação na pesquisa.

Inicialmente, foi definido como lado direito da cama aquela metade em que o braço direito fica mais próxima da borda lateral quando a pessoa se deita de costas e no sentido longitudinal normal do leito conjugal. O lado contrário foi considerado como esquerdo. Foram consultadas 112 pessoas com uso de um questionário impresso, com questões padronizadas e respostas em forma de alternativas ou com possibilidade de responder de forma aberta em caso da falta de alternativas compatíveis. As questões versavam a respeito da idade, do tempo de convivência com o companheiro, o lado em que dormem na cama e a lateralidade manual. Para que não houvesse erros de interpretação, o lado da cama foi assinalado em desenho esquemático mostrando a superfície da cama com seus dois travesseiros junto à cabeceira.

Em virtude dos dados apenas sugestivos da prevalência de escolha de um dos lados em função da idade, outras 117 pessoas foram entrevistadas para o levantamento de informações adicionais a respeito da troca do lado de dormir, se gostam do lado em que dormem, o motivo da escolha e a razão da troca em caso desta ter ocorrido. Os questionários foram entregues após uma entrevista inicial para indagação da disponibilidade em colaborar, explicação dos objetivos da pesquisa e agradecimentos antecipados. Explicações verbais foram dadas em caso de dúvida das entrevistadas. O penúltimo item relativo à razão de ter escolhido o lado em que dorme ofereceu as alternativas: a) foi escolha que aconteceu sem pensar; b) foi decido por mim porque prefiro este lado; c) meu parceiro foi quem decidiu; d) porque gosto de deixar minha mão direita livre; e) porque gosto de deixar minha mão esquerda livre; f) porque quem é importante fica do lado direito; g) por outro motivo (favor explicar).

Constatou-se na análise dos dados que algumas pessoas deixaram de responder um ou dois itens do questionário, porém, nenhuma das questões deixou de ter menos de 95% de respostas. Os dados válidos obtidos foram tabulados em tabelas de frequência e testes de qui-quadrado, com a correção de Yates se necessário, foram aplicados para estabelecimento da significância em caso de comparações. Análise de variância de uma via foi aplicada na comparação das médias dos tempos de convivência. O nível de significância em todos os testes foi estabelecido como sendo 0,05.

 

Resultados

A análise da amostra revelou que a idade máxima das entrevistadas foi de 65 anos, com mediana de 32 anos e 2 meses. O tempo de vida conjugal desta amostra variou de 3 meses a 45 anos. Foram constatadas 210 destras, 17 canhotas, uma se declarou ambidestra e houve um caso de esquecimento da resposta. Um total de 125 mulheres disse dormir do lado esquerdo da cama, enquanto 104 disseram ocupar o lado direito. Estas frequências mostraram-se equivalentes na análise estatística. Duas das mulheres que assinalaram dormir do lado esquerdo anotaram que o lado de dormir é determinado pelo primeiro que deita, variando constantemente. A diferença entre as frequências de mulheres que dormem do lado direito em relação às que dormem no lado esquerdo não se mostrou significante estatisticamente.

A frequência de mulheres que dormem do lado direito e do lado esquerdo da cama em função da faixa etária está apresentada na Tabela 1. Embora se constate uma ligeira predominância das frequências constatadas do lado esquerdo nas faixas etárias iniciais, e uma inversão aos 44-47 anos, a comparação entre as frequencias totais de ocupação do lado direito e esquerdo da cama mostrou que são estatisticamente equivalentes. A distribuição de frequência percentual do lado da cama ocupado pelas mulheres em função do tempo de convívio, mostrada na figura 1, configura o mesmo aspecto. O tempo médio ± desvio-padrão de convívio das mulheres que dormem do lado esquerdo da cama foi de 12,1 ± 8,9 anos e de 12,4 ± 9,7 anos nas que dormem do lado direito. A diferença não se mostrou significante na análise de variância aplicada.

 

 

Tabela 1. Distribuição de frequência absoluta e percentual (%) das mulheres que dormem do lado esquerdo e do lado direito da cama de casal em função da faixa etária. Teste de qui-quadrado, p>0,05.

 

 

Tabulando-se a frequência das mulheres que dormem em cada um dos lados da cama com a sua lateralidade manual, tem-se que dentre as destras, 111 dormem do lado esquerdo (incluindo um caso de ambidestria e um sem lateralidade indicada), enquanto 101 dormem do lado direito. A distribuição das 17 canhotas é de 11 que dormem do lado esquerdo e 6 no lado direito. A pessoa ambidestra assinalou que dorme do lado esquerdo. A aplicação do qui-quadrado de independência mostrou que o lado da cama usado é independente da lateralidade manual.

O questionário ampliado mostrou que 73 dentre as 104 mulheres sempre dormiram no mesmo lado da cama e 31 delas trocaram de lado. A diferença das mulheres que sempre dormiram em um único lado mostrou ser significantemente maior (Χ2 = 15,0, 1 g.l., p<0,05). Dentre as que sempre dormiram em um único lado, 41 dormem do lado direito e 30 do lado esquerdo, diferença esta estatisticamente não significante. Dentre as 31 que mudaram de lado, 12 dormem atualmente do lado direito e 19 do esquerdo. Estas diferenças também não mostraram ser estatisticamente significantes. A frequência de mulheres que mudaram de lado na cama em função do tempo de convivência mostrou que 24% ocorrem na faixa de 1 a 5 anos, 32% de 6 a 10 anos, 26% de 11 a 15 anos, de 9% de 16 a 20 anos e 9% acima dos 21 anos.

A tabela 2 mostra que as pessoas que mudaram para o lado direito da cama é equivalente às que mudaram para o esquerdo, e que as pessoas destras que trocaram o lado, em sua maioria (87%), gostam do lado em que estão atualmente. A satisfação com o lado ocupado também se verifica em 90% das pessoas que sempre dormiram do mesmo lado. É interessante notar, embora a amostra reduzida não permita teste estatístico, que as mulheres canhotas que ocupam o lado direito estão satisfeitas, enquanto a maioria daquelas que ocupam o lado esquerdo não estão.

 

 

Tabela 2. Distriuição de frequência da satisfação do lado ocupado na cama. Dados em função de se mudaram ou não o lado escohido, lado atualmente ocupado e da lateralidade manual. D = destras, C = canhotas, DC = soma destras e canhotas DE = direito + esquerdo.

 

 

A tabela 3 mostra a frequência percentual das razões alegadas para a escolha do lado ocupado na cama pelas mulheres. A frequência de ocupação do lado esquerdo da cama quando a escolha foi feita sem pensar (i.e, sem a existência de fatores impositivos), é estatisticamente significante (qui-quadrado = 5,44, 1 g.l., p<0,05). Pode-se ver, ainda, que 35 mulheres decidiram o lado de dormir, enquanto apenas 12 homens o fizeram. Esta predominância feminina (75%) na determinação do lado a ocupar na cama mostrou ser significante (Χ2 = 11,2; 1 g.l., p<0,05). Os outros motivos de escolha incluíram diferentes razões, algumas indiferenciáveis das razões de mudança. O número de mulheres que alegaram motivos outros de escolha, não constantes do questionário, foi significantemente maior (Χ2 = 4,05, 1 g.l., p<0,05) nas que dormem do lado esquerdo. A proteção que o marido deve dar, dormindo mais próximo à porta, foi apontada por duas mulheres como a razão da escolha.

 

 

Tabela 3. Razões de escolha do lado da cama. Frequências percentuais. *teste qui-quadrado, significantemente maior que a frequência do lado direito correspondente (p<0,05).

 

 

Figura 1. Distribuição de frequência percentual das mulheres que dormem do lado direito e do lado esquerdo na cama de casal em função dos anos de convivência. * indica diferença significante da proporção em relação à faixa de 21 e mais anos (Χ2 = 4,36, 1g.l., p= 0,037).

 

 

A razão prevalente de mudança foi a maior facilidade para ir cuidar dos bebês (6 casos), seguida pela mudança de casa (3 casos), proximidade de telefone, porta, TV (3 casos), problema médicos e gravidez (2 casos).

 

Discussão

A escolha do lado da cama é lateralizada

O dado geral do estudo realizado indica que o número total de mulheres que dormem do lado esquerdo da cama é estatisticamente equivalente ao daquelas que dormem do lado direito. Embora esta equivalência leve à sugestão de que o lado da cama escolhido é populacionalmente um evento totalmente aleatório e equiprovável, a ocupação do lado esquerdo por um número significantemente maior de mulheres, nos casos em que a escolha do lado de ocupação na cama foi feita espontaneamente, é indicação convincente de que existe viés de gênero na ocupação da cama. Como se viu (tabela 3), cerca de 70% das escolhas feitas sem pensar foram feitas para o lado esquerdo. As escolhas sem pensar representam escolhas isentas de razões interferentes detectáveis, e isto parece tornar possível a emergência da lateralidade. Um corolário desta conclusão seria a de que deveria haver um maior número de mulheres insatisfeitas com o lado direito nestas ocupações feitas sem premeditação. Infelizmente esta hipótese não pôde ser testada, visto que o gostar do lado em que dormem é determinado pelo hábito, fato este constatável pela satisfação em praticamente todas as mulheres destras da amostra. Este desenvolvimento do gostar com o tempo encontra subsídio nos dados de Teixeira e Paroli (2000) e Teixeria (2006), que evidenciam de modo oportuno em um panorama onde prevalece a visão do determinismo hereditário, a plasticidade dos comportamentos lateralizados. As três mulheres insatisfeitas com o lado que ocupam na cama, mostrados na Tabela 2, são casos de pessoas que dormem do lado direito por determinação dos parceiros (2 casos) e para cuidar do bebê (1 caso). Esta insatisfação pode ser atribuída à falta de expressão da lateralização. O fato do maior número de canhotas que dormem do lado direito estarem satisfeitas, enquanto aquelas que dormem do lado esquerdo não estão, é também sugestivo de que a falta de atendimento à lateralização, invertida no caso delas, gera insatisfação.

 

O fator comum do CB e da lateralização no lado de dormir

A possibilidade do lado ocupado na cama ser uma manifestação lateralizada em virtude do processamento afetivo do hemisfério direito do cérebro encontra subsídios que a fundamentam. A ocupação do lado esquerdo da cama de casal permite que o braço esquerdo fique livre quando se gira o corpo para ficar frontalmente ao parceiro. Este braço propicia as expressões emocionais do hemisfério esquerdo, tal como o de conforto/proteção demonstrado por Horton (1995) e está em concordância com a maior especialização emocional do hemisfério direito feminino, apontada por Duda e Brown, (1984), Manning e Chamberlain (1991), Sieratzki e Woll (2002). Tais dados levam a considerar a possibilidade de ampliar os conhecimentos a respeito da atividade funcional do hemisfério direito feminino. A possibilidade da escolha feminina pelo lado esquerdo da cama ser determinada para possibilitar o uso do braço esquerdo em suas manifestações de afeto e cuidado para o companheiro, pode indicar que o hemisfério direito delas não tem especialização exclusiva para emoções negativas, como sugerida pela hipótese da valência específica. Esta hipótese postula que o hemisfério direito processaria emoções negativas, enquanto o esquerdo, as emoções positivas (Rodway, Wright & Hardie, 2003). Por outro lado, a consolidação deste viés como manifestação da especialização hemisférica direita pode trazer como decorrência a necessidade de investigar se a escolha do lado esquerdo da cama pelas mulheres não é uma adaptação do CB para adultos, já que ambos parecem depender do vínculo afetivo e dos mecanismos funcionais do hemisfério direito.

 

Os fatores que mascaram a evidenciação do fenômeno

A indicação de lateralização na escolha do lado de ocupação na cama não parece contraditória frente à falta de significância entre as frequências totais do lado de ocupação da cama. Esta discrepância decorre, seguramente, do envolvimento de vários fatores na determinação do lado ocupado na cama, dentre os quais alguns são sinérgicos e outros antagônicos à lateralização. Este fato é facilmente observável no rol de causas determinantes da escolha do lado. Um fator possível a ser considerado é o uso prevalente do hemisfério cerebral esquerdo masculino, que determina uma dependência maior de uso do braço direito para as suas atividades, inclusive de interação com as companheiras. O tolhimento relativo deste braço, quando ocupa o lado esquerdo da cama, pode ser o fator determinante para sua instalação no lado oposto, ao menos no período de apego mais intenso. A constatação de que o número de homens que influenciaram na decisão do lado de dormir é menor que a de decisões feitas pelas mulheres (Tabela 3) indica que este fator desempenha papel coadjuvante na determinação do lado ocupado pelas mulheres na cama. A citação explícita de que a razão da escolha foi determinada pela necessidade do homem proteger a sua mulher sugere que este fator é concorrente com da expressão lateralizada, embora tenha sido declarada por apenas duas mulheres. Este comportamento, cuja eficácia é conferida pela maior probabilidade de interceptação do inimigo, foi extremamente adaptativo no passado (Pease & Pease, 2000) e foi mantido como herança evolucionária, que pela segurança relativa da vida nas sociedades modernas, o tornou pouco conhecido.

 

O lado de ocupação da cama em função da idade.

Os dados da Tabela 1 mostram que, após uma equivalência inicial, existe uma ligeira predominância da ocupação do lado esquerdo da cama nas faixas dos 24-43 anos de idade e uma inversão e perda desta prevalência na faixa dos 44-47 ou mais anos. Esta configuração não parece ser devida a uma variação aletória decorrente do pequeno número amostral ou da amplitude do intervalo das faixas etárias, pois o mesmo quadro se mantém quando a frequência de ocupação dos lados da cama é tabulada em função do tempo de conviência com a amplitude do intervalo de anos aumentada para 5 anos. Esta prevalência inicial do lado esquerdo pode ser a expressão da lateralização amortecida pela existência de outros fatores determinantes. Corrobora tal interpretação, a observação de que o envelhecimento está associado à deterioração das habilidades motoras do lado dominante, conforme mostram Kalish et al. (2006), e tal possibilidade sugere a adequação da análise dos dados do lado de ocupação da cama em função das faixas etárias ou tempo de convívio no estudo em uma amostragem mais ampla. Este declínio da dominância pode estar associado sinergicamente ao arrefecimento da intensidade da ligação afetiva, após os anos iniciais de convívio.

A análise global dos dados e interpretações feitas levam a aceitar que o lado de ocupação da cama pelas mulheres é lateralizado, e que esta lateralização é evidenciável apenas quando se excluem outros fatores determinantes mais impositivos. A avaliação destes determinantes, tais como idade e intensidade da ligação afetiva, devem ser pontos importantes de monitoramento na pesquisa do fenômeno. Esta asserção leva à conclusão de que é válida a proposta de um estudo amplo a respeito da lateralização do lado de ocupação da cama pelas mulheres, e tal conclusão mostra que o objetivo do presente trabalho foi alcançado.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração de Sofia H. Ramos, Marina Gangiani, Ingrid Campregher e Fernanda Marreta na elaboração e teste prévio do questionário utilizado no presente trabalho.

 

Referências

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Recebido em: 19/02/2009
Aceito em: 22/11/2011

 

 

Endereço para correspondência
Katsumasa Hoshino
Depto. de Ciências Biológicas Faculdade de Ciências
Universidade Estadual Paulista
Av. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01 17033-360 BAURU – S.P.
E-mail: hoshino@fc.unesp.br