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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.1 São Paulo jun. 1999

 

ARTIGOS

 

Ética profissional: fatos e possibilidades1

 

Professional ethics: facts and possibilities

 

 

Adélia Maria Santos Teixeira2

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 


RESUMO

A questão da ética profissional em Psicologia é discutida a partir de uma tentativa de análise comportamental de alguns enunciados verbais sobre moral e ética. A dissociação entre o "dizer" e o "fazer" éticos e a complexidade envolvida na assimilação de contingências sociais, regras ou leis são destacadas. Algumas situações circunscritas ao meio acadêmico e aos diversos campos de atuação do psicólogo são mencionadas como suscetíveis de questionamentos éticos. O reconhecimento e a atribuição de direitos são apontados como bases para o desenvolvimento de comportamento éticos e para a superação da dissociação entre o "dizer" e o "fazer" éticos.

Palavras-chave: Ética profissional, Psicologia e direitos.


ABSTRACT

Professional ethics: facts and possibilities. The professional ethics questions in Psychology is discussed from a tentative behavioral analysis of some verbal statements about moral and ethics. The dissociations between the ethical "speaking" and "doing" and the involved complexity in the assimilation of social contingencies, rules or laws are outlined. Some situations circumscribed in the academic environment and to the several psychologist's action fields are mentioned as susceptible to ethical questioning. The rights recognitions and attributions are pointed out as the base for the ethical behaviors development and for the overcoming of the dissociation between the ethical "speaking” and "doing".

Keywords: Professional ethics, Psychology and rights.


 

 

Este trabalho dá continuidade a discussões iniciadas no VII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental , realizado em 1997.

Os debates, já desenvolvidos, vêm apontando a dificuldade e a polêmica envolvidas no "dizer" e no "fazer" éticos, de um modo geral. Não há consenso nos termos envolvidos, nas ações preconizadas e nem no lugar de desenvolvimento e de controle das últimas.

Registros históricos revelam a não contemporaneidade entre o "dizer" e o "fazer" humanos.

Por sua generalidade de aceitação pública, a Declaração dos Direitos Humanos (1948) talvez possa constituir-se num bom exemplo de dissociação entre o "dizer" e o "fazer". Alguns homens foram capazes de verbalizar prerrogativas humanas que estão longe de serem cumpridas em qualquer parte do mundo. O mesmo se pode dizer do Código de Nuremberg (1947), da Declaração de Helsinque (1964, 1975, 1983 e 1989) e demais proposições decorrentes desses documentos. A própria reformulação de uma Declaração denota lacunas e inefetividade.

Recentemente, a mídia divulgou um impasse envolvendo a justiça americana. Um condenado à morte, com seu processo já concluído, não pode ser executado, porque não dispõe do controle de suas denominadas "faculdades mentais". A lei americana exige que o condenado tenha consciência de que será submetido a uma execução. A classe médica não se dispõe a promover o tratamento do condenado para que possa ser executado. O governo, no uso de suas prerrogativas, pretende designar um profissional, sob seu jugo, para realizar a proeza. Isso está acontecendo no país que vem se investindo do poder de "Juiz Absoluto" das questões de direitos humanos no mundo inteiro. O impasse está formado: se o funcionário não atender à designação, estará sujeito à demissão; se atendê-la, estará sujeito à cassação de seus direitos de exercício profissional, por parte do órgão fiscalizador da atuação médica naquele país. De qualquer forma, será punido. Como se aplica neste caso qualquer princípio ético de autonomia?

Um outro caso mais recente merece nossa atenção. Coincidência ou não, no mesmo país, pretende-se reproduzir o Big Bang no próximo mês de dezembro. Nas cercanias, logo de Nova York, um grupo de cientistas pretende provocar a colisão de dois átomos com o objetivo de compreender o que teria acontecido há 15 bilhões de anos quando, de acordo com a teoria do Big Bang, o universo teria começado a partir de uma explosão inicial. De acordo com os pesquisadores, tudo será feito dentro de um laboratório com a "maior segurança". Quem deseja ver novamente esse começo da natureza e da vida? Quem vai impedir essa façanha americana? Como se aplicam, no caso, os princípios de autonomia, beneficência, não maleficência e de justiça e eqüidade?

Existem notícias de que quatro empresas multinacionais, do maior porte, estão disputando a apropriação dos conhecimentos produzidos sobre o genoma humano. Novamente, como aplicar princípios éticos numa situação dessa natureza?

Nota-se que todos os humanos se tornaram populações vulneráveis na corrida internacional de busca da nova moeda - o conhecimento.

A dissociação entre o "dizer" e o "fazer" éticos e a amplitude das questões envolvendo ética, exigem um detalhamento da própria noção de ética que permita, posteriormente, sua especificação enquanto ética profissional, no campo da Psicologia.

No idioma brasileiro, ética corresponde ao

"estudo dos juizos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto." (Ferreira, 1986)

O Professor Jean Bernard (1994), Presidente da Comissão Francesa para a Ética das Ciências e da Academia Francesa das Ciências, registra que os dicionários da Academia que preside associam os termos ética e moral, desde 1776. Afirma, no entanto, que nos últimos 20 ou 30 anos, a palavra moral vem se desvanecendo e caindo em desuso. Em seu lugar, ressurge com vigor o termo ética que, apesar dos sentidos diversificados, vem se difundindo em vários campos de conhecimento e de atuação profissional.

Extendendo significados da palavra grega éthos, destaca as noções: comportamento da alma - em extensão a "conjunto dos hábitos, dos comportamentos cujo enraizamento profundo faz deles uma segunda natureza; e lugar correto de todas as coisas - extensão de "lugar habitual" (p. 25).

A partir dessas noções, conclui:

"A ética é a expressão da medida. É a garantia da harmonia que resulta da boa conduta da alma e que determina o lugar certo de qualquer coisa (e de qualquer ato) no mundo." (p. 26)

Afirma que "a ética implica uma reflexão crítica sobre os comportamentos " e "tem por objeto a relação da alma com o meio" (p. 25-26).

O professor Antônio Bento Alves de Moraes (1999), coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da Odontologia de Piracicaba, procura diferenciar os termos moral e ética, a partir de suas origens etimológicas. O primeiro termo, de origem latina, provém de mores, que corresponde a costumes; o segundo, de origem grega, corresponde a condutas consagradas pelos costumes.

Assim, conclui:

"Moral significa valores consagrados pelos usos e costumes em uma determinada sociedade ou momento histórico. Ética significa juízo, reflexão crítica sobre valores; um julgamento onde os valores morais podem entrar em jogo." (p. 1)

Uma análise tentativa dessas verbalizações permite a identificação de alguns de seus condicionantes.

Um primeiro conjunto de condicionantes agrupa observações relativas à magnitude e generalidade impressivas de costumes, hábitos e manifestações comportamentais peculiares a sociedades e a momentos históricos.

Esses eventos observados teriam dado origem ao surgimento de algumas suposições.

A magnitude e a generalidade das manifestações comportamentais supracitadas teriam favorecido as suposições de "enraizamento profundo", "segunda natureza" e "comportamento da alma". Além disso, o fato de muitos ou todos se comportarem de uma certa maneira teria favorecido suposições de "lugar habitual" ou "lugar correto de todas as coisas".

Um segundo conjunto de condicionantes, usualmente não indicados ou verbalizados pelos pensadores, agrupa eventos que explicam a magnitude e a generalidade das manifestações comportamentais observadas: suas conseqüências adaptativas. Costumes, hábitos e manifestações comportamentais são selecionados por seus efeitos adaptativos.

As relações estabelecidas entre as manifestações comportamentais e suas conseqüências adaptativas estão encobertas nas formulações: "a ética tem por objeto a relação da alma com o meio" (Bernard, 1994) e "condutas consagradas pelos costumes" (Moraes, 1999).

Um terceiro e último conjunto de condicionantes diz respeito ao principal foco de demanda de comportamentos morais e éticos - o próprio homem.

O conhecido professor Milton Santos (1998) afirma:

"O simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana. Viver, tornar-se um ser no mundo, é assumir com os demais, uma herança moral, que faz de cada qual um portador de prerrogativas sociais. Direito a um teto, à comida, à educação, à saúde, à proteção contra o frio, a chuva, as intempéries; direito ao trabalho, à justiça, à liberdade e a uma existência digna.

(...)“O respeito ao indivíduo é a consagração da cidadania, pela qual uma lista de princípios gerais e abstratos se impõe como um corpo de direitos concretos individualizados. A cidadania é uma lei da sociedade que, sem distinção, atinge a todos e investe cada qual com a força de se ver respeitado contra a força, em qualquer circunstância." (p. 7)

As relações estabelecidas entre esses três conjuntos de condicionantes - prerrogativas do indivíduo; comportamentos sociais (morais e éticos) em relação às prerrogativas e conseqüências destes comportamentos em relação às prerrogativas, descrevem as contingências sob o controle das quais se desenvolvem as verbalizações sobre moral e ética.

Estes termos - moral e ética - ainda se confundem. As verbalizações a respeito sujeitam-se aos mesmos condicionantes. O que se nota é um deslocamento de um relativismo moral em direção a um absolutismo ético. Observa-se também a introdução da noção de obrigação ética que projeta a sujeição do comportamento humano a medidas e avaliações de naturezas éticas. O professor Bernard menciona um "lugar certo de qualquer coisa (e de qualquer ato) no mundo". O professor Moraes associa ética a juízo, ou seja, julgamento. Ambos atribuem-lhe a propriedade de reflexão crítica sobre o comportamento (Bernard) ou sobre os valores (Moraes). No último caso, o julgamento ético poderá repercutir-se sobre os próprios valores morais.

As ambivalências bem/mal, certo/errado começaram a ser destituídas. Ainda é cedo para afirmar o mérito desse direcionamento recente. À História e às futuras gerações caberão os encargos de verificar sua adequação e de fazer os ajustes que se mostrarem necessários.

 

Ética profissional em psicologia

Os limites legais do exercício da profissão do psicólogo estão estabelecidos no Código de Ética Profissional dos Psicólogos, aprovado pelo Conselho Federal de Psicologia em 03/08/79.

Desde então, as questões éticas relacionadas a este campo de atuação profissional vêm se ampliando e se delineando em novas formulações. Um produto dessa movimentação pode ser identificado na Resolução n°. 196/96, de 10/10/96, do Conselho Nacional de Saúde, que estabelece diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Essa Resolução atinge plenamente a produção de conhecimento em Psicologia.

A história da humanidade registra a tendência das pessoas para se agruparem e para se organizarem em relação a padrões comportamentais que lhes pareçam úteis para seu próprio equilíbrio, funcionamento e continuidade. Essa organização deriva de contingências sociais experimentadas e selecionadas pelo próprio grupo em correspondência com seus objetivos. Estes podem ser de diversas naturezas: econômicos, políticos, sociais, religiosos, morais, éticos etc.

A evolução humana e a complexidade na interação de grupos e organizações sociais mais primitivos possibilitou o surgimento das sociedades e o aparecimento de agentes controladores - governo, igreja, escola, sistemas econômicos, grupos étnicos, grupos éticos etc. - que tomaram para si a tarefa de enunciar contingências sociais reguladoras de comportamentos. Estas contingências sociais nem sempre contaram com a adesão de todos os membros dos grupos, organizações ou sociedades. Um sistema de penalidades foi, então, instituído, com o objetivo de obrigar o acatamento das regras sociais enunciadas.

Isso sugere que existem condicionantes para a assimilação de uma contingência social, uma regra ou uma lei. Deve haver uma correspondência entre os anseios do grupo social envolvido e o enunciado da regra. A lei não pode prescindir de legitimidade, no sentido de estar fundada na razão, no direito ou na justiça. Deste complicados, surge a jurisprudência, nem sempre aplicada na proporção desejável ou necessária.

Skinner (1982) afirma que comportamento "moral ou justo é um produto de tipos especiais de contingências sociais" e sugere que "precisamos analisar tais contingências se pretendemos construir um mundo em que as pessoas ajam moral e eqüitativamente" e acrescenta que "um primeiro passo nessa direção é descartar a moralidade e a justiça como possessões pessoais" (p. 206-207).

Pode-se dizer o mesmo em relação aos termos: legitimidade, razão, direito, justiça e jurisprudência utilizados neste texto. O que se pretende aqui, é que as pessoas legislem com legitimidade, com racionalidade, com eqüidade, com justeza e de forma jurisprudencial em função de demandas do ambiente social.

O exercício da profissão de psicólogo reproduz também a dissociação entre "o dizer " e o "fazer" éticos.

As concepções de ética, anteriormente discutidas, fornecem algumas pistas para uma formulação inicial de ética profissional em Psicologia.

De acordo com o professor Jean Bernard, pode-se enunciar que corresponderia a uma reflexão crítica e avaliável dos comportamentos dos psicólogos em relação aos organismos envolvidos em seu trabalho (pessoas, grupo de ¡ pessoas, animais). Essa reflexão crítica indicaria em que consiste a boa conduta e a maneira certa de atuar do profissional em Psicologia.

De acordo com o professor Moraes, pode-se extrair: corresponderia à consagração (prescrição) de condutas (comportamentos) no exercício profissional dos psicólogos pelos costumes (padrões éticos reconhecidos) Corresponderia a julgamento ou reflexão crítica da atuação do psicólogo.

Não sei o que vocês, leitores, estão sentindo a respeito desses enunciados. De minha parte, afirmo-lhes que não ousaria me envolver numa encrenca desse porte.

 

Fatos, situações e possibilidades

Somente disponho de dois fatos: o Código de Ética que regulamenta o exercício da profissão de Psicólogo e a Resolução n°. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde que regulamenta a pesquisa envolvendo seres humanos e que, portanto, envolve a pesquisa com humanos em Psicologia.

O atendimento a esses dispositivos legais é obrigatório. No entanto, não se pode garantir, com certeza, sua eficácia no controle do comportamento ético dos psicólogos.

Prosseguir na apresentação de fatos seria enveredar no caminho da denúncia ou da delação. Os repertórios comportamentais correspondentes não foram consagrados ou prescritos na minha história moral e ética.

Dessa forma, opto por levantar algumas situações nas quais o comportamento ético se mostra discutível.

O campo de atuação do psicólogo é muito amplo, o que torna muito difícil a tarefa de analisá-lo em suas implicações éticas.

Assim, pretendo concentrar esforços no apontamento de algumas situações relacionadas ao ensino, extensão, pesquisa e atuação profissional, em geral, que vêm suscitando, em mim, questionamentos éticos.

 

Ensino

Nesse campo, considero não ético produzir um ensino de má qualidade que, inevitavelmente trará malefícios para o aluno.

Do mesmo modo, discriminar os alunos, distribuindo-lhes atenção, oportunidades e facilidades diferenciadas não é ético.

O bloqueio, em todas os seus feitios (político, ideológico, metodológico, pessoal etc.), de projetos de trabalho dos professores por seus superiores e colegas também não é ético.

A maledicência e a difamação espúrias entre professores não são éticas.

A omissão e o silêncio diante dessas situações constituem cumplicidade e partilhamento de falta de ética.

 

Extensão

Desenvolver trabalhos extramuros universitários, especialmente em grupos claramente considerados vulneráveis, com o emprego de alunos não qualificados é falta absoluta de ética. Desqualificar o trabalho de extensão, comprometendo-se minimamente com os envolvidos, também não é ético.

Apropriar-se de trabalho de colegas, em qualquer nível, constitui-se em falta de ética. Fazer lobby contra projetos de colegas também não é ético.

Calar-se e omitir-se diante dessas situações também é falta de ética.

 

Pesquisa

É ético parar de produzir conhecimento em Psicologia?

É ético atrasar ou impedir a realização de pesquisa por entraves burocráticos?

É ético obrigar o pesquisar como "tarefismo", transformando pesquisadores em tarefeiros?

É ético discriminar pesquisadores por razões políticas, ideológicas, teórico-metodológicas ou pessoais?

É ético fazer lobby contra projetos de pesquisas?

É ético encobrir procedimentos e dados de pesquisa?

É ético sujeitar pesquisadores a autorizações prévias para a realização de seus trabalhos?

É ético negociar favorecimentos em aprovação de projetos de pesquisa?

É ético publicar o que não se pesquisou?

É ético apropriar-se do produto de trabalho alheio em qualquer nível?

É ético desqualificar pesquisas por razões políticas, ideológicas, teórico-metodológicas ou pessoais?

É ético calar-se e omitir-se diante dessas situações?

 

Atuação profissional

É ético vender trabalhos de má qualidade?

É ético não se comprometer com os resultados provenientes da atuação profissional?

É ético estabelecer um "tempo lógico" para o cliente sem estabelecer um "preço lógico" para o psicoterapeuta?

É ético seduzir clientes?

É ético desenvolver trabalhos para os quais não se esteja qualificado, de fato?

É ético tirar proveito da fragilidade de clientes e contratantes?

É ético realizar trabalhos encomendados que não sejam do interesse humano?

É ético controlar pessoas por sonegação e manipulação de informações?

É ético discriminar clientes que pagam de clientes que não pagam, com padrões de atuação diferenciados?

É ético calar-se ou omitir-se diante dessas situações?

O elenco de situações apresentadas é tão amplo e diversificado que poderá sugerir e confirmar a necessidade de normas reguladoras e de múltiplos comitês de ética.

Na minha avaliação, o comportamento ético não deveria ser controlado dessa forma. Por um lado, os comportamentos de seguir regras e leis estão sujeitos a peculiaridades contingenciais muito complexas. Isso pode comprometer a própria efetividade do controle pretendido. Por outro, a instituição de órgãos controladores de comportamentos éticos amplia a cadeia de elos do poder, fortalecendo-o, e aumenta a opressão exercida pela ordenação burocrática.

Não reconheço a eficácia de medidas para fiscalizar a atuação de profissionais e/ou pesquisadores na área de conhecimento da Psicologia. Nem considero adequado proteger grupos vulneráveis. Os primeiros têm de ser éticos e os últimos têm de deixar de ser vulneráveis.

Diante desses problemas, vislumbro algumas possibilidades promissoras.

Um comportamento ético somente é possível a partir do reconhecimento e da atribuição de direitos.

Dessa forma, nosso esforço deve concentrar-se na afirmação, na sustentação, na ampliação e na defesa desses direitos.

Conforme citação anterior,

“O simples nascer investe o indivíduo de uma soma inalienável de direitos, apenas pelo fato de ingressar na sociedade humana.
[...] O respeito ao indivíduo é a consagração da cidadania [...]." (Santos, 1998: 7)

Todos os humanos, vulneráveis ou não, têm de saber isto e têm a obrigação de exigirem que seus direitos sejam respeitados. Assim, como cidadãos, exercem sua cidadania.

Cada vez que exercemos nossa cidadania, estamos defendendo o direito de todas as pessoas. Cada vez que deixamos de fazê-lo, estamos enfraquecendo todas as pessoas.

Cada vez que sustentamos o exercício de cidadania alheio, estamos fortalecendo nossa própria condição de cidadãos. Cada vez que nos calamos diante do desrespeito do direito alheio, estamos enfraquecendo essa mesma condição para nós mesmos.

Isso se faz com contestação e reclamação. Isso exige coragem e luta contínuas.

Quando todos fizerem isso, seremos todos éticos. Não haverá necessidade de códigos de ética, nem de comitês de ética. É nesta direção que devemos avançar.

Finalizando, afirmaria que o desenvolvimento do comportamento ético é uma questão de aprendizagem, e esta pode ocorrer em qualquer lugar. A escola e o ensino formais não constituem as únicas condições para a aquisição desse repertório comportamental.

Diria, também, que o controle mais eficaz do comportamento ético é o exercido socialmente. Se todos exigirem o respeito de seus direitos, não haverá quem os desrespeitem. O comportamento ético concebido, desenvolvido e controlado dessa forma produziria a superação da dissociação entre retórica e fato e entre "dizer" e "fazer".

 

Referências

Bernard, J. (1994). Da biologia à ética. Campinas (SP): Editorial Psy 11.         [ Links ]

Ferreira, A. B. H. (1986). Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira (2a edição).         [ Links ]

Moraes, A. B. A. (1998). Ética em pesquisa com seres humanos. VII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental. Campinas (SP).         [ Links ]

Santos, M. (1998). O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo (trads M. da P. Villalobos ). São Paulo: Cultrix/USP.         [ Links ]

 

 

1 Texto apresentado na XXIX Reunião Anual de Psicologia, promovido pela Sociedade Brasileira de Psicologia, em outubro de 1999, Campinas.
2 Professor Titular do Departamento de Psicologia da Universidade de Minas Gerais.