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Revista de Etologia

versão impressa ISSN 1517-2805

Rev. etol. vol.13 no.2 São Paulo dez. 2014

 

Carta ao editor: uma singela homenagem ao Prof. César Ades (janeiro de 1943 – março de 2012)

 

 

Jean-Claude Arnaud1

 

 

Há mais de dez anos criei a sociedade ACCEFE com o objetivo de treinar pessoas para entender o comportamento do animal de estimação, principalmente de cães e gatos. Hoje temos mais de 200 estudantes no mundo que seguem nossos treinamentos e atualizam regularmente os seus conhecimentos. Eu tive o grande prazer de conhecer o professor César Ades na França, em várias conferências nas quais ele desenvolveu seu conceito de etologia moderna e comunicou resultados de experimentos conduzidos em todo o mundo, especialmente no Brasil.

Morei durante vários anos no Brasil e, naturalmente, simpatizamo-nos e trocamos nossos pontos de vista, que eram convergentes em todos os casos. Eu sempre gostei da forma como César abordou a relação entre o homem e os outros animais, em especial aqueles com os quais convivemos mais proximamente. Ao contrário de muitos especialistas, ele teve uma abertura que lhe permitiu explicar as diferentes formas de conceber a relação do homem com outro animal. Por sua vez, referindo-se a Blaise Pascal, Konrad Lorenz, Charles Darwin e Freud, entre outros pensadores e cientistas, César foi capaz de explicar o ponto de vista de cada um e, em seguida, fazer uma síntese com sua experiência para preparar e apresentar novas formas de exploração e interpretação. Um aspecto em que César se destacou da maioria dos etólogos foi o de não estabelecer seus pressupostos como verdades, mas explicar que existem outras maneiras de se ver além da dele, deixando que cada um reflita sobre o que parece ser o mais provável. Lembro-me de seus comentários na abertura do Congresso realizado em Lyon (França), em novembro de 2012: "Existem várias formas de representar a relação com o animal". Nesse contexto, ele foi capaz de desenvolver o seu ponto de vista, bem como apresentar ideias comuns sem se opor ao que não era a sua verdade, respeitando a dos outros.

Na última reunião, eu havia me proposto a participar de um estudo que está perto de meu coração para entender como o lobo se tornou cão domesticado, não por sua evolução genética, mas por seu comportamento. Combinamos de nos encontrar em São Paulo em maio de 2012 para fazer uma análise do trabalho realizado na USP sobre o cão doméstico, com o objetivo de chegar a um programa de trabalho comum. Infelizmente, isso não será mais possível.

Na abordagem multidisciplinar da etologia em geral e particularmente do cão, o professor César Ades permitiu a expressão do que eu sempre senti, mas nunca soube exprimir: "O homem que é interessado pelo cão pode desenvolver com esse animal uma relação muito especial, que provavelmente não pode ser criada com a mesma intensidade com qualquer outra espécie". Discutimos longamente o corolário "se não há uma conexão muito especial estabelecida, o homem carrega toda a responsabilidade". Assim, em poucas palavras ele destacou a responsabilidade do homem para o desenvolvimento e sobrevivência da biodiversidade.

César também foi um grande comunicador. Ao contrário de muitos oradores, não fazia apenas a apresentação de suas pesquisas, mas era capaz de entusiasmar o público com a simples generosidade de suas observações. Por tudo isso, César, aqui eu agradeço sua confiança e generosidade, confiada a mim e a meus alunos.

 

 

1 Diretor de ACCEFE Comportamento Animal. Membro da Comissão Executiva da União Canina Suíça
ACCEFE - 27, Avenue de la Dame 74200 - THONON les BAINS - FRANCE

Contacts: info@accefe.com. +33 (0) 450 261 048 / +33 (0) 608 026 866
A ACCEFE é membro da Sociedade Brasileira de Etologia
Este depoimento foi escrito em português por Jean-Claude Arnaud, que permitiu e aprovou as pequenas correções feitas pelo processo de revisão. http://www.accefe.com/

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