SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número2Observação direta e medidas do comportamento verbal nas investigações da enfermidade: um estudo pilotoO acesso a eventos encobertos na prática clínica: um fim ou um meio? índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.1 no.2 São Paulo dic. 1999

 

ARTIGOS

 

Procrastinação: descrição de comportamentos de estudantes e transeuntes de uma capital brasileira1

 

Procrastination: description of behaviors in students and passersby from a brazilian city

 

 

Sônia Regina Fiorim EnumoI; Rachel Rodrigues KerbauyII

IUniversidade Federal do Espírito Santo. Professora Adjunto 4 do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento da UFES
IIUniversidade de São Paulo. Professora Titular do Instituto de Psicologia da USP

 

 


RESUMO

Adiar tarefas e decisões é frequente entre brasileiros, mas há poucos estudos no país. Para caracterizar a procrastinação em Vitória/ES, foram aplicados questionários abordando o conceito, o comportamento de adiar e suas conseqüências, em 50 transeuntes e 22 estudantes de Psicologia. Como medida objetiva, os transeuntes receberam um envelope selado e subscritado contendo folha para assinalar três respostas possíveis e devolver entre 7 e 1l5 dias. Os dados mostram que a maioria das pessoas costuma procrastinar. O conceito baseia-se no "tempo"- deixar para depois ou atrasar o início de tarefas diversas como: afazeres domésticos, estudar, ir ao médico e dentista. Há pessoas que se sentem mal, irritadas e culpadas por adiar, enquanto outras relatam não sentir nada ou alívio, dependendo da tarefa. Não conseguem explicar seu comportamento e o atribuem à "preguiça" ou ao desprazer. Devolveram 54% dos envelopes. As diferenças entre amostras e faixas etárias indicam a necessidade de dados específicos para propor medidas de intervenção educacional ou clínica.

Palavras-chave: procrastinação na vida diária; adiamento de tarefas; idade e procrastinação.


ABSTRACT

The procrastination of tasks or decisions occurs frequently among Brazilian people, but few studies concerning this matter have been made. In order to characterize procrastination in the city of Vitoria/ES, questionnaires, containing questions about procrastination concept and behavior and its consequences, were applied in 50 passersby and 22 Psychology students. As an objective measure, the passersby received a stamped addressed envelope, containing a test with three possible answers, which should be sent back within 15 days. The results show that most people procrastinate. It is a time-based concept - do it later, delay the beginning of some tasks such as home routines, school homework, go to the doctor or dentist. While some people feel guilty and irritated when they procrastinate, others tell that they feel nothing or, depending on the task, they feel a sense of relief. Laziness or unpleasant tasks are mentioned as an attempt to explain their behavior. 54% of the envelopes were sent back. The differences found in the samples demonstrate that obtaining specific data is important to the proposal for educational or clinic intervention procedures.

Keywords: procrastination in daily routines; procrastination of tasks; age and procrastination.


 

 

Procrastinação ou adiamento é um comportamento complexo e comum nas pessoas, mas pouco estudado, principalmente em relação às tarefas da vida diária.

Pelas conseqüências de procrastinar, é necessário o estudo sistemático para investigar os antecedentes e conseqüentes de procrastinar, que produza instrumentos para identificação e avaliação das variáveis relevantes. Este estudo tem sido feito na área de autocontrole, e destacando o controle do ambiente e de regras (Malott, Whaley e Malott, 1993).

A conotação moral, com valoração negativa (preguiça, indolência, falta de ambição, indiferença) e implicações religiosas e espirituais para a procrastinação, parece ter surgido nos meados do século 18, após a Revolução Industrial. Procrastinação é, assim, um fenômeno mais típico de sociedades ocidentais e industrializadas. Em outros termos, é um "mal moderno", relevante em países onde a tecnologia é avançada e um programa de adesão é importante. O fazer o necessário no tempo adequado tem conseqüências naturais claras, como bem especifica Follet (1989) em seu romance, exemplificando como ter o porco para alimento no inverno era fundamental para a sobrevivência da família na Idade Média.

O tempo é destacado como uma armadilha (Silver, 1974) e considerado o componente central do conceito. Este autor propõe que procrastinar não implica somente em evitar a tarefa, mas estaria relacionado à habilidade da pessoa fazer uma estimativa do tempo necessário para completar com sucesso a tarefa. Seria assim uma decisão lógica em algumas situações e relacionada à aplicação da teoria de tomada de decisão. Nesse sentido, procrastinar seria resultado da análise de custo-benefício de escolhas comportamentais.

Uma alternativa para essa dificuldade conceitual foi o uso de definições operacionais, originando o emprego de classificações psicométricas, questionários e tratamentos estatísticos correlacionais nas pesquisas da área, que elegeram os estudantes universitários como sujeitos típicos. A operacionalização do conceito apresenta dificuldades quando se deseja fazer comparações entre populações, segundo avaliação de Ferrari, Johnson e McCown (1995). Considero ainda ser difícil a descrição de comportamentos e das condições que os mantém com o emprego de escalas.

Iniciou-se, de acordo com Schouwenburg (1995), uma série de pesquisas sobre procrastinação acadêmica, utilizando questionários psicométricos, como o PASS - "Procrastination Assessment Scale - Students", elaborado em 1984 por Soloman e Rothblum; o API - "Aitken Procrastination Inventory" de Aitken, o inventário de pesquisa mais conhecido da área; o TPS - "Tuckman Procrastination Scale", feito por Tuckrnan, em 1991. Há medidas mais recentes, como o PCS - "The Procrastination Checklist Tasks", que focaliza a distinção entre a intenção de procrastinar e o próprio comportamento; e o APSI - "The Academic Procrastination State Inventory", que enfatiza outro aspecto da procrastinação acadêmica - fazer outra coisa que não seja estudar; além do SPQ - "The Study Problems Questionnaire", uma medida da motivação relacionada a problemas nos estudos; instrumentos estes elaborados por Schouwenburg (1995).

Um recente estudo da área foi realizado por McCows e Roberts, em 1994, com 1.543 estudantes universitários. Segundo Ferrari, Johnson e McCown (1995), esse trabalho confirmou que procrastinar é uma fonte significativa de estresse pessoal, que afeta o desempenho acadêmico, relacionando-se ao desconforto emocional e a desajustamentos.

Autores como Ellis e Knaus (1977), em sua análise clínica, concluíram que a procrastinação em estudantes depende da tarefa e que o medo de errar e a aversividade da tarefa são algumas das causas percebidas.

Outro aspecto analisado na procrastinação, tanto acadêmica como na vida diária, especialmente por psicólogos clínicos, são as crenças falsas, como: ''tenho que ser perfeito ","é mais seguro não fazer nada do que correr o risco e falhar", num modelo de esquiva descrito por Burka e Yuen (1991).

Resumindo, no ambiente escolar, a procrastinação acadêmica pode se apresentar de várias maneiras: comportamento de adiar as tarefas, discrepância entre relatar a intenção de fazer a tarefa e realmente realizá-la, trocando-a por outras atividades, e não fazer pelo medo de falhar.

Note-se que há dados sobre procrastinação em estudantes, e poucos estudos sobre esse fenômeno na população em geral. Milgram, Sroloff e Rosenbaum, (1988) estudaram a procrastinação na vida diária em 314 estudantes universitários através de auto-relato e testes de personalidade. Descobriram existir procrastinação maior em tarefas impostas e menos agradáveis e menor quando as tarefas requeriam habilidades que os participantes consideravam pessoais. Para Ferrari, Johnson e McCown (1995) a procrastinação parece também ter relação com a idade: homens apresentam um pico mais alto aos 25 anos, e outro mais abrupto aos 60 anos; as mulheres já apresentam uma curva de declínio mais suave, após um pico inicial mais acentuado. Esse aumento da procrastinação aos 60 anos pode estar relacionado ao isolamento e limitações de saúde dos idosos; indicando que as dificuldades na área de procrastinação relacionadas com a idade pode ser um novo campo de pesquisa na área, segundo avaliação desses autores.

Da mesma forma que os trabalhos feitos com estudantes, os estudos sobre a procrastinação na vida diária utilizam medidas de autorelato, como o GP - "General Procrastination Scale", elaborada por Lay (1986); além de outras não publicadas como a escala australiana DP - "Decisional Procrastination Scale", feita por Mann, em 1982; o TAP - "The Tel-Aviv Procrastination Inventory", desenvolvido por Sroloff, em 1983; e o AIP - "Adult Inventory of Procrastination", de McCown e Johnson, construído em 1989.

Ferrari, Johnson e McCown (1995) descrevem essas escalas e afirmam que as medidas mais utilizadas são: GP, AIP, DP e TAP. Alertam, porém, que os dados indicando uma relação de causalidade entre procrastinação e estados psicológicos negativos são obtidos por pesquisas correlacionais e não longitudinais, não estando claro se a procrastinação causa disfunções psicológicas ou se relação é inversa. Indicam somente que a procrastinação é mais pronunciada nos jovens e nos idosos.

Na ausência de trabalhos sobre procrastinação na população brasileira, com exceção do trabalho de Kerbauy, Bogre, Balestrero e Bombardi (1993), foi realizada esta pesquisa visando: a) identificar e descrever características do comportamento de procrastinar em amostras da população de Vitória/ES; b) verificar diferenças e semelhanças de sexo e idade em relação à procrastinação, bem como entre estudantes universitários e pessoas da população, no comportamento de adiar.

 

Método

Sujeitos

Foram 72 os participantes desta pesquisa: a) 50 transeuntes entre 20 e 60 anos (10 em cada faixa etária; 5 em cada sexo); b) 22 estudantes universitários freqüentando o 5º período do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo - UFES (4 homens e 17 mulheres, com 21 anos de idade, em média).

Material

Foram utilizados dois tipos de instrumentos:

1. Protocolo de entrevista, com questões sobre: a) adiamento - sobre o conceito de procrastinação; conseqüências do adiamento; sentimentos que tem ao adiar tarefas ou compromissos; relação de dez tarefas que mais costuma adiar e dez tarefas que menos adia, em ordem hierárquica; b) atraso - quanto tempo costuma atrasar em compromissos; quanto tempo espera alguém que se atrasa; sentimentos e pensamentos que tem ao esperar outra pessoa atrasada;

2. Questionário com três questões para assinalar sobre procrastinação de alguma tarefa durante um período. O participante assinalaria o adiamento de alguma tarefa durante as duas semanas seguintes ou deixaria em branco o registro. Um envelope subscritado e selado para colocar a folha de resposta e envia-la.

Procedimento

A coleta de dados variou conforme o tipo de sujeito:

1. Para os 50 transeuntes, foram feitas entrevistas individuais por quatro aplicadores de nível universitário, nas ruas da cidade de Vitória/ES (bairros de classe média). Como medida objetiva da procrastinação, foi entregue o questionário para cada pessoa, com envelope timbrado, selado e endereçado, para ser devolvido pelo correio entre 7 e 15 dias, preenchido ou não.

2. Para os 22 estudantes de Psicologia, foi aplicado o protocolo de entrevista coletivamente, em situação de sala de aula, no 2º semestre de 1994.

 

Resultados

Foram devolvidos 54% dos questionários entregues aos transeuntes, sendo 12 em branco.

Os dados foram categorizados segundo proposta feita em trabalho anterior por Kerbauy, Bogre, Balestrero e Bombardi (1993), e de acordo com os temas e subtemas identificados nas respostas dos entrevistados, como veremos a seguir.

1. Conceito de adiamento - A grande maioria (73,5%) dos participantes concebe o adiamento como "deixar para depois", definição esta apresentada principalmente pelas pessoas na faixa etária de 20 a 29 anos e pelos estudantes (36,5% da amostra).

As mulheres costumam procrastinar mais (36,76%) que os homens (16,18%), especialmente as estudantes (20,59%). Os adultos entre 40-49 anos, de ambos os sexos, dizem procrastinar menos ou não adiar a execução de tarefas, assim como os homens com mais de 60 anos.

2. Adia o início/Interrompe a tarefa - O adiamento, para aproximadamente a metade das pessoas entrevistadas (48,44%), caracteriza-se por adiar o início da tarefa. Entretanto, 25% dos participantes costuma interromper a tarefa começada (perde a paciência e interrompe; começa e pára). Entre eles, 9,38% consideram que o adiamento depende da tarefa e da situação ("se perceber que ficou chata, adio"), principalmente na faixa etária entre 30-39 anos; enquanto 9,38% dos entrevistados (estudantes) deram "outras respostas", como, por exemplo, "há tarefas em que se deve adiar ou interromper e, quem sabe, não terminar".

Contudo, 7,82% reafirmaram que não adiam suas tarefas ("nunca começo outra tarefa sem terminar a anterior', "quando começo, vou até o fim").

O adiar o início da tarefa é mais comum para os estudantes e para os jovens entre 20-29 anos. As pessoas com mais de 60 anos são aquelas que menos adiam o início de alguma atividade. Interromper a tarefa começada foi mais freqüente entre adultos de 30 a 39 anos.

 

 

3. Critérios para adiar - Muitos dos entrevistados (24,61%) disseram não ter qualquer critério para decidir o que adiar, especialmente os estudantes (10,26%). Dentre aqueles que descreveram algum critério, 19,23% estabelecem a "insatisfação em fazer a tarefa" ou um critério do bem-estar; seguindo-se a alegação da "falta de tempo" - 16,67% (estudantes - 10,26% e jovens de 20-29 anos 7,69%), a "irresponsabilidade pessoal": 9,2% (sexo masculino, transeuntes, 40-49 anos = 3,07%); e por último a "falta de importância da tarefa": 9,23% (50-59 anos = 6,15%).

4. Atividades que são adiadas e que não são adiadas - No Quadro 1, observase que, no geral, os homens não adiam seus cuidados pessoais (fazer higiene pessoal, cuidar da aparência, fazer exercícios físicos) e os compromissos de trabalho (decisões importantes, reuniões); enquanto as mulheres não adiam os compromissos sociais (ir à igreja; visitas), assim como os afazeres domésticos (fazer compras, arrumar a casa, fazer comida) e os compromissos financeiros (pagar contas).

 

 

Os homens adiam principalmente os cuidados com a saúde e a execução de tarefas domésticas; tarefas essas que as mulheres costumam adiar com mais freqüência, seguidas do adiamento de cuidados pessoais e de compromissos sociais (visitas, escrever cartas). Os estudantes não adiam as atividades ligadas ao lazer, como ir ao cinema, viajar, ler revistas, suas necessidades fisiológicas (dormir, comer) e também os cuidados com a saúde (ir ao dentista, ao médico). Adiam, porém, o estudo e a execução de afazeres domésticos. Observou-se que as alunas costumam adiar as atividades relacionadas ao estudo (ler textos, fazer trabalhos escolares) e os alunos adiam principalmente assumir compromissos afetivos.

5. O que sentem ao adiar - Destacam-se os dados relacionados aos sentimentos gerados pela ação de procrastinar: a) estado emocional (sentimento de culpa, irritação, angústia): 30,48% (sujeitos com mais de 50 anos = 13,23%); b) autodepreciação (sensação de incapacidade; preocupação): 14,49% (20-29 anos = 4,41%; sujeitos com mais de 40 anos = 8,82%); e c) sensação de bem-estar (alivio; sentir-se relaxado): 11,76% (20,39 anos = 8,82%). Observa-se que estados emocionais de culpa e depreciação são os mais relatados bem como de preocupação. O bem estar por adiar é menos relatado.

6. Perde ou ganha com o adiamento - Ao serem questionados se consideram haver perdas ou ganhos quando adiam tarefas, os entrevistados deram respostas assim classificadas: a) perde tempo e organização (tranqüilidade, dinheiro) = 46,25%, com maior freqüência de respostas dos estudantes (15%) e dos jovens de 20-29 anos (10%); b) ganha tempo para fazer as coisas mais urgentes ou mais agradáveis = 12,5%, especialmente para os estudantes; c) não perde e nem ganha nada com o adiamento = 12,5%, com predominância da faixa etária de 40-49 anos; d) perde a auto-estima, a autoconfiança e a credibilidade = 10%, especialmente nos entrevistados da faixa etária entre 40 e 49 anos; e) a avaliação depende da tarefa = 8,75%, principalmente segundo os estudantes; f) ganhos na auto-estima (satisfação de fazer coisas que gosta; ganha experiência e coragem) = 5%.

7. Chega na hora ou atrasa - Quando questionados se costumam se atrasar para compromissos, a maioria dos entrevistados disseram que são pontuais (59,38%). Os estudantes (10,94%) compõem o grupo de participantes que costumam se atrasar para compromissos (23,44%).

8. Tempo que atrasa - Apesar de 60% dos entrevistados alegarem pontualidade (vide categoria anterior), 40,54% disseram atrasar de 10 a 20 min., especialmente os jovens (faixa etária de 20-29 anos + estudante = 28,38%); as pessoas com mais de 40 anos formam a maioria daqueles que atrasam entre 5 e 10 min.

9. Quanto tempo espera - Na mesma medida em que se atrasam cerca de 20 min., os estudantes e os jovens entre 20-29 anos também esperam por até 30 min. alguém que esteja atrasado (20-29 anos + estudantes = 15,79% dos 32,89% que esperam esse tempo). As pessoas com mais de 60 são aqueles que relatam esperar.

Outro grupo de participantes (22,37%) responderam que "depende" da vontade, ficar esperando ou não, alguém atrasado. Esta resposta foi dada tipicamente pelos estudantes e pelos adultos entre 40 e 49 anos.

10. O que o atraso faz você pensar - Quando questionados sobre as conseqüências do atraso, 33 participantes (44,29%) responderam que pensam ter acontecido alguma coisa, um imprevisto ou problema; resposta esta dada principalmente pelos estudantes. Além da ocorrência de evento externo, outros participantes (28,57%) disseram pensar que o atraso de alguém a um encontro é "irresponsabilidade", especialmente aquelas com mais de 60 anos (8,57%).

Pensar que houve "erro de horário", "indiferença", e "procurar saber o motivo do atraso" correspondem a 8,57% das respostas, classificadas na categoria "outros".

A parcela da amostra (17,14%) que não respondeu a essa questão é geralmente da faixa etária de 30-39 anos.

11. O que o atraso do outro faz você sentir - A segunda questão relativa às conseqüências do atraso, relacionada ao sentimento evocado, mostrou: a) estados emocionais (irritação, aflição, raiva, aborrecimento, decepção, tensão, angústia, ansiedade, nervoso, mal-estar, ódio, impaciência) = 69,12%, principalmente nas pessoas com mais de 60 anos e entre 20-29 anos; b) preocupação = 5,88% (maior na faixa etária de 30-39 anos); c) "outros" (curiosidade, indiferença) = 17,65%; d) não responderam 22% das pessoas entrevistadas (principalmente, entre 30-39 anos).

 

Discussão

Os resultados mostram que procrastinação, neste estudo, significa adiar a execução de tarefas, em geral aquelas consideradas desagradáveis ou sem importância. Os estudantes e os jovens entre 20-29 anos consideram que procrastinar é deixar para depois algo que deveria ser feito no momento. Em geral, as pessoas adiam o iniciar a tarefa, indicando possíveis relações com aspectos motivacionais apontados por Schouwenburg (1995): a falta de disposição ou de prontidão; a discrepância entre intenção de fazer o comportamento e de realizar. Destaca-se, principalmente para os estudantes, a preferência por atividades competitivas e agradáveis pois não adiam o lazer.

O conceito de adiar tem relação com a variável "tempo". No entanto, poucos participantes indicaram ser a procrastinação o resultado da análise de custo-benefício de escolhas comportamentais e a maioria afirma não ter regras para decidir o que adia ou não.

Confirmando a literatura da área e os dados de Kerbauy e cols., 1993, 1997, procrastinar produz sentimentos de inadequação, de culpa, irritação e acúmulo de tarefas. Na revisão de McCows e Roberts (1995), procrastinar relaciona-se com desconforto emocional, sendo uma fonte importante de estresse pessoal, que afeta o desempenho acadêmico. Evidentemente essas constatações evidenciam o fato de que emoções e outros eventos privados nos fornecem informações sobre as contingências que estão atuando no momento.

Contingências específicas controlam o comportamento de adiar, independente do sentimento relatado. Ou seja, os informantes acham ruim esperar alguém atrasado e adiar tarefas, mas isso não impede que se comportem dessa maneira. A esquiva de tarefas desagradáveis no momento, ou com recompensas tardias, favorece a emissão de comportamentos alternativos e, muitas vezes, reforçadores.

Quando comparados aos dados obtidos com os estudantes universitários de São Paulo, (Kerbauy e cols, 1993), não foram encontradas muitas diferenças regionais na amostra de estudantes universitários de Vitória/ES. Foram semelhantes o conceito de adiamento (deixar para depois, adiando o início da tarefa) e a reação emocional produzida por procrastinar - sentimentos de culpa, irritação e acúmulo de tarefas por adiar; as perdas decorrentes do adiamento, especialmente quanto à credibilidade. Este dado é importante e pode explicar porque a procrastinação foi analisada como problema clínico (Ellis e Knaus, 1987). Uma análise de contingências pode esclarecer se com a possibilidade de realizar posteriormente a tarefa ou não, esse sentimento é alterado. Especialmente a identificação de regras ou de tarefas que facilitam adiar e as consequências existentes por adiar, especialmente na rotina de um estudante. Kerbauy (2000) analisa a diferença entre preguiça e procrastinação salientando a esquiva e as emoções ocasionadas por controle aversivo, no caso da procrastinação, permitindo um diagnóstico diferencial.

As diferenças entre as amostras de estudantes se restringiram aos ganhos ao adiar: qualidade da tarefa (São Paulo); desempenho e satisfação (Vitória); e sentimentos ao adiar o final da tarefa (só São Paulo). Foram semelhantes as tarefas mais adiadas e menos adiadas pelas duas amostras de estudantes - estudar e o lazer, respectivamente.

Em Vitória, foram devolvidos 54% dos questionários e 20% em São Paulo; 41% ou 29 desses questionários estavam em branco em São Paulo versus 44% questionários em branco em Vitória. Não há dados gerais para a população brasileira quanto à taxa de resposta em levantamento de dados pelo correio, apenas uma pesquisa de Gouveia e Günther (1995) com dados da população de Brasília, DF. A taxa de resposta pelo correio em São Paulo (20%) é semelhante àquela obtida em Brasília (21,5%); mas a porcentagem de devolução dos questionários em Vitória foi muito superior (54%). Na medida em que Gouveia e Gunther (1995) não encontraram influência de variáveis como o tipo de envelope, o conteúdo da carta introdutória, a saliência do assunto de pesquisa ou mesmo a interação entre elas, é necessário levantar outras hipóteses para explicar essa alta taxa de resposta em Vitória. Se tomada como um indicador objetivo de procrastinação, essa maior porcentagem de questionários devolvidos em Vitória poderia ser interpretada como um traço cultural daquela população executando as tarefas e que se comprometem por saber ser uma pesquisa. Pode-se analisar outro aspecto mais amplo, como o maior status social de uma instituição universitária inserida numa capital de menor porte, como a UFES, quando comparada às proporções metropolitanas de São Paulo. Acrescente-se ainda que, quando Kerbauy apresentou uma conferência sobre o tema procrastinação em Vitória, na SBPC, houve ampla divulgação pela mídia e até entrevista no Jornal Nacional. Os dados desta pesquisa foram coletados no mesmo ano. Dada essa importância atribuída à universidade por parte da população de Vitória, é de se esperar que os sujeitos ali entrevistados procurassem responder mais prontamente à solicitação feita pelos pesquisadores.

As diferenças de gênero em relação ao ato de procrastinar foram visíveis neste estudo. Confirmando a literatura, as mulheres mais jovens, principalmente aquelas que só estudam, relataram mais procrastinação. O menor adiamento de tarefas de rotina diária por parte das mulheres, em detrimento dos cuidados pessoais, por exemplo, pode ser explicado com base no tipo e clareza das contingências às quais as mulheres, com mais de 30 anos principalmente, estão submetidas: têm sobrecarga e diversidade de tarefas e responsabilidades com consequências claras que quase impedem a esquiva, levando-as ao menor adiamento de tarefas do cotidiano. Os homens, por outro lado, adiam menos os cuidados pessoais, como fazer ginástica e andar e, geralmente, fazer a barba diariamente.

Sobre a relação do comportamento de procrastinar e a idade, os dados obtidos mostraram haver semelhanças entre duas faixas etárias: os mais jovens e os mais velhos (aposentados) adiam mais freqüentemente suas tarefas. Em contrapartida, para ambas idades, o lazer não é adiado. Parece que, nessas idades, as pessoas, principalmente os homens, têm menos compromissos e estão submetidos a contingências menos exigentes. Podem, assim, inclusive esperar mais tempo por alguém que está atrasado.

Encontramos, porém, diferenças em relação aos dados da literatura que indicam um aumento na freqüência de procrastinação nos homens aos 60 anos de idade (Ferrari, Johnson e McCown, 1995). Esses dados podem ter uma explicação cultural. O Brasil é um país em que a aposentadoria e o descansar é valorizado e compromissos e atividades podem ser considerados como atividade extra e reforçadora e, também, as famílias solicitam os idosos, o que pode não ocorrer nos Estados Unidos pelo estilo de relações familiares. Note-se, contudo, que os dados obtidos reafirmam que a procrastinação tem seu ápice no meio da faixa etária dos 20-29 anos; idade esta, comum aos estudantes.

As pessoas mais velhas também se diferenciam das mais jovens por não adiar cuidados com saúde, talvez por esquiva, dada a maior proximidade da morte, ou então informações sobre saúde e grupos de idosos existentes hoje em vários locais.

Considera-se, a partir desses dados encontrados, indicando diferenças de idade e de sexo no comportamento de procrastinar, ser necessário o uso de medidas diretas desse comportamento, ao serem propostos programas educacionais ou clínicos. A ênfase, contudo, é na análise das contingências que ocasionam ou mantém esses comportamentos.

 

Referências

Burka, J.B. e Yuen, L.M. (1991). Procrastinação, (trad. Fernando Martins). São Paulo: Nobel.         [ Links ]

Ellis, A. e Knaus, J.W. (1987). Overcoming Procrastination. New York: Penguin Books.         [ Links ]

Ferrari, J.R.; Johnson, J.L. e McCown, W. G. (orgs.) (1995). Procrastination and Task Avoidance: Theory, Research and Treatment (chapter 1-3, 170). New York: Plenum Press.         [ Links ]

Follet, K. (1989). Os Pilares da Terra, (trad. Paulo Azevedo). Rio de Janeiro: Editora Rocco.         [ Links ]

Gouveia, V.V. e Günther, H. (1995). Taxa de resposta em levantamento de dados pelo correio: o efeito de quatro variáveis. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 11(2),163-168.         [ Links ]

Kerbauy, R.R. (1997). Procrastinação: Adiamento de tarefas (pp. 445-451). Santo André: Arbytes.         [ Links ]

Kerbauy, R.R.; Bogre, M.C.; Balestrero, Y.T. e Bombardi, V.M. (1993). Procrastinação: quando se adia tarefas. Anais da 45ª Reunião da SBPC, pp.910.         [ Links ]

Lay, CH. (1986). At last, my research article of procrastination, Journal of Research in Personality, 20,474-495.         [ Links ]

Milgram,N. (1991). Procrastination. In R. Dulbecco (Ed.), Encyclopedia of human biology (Vol. 6, pp. 149-155). New York: Academic Press.         [ Links ]

Schouwenburg, H.C. (1995). Academic Procrastination: Theoretical Notions, Measurement and Research. In J.R. Ferrari, J.L. Johnson & W.G. McCown (orgs.) (1995), Procrastination and Task Avoidance: Theory, Research and Treatment (chapter 4,71-96). New York: Plenum Press.         [ Links ]

Silver, M. (1974). Procrastination. Centerpoint, 1,49-54.         [ Links ]

 

 

1. Agradecimentos especiais aos estudantes de Psicologia/UFES: Evelyze G. Louzada, Marcus W. Batista, Elizabeth S. Amaral e Iorrana F. Menezes pela colaboração na coleta e processamento dos dados.