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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.1 São Paulo jun. 1999

 

ARTIGOS

 

O reforçamento na biologia evolucionária atual1

 

Reinforcement and contemporary evolutionary biology

 

 

Olavo F. Galvão

Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

O texto pretende apresentar para os analistas do comportamento a justificativa e os fundamentos da abordagem biocomportamental. A evolução das teorias científicas envolve amiúde a superação de dicotomias e a demonstração de consistência com análises em diferentes níveis. A teoria do reforço, fundada na dicotomia operante-respondente, e a relação entre análise do comportamento e processos neurofisiológicos são revistas pela abordagem biocomportamental, que se baseia no princípio unificado de reforçamento, proposto a partir da interpretação de evidências experimentais bioquímicas, anatômicas e fisiológicas de que o reforçamento envolve o aumento da eficácia sinóptica e a formação de redes neurais correspondentes ao fortalecimento de relações ambiente-comportamento.

Palavras-chave: Reforçamento, Plasticidade neural, Selecionismo, Abordagem biocomportamental.


ABSTRACT

Reinforcement and contemporary evolutionary biology. The purpose of this article is to present to behavior analysts the justification and basic ideas of biobehavioral approach. Commonly, the evolution of scientific theories embroil surmounting dichotomies and demonstrating their consistency with analysis at different levels. The reinforcement theory, established on the operant respondent dichotomy, and the relationship between behavior analysis and neurophysiologic processes are reviewed through the biobehavioral approach, that is based in the unified principle of reinforcement, which is advanced after the interpretation of biochemical, anatomic and physiologic experimental evidences that the reinforcement involves the enhancement of synaptic efficacy and the formation of neural networks that correspond to the strengthening of environment behavior relationships.

Keywords: Reinforcement, Sinaptic efficacy, Selecionism, Biobehavioral approach.


 

 

O conceito de reforçamento é central para a Análise do Comportamento, que o considera básico para a determinação da probabilidade e plasticidade comportamental. Ao longo do século XX, sob diversas versões, o reforçamento se tornou parte do instrumental de análise de pesquisadores e teóricos de diferentes abordagens psicológicas e, com o desenvolvimento das neurociências, foram relatados diversos achados fisiológicos, anátomo-fisiológicos e bioquímicos relacionados aos processos de condicionamento operante e respondente. Atualmente investiga-se, ao nível neuronal, a possibilidade de que o correlato do reforçamento seja o já bem estabelecido fenômeno da potenciação de longo termo (LTP) de sinapses dopaminérgicas, relacionado à plasticidade sinóptica (Bliss e Lomo 1973), ou o fenômeno do reforçamento in vitro (IVR) descrito por Stein e colaboradores (Stein, Xue e Belluzzi, 1993, 1994; Stein, 1997). A descrição mais completa do reforçamento ao nível do sistema nervoso envolve a interação anátomo-fisiológica entre diferentes estruturas cerebrais, particularmente do tegumento ventral e outros centros do tronco cerebral e áreas corticais associativas. A compreensão do reforçamento ao nível do sistema nervoso é percebida como um passo decisivo para a aceitação universal do reforçamento como um processo básico. Paralelamente à evolução do conhecimento sobre o mecanismo biológico do reforçamento, ao nível da Análise do Comportamento também ocorrem modificações que incorporam novas descobertas e a tornam mais consistente.

 

A análise do comportamento como uma abordagem selecionista

A teoria da evolução de Charles Darwin foi adotada pela Comunidade científica como uma forma plausível de explicar a evolução sem recorrer a forças ou entidades supra-materiais. A evolução, como uma teoria para a origem das espécies, se colocou para a comunidade científica como uma idéia tão persuasiva, com tantos exemplos convincentes tirados da comparacão entre espécies existentes e extintas, que ela se impôs quase que como um fato.

Quando Darwin propôs a teoria da evolução no entanto, a genética ainda estava por surgir. Nem as leis de Mendel, mostrando o papel dos fatores genéticos na definição dos caracteres fenotípicos, nem a genética molecular eram conhecidas. O mecanismo proposto por Darwin para a evolução das espécies, a seleção natural, carecia de uma base em termos de princípios biológicos subjacentes. Não estava claro, então, como novos caracteres fenotípicos surgiam, o que só foi ser melhor compreendido com a redescoberta das leis de Mendel, e final e universalmente compreendido e aceito na década de 1930, com a teoria genética e o surgimento da nova síntese.

De certa forma, a história de conflitos entre explicações alternativas para a evolução das espécies se repetiu com o princípio do reforço, que representa na Psicologia a abordagem selecionista, aplicada ao comportamento dos indivíduos. Pavlov e Skinner descreveram o mecanismo do reforçamento ao nível comportamental conhecendo apenas de forma muito incompleta os mecanismos biológicos subjacentes. Como ocorrera com a teoria da evolução e a seleção natural, o reconhecimento universal da proposição do reforçamento como um fenômeno básico para a plasticidade comportamental teve, e de certa forma ainda está tendo, que esperar o esclarecimento dos mecanismos em um nível inferior de análise. Dentre outras razões pelas quais o selecionísmo era e é combatido, uma que parece ser central, é a de que a idéia da seleção natural contraria concepções antropocêntricas, e a idéia do reforçamento contraria concepções mentalistas.

A confusão reinante na Psicologia afeta a maneira como os fisiólogos interpretara os achados da atual neurociência. Kandel, Schwartz e Jessel (1991), conceituados neurocientistas, por exemplo, abrem um livro por eles editado, de princípios da neurociência, com a seguinte declaração: °O behaviorismo dominou a psicologia experimental por uma boa parte do século XX. Os behavioristas pensavam que a única maneira de estudar o comportamento era através do exame das ações observáveis de um sujeito. Eles consideravam o cérebro uma caixa preta inabordável e negavam a utilidade de estudar os processos mentais porque eles eram basicamente não observáveis. A visão atual da Psicologia é muito diferente. A maioria dos psicólogos agora quer olhar dentro da caixa preta e compreender como os processos mentais funcionam." (p. 3).

O que parece equivocado nessa declaração? Em primeiro lugar, é claro, a afirmação do domínio dos behavioristas sobre a psicologia experimental. Isso só é verdadeiro se considerarmos como behavioristas todos os psicólogos que aceitam a definição de Psicologia como ciência do comportamento. Sabemos que a maioria dos psicólogos que aceitam essa definição também aceita que as funções comportamentais são apenas parte do conhecimento psicológico, e que elas esclarecem na verdade os mecanismos mentais subjacentes. Os analistas do comportamento, quando se referem à mente, estão falando de comportamentos, e a verificação do funcionamento do cérebro quando reagimos a determinadas situações com respostas visíveis ou invisíveis não equivale a ver processos mentais. Apesar de concepções mentalistas aparecerem freqüentemente na literatura das neurociências, as teorias mentalistas, por serem de pouca ajuda na compreensão do significado dos fenômenos fisiológicos para o comportamento dos organismos, começam a ceder lugar para os processos comportamentais, particularrmente o reforçamento. Tanto é assim que no mesmo livro acima citado (Kandel e cols., 1991), Kupfermann comenta que "Quanto mais se aprende sobre a real fisiologia de estados motivacionais hipotéticos, a necessidade de invocar esses estados para explicar o comportamento pode finalmente desaparecer, sendo substituída por conceitos mais precisos derivados da fisiologia e da teoria de sistemas." E, mais adiante, esclarece que "A análise do comportamento indica que mesmo as mais complexas funções do cérebro são, até certo ponto, localizadas" mas que "É improvável que qualquer comportamento complexo-especialmente funções superiores como pensamento, percepção e linguagem - sejam localizadas em uma única região do cérebro sem considerar as relações daquela região com outras." (Kupfermann, 1991, p. 83 7).

Os princípios de Variação, Seleção e Retenção são as bases do selecionismo, e através deles é que se organiza a interpretação da seleção natural. Vários mecanismos de variação genética e ontogenética. dos quais a mutação genética foi o primeiro a ser identificado, estão sendo descobertos. O principal mecanismo de seleção é o da sobrevivência do mais adaptado. O sentido do princípio da Retenção, como ferramenta interpretativa, é o de colocar a variação e a seleção atuando sobre um organismo sucessivamente modificado: a complexidade dos organismos aumenta sucessivamente, mas os princípios que determinam esse aumento de complexidade são os mesmos variação e seleção, atuando sobre organismos cada vez reais complexos. Da mesma maneira, a interpretação do comportamento complexo pressupõe que a complexidade resulta da ação repetida dos mecanismos de variação, seleção e retenção sobre o repertório de um organismo cujos comportamentos são cada vez mais complexos. Noutras palavras, não há uma causa complexa para cada comportamento complexo, mas o mesmo mecanismo de seleção atuando sobre um repertório cada vez mais complexo.

Admitir a seleção pelas conseqüências pode parecer inconsistente com a verificação das causas antecedentes imediatas, dos mecanismos que produzem variação nos organismos. De fato, diferentes níveis de análise podem envolver formas de explicação à primeira vista inconsistentes, mas cuja diferença apenas indica a independência dos processos em cada nível de análise. Todos os mecanismos que já foram identificados como fontes de variação das espécies são insuficientes para dar conta da análise da evolução. Apenas a seleção natural é eficiente para tornar possível a evolução, e a idéia de seleção natural deve ser consistente com a existência de quaisquer mecanismos, descobertos ou por descobrir, de mudança genética. Na análise comportamental, o mecanismo de seleção é o reforçamento, que não pode, por exemplo, ser incompatível com a descoberta de causas antecedentes para as respostas emitidas. A verificação de fatores bioquímicos produzindo comportamentos, como por exemplo, no caso da esquizofrenia, não é incompatível com a determinação ambiental desses mesmos comportamentos. A própria idéia de níveis de análise traz como conseqüência a independência dos mesmos, mas também, a interferência para cima ou para baixo (Burgos 1999, Smith, 1986) ou seja, fatores biológicos afetam as funções comporta= mentais e vice-versa. Kandel (1991) afirma a esse respeito, que "Mesmo aqueles distúrbios mentais que são considerados mais socialmente determinados devem ter um aspecto biológico, uma vez que a atividade do cérebro é que está sendo modificada." (p. 1028). Um ataque de pânico, de acordo com essa visão, é tanto um comportamento historicamente determinado, como possui antecedentes bioquímicos imediatos, e esses dois níveis de explicação não são incompatíveis, são até certo ponto independentes, e interagem, de forma que uma psicoterapia altera condições biológicas no sistema nervoso, bem como a quimioterapia resulta em modificações nas relações ambiente-comportamento.

 

Uma pequena história da biologia do reforçamento - I

O reforço é um conceito psicológico cujo mecanismo biológico apenas recentemente começa a ser melhor compreendido, e ainda faltam algumas etapas para que uma abordagem selecionista para a complexidade comportamental, com uma teoria unificada do reforçamento (Donahoe e Palmer, 1994), venha a substituir os conceitos explicativos psicológicos que pressupõem uma mente internalizada.

Sob o impacto da recente publicação da Origem das Espécies, Sechenov (1873/1952), refutando as categorias mentalistas da Psicologia, estabeleceu um paralelo entre os atos nervosos e psíquicos, propondo que se "a soma dos processos materiais ocorrendo em uma determinada parte do sistema nervoso é o fator mais substancial e real do ato nervoso, então, em um ato psíquico, também, apenas o lado material pode ser real." Sechenov afirmava que a Psicologia deveria ser estudada pelos fisiólogos, mas sustentava que "o conceito de ato psicológico como um processo ou movimento possuindo um começo, um curso e um final definidos, deve ser retido como fundamental." (p. 206). Sechenov defendia assim, que o princípio da atividade psicológica como movimento seria conseqüência de outro, o da relação entre atos psíquicos e nervosos. Como conseqüência da falta de conhecimento sobre o funcionamento do sistema nervoso em sua época, Sechenov indicava que para ser desenvolvida com sucesso, a pesquisa psicológica deveria ser iniciada com a análise de atividades mais simples, e as atividades muito complexas deveriam ser deixadas para investigação posterior. Essa postura o colocava em posição contrária à psicologia mentalista, que usualmente propõe mecanismos mentais hipotéticos para explicar os omportamentos complexos.

Pavlov, um fisiólogo pioneiro no estudo experimental do comportamento, colocou em prática a teoria de Sechenov e demonstrou que atividades psíquicas como a atenção a sinais arbitrários podia ser interpretada com o uso de princípios demonstrados em laboratório. Pavlov ao pesquisar os detalhes do reforçamento de reflexos condicionados, entendia o reforçamento como um processo psíquico, isto é, no nível da interação organismo-ambiente.

À época de Pavlov já havia métodos rudimentares para os padrões atuais, de avaliação da atividade cerebral e, com base nos achados então disponíveis, ele propôs os fenômenos de excitação e inibição como os mecanismos biológicos responsáveis pela plasticidade comportamental. (Pavlov, 1909/1972)2 .

Posteriormente, Skinner e cols. (Skinner, 1938; Ferster e Skinner, 1953) distinguiu os comportamentos respondente e operante, e propuseram um conjunto de princípios básicos, ou leis do comportamento, estabelecidos com base em estudos experimentais. Enquanto formulador do behaviorismo radical, a filosofia que sustenta a análise do comportamento, Skinner foi explícito e claro com relação à necessidade de consistência entre as leis comportamentais e os achados fisiológicos, independentemente da sua eventual futura formulação em nível fisiológico3 . Como Sechenov, Skinner manteve em sua formulação a independência do nível de análise da atividade psíquica ou comportamental, independentemente do nível do desenvolvimento do conhecimento sobre o funcionamento do sistema nervoso4 .

Fazendo um paralelo entre a seleção das espécies e a seleção comportamental, Catania (1987) comenta que todo o desenvolvimento científico que veio eventualmente a esclarecer os mecanismos subjacentes à seleção natural não retirou o papel central da proposição de Darwin de que a sobrevivência dos mais aptos era o mecanismo básico da evolução das espécies e, da mesma maneira, o progresso da neurociência deveria vir a ser consistente com a abordagem selecionista para a análise do comportamento proposta por Skinner. Segundo Catania, "A neurociência parece não ter ainda voltado sua atenção para um mecanismo para a seleção do comportamento por suas conseqüências. Mas talvez a evidência que vem sendo acumulada sobre o crescimento e reorganização no sistema nervoso venha a se tornar consistente com uma explicação selecionista do desenvolvimento e manutenção dos sistemas neurais." (p. 357). (Ver também a análise de Provine (1988) sobre as contribuições dos princípios de desenvolvimento neural para a análise do comportamento).

Não demorou muito. Donahoe e colaboradores (Donahoe, Burgos e Palmer, 1993; Donahoe e Palmer, 1994), com os novos conhecimentos fisiológicos disponíveis, propõem um modelo selecionista mais avançado para a análise do comportamento (Cavalcante, 1997), mantendo o reforçamento como o mecanismo central de seleção comportamental, com dois níveis claramente distintos e complementares: o nível comportamental e o nível fisiológico (biocomportamental).

Donahoe e colaboradores (Donahoe, Burgos e Palmer, 1993) modificaram a longa discussão sobre o status da relação entre os comportamentos respondente e operante, propondo que a diferença entre ambos é de procedimento, mas o processo básico envolvido é o mesmo: o processo do reforçamento, primeiramente descrito por Pavlov no contexto de contingências SS e depois por Skinner no contexto de contingências RS. (Donahoe e Palmer, 1994).

Segundo o modelo de Donahoe, o reforço é sempre um estímulo eliciador, e o que é reforçado é uma relação entre eventos, definida na contingência (Donahoe, Palmer e Burgos, 1997a, 1997b). Se a contingência estabelece a necessidade de um estímulo antecedente para a ocorrência do reforço, estamos diante de uma contingência respondente; se a contingência estabelece a necessidade de uma resposta antecedente para a ocorrência do reforço, estamos diante de uma contingência operante.

 

Uma pequena história da biologia do reforçamento - II

Olds e Milner (1954) demonstraram que a estimulação elétrica de neurônios da área tegmental ventral, um dos núcleos do tronco cerebral, funcionava como um reforçador eficaz. Posteriormente demonstrou-se que essa área, rica em neurônios dopaminérgicos, possui prolongamentos axoniais que atingem o córtex associativo motor, no qual a dopamina tem papel fundamental no fortalecimento da eficácia das sinapses envolvendo axônios que chegam a essa área e excitam neurônios que vão disparar a atividade motora.

Os estudos de Stein, Xue, e Belluzzi (1993, 1994) demonstrando o condicionamento de jorros de respostas (seqüências de disparos) de neurônios individuais in vitro (IVC), acrescentaram ao fenômeno da potenciação de longo termo (LTP), mais um mecanismo estreitamente ligado ao fenômeno comportamental do reforçamento, ambos envolvendo circuitos dopam inérgicos, e as mesmas estruturas já verificadas por Olds e Milner como sendo ligadas ao processo de reforçamento. Stein e cols. "reforçavam" as respostas do pós-neurônio com dopamina, e demonstraram o efeito desse procedimento comparado com uma preparação idêntica, exceto pelo fato da dopamina ser administrada em esquema não contingente à resposta do pós-neurônios .

Donahoe e Palmer (1994) reúnem os conhecimentos sobre as ligações dos neurônios dopaminérgicos da área tegumentar ventral (VTA) com o córtex associativo motor e o fenômeno do condicionamento celular demonstrado por Stein e cols. para propor um modelo do mecanismo de reforçamento ao nível do sistema nervoso. Segundo eles, o reforçamento da atividade neuronal ocorreria naturalmente quando um organismo é reforçado. Quando um organismo é reforçado, as fibras provindas da VTA liberariam dopamina no córtex associativo motor, aumentando a eficácia das sinapses, ativas naquele instante, entre axônios provindos de outras áreas corticais como a associativa sensorial e os neurônios que ativam a atividade motora, resultando no aumento da eficácia das sinapses ativas naquele momento e, em última análise, no reforçamento de relações ambiente-comportamento.

Cabe apontar ainda, que o uso de modelos computacionais do funcionamento de sistemas neurais desenvolvido por Donahoe e Cols (Donahoe e Palmer, 1989) difere dos modelos de inteligência artificial, na medida em que são modelos do funcionamento do sistema nervoso e de sua plasticidade, e não apenas programas planejados para demonstrar habilidades cognitivas. O modelo de Donahoe e cols. é conexionista na medida em que se conforma à natureza sináptica do sistema nervoso, e é selecionista na medida em que incorpora o reforçamento como o fator que altera a eficácia sináptica e, em última análise, das relações ambiente-comportamento.

Mecanismos de outros processos comportamentais básicos como o do controle de estímulos e reforçamento condicionado já contam com modelos baseados em dados de pesquisas anátomo-fisiológicas, outros, como o controle de estímulos condicional (Gaivão, 1993) e equivalência de estímulos (Mcllvane, Serna, Dube e Stromer (in press) ainda estão sendo melhor compreendidos ao nível da análise comportamental, mas sua compreensão deverá ser menos difícil, considerando-se os avanços da neurociência e a contribuição que tal conhecimento pode trazer para a análise comportamental.

Conforme brevemente sumarizado acima, atualmente a análise do comportamento começa a dispor de conhecimentos acerca de um conjunto de fenômenos ao nível do sistema nervoso que permitem a elaboração de um paralelo entre o fenômeno da seleção comportamental pelo reforçamento e seus mecanismos neurais subjacentes, sem precisar recorrer a nenhuma teoria mental. Teorias como a localização de memória em proteínas ou em corpos celulares começam a ser substituídas por análises mais promissoras das redes formadas por neurônios, nas quais as sinapses assumem papel central.

 

Referências

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1 Este texto foi apresentado no VIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, em setembro de 1999, em S. Paulo.
2 Na conferência "As ciências naturais e o cérebro", de 1909, Pavolv reafirma as críticas de Schenov às Psicologia: "No momento em que o fisiólogo atinge os limites supremos do sistema nervoso central, o caráter de sua atividade muda bruscamente. Deixa de concentrar sua atenção na conexão entre os fatores exteriores e a reação que provocam no animal; em lugar de pesquisar relações concretas, começa a levantar hipóteses sobre o estado interior dos animais, inspirando-se em seus estados subjetivos."( Pavlov, 1972, p. 28).
3 Sobre a interação entre diferentes níveis de análise no estudo do comportamento, ver Donahoe e Palmer (1994).
4 Cabe aqui um comentário sobre uma escaramuça intelectual paralelea. Analistas do comportamento recusam a classificação de sua abordagem - identificada como psicologia operante ou, ainda, análise de contigências - como um tipo de associacionismo (Cataria, 1987), mas a estabelecem corno um tipo de selecionismo comportamental, nos moldes da seleção natural, no qual o reforçamento é o mecanismo central de seleção, em oposição às formulações de causação antecendente, chamadas de abordagens SR.