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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.1 São Paulo jun. 1999

 

ARTIGOS

 

O que e um skinneriano? Uma reflexão sobre mestres, discípulos e influência intelectual

 

How to define an Skinnerian? A reflexion upon teachers, disciples and intelectual influence

 

 

Júlio César de Rose1

Universidade Federal de São Carlos

 

 


RESUMO

Pesquisadores e estudiosos da Psicologia geralmente filiam-se a alguma corrente de pensamento, uma "linha" ou "abordagem". Este artigo analisa a influência de grandes pensadores sobre a formação de uma corrente de pensamento e a necessidade, para que esta seja fecunda, de discípulos que tenham graus variados de convergência e divergência com o pensamento do mestre. A influência de Skinner é analisada nestes termos, observando-se que ele tem tido importantes discípulos convergentes e praticamente nenhum discípulo divergente, o que limita a variabilidade do pensamento skinneriano e pode comprometer a fecundidade e a própria sobrevivência desta corrente de pensamento.

Palavras-chave: Behaviorismo, Behaviorismo radical, Análise comportamental, Skinner, Influência intelectual.


ABSTRACT

How to define a Skinnerian? A reflexion upon teachers, disciples and intelectual influence. Thinkers and scholars of psychology tipically belong to a school of thought, an "approach". This article analyses the influence of great thinkers on the formation of a school of thought, and the need of both convergent and divergent disciples for the fertility of the master's thought. The article analyses, in these terms, the influence of Skinner, concluding that he has had important convergent disciples and pratically no divergent disciple. This may limit the variability of skinnerian thought and ultimately compromise the fertility and even the survival of skinnerian thought.

Keywords: Behaviorism, Radical behaviorism Behavior analysis, Skinner, Intelectual influence.


 

 

Mal corresponde ao mestre aquele que nunca passa de discípulo. E por que não quereis arrancar a minha coroa?

Venerais-me! Mas, que sucederia se uma vez caísse a vossa veneração? Cuidado, não vos esmague uma estátua!

Dizeis que credes em Zaratustra? Vós sois crentes em mim; mas, que importam todos os crentes?

Vós ainda vos haveis procurado; encontrastes-me então. Assim fazem todos os crentes: por isso a fé é tão pouca coisa. Agora vos mando que me percais e vos encontreis a vós mesmos...

F. Nietzsche, Assim Falava Zaratustra
(trad. Geir Campos).

 

Eu não crio gatos, crio tigres.

Atribuído a Florestan Fernandes.

 

Muitas pessoas, especialmente alunos, perguntam freqüentemente qual a minha linha ou abordagem à Psicologia. Confesso que este tipo de pergunta me traz um certo desconforto. Não gosto de me definir como um skinneriano! Não tenho receio do estigma associado com esta definição, mas sempre tive resistência às adesões, tão comuns na Psicologia. Costumo dizer aos meus alunos que já estamos entrando no século XXI e o principal problema dos estudantes de Psicologia brasileiros continua sendo qual a teoria da primeira metade do século XX a qual vão aderir.

Por isto, eu gostaria de me definir como um cientista e, de modo ainda mais pretensioso, como um pensador. Afinal, retificando Descartes, eu existo, logo eu devo pensar... Mas é certo que eu ainda não pensei o suficiente para me considerar um pensador e muito menos para ser considerado pelos outros como um. E, caso eu tenha chegado a ser um cientista, isto não exclui influências, filiação intelectual, em suma, um certo tipo de adesão. A começar pela definição de ciência, objeto, método: eu pretendo ser um cientista da Psicologia, definida como a ciência que estuda o comportamento, com os métodos da ciência natural. Em outras palavras, um analista do comportamento. Mas o que é um analista do comportamento senão um skinneriano?

Já que os termos são praticamente sinônimos, talvez seja melhor dizer mesmo que sou um skinneriano, pois analista de comportamento pode ser uma expressão obscura para muita gente, enquanto todo mundo entende o que é um skinneriano, ou pelo menos acha que entende. Todavia, há vários tipos de skinnerianos: há desde adeptos quase fanáticos até pesquisadores ou pensadores que são influenciados pelas idéias de Skinner sem ter consciência disto. Na verdade, isto acontece com a influência de qualquer pensador de importância. Assim, ao refletir sobre skinnerianos e tentar caracterizar como vejo a mim mesmo como um skinnneriano, vou também refletir um pouco sobre a influência intelectual de modo geral: como um, um pensador (entendido de modo geral, na ciência, filosofia, religião, artes etc.) influi sobre o que poderíamos denominar seus discípulos.

Excluindo as adesões religiosas, vamos encontrar, como discípulos de Skinner, pessoas que precisam posicionar-se sobre problemas de conduta e recorrem a Skinner por considerá-lo a melhor solução disponível. Encontraremos também pesquisadores, geralmente preocupados com a aplicação dos princípios skinnerianos a novos problemas, ou com melhores aplicações dos princípios a problemas que já foram explorados. Também encontraremos pesquisadores dedicados à pesquisa básica, neste caso, geralmente, explorando extensões dos princípios skinnerianos, ou lacunas nas formulações skinnerianas.

Penso que isto caracteriza razoavelmente bem a Análise do Comportamento como uma ciência e corrente de pensamento marcada pela influência de um pensador do calibre de Skinner. Seus discípulos estão convencidos de que ele descobriu princípios válidos que permitem a previsão e controle do comportamento e que podem ser aplicados à solução de graves problemas de nossa sociedade.

Eu gosto, no entanto, de ler e entender Skinner de um modo diferente, que talvez seja razoavelmente arbitrário. Considero Skinner como o pensador da Psicologia que menos dá respostas e mais coloca problemas ou perguntas. Penso que o mais importante que Skinner tem a nos dizer é como formular as perguntas, se quisermos encontrar as melhores respostas. Minha amiga Maria Amalia Andery observou que o interesse de Skinner pela ciência não é descomprometido, mas ligado a um objetivo de utilizar a ciência para a modificação da sociedade e da vida humana. Isto define para ele, o que são as melhores respostas: são aquelas que levam a soluções de problemas humanos. A meu ver, a característica principal do pensamento de Skinner é transformar questões mentais em perguntas sobre comportamento e seus determinantes externos. Ele faz isto não apenas por uma razão metafisica, mas principalmente por acreditar que as perguntas sobre questões mentais ocultam os verdadeiros determinantes dos problemas, que estão no ambiente, na sociedade. Skinner acredita que para solucionar os problemas não adianta mudar a mente das pessoas, é necessário mudar o ambiente, especialmente a sociedade, para que as pessoas se comportem de modo diferente. Para que a ciência possa contribuir nesta direção ela precisa, antes de mais nada, formular adequadamente suas perguntas. Por isso Skinner se preocupa em transformar as perguntas sobre questões mentais em perguntas sobre questões de comportamento e seus determinantes: estas são perguntas que a ciência pode responder, com respostas que podem contribuir para a solução de problemas humanos. O grande interesse de Skinner parece ser, então, a formulação adequada das perguntas.

Eu leio Skinner como alguém que, nos momentos em que se coloca na posição de dar respostas, faz isso como se estivesse sempre alertando o leitor: esta é a melhor resposta que pode ser dada, com o que sabemos no momento! Respostas científicas não podem ser outra coisa, especialmente em um campo como o comportamento, sobre o qual conhecemos tão pouco. A meu ver, Skinner nos incita o tempo todo a descobrir respostas melhores do que as dele. Ele não pode ignorar que sabemos relativamente pouco sobre o comportamento, apesar dos inegáveis progressos realizados, principalmente por obra dele e de precursores tão ilustres como Pavlov, Watson e Thorndike. Entendido desta forma, Skinner é o menos dogmático dos pensadores da Psicologia (cf. Richelle, 1993). Ele não está comprometido com nenhuma afirmação sobre os princípios do comportamento, mas com os processos de busca do conhecimento. Ou seja, Skinner nos diz como empregar os métodos da ciência para buscar respostas sobre os problemas do comportamento (e não supostos processos mentais). À medida que formos desenvolvendo estes métodos e aplicando-os de forma mais sistemática, é quase certo que vamos tender a encontrar, em muitos casos, respostas diferentes daquelas que o próprio Skinner deu. Ele certamente diria, neste caso: Ótimo! Agora já se sabe mais do que no meu próprio tempo.

Tentando estender um pouco esta discussão para o campo do pensamento em geral, parece-me que os pensadores mais fecundos tiveram discípulos que os ultrapassaram. Os pensadores que não foram capazes de gerar este tipo de discípulo, tenderam a tornar-se líderes de "escolas" que não evoluíram e acabaram por se tornar obsoletas. Assim, para ser fecundo, um pensador precisa gerar discípulos que tenham uma sólida contribuição própria, que avance o pensamento, em linhas compatíveis, embora não necessariamente idênticas, com as do mestre. A variabilidade seria uma necessidade de sobrevivência, não apenas dos indivíduos e das espécies, mas também do pensamento. Como exemplo, o próprio Skinner pode ser considerado um discípulo de Watson, embora seu pensamento seja bastante diferente do pensamento do próprio Watson. No entanto, Skinner contribuiu para o avanço do pensamento, em linhas compatíveis com o essencial do pensamento watsoniano, apesar de diferenças significativas.

Para dizer isto, estou considerando que a fórmula estímulo-resposta não é um elemento essencial do pensamento watsoniano. Era apenas a melhor resposta que ele tinha no momento, mas não haveria problema em substituí-la por uma resposta melhor. O essencial do pensamento watsoniano era considerar a Psicologia como uma ciência do comportamento, que deveria investigar seu objeto através do uso dos métodos científicos mais avançados e objetivos disponíveis. Neste sentido, Skinner é um watsoniano, embora provavelmente tenha sido um pensador e cientista maior do que o próprio Watson.

Antes de falar mais de discípulos de Skinner, gostaria de ilustrar este ponto, com um exemplo de uma área que me apaixona, que é a música. Um dos compositores cujo pensamento musical, se podemos nos expressar assim, mais influiu na história da música, com reflexos que perduram talvez até os dias de hoje, foi Joseph Haydn. Isso pode parecer surpresa para quem não esteja familiarizado com a música dita clássica, pois se os jornais que gostam de fazer rankings apurassem as opiniões sobre os maiores gênios da música, é improvável que Haydn figurasse entre os dez primeiros.

Durante a vida do próprio Haydn, no entanto, isso foi muito diferente. Ele foi o primeiro compositor a ser honrado internacionalmente. Depois de ter vivido a maior parte de sua vida como um humilde servo de uma corte aristocrática, como acontecia à maioria dos músicos de então, ele tornou-se conhecido e admirado em toda a Europa. Liberado com todas as honras por seu patrão aristocrata, ele foi convidado para tournés na Inglaterra, onde foi aclamado e ganhou enormes somas de dinheiro. Já idoso e praticamente inativo quando Viena, onde ele morava, foi ocupada pelas tropas francesas em 1809, o próprio Napoleão tomou a iniciativa de proteger Haydn, colocando uma guarda de honra em frente à residência dele.

A extraordinária importância de Haydn advem do fato de ter ele consolidado um princípio de construção musical dialética, que fundamentou boa parte da composição musical na segunda metade do século XVIII, no século XIX e ainda conservou certa influência no século XX. A maior parte da música que identificamos como clássica é composta de acordo com este princípio, que consiste na exposição de uma idéia musical, em uma determinada tonalidade. Esta tonalidade é então contraditada, através da modulação para uma nova tonalidade (geralmente, mas não necessariamente, envolvendo a apresentação de uma nova idéia musical, contrastante com a primeira). Isto gera um conflito que é explorado dramaticamente até o restabelecimento da tonalidade inicial, quando o compositor opera a síntese das idéias musicais contrastantes.

Haydn não foi o inventor deste princípio, mas coube a ele consolidá-lo através do pleno desenvolvimento de formas musicais como a sinfonia e a sonata (que ele também não inventou, mas aperfeiçoou). Foi com Haydn que a sinfonia, a sonata, e suas adaptações a outras formas de música instrumental, adquiriram a característica de genialidade, capaz de dar à música instrumental o poder de despertar o mesmo interesse até então dedicado somente à música dramática vocal (como a ópera). Apesar de toda a genialidade de Haydn, é muito provável que a influência avassaladora do princípio de construção musical consolidado por ele tenha se devido muito mais a dois de seus discípulos, ainda mais geniais do que ele próprio. Agora sim, passamos a falar de nomes que são conhecidos até pelas pessoas cujo interesse pela música clássica é mínimo.

O primeiro destes grandes discípulos foi Wolfgang Amadeus Mozart. Ele nunca foi propriamente aluno de Haydn, embora tenha sido o que poderíamos chamar de um haydniano ortodoxo. O princípio de construção consolidado por Haydn tornou-se rapidamente dominante na música instrumental e foi rigorosamente adotado por Mozart, que passou a usá-lo melhor do que qualquer outro, inclusive o próprio mestre. O próprio Haydn, que se tornou amigo paternal e incentivador de Mozart, percebia que este era um gênio de estatura maior do que ele próprio, e também passou a aprender com ele.

Logo depois da morte prematura de Mozart em 1791, quando Haydn estava no auge da fama em Viena, recebeu como aluno um jovem talentoso vindo de Bonn, Ludwig van Beethoven. O relacionamento entre os dois foi bem mais turbulento, pois Beethoven era um indivíduo rebelde, não muito disposto a aceitar qualquer tutela intelectual. Biógrafos de Beethoven, estudando minuciosamente os cadernos de exercícios dele e verificando que Haydn não se preocupava em corrigir erros triviais do discípulo, sugeriram que ele teria sido um professor relapso. Coube ao maior biógrafo atual de Beethoven, Maynard Salomon, ponderar que um mestre deste nível não se prestaria a ficar corrigindo erros triviais de um aluno do talento de Beethoven2 . O papel de Haydn na formação de Beethoven, segundo Salomon, foi transmitir a ele os elementos principais de seu estilo, o que ele teria feito com grande eficácia. De fato, Beethoven apesar de sua rebeldia e desejo de afirmar a própria individualidade, continuou haydniano até o final de sua vida, embora isto não tenha diminuído em nada a originalidade de sua própria contribuição. Ao contrário de Mozart, Beethoven foi um haydniano nada ortodoxo, ampliando e problematizando todas as possibilidades implícitas no estilo de Haydn.

O que tem isso tudo a ver com Skinner, skinnerianos e ciência do comportamento? Bom, sem a variabilidade introduzida por Mozart e Beethoven, sem as inovações, desvios e questionamentos apresentados por estes discípulos, provavelmente o princípio de construção musical de Haydn não teria tido possibilidade de sobreviver ao século XIX e, através da influência de outros discípulos posteriores, como Schubert, Brahms, Bruckner, Mahler e Bartók, continuar influenciando até mesmo nos dias de hoje.

A ciência, tanto quanto a arte, tem o papel de avançar o conhecimento, gerando novos conhecimentos que venham, eventualmente, a ultrapassar o que se aceita hoje como válido. No caso da Psicologia, penso que Skinner (na verdade, antes dele, Watson), esteve absolutamente certo ao defender que estes avanços virão pela investigação do comportamento, e que a busca de causas mentais nos desvia para ficções explanatórias. Skinner também nos deu uma ferramenta para a análise das interações do comportamento com o ambiente, a noção de contingência. Dessa maneira, ele nos disse onde devemos procurar as respostas (no comportamento e não na mente) e nos deu pistas do que procurar (contingências; relações do comportamento com eventos antecedentes e conseqüentes). Skinner tinha consciência, parece-me, do quanto ainda estamos distantes de compreender o comportamento, poder prevê-lo e controlá-lo. Ele tinha curiosidade insaciável sobre todos os avanços científicos que poderiam levar à melhor compreensão do comportamento. Lia amplamente, estando longe de limitar-se à Psicologia ou a qualquer de suas áreas ou correntes.

Estamos hoje, em grande medida, em situação melhor do que ele estava, para estudar e compreender o comportamento. Temos, para começar, os próprios avanços decorrentes do trabalho de Skinner. Temos, ainda, os avanços inegáveis decorrentes de outras disciplinas relacionadas com o comportamento: Etologia, Genética, Neurociências. A própria Psicologia Cognitivista, antagônica á Análise do Comportamento, uma vez que se propõe a estudar a mente, com base na analogia com o computador e sua função de processador de informações, não tem outra escolha a não ser a de tomar o comportamento como variável dependente de seus estudos experimentais. Nesta medida, a própria Psicologia Cognitivista tem produzido muitos dados interessantíssimos sobre comportamento, por mais que o objetivo de seus proponentes seja o de estudar a mente. Da mesma maneira, a Psicologia do Desenvolvimento, apesar dos seus inegáveis vezes cognitivistas, não deixou de produzir dados de extraordinário interesse sobre o desenvolvimento comportamental.

O campo parece estar maduro, portanto, não apenas para a exploração do terreno aberto por Skinner, em termos basicamente convergentes com a concepção dele, mas também para o surgimento de discípulos divergentes que, embora mantendo os aspectos essenciais do pensamento skinneriano, no que diz respeito ao processo de busca do conhecimento, problematizem suas respostas e concepções particulares e desbravem territórios que o pensamento skinneriano ainda não tenha tocado.

Neste quadro, acho que pode ser interessante considerar a possível influência de Skinner, como talvez a de qualquer outro pensador, em termos de dois aspectos interdependentes. O primeiro, representado pela abcissa na Figura 1, consiste do grau de convergência ou divergência do pensamento do discípulo com o do mestre. O continuum representado por este eixo varia da maior convergência à maior divergência com o pensamento do mestre (neste caso, Skinner), assumindo porém que, qualquer que seja o grau de divergência, seja mantida uma afinidade com pontos fundamentais do pensamento do mestre. Desse modo, os pensadores ou pesquisadores situados no quadrante à direita da ordenada e acima da abcissa podem ser todos considerados, em maior ou menor grau, corno significativamente influenciados pelo mestre, a ponto de ser considerados discípulos. A ordenada representa o grau de qualidade e relevância da contribuição. Quanto mais alto o ponto, maior a qualidade e relevância da contribuição científica ou intelectual representada.

 

 

Figura 1. Diagrama esquemático de um "espaço bidimensional de influência intelectual de Skinner". A área 1 corresponde à corrente principal da Análise do Comportamento. A área 2 corresponde aos pesquisadores ou pensadores que assumem um débito intelectual com Skinner embora assumam um grau maior de divergência em suas posições. A área 3 parece não estar ocupada por pensadores ou pesquisadores que assumam um débito intelectual com Skinner.

 

A Figura 1 seria, portanto, um espaço bidimensional de influência intelectual, situando a influência em função de duas dimensões: convergência/divergência e qualidade/relevância. A área 1, na Figura, representaria a produção atual em Análise do Comportamento. Estamos tratando aqui daqueles pesquisadores que têm uma posição fundamentalmente convergente com a de Skinner, apesar de eventuais divergências. Por isso, a área situa-se mais à esquerda na escala de convergência/divergência. O nível de qualidade/relevância desta pesquisa varia amplamente, desde uma produção que pouco ou nada acrescenta ao que já se sabe até uma produção de extraordinário valor. Assim, a área abrange uma vasta porção do eixo vertical. No entanto, arrisco-me a dizer que aqueles trabalhos que têm algum grau de divergência em relação às posições de Skinner têm também maior qualidade e relevância, de modo que, em vez de um retângulo, a área assemelha-se mais a um paralelogramo inclinado para a direita3 . A área 2 representaria aqueles pensadores e pesquisadores que assumem explicitamente uma posição skinneriana, embora também enfatizem um maior grau de divergência em relação às posições de Skinner. Devido à maior divergência, esta área situa-se mais à direita na escala da qualidade/relevância. Infelizmente, penso que o conjunto desta produção apresenta, também, um nível bem mais baixo de qualidade/relevância, de modo que esta área se distribui mais abaixo no eixo vertical, em relação à primeira. Isto, é claro, é uma opinião bastante pessoal e controvertida, mas não me resta outra alternativa senão afirmá-la aqui e assumir a responsabilidade por ela. Todos nós podemos imaginar pesquisadores que se situam nas áreas 1 e 2 (pode haver, é claro, muita discordância em relação à posição no eixo vertical). E quanto à área 3? Ela deveria ser ocupada por aqueles pesquisadores ou pensadores com produção de alta qualidade/relevância mas em grau maior de divergência em relação ao pensa mento de Skinner, embora mantendo afinidade com ele em alguns elementos fundamentais. Ao contrário das áreas 1 e 2, não parece fácil identificar pesquisadores ou pensadores que ocupariam a área 3.

Talvez se possa situar aí Bandura, no início de sua carreira, antes que ele se tornasse mais decididamente cognitivista. Nesta fase inicial da carreira, ele dedicou-se ao estudo de fenômenos da maior importância para o comportamento humano ( e.g., Bandura, 1965; Bandura, Ross & Ross, 1961), levando para o estudo destes fenômenos o rigor da metodologia experimental e a preocupação com o comportamento, não com a mente. Ao estudar estes fenômenos, chegou a conclusões que não são idênticas às de Skinner, mas continuou estudando o comportamento, não a mente. Pela relevância dos temas e pela qualidade metodológica destes seus estudos iniciais, ele tornou-se uma autoridade indiscutível em assuntos cruciais para a sociedade atual, como os efeitos da violência na TV, a importância da aprendizagem na formação da personalidade, origens do comportamento agressivo, a importância da observação, da imitação e do reforçamento na aprendizagem, o papel das relações de gênero na imitação etc.

Talvez possamos situar na área 3 também, alguns pensadores da corrente conexionista na Ciência Cognitiva. Estes pensadores defendem posições que têm um sabor skinneriano, embora neguem qualquer influência de Skinner sobre seu pensamento. No entanto, os conexionistas atacaram o pilar básico do cognitivismo, a noção da mente como um processador de informação que lida com símbolos, os quais, por sua vez, são representações de aspectos do mundo. Os conexionistas insistem em que a noção de símbolo tem um valor apenas metafórico, e propõem uma outra noção de representação, afirmando que ela nada mais seria do que um determinado estado de conexões entre unidades neuronais. Estas conexões neuronais, por sua vez, estariam em constante alteração em função da experiência do organismo. Assim, um dado estado de conexões neuronais seria resultante da experiência passada, incluíndo-se aí as conseqüências das ações.

A similaridade entre as posições conexionistas e behavioristas foi notada pelos críticos do conexionismo e também por analistas do comportamento, notadamente Donahoe, Burgos e Palmer (1993). Os principais autores conexionistas rechaçaram esta similaridade (cf. Rumelhart & McClelland, 1989), afirmando que sua proposta nada tem a ver com a de Skinner. Os argumentos de Rumelhart e McClelland revelam, no entanto, mais um desconhecimento da proposta skinneriana do que uma verdadeira incompatibilidade entre suas concepções. O conexionismo não é uma nova versão da posição de Skinner, mas um pensamento divergente do de Skinner, embora em várias linhas, compatível com o dele.

Os discípulos divergentes, no entanto, incomodam às vezes, mais do que os adversários explícitos. Mas eles são tão necessários quanto os discípulos convergentes. A variabilidade produzida pelos discípulos convergentes e os divergentes é que pode contribuir para eventualmente ultrapassar o pensamento do mestre e manter viva a influência intelectual de uma corrente de pensamento. As grandes correntes do pensamento psicológico não têm sido bem sucedidas na produção de variabilidade e isto pode ter contribuído para que elas se cristalizassem em "doutrinas". A pior homenagem que poderia ser prestada a Skinner seria, a meu ver, transformar seu pensamento em uma doutrina. Skinner tem tido discípulos convergentes que têm contribuído de forma significativa para o avanço do conhecimento. Os seus discípulos divergentes, que assumem a influência skinneriana, contudo, não parecem ter uma obra influente. Outros pensadores que têm pontos de contato com Skinner desconhecem ou evitam assumir estes vínculos. Esta não é, a meu ver, uma situação favorável à sobrevivência e influência de elementos do pensamento skinneriano.

Podemos concordar ou não propostas de discípulos divergentes; concordarmos, podemos debater e alternativas. O que não me parece produtivo é sustentar que Skinner disse tudo o que precisa ser dito e ignorar qualquer coisa que se afaste deste caminho. Apesar da contribuição inegável dos discípulos convergentes, parece-me que o pensamento skinneriano precisa também de discípulos divergentes para frutificar, investigar os novos e angustiantes problemas comportamentais introduzidos pelas mudanças sociais e econômicas tão abrangentes que estão acontecendo neste final de século.

 

Referências

Bandura, A. (1965). Influence of models' reinforcement contingencies on the acquisition of imitative responses.         [ Links ] Journal of Personality and Social Psychology, 1, 589-595.

Bandura, A.; Ross, D. e Ross, S. A. (1961). Transmission of aggression through imitation of aggressive models.         [ Links ] Journal of Abnormal and Social Psychology, 63, 575-582.

Donahoe, J. W.; Burgos, J. E. e Palmer, D. C. (1993). A selectionist approach to reinforcement.         [ Links ] Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 60, 17-40.

Rumelhart, D. E. e McClelland, 7. L. (1986). PDP models and general issues in cognitive science. In: D. E. Rumelhart & J. L. McClelland (Orgs.), Parallel Distributed Processing: Explorations in the Microstructure of Cognition, Vol. 1, 11149. Cambridge, MA: The MIT Press.         [ Links ]

 

 

1 Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. O autor agradece a revisão crítica e sugestões de Deisy de Souza e Tânia de Rose.
2 Os métodos modernos de pesquisa documental estimulam estas discussões. Biógrafos de Mozart também desenterraram cadernos de exercícios que ele dava a seus alunos e verificaram, com surpresa, que ele, apesar de estar sempre envolvido com enorme volume de tarefas, era um professor consciencioso e metódico.
3 Esquerda ou direita, neste caso, não têm, evidentemente, o significado associado a estes termos no discurso político. Trata-se, apenas, de uma disposição no plano cartesiano que representa esquematicamente a influência intelectual.