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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.2 São Paulo dez. 1999

 

ARTIGOS

 

Observação direta e medidas do comportamento verbal nas investigações da enfermidade: um estudo piloto

 

Direct observation and measurements of verbal behavior in illness investigations: a pilot study

 

 

Roosevelt R. Starling1

Departamento de Psicologia, FUNREI

 

 


RESUMO

Considerando ser o comportamento verbal o de maior freqüência e visibilidade no paciente acamado, este estudo visa explorar a utilidade de uma nova abordagem metodológica para o tratamento destas variáveis. Um total de 763 conteúdos verbais emitidos por 10 pacientes pós-cirúrgicos (PPC), seis mulheres (idade 35,5 ± 6,5 anos) e quatro homens (idade 42,5 ± 8,7 anos) foram registrados através de observação direta, não invasiva e organizados em um catálogo de comportamentos. Os dados foram submetidos a uma descrição quantitativa em cinco agregados para testar o potencial desta metodologia. Pacientes com experiência cirúrgica anterior e/ou outros diagnósticos de doenças médicas indicaram melhor desempenho no funcionamento social e pessoal e menor sensibilidade aos efeitos das variáveis clínicas, independente do sexo. Encontrou-se uma forte relação entre a sensitização à discriminação de sinais corporais e a demanda de enfermagem (r = + 0,632). A dor pós-cirúrgica indica ser o principal impedimento na recuperação do funcionamento pessoal (r = - 0,611) e social ( r = - 0,492). Essas e outras indicações são exploradas à luz do manejo clínico do PPC. Esses achados são discutidos em comparação com resultados derivados de outros métodos e abordagens. Limitações metodológicas e sugestões para investigações posteriores são sugeridas. Os resultados indicam a utilidade desta metodologia como um potente instrumento para o estudo da enfermidade.

Palavras-chave: cirurgia; medicina do comportamento; psicologia hospitalar; comportamento verbal; observação direta e medida do comportamento.


ABSTRACT

Considering verbal behavior as the main form of behavior of a bed ridden patient this study aims to explore the potential usefulness of a new methodological approach for the treatment of these variables in illness behavior studies. A total of 763 verbal contents of post-operative patients (PPC) was recorded through a non-invasive, direct observation of their verbal behavior and then organized in a catalog of behavior (four categories and 24 subcategories). Submitted to quantitative description in five aggregates, the results indicate no difference between male and female patients concerning the several psychological (and physiological) variables studied, as expressed by their verbal contents. Patients - both male and female - with prior surgical experiences and/or suffering from other diseases besides the one being surgically treated suggest a better performance in social and personal functioning and less sensibility to effects of clinical variables. A strong relation between perception and/or interpretation of body signals and demand of nursing services was found (r = + 0.632). Post-operative pain stood out as a major factor controlling recovery of social and personal functioning, showing an inverse relation between them of r = - 0.492 and r = -0.611, respectively. Those and other indications are explored with a view to establish their clinical significance for the management of post-operative patients. Methodological limitations are discussed and suggestions for further investigations are offered. The results establish the usefulness of the methodological approach as a potent tool for illness behavior studies.

Keywords: surgery; psychological consequences; behavioral medicine; illness behavior; verbal behavior; direct observation and measurement of behavior.


 

 

Desenvolvida primeiramente como uma ferramenta para pesquisas etológicas, observações diretas e medidas do comportamento (ODMC) mostraram-se um instrumento igualmente útil para a investigação do comportamento humano. Entre as suas características distintivas, a ODMC pede um mínimo de pressupostos teóricos e produz resultados firmemente baseados em dados empíricos. Investigações do comportamento dos organismos no seu ambiente natural, ou naquelas onde métodos não-invasivos são recomendados, são as mais indicadas para um estudo através da ODMC. (Altmann, 1965; Hutt & Hutt, 1970).

Taxonomias derivadas da ODMC são mais primitivas do que aquelas determinadas através da aplicação de conceitos teóricos mas, de um ponto de vista metodológico, tem sido considerado útil estabelecer primeiramente uma distinção, através de taxonomias mais simples, antes de tentar uma resolução maior, uma ordenação, através de proposições teoricamente orientadas (Beaugrand, 1988).

O comportamento verbal tem sido estudado através das mais variadas abordagens, desde estudos artísticos e religiosos até abordagens mais rigorosas. Por outro lado, são claras as vantagens em estudarmos o comportamento verbal como sendo equivalente a qualquer outro comportamento, tal como andar, pedir um favor, soluçar etc. Nessa concepção, é um objeto válido de investigação para o cientista do comportamento e, mais ainda nesse estudo, porque o comportamento verbal é o comportamento de maior freqüência e visibilidade no paciente acamado. O comportamento gestual é aqui considerado como comportamento verbal, ao qual é funcionalmente análogo e ao qual pode ser comparado numa análise pontual (Skinner, 1957; Mateo & Krezischek, 1992).

Dados originados de vários estudos indicam, repetida e consistentemente, que a terapia cirúrgica é uma fonte de perturbação psicológica (Johnston, 1986; Tune & Folstein, 1986; Gabriel, 1986; Goin & Goin, 1986; Holland & Jacobs, 1986; Heller & Cornfield, 1986; Ryan & Dennerstein, 1986). Além do estresse causado pela anestesia e pelos procedimentos cirúrgicos em si mesmos, existem evidências de que a cirurgia pode também resultar em estresse psicológico (Corenblum & Taylor, 1981).

Johnston (1986) lista 12 estudos realizados com o objetivo de verificar possíveis relações entre estados emocionais pré-cirúrgicos e a recuperação pós-cirúrgica. Nove desses 12 estudos mostram relações significativas entre o medo (da cirurgia), depressão e ansiedade pré-operatória, medidos no pré-cirúrgico, e o tempo de recuperação, o consumo de medicamentos, a dor e o incomodo [distress] pós-operatório, medidos no pós-cirúrgico.

Numa revisão da literatura sobre possíveis conseqüências psicológicas da cirurgia (post-operative), indexadas na Med-line no período de 1987-1992, encontramos que as cirurgias neurológicas, cardíacas e urológicas, a terapia cirúrgica para os desenvolvimentos neoplásicos, a dor e as complicações cirúrgicas foram as áreas prioritárias para as pesquisas. Seqüelas neuropsicológicas, perturbações psicológicas e medidas de qualidade de vida, nessa ordem, foram as principais variáveis psicológicas consideradas. Medidas psicométricas, entrevistas clínicas e questionários foram os instrumentos utilizados com maior freqüência. (Hughson e col., 1988; Gillimgham, 1988; Erikson, 1988; Tromp, Staal & Kalma, 1989; Richardson, 1989, Schindles e col., 1989; Petrie, 1989; Fallowfield e col., 1990; Winefield e col., 1990; Phipps, 1991; Tiefer, Moss & Melmam, 1991; Walmsley, Brockopp & Brockopp, 1992). Estudos sobre a enfermidade ("psicologia do doente") podem também ser considerados relevantes para esse tópico. Nessa área, a maioria das investigações têm sido conduzidas para verificar hipóteses originadas de proposições teóricas, variando dos tradicionais estudos pscodinâmicos às abordagens cognitivistas (Mechanic, 1985). Não encontramos estudos baseados em ODMC na literatura revisada.

 

Método

Seis mulheres (idade 35,5 ± 6,5 anos) e quatro homens (42,5 ± 8,7 anos) tiveram o seu comportamento verbal diretamente observado através de um aparelho eletrônico especialmente projetado para uma observação direta e não-invasiva das suas verbalizações. Os dados foram coletados na Clínica Cirúrgica de um hospital geral de porte médio (150 leitos) em São João del-Rei, MG, uma cidade de aproximadamente 80.000 habitantes. Todos os pacientes procederam dessa cidade ou de cidades imediatamente vizinhas, para as quais São João del-Rei é o polo para serviços de saúde. Os dados demográficos e médicos desses pacientes estão apresentados na tabela 1.

 

 

Depois de várias tentativas fracassadas, foram construídos microtransmissores de FM (freqüência modulada) que puderam ser inseridos num tubo plástico de PVC, sendo esta estrutura afixada num tripé hospitalar do tipo usado para pendurar soro e outros equipamentos hospitalares padrão. Esses microtransmissores enviavam seus sinais (as vocalizações do paciente) para um rádio receptor instalado numa cabina móvel, onde eram gravados em fita magnética e, ao mesmo tempo, registrados cursivamente (registros redundantes).

As enfermarias da clínica cirúrgica no hospital tinham uma média de seis leitos cada. Um conjunto microtransmissor e cinco simulacros eram instalados à cabeceira de cada um dos leitos duas semanas antes do início da investigação, de forma que os pacientes recém-chegados encontrassem o equipamento de observação já incluído e mesclado com os demais equipamentos hospitalares padrão. Rotinas diárias de "medidas" foram estabelecidas como um pretexto para ligar e desligar o conjunto transmissor e uma estória de cobertura foi projetada para, quando necessário, explicar o equipamento e as "medidas".

Quando da alta hospitalar, cada paciente observado recebia uma explicação completa sobre a pesquisa, tinha acesso completo ao registro das suas verbalizações e solicitávamos a sua permissão formal para incluir os dados na pesquisa.

Como sujeitos, foram considerados somente pacientes submetidos a cirurgias que demandassem um mínimo de 72 horas de internação pós-cirúrgica e que recebessem anestesia geral. Para evitar as complexidades adicionais de trabalhar com diferentes faixas etárias, somente pacientes adultos, entre 21 e 65 anos foram considerados. Os sujeitos que atenderam a esses critérios foram selecionados em sucessão temporal simples, por ordem de internação.

As verbalizações dos sujeitos foram registradas durante seis horas por dia: duas horas pela manhã, duas horas pela tarde e duas horas à noite. Cada sujeito foi observado durante três dias consecutivos (daqui por diante denominados Dia 1, Dia 2 e Dia 3) a contar do dia da intervenção cirúrgica (Dia 1), perfazendo portanto um total de 18 horas de verbalizações registradas para cada paciente. Para a tomada dos registros, cada período observacional consistia de duas horas de registros contínuos, com um intervalo de 15 minutos entre elas para descanso do observador.

Antes dos registros, cada auxiliar de pesquisa era treinado para identificar com 100% de acerto a "voz" do sujeito, distinguindo-a das dos seus companheiros de enfermaria através de registros gravados de voz de cada um deles, comparados posteriormente à observação visual/ auditiva das verbalizações anotadas por um outro observador, dentro da enfermaria.

Para cada período de observação, tinhase registros cursivos das verbalizações e gravados em fita magnética. A cada dia, o pesquisador comparava uma amostra das verbalizações registradas em fita magnética (20% do tempo total gravado) com os registros cursivos para o mesmo intervalo. O material registrado foi aceito somente quando comprovada a fidelidade entre os dois registros. Uma vez aceitos, a totalidade dos conteúdos verbais registrados no período foi incluída no estudo.

Um dos tratamentos clássicos desse tipo de dados consiste em organizá-los num catálogo de comportamentos ou um catálogo de categorias2 . Os episódios verbais podem ser separados por seus subtemas ou conteúdos e esses conteúdos organizados em categorias e subcategorias. Essas categorias e subcategorias são obtidas através de sucessivos exames do material registrado. Cada categoria e subcategoria são então definidas operacionalmente de forma a assegurar que determinados conteúdos possam ser incluídos somente em cada uma delas, com a exclusão de qualquer outra. Seguindo esses procedimentos, organizamos um Catálogo de Comportamento Verbal (apresentado integralmente no item "Resultados", abaixo) contendo três categorias técnicas (acrescido de mais uma categoria residual, "Outras") e 24 subcategorias. Nesse estudo, os conteúdos verbais foram considerados como subcategorias e as unidades temáticas que agregavam essas subcategorias denominadas categorias.

Em estudos onde o episódio verbal é a variável observada, são comuns conteúdos que podem ser considerados em mais de uma subcategoria. Para minimizar esse problema, as categorias e subcategorias foram organizadas numa hierarquia descendente, na ordem em que estão apresentadas no Catálogo. Dessa maneira, um dado conteúdo verbal foi incluído na categoria hierárquica mais alta que pudesse conter a maior parte do seu conteúdo. Não obstante, e com o objetivo de reduzir um possível viés do pesquisador que pudesse levá-lo a favorecer categorias de maior interesse para a investigação, sempre e quando o conteúdo apresentou uma reconhecida ambigüidade, a categorização foi feita na categoria hierárquica mais baixa que pudesse contê-lo.

Uma vez estabelecido um catálogo preliminar, o pesquisador classificou, sozinho, 20% dos conteúdos verbais, organizando-os nas categorias e subcategorias propostas. Para verificar a objetividade e exclusividade das categorias e subcategorias, estes conteúdos verbais foram então submetidos a dois juizes independentes, aos quais pediu-se procedessem à classificação dos mesmos conteúdos de acordo com as definições apresentadas no Catálogo. Esta fase implica na crítica externa das subcategorias propostas, no que se refere à objetividade, precisão e caráter excludente das suas definições. Esta técnica tem por medida um índice de concordância. Conforme uso indicado pela literatura, o valor de corte desse índice para a aceitação ou rejeição do catálogo foi fixado em 85,0%. Valores abaixo deste número implicaram na revisão do catálogo, reformulação de subcategorias que se mostraram ambíguas e na apresentação da nova versão a dois novos juizes, que não haviam sido expostos às versões anteriores. O catálogo foi considerado adequado e o pesquisador propriamente treinado quando o índice de concordância entre os juizes e pesquisador atingiu o valor de 86,9%. A partir daí, o pesquisador procedeu, sozinho, à classificação do restante do material.

 

Resultados

Catálogo do comportamento verbal do PPC

(com exemplos de conteúdos classificados)

A versão final do catálogo tem três categorias técnicas (mais uma categoria residual "outras") e 24 subcategorias, redigida como se segue:

Episódio clínico do pós-cirúrgico (E)

Compreende as seguintes subcategorias:

Estado físico (E1): a verbalização do PPC relata alterações no seu funcionamento biológico, bem como dúvidas, preocupações e/ou antecipação de seqüelas ou benefícios.

• Não pode nem por a mão.

• Tô com a boca seca.

Alta hospitalar (E2): a verbalização do PPC relata desejo, expectativas ou dúvidas referentes à alta hospitalar.

• Fiquei tão emocionada de ir embora que nem falei da tosse.

• Tô doida p'rá chegar em casa.

Estado psicológico (E3): a verbalização do PPC relata estados emocionais e suas variações bem como dúvidas, preocupações e/ou antecipação destes estados.

• Vim tranqüila, mas dá um nervoso por dentro.

• [Sentindo frio?] Não, é medo mesmo!

Medicação (E4): a verbalização do PPC relata a demanda, recusa ou a apreciação de efeitos positivos ou negativos de medicamentos.

• Posso tomar uma injeção agora?

• Dá uma vontade de desligar o soro.

Dor (E5): a verbalização do PPC relata a presença, ausência ou quaisquer variações da dor bem como dúvidas, preocupações e/ou antecipação de dor, incluindo a vocalização de indicadores paralingüísticos expressivos da dor (ái, úi etc.)

• Tá doendo muito!

• Ai, ái. Ahh! Jesus!

Relações com o médico (E6): a verbalização do PPC relata a demanda, recusa e/ou dúvidas ou expectativas de ação médica, quando formuladas diretamente àquele profissional.

• Ainda vai ficar com o soro muito tempo?

• Quando vou tirar o curativo?

Episódio cirúrgico (E7): a verbalização do PPC relata dados históricos positivos ou negativos do episódio cirúrgico, bem como dúvidas, indagações e/ou afirmações sobre este episódio.

• Depois que a gente opera, sente um frio danado.

• No dia que operei não dei notícia de nada o dia inteiro.

História clínica (E8): a verbalização do PPC relata dados históricos positivos ou negativos de sua saúde anterior ao ato cirúrgico incluindo conteúdos referentes a crenças pessoais e filosofia de vida no que diz respeito ao binômio saúde/doença.

• Tive cólica uma vez, ai fiz exame, fiz ultra-som, e deu.

• Eu falo que a doença p'rá chegar tem facilidade, mas p'rá sair...

Profissionais (E9): a verbalização do PPC relata apreciações positivas ou negativas sobre as pessoas dos profissionais de saúde, incluindo o pesquisador e auxiliares.

• A outra enfermeira é mais boazinha.

• Dizem que o Dr. X é bom.

Enfermagem (E10): a verbalização do PPC relata a demanda, a recusa, dúvidas e/ou a antecipação de quaisquer efeitos positivos ou negativos dos procedimentos de enfermagem, aplicados ao próprio PPC ou a outros PPC presentes, excluindo atos praticados por enfermeiros(as) que não sejam específicos de sua profissão.

• Quero mudar de posição.

• Precisa ser na veia? (Injeção)

Atendimento hospitalar (E11): a verbalização do PPC relata a demanda, a recusa e/ou a apreciação positiva ou negativa do atendimento hospitalar, considerados como tais os aspectos quantitativos e qualitativos dos procedimentos burocráticos, dos serviços de hospedagem, do mobiliário hospitalar e dos serviços paraclínicos (exames, fisioterapia etc).

• Essa cama é ruim.

• Tem chá? Então eu vou querer chá!

Ambiente hospitalar (E12): a verbalização do PPC relata a apreciação positiva ou negativa do estado e/ou eventos presentes no ambiente hospitalar bem como quaisquer alterações neste ambiente, excluindo as contidas na subcategoria Atendimento Hospitalar.

• Já passou três ali, p'ra ir operar.

• As enfermeira andam o dia inteiro, né? Não sei como elas agüentam!

Variáveis psicossociais (E13): a verbalização do PPC relata a apreciação positiva ou negativa de seu funcionamento social, sexual, ocupacional e de lazer bem como dúvidas, preocupações e/ou antecipação de seqüelas ou benefícios, sempre que explicitamente ligadas ao episódio cirúrgico.

• Quem é que vai me querer assim?

• Ah! Não sei se vou dar conta de mais de uma, não.

Relações sociais (R)

Compreende as seguintes subcategorias:

Informações (R1): a verbalização do PPC relata a demanda ou oferecimento de informações excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Pós-cirúrgico.

• Almoço é 11 horas.

• De onde a senhora é?

Ajuda (R2): a verbalização do PPC relata a demanda, recusa e/ou o oferecimento de ajuda, excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Pós-cirúrgico.

• Quer que ajuda a senhora a arrumar a "comadre"?

• Levanta a cama um pouquinho.

Amenidades sociais (R3): a verbalização do PPC relata cumprimentos e/ou conteúdos sociais corriqueiros.

• Vai com Deus "ocê tarmém".

• Calor hoje, né?

Afeto (R4): a verbalização do PPC relata a demanda, a oferta e/ou a verbalização de sentimentos, bem como expressões de agrado ou desagrado referentes a pessoas ou coisas, excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Pós-cirúrgico.

• Coitada! Tá sofrendo tanto ....

• Óia! Bonita!

Terceiros (R5): a verbalização do PPC relata apreciações positivas ou negativas sobre terceiros, excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Póscirúrgico.

• Esse rapaz tem jeito de crente.

• Aquele cara é assim mesmo.

Vida cotidiana (V):

Compreende as seguintes subcategorias:

Trabalho (VI): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes à sua vida ocupacional, excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Pós-cirúrgico.

• Lá a gente trabalha é na roça, sem luz.

• Eu gosto de cuida dos bicho.

Família (V2): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes à sua família (cônjuge, filhos, parentes de primeiro grau), excluindo as contidas na subcategoria Afeto.

• Tenho uma filhinha linda.

• Meu marido vem aqui todo dia, me ver.

Grupo social (V3): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes ao seu grupo social imediato, excluindo as contidas na subcategoria Afeto.

• Minha vizinha é que trouxe.

• Ela é minha colega.

Situação econômico-financeira (V4): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes à sua situação econômico-financeira.

• Tenho que voltar ao trabalho...

• Logo agora que a gente táva sem dinheiro ...

Filosofia de vida (V5): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes a crenças pessoais e filosofia de vida, excluindo as contidas nas subcategorias da categoria Episódio Clínico do Pós-cirúrgico.

• Você reza p'ra N. S. do Carmo, p'ra ela te ajudá.

• Cargueja é bom para o cabelo.

Passatempos (V6): a verbalização do PPC relata conteúdos referentes a passatempos (hobbies) e/ou temas de interesse pessoal (esportes, filmes, política, vida social etc).

• Eu gosto mesmo é de ficar passeando, lá.

• Cê viu o capítulo de ontem? [da novela].

Sob cada uma dessas categorias - e sub-categorias - um total de 763 conteúdos foram registrados nas 180 horas de observação, agrupados pela manhã, tarde e noite dos Dias 1,2 e 3 (tabela 2). Foram registrados uma média de 30,5 conteúdos por dia para cada paciente, embora com uma grande variabilidade (Desvio Padrão = 34,5).

Dos 763 conteúdos, 450 (59%) foram incluídos na categoria Episódio Clínico Pós-cirúrgico, 257 (33,7%) na categoria Relações Sociais, 34 (4,5%) na categoria Vida Diária e 22 (2,9%) na categoria residual Outras (figura 1).

 

 

Os dados podem ser distribuídos para evidenciar a variação do número de conteúdos verbais incluídos em cada categoria, ao longo dos dias de observação. No Dia 1 foram registrados 19,8% do total de conteúdos verbais registrados. Nesse dia, 77,0% dos conteúdos foram classificados na categoria Episódio Clínico Pós-cirúrgico (E), 19,2% na categoria Relações Sociais (R) e 3,7% na categoria Outros (O). O Dia 2 registra 316 conteúdos verbais, correspondendo a 41,4% do total geral, dos quais 54,1% foram registrados na categoria Episódio Clínico Pós-cirúrgico (E), 37,7% em Relações Sociais (R), 4,4% na Categoria Vida Diária (V) e 3,8% em Outros (O). Já o Dia 3 recebeu 38,7% dos registros totais e nesse dia 52,2% dos conteúdos verbais foram registrados no Episódio Clínico Pós-cirúrgico (E), 37,7% em Relações Sociais (R), 6,8% em Vida Diária (V)e 3,4%em Outros (O).

Além dos agrupamentos maiores, por categorias, os resultados podem também ser apreciados em cinco agregados considerando-se as subcategorias: (1) total geral de conteúdos registrados em cada subcategoria; (2) total por subcategorias para os Dias 1,2 e 3; (3) total em cada subcategoria para pacientes femininos e masculinos; (4) total em cada subcategoria para pacientes com outras doenças médicas comparado com os negativos para essa variável e (5) total em cada subcategoria para pacientes com exposição prévia à terapia cirúrgica comparado aos negativos para essa variável. As sub-categorias com números de conteúdos registrados acima da média estão apresentados na tabela 3.

 

 

Considerando as subcategorias (figura 2), vê-se ao longo dos três dias uma constante queda dos conteúdos verbais incluídos nas subcategorias Dor (E5), Estado Físico (E1), Medicação (E4) e Enfermagem (E10). Inversamente, as subcategorias Alta Hospitalar (E2), Profissionais (E9), Ambiente (E12), Amenidades Sociais (R3), Família (V2) e Sentimentos (R4) mostram um crescimento contínuo. Um desenvolvimento particular pode ser observado nas subcategorias Episódio Cirúrgico (E7), Serviços Hospitalares (E11), Informações (R1) e Ajuda (R2), onde um número mais elevado foi registrado no Dia 2, seguido por uma queda no Dia 3.

Como já esclarecemos mais acima, além do pequeno número de sujeitos, estes dados procedem de um série temporal não-randômica. Desta forma, os dados comparativos entre os PPC masculinos e femininos estão aqui apresentados somente para efeitos de exploração do potencial do método e do tratamento quantitativo adotado, na exploração das variáveis comportamentais relacionadas à terapia cirúrgica.

Não foram observadas diferenças quantitativas entre a distribuição dos conteúdos verbais para pacientes masculinos e femininos (figura 3). Pequenas diferenças podem ser observadas em algumas subcategorias -como em Estado Físico (E1) e Amenidades Sociais (R3), ambas maiores para os pacientes masculinos.

Considerando-se a percentagem de conteúdos verbais por categorias, os PPC Masculinos mostraram uma elevação na categoria Relações Sociais (R) (37,8% masculinos, 30,6% femininos) e, para os PPC Femininos, nota-se a elevação na Categoria Vida Diária (5,1% femininos, 3,6% masculinos). A categoria Episódio Clínico Pós-Cirúrgico conteve 60,9% dos conteúdos verbais do pacientes femininos, contra 56,5% para os masculinos.

Considerando a variável "outras doenças médicas", diferenças podem ser notadas em várias subcategorias (figura 4). As diferenças mais notáveis podem ser vistas nas subcategorias Enfermagem (E10) - 4,1% para os Positivos contra 9,2% para os negativos - Amenidades Sociais (R3), 12,9% para os Positivos contra 7,9% para os negativos e na subcategoria Família (V2) - 3,1% para os Positivos contra 1,3% para os Negativos.

Em um questionário utilizado para entrevistar os PPC ao fim do período de observação, perguntou-se sobre a presença (Positivos) ou ausência (Negativos) de outras doenças médicas maiores além daquela que motivou a operação e, também, se a presente cirurgia seria a primeira experiência (Negativos) ou se já haviam sido submetidos à terapia cirúrgica (Positivos). A fonte primária destes dados está apresentada na tabela 1.

Quando consideramos a variável "experiências cirúrgicas prévias" (figura 5), as diferenças mais notáveis podem ser observadas nas subcategorias Enfermagem (E10) - 4,3% para os Positivos contra 8,4% para os Negativos, Amenidades Sociais (R3), onde temos 7,1% para os Positivos contra 11,4% para os negativos e Família (V2) - 4,3% para os Positivos contra 1,0% para os Negativos.

 

Discussão e conclusões

Conforme já dissemos na introdução deste trabalho, estudos e investigações não invasivas de pacientes cirúrgicos baseados em ODMC não são comuns. Considerando o caráter eminentemente empírico desse método de investigação e a sua importância como fonte primária para a classificação dos fenômenos, parece-nos de todo conveniente desenvolvermos uma apresentação mais detalhada dos nossos resultados. Para esse fim, apresentamos a seguir algumas análises tentativas dos resultados obtidos e, onde possível, um cotejo dessas análises com resultados obtidos em pesquisas de outras orientações.

Estudando traumas na medula espinhal, Trieschmann (1986) propôs um modelo no qual o melhor manejo clínico do paciente na fase aguda, deveria considerar principalmente as variáveis orgânicas, com alguma atenção às variáveis psicológicas básicas, tais quais a presença ou ausência de depressão, de ansiedade e de raiva. A autora afirma que variáveis psicológicas mais complexas assumiriam maior relevância durante a fase de recuperação, tais como as estratégias de enfrentamento do paciente, hábitos, auto-estima e outras variáveis de natureza ambiental. Nossos resultados são compatíveis com a proposição daquela autora. Considerando-se a fase pós-cirúrgica imediata como uma fase aguda e examinando-se os resultados período a período, vemos que os conteúdos verbais registrados na manhã do Dia 1 foram quase totalmente incluídos na categoria Episódio Clínico Pós-Cirúrgico (mais de 80%) e mais da metade desses incluíram-se na subcategoria Dor (E5). A maioria dos conteúdos verbais registrados consistiram de índices paralingüísticos de dor (ái, úi, ahh etc).

A tarde do Dia 2 foi o primeiro período onde o número de conteúdos verbais registrados na categoria Relações Sociais (R) ultrapassou aquelas registradas nos Episódio Clínico Póscirúrgico e somente na tarde do Dia 3 a categoria Vida Diária mostrou registros acima da média em algumas subcategorias. Subcategorias que incluíam respostas aos estímulos ambientais distais somente mostraram números superiores à média a partir da tarde do Dia 2 e na manhã do Dia 3, respectivamente, Serviços Hospitalares (E11) e Ambiente Hospitalar (E12).

Esses resultados sugerem que a freqüência de respostas aos estímulos psicológicos, psicossociais e ambientais, aumenta vagarosamente depois da cirurgia e que intervenções psicológicas ou psicossociais poderiam ser programadas para otimizar a probabilidade de respostas. Se confirmados esses resultados, o Dia 2 seria o momento para o início de intervenções psicológicas e/ou psicossociais e o Dia 3 para manejos ambientais distais.

Nossos resultados alinham-se parcialmente com os achados de Carr (1990) de que a dor pós-cirúrgica é uma variável crítica no pós-operatório. Não obstante, esse autor encontrou que as manhãs e as tardes são os períodos em que a dor é maior. Nossos dados divergem desses achados. A evolução da subcategoria Dor (E5) no nosso estudo pode ser vista na tabela 4. A manhã do Dia 1 não foi considerada porque a ação química da analgesia e anestesia poderiam mascarar os resultados.

 

 

Já foi demonstrado que a dor pode ser fortemente influenciada pelas variáveis psicológicas (Feinmann e col., 1987; Winefield e col., 1990; Boeke, 1991). Assim sendo, é importante saber que, nos hospitais brasileiros, as tardes são os períodos onde tradicionalmente se permitem visitas e, naquele contexto, os estímulos sociais poderiam competir eficazmente com os estímulos proprioceptivos de dor, predominando na colagem de estímulos (Baldwin & Baldwin, 1986). Muito embora estímulos sociais de visitantes estejam também presentes na tarde do Dia 3, este período difere do mesmo período do Dia 2 em um importante fator: a tarde do Dia 2 é presumidamente o primeiro período no qual os PPC estão capacitados a responder à estimulação psicossocial em conjunção com a presença desses estímulos. No Dia 1 os conteúdos verbais do PPC estão focados nas variáveis do Episódio Clínico Pós-cirúrgico e, como já sugerimos, ele/ela poderia responder mais prontamente aos estímulos diretamente originados pela intervenção cirúrgica propriamente dita.

Em 103 pacientes submetidos à cirurgia buco-maxilar sob anestesia geral, Feinmann e col. (1987) não encontraram diferenças entre pacientes masculinos e femininos com relação a duas variáveis: dor e consumo de analgésicos. Como demonstra a figura 3, nossos dados também estão alinhados com os achados deste estudo: no que concerne à dor (E5), não encontramos diferença entre os sujeitos masculinos e femininos quanto ao número de conteúdos verbais incluídos nesta subcategoria.

O episódio cirúrgico, considerado como um todo e nas suas implicações biológicas, psicológicas e sociais, indica ser o principal conteúdo das verbalizações do PPC. Conteúdos verbais referentes às relações sociais e vida pessoal só emergem gradualmente, mantendo uma relação inversa com conteúdos provavelmente sob controle de variáveis orgânicas, em especial a dor. Tomando a freqüência absoluta dos registros por categoria, período a período, encontramos as seguintes relações (Pearson):

• entre as categorias Episódio Clínico Pós-cirúrgico e Relações Sociais: r = 0,148;

• entre Episódio Clínico Pós-cirúrgico e Vida Cotidiana: r = - 0,469;

• entre Relações Sociais e Vida Cotidiana: r = +0,274.

A dor indica ser o estímulo que maior controle exerce no comportamento verbal do PPC. As relações entre a subcategoria Dor (E5) e as categorias Relações Sociais e Vida Diária é elucidativa. Relacionando a freqüência absoluta de registros na subcategoria Dor (E5), período a período, com a categoria Relações Sociais, encontramos uma relação (Pearson) de r = - 0,492. A mesma relação entre Dor (E5) e Vida Cotidiana apresentou um r = - 0,611. A magnitude dessas relações negativas indicam que o manejo otimizado da dor pós-cirúrgica pode ser um fator decisivo na reinstalação do comportamento social e pessoal do PPC. O restabelecimento de respostas à estimulação social permite a entrada em ação dos efeitos terapêuticos das interações sociais e estabelece a possibilidade de manejos psicológicos e psicossociais.

Nesse estudo, a vida pessoal do PPC, vale dizer, suas respostas verbais sob controle de estímulos próprios da sua história pessoal está representada na emissão de conteúdos verbais referentes à sua família, seu grupo primário, sua vida ocupacional e seus "valores" pessoais, como definidos na categoria Vida Cotidiana e suas subcategorias. A relevância do restabelecimento dessas respostas para a recuperação plena das pessoas enfermadas em geral e para o PPC, em particular, é de aceitação comum e cremos não necessitar maiores elaborações. Igualmente relevante é a recuperação das suas respostas aos estímulos ambientais mais distais.

Considerando a categoria Episódio Clínico Pós-cirúrgico em si mesmo, as subcategorias Estado Físico (E1), Dor (E5) e Enfermagem (E10) mostraram-se acima da média em quase todos os períodos de observação. Tomando a freqüência absoluta destas subcategorias, período a período, encontramos as relações mostradas na tabela 5.

 

 

Esses resultados indicam que os estímulos implícitos nos conteúdos verbais registrados sob a subcategoria Estado Físico (E1) podem ser um importante fator na solicitação de serviços de enfermagem. A dor seria um componente secundário nessa solicitação. Essa indicação é fortalecida pela ausência de uma relação apreciável entre Estado Físico (E1) e Dor (E5).

Um exame dos conteúdos verbais subcategorizados em Estado Físico (E1) (veja-se o catálogo, p. 6), sugere que esses episódios verbais do PPC possam estar sob controle do valor temporariamente aumentado dos estímulos que estabelecem a discriminação de alterações no seu funcionamento fisiológico, em conjunto com respondentes emocionais e processos verbais desadaptativos eliciados nestas contingências (McHiigh & Val lis, 1985).

Pacientes com prévia exposição às contingências da enfermidade, ou seja, aqueles com experiência prévia em terapias cirúrgicas e/ou pacientes portadores de outras doenças médicas maiores, além da tratada cirurgicamente, apresentariam dados diferentes dos PPC negativos para estas variáveis? As tabelas 6 e 7 mostram o percentual registrado nas subcategorias Estado Físico (E1), Dor (E5) e Enfermagem (E10), para os agregados de PPC Positivos e Negativos. Exceto para Dor (E5), encontramos nessas subcategorias valores consistentemente menores para os pacientes Positivos, tanto para aqueles com experiência cirúrgica anterior como para os portadores de outras doenças médicas.

 

 

 

 

Esses resultados sugerem que esses pacientes respondem diferencialmente aos estímulos dessa situação. Uma hipótese plausível para exame posterior é a de que, para os Positivos e pela habituação, os estímulos internos e externos da situação de "doente" exerçam menos controle e/ou eliciem respondentes emocionais menos aversivos e/ou processos verbais menos desadaptativos. Estamos, no momento, desenhando uma pesquisa para verificar esta hipótese.

Seguindo a direção que essa hipótese indica, poderia ser possível um melhor controle da solicitação de serviços de enfermagem através de ações preventivas no pré-operatório, seguidas de um criterioso manejo pós-cirúrgico. Como exemplos de ações preventivas potencialmente eficazes, citamos a inoculação de estresse, o treinamento para a discriminação de respostas fisiológicas normais e alteradas para a situação e o man úrgico, se tinham ou não experiência prévia etc).

É interessante notar que, embora a subcategoria Dor (E5) mantenha o mesmo valor para PPC Positivos e Negativos para outras doenças, verificamos uma pequena diferenciação quando comparamos, para essa mesma subcategoria, os Positivos e Negativos para experiência cirúrgica prévia (tabelas 6 e 7). Aqui, também, nossos dados alinham-se com os achados de Walmsley e col. (1992), de que experiências anteriores com a dor pós-cirúrgica podem aumentar a "expectativa" de dor em intervenções subsequentes (outras evidências sugerem que o conceito mentalista "expectativa", utilizado pelos autores, pode ser trocado com proveito pelo conceito de sensibilização (ou sensitização), incomparavelmente mais sólido (Todorov, 1991; Sato, 1995).

Nossos dados indicam diferenças entre os PPC que portavam um diagnóstico positivo para outras doenças além daquela sob tratamento cirúrgico (Positivos), quando comparados aos dados dos Negativos para essa variável (figura 4 e tabela 7). Os Positivos solicitaram menos serviços de enfermagem, emitiram menos conteúdos verbais referentes ao seu estado físico, alta hospitalar, medicação e história clínica. Por outro lado, estiveram mais envolvidos na troca de informações e nas amenidades sociais. Os Positivos também verbalizaram mais conteúdos referentes à sua vida familiar.

Dito de outra maneira, o comportamento verbal dos Positivos sugere um menor controle das variáveis consideradas na categoria Episódio Clínico Pós-cirúrgico (exceto com relação à dor, E5) e as suas respostas à estimulação social e às variáveis da sua história de vida (pessoal) foram mais freqüentes. Como já consideramos anteriormente, esses resultados permitem supor que esses pacientes desenvolveram melhores estratégias de enfrentamento (coping skills) e, se confirmada esta hipótese, nosso desafio será discriminar as contingências que possam estar determinando esse fenômeno, para oferecer uma melhor adaptação aos Negativos. A análise desse agregado indica também que a dor pós-cirúrgica é relativamente independente de outras variáveis psicológicas e psicossociais presentes no contexto pós-cirúrgico, o que a coloca à parte como um possível tópico especial de investigação.

Examinando o agregado para PPC com experiência prévia em terapias cirúrgicas (Positivos) em comparação com os Negativos para a mesma variável (figura 5) o quadro é, grosso modo, o mesmo apresentado para os Positivos e Negativos para outras doenças médicas, exceto quanto às subcategorias Dor (E5) e Família (V2). Para essas, os Positivos evidenciaram um ligeiro aumento no número de conteúdos verbais incluídos em Dor (E5) e nos conteúdos registrados sob Família (V2). Como já discutimos, experiências prévias com dor pós-cirúrgicas poderiam explicar esse resultado para a subcategoria Dor (E5) mas não encontramos, na literatura consultada, hipóteses que pudessem explicar o resultado observado na subcategoria Família (V2).

Resumindo as evidências e discussões até agora apresentadas, nossos resultados sugerem que pode existir um manejo otimizado do tempo para as intervenções médicas, psicológicas e ambientais (optimal timing). Uma vez que esta indicação pode ter importantes implicações clínicas, investigações mais extensivas ao longo dessa linha parecem-nos recomendadas.

Esse estudo também mostrou-se alinhado com outras investigações sobre a dor pós-cirúrgica. Além da importância dessa variável em si mesma, as relações negativas observadas entre ela e as subcategorias registradas sob Relações Sociais e Vida Cotidiana indicam que um melhor controle da dor pós-cirúrgica poderia ajudar o PPC a reassumir mais rapidamente o seu funcionamento social e pessoal, com claras vantagens para a sua recuperação de vez que, na convalescença, o comportamento do paciente, coisas que ele faz ou deixa de fazer, são essenciais para a sua recuperação (Trieschmann, 1986).

Por suas conseqüências imediatas e relevantes para o manejo técnico do PPC e da organização dos serviços hospitalares, é de todo oportuno um estudo para confirmar a hipótese que levantamos para os nossos dados, no que se refere às variáveis que poderiam estar controlando a solicitação de serviços de enfermagem.

Os dados obtidos sugerem que o episódio cirúrgico poderia funcionar como uma operação estabelecedora (Michael, 1982, Vollmer & Iwata, 1991; Northup e col., 1997) ativando o valor de reforçamento de certos estímulos. Por suas implicações teóricas e práticas, fica também indicada uma exploração mais cuidadosa desta proposição.

Apesar do grande número de episódios verbais registrados, o pequeno número de sujeitos e a natureza não-aleatória da seleção dos sujeitos impede, como já dissemos, a generalização dos resultados aqui obtidos e limita fortemente as conclusões que deles possam ser derivadas. As próprias categorias e subcategorias e os conteúdos verbais relacionados no nosso catálogo precisam ser testados por uma operação reversa, isto é, novos PPC, numa amostra maior e de seleção aleatória, deveriam ter suas verbalizações registradas através das categorias propostas neste Catálogo e receber o mesmo tratamento quantitativo. Distribuições e resultados similares viriam a confirmar a sua validade e corroborar as inferências apresentadas.

O pressuposto de que os conteúdos verbais registrados possam estar sob controle total ou parcial de estímulos particulares do episódio pós-cirúrgico será fortalecido se houver um grupo de controle (por exemplo, pacientes internados na clínica médica ou obstétrica). Na ausência desse controle, não é possível afirmar que o comportamento verbal observado não estivesse sob controle de outras variáveis, comuns ao ambiente hospitalar, e/ou variáveis comuns também a outras terapias médicas.

Uma informação mais detalhada do contexto específico da ocorrência de cada conteúdo verbal tornaria possível uma análise dos estímulos antecedentes e conseqüentes - verbais ou não - que pudessem estar controlando a emissão de um dado conteúdo. Tal análise permitiria a determinação de relações funcionais e, ações que daí derivassem, teriam um alcance e precisão aumentados. Por exemplo, podemos indagar se os conteúdos verbais que registramos variariam (e como variariam) caso o PPC estivesse interagindo com um outro PPC, ou um profissional de saúde, ou uma visita etc. Com essa informação, estaríamos em melhores condições para verificar que estimulação cada um desses grupos propicia e como essa estimulação poderia ser clinicamente manejada para adaptar-se melhor às necessidades do PPC, Os dados primários usados neste estudo foram registrados em cinco contextos diferenciados por interlocutores e uma análise à partir desse enfoque poderá ser o tema de um próximo trabalho.

Finalmente, uma análise qualitativa dos conteúdos verbais registrados poderia prover uma comparação útil entre estas categorias empíricas e as categorias teóricas que prevalecem na literatura desta área.

Por todas as limitações acima expostas, temos bem presente que esse trabalho constitui uma investigação exploratória. Como a maior parte dos trabalhos iniciais numa certa metodologia, pensamos que este estudo piloto mais proponha questões do que ofereça respostas. Não obstante, noutra oportunidade já havíamos feito notar as dificuldades e riscos, quando transferimos referenciais teóricos e/ou manejos técnicos desenvolvidos num ambiente, para outro, cujas especificidades podem mudar significativamente as conseqüências de respostas modeladas sob outras contingências (Starling, 1999). Entendemos que, nesses casos, é necessária uma sólida fundamentação através de dados empíricos para quaisquer ações que possamos propor naquele novo ambiente. Um exemplo disso é a indicação, sugerida por nossos dados, de que o PPC poderia ser agredido no pós-operatório imediato por uma intervenção psicossocial bem-intencionada, respaldada pelo "saber comum" psicológico, mas inadequada, porque intempestiva.

De uma maneira geral, temos insistido em que precisamos, com rapidez, obter mais e melhores dados sobre este período do episódio cirúrgico e sobre o ambiente hospitalar em geral para que possamos estar cientificamente habilitados a intervir na terapêutica do PPC e, ao que valha, na do paciente hospitalizado em geral. Caso contrário, correremos sempre o risco de, ao fazermos aquilo que acreditamos já saber, fazermos o inadequado. Com certeza esta é uma sugestão na vertente negativa, mas saber o que não fazer pode ser tão importante quanto saber o que fazer.

Outrossim, no que diz respeito à escolha metodológica e ao tratamento original dos dados obtidos, este estudo indica que a ODMC, a classificação dos dados assim obtidos num catálogo de comportamentos e um tratamento quantitativo, podem constituir um conjunto técnico extremamente útil para a descrição e classificação do comportamento do PPC e, por sua sólida base empírica, indica poder ser estendida com proveito aos estudos das respostas psicológicas ao fenômeno da enfermidade, em geral. Esse método pode também, como ficou demonstrado, evidenciar relações significativas entre comportamentos e contingências particulares daquela fase da terapia cirúrgica, as quais, por sua vez, podem conduzir a importantes desenvolvimentos teóricos e clínicos.

 

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1. Endereço para correspondência: e-mail do autor: umuarama@funrei.br
2. Para os procedimentos detalhados para a confecção de um catálogo de comportamentos bem como definições e operacionalizações de unidades de observação, remetemos o leitor à Starling (1995), onde pode também ser encontrada a indicação de uma extensa bibliografia sobre o assunto.