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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.2 no.1 São Paulo jun. 2000

 

ARTIGOS

 

A investigação de alguns aspectos da relação terapeuta-cliente em sessões de supervisão1

 

The investigation of some aspects of therapeutic relationship in supervision sessions

 

 

Regina Christina Wielenska

Dept-O. de Psicologia Experimental do IPUSP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Um procedimento não-convencional para supervisão da prática clínica comportamental foi adotado ao longo de cinco sessões, visando a coleta de dados sobre fatores de controle do comportamento dos participantes da relação terapeuta-cliente. A análise de relatos verbais emitidos na supervisão, pelo terapeuta, sobre seus atendimentos, permitiu identificar que seu comportamento nas sessões foi controlado pelo comportamento do cliente e também por variáveis geradas em outros contextos. O supervisor, ao assumir estratégias específicas visando aumentar o controle de variáveis, foi responsável por direcionar a coleta e análise dos dados. Discute-se, também, a generalidade dos dados e a possibilidade de aplicação do procedimento em pesquisas e supervisão clínica.

Palavras-chave: supervisão, terapia comportamental, variáveis de controle, relação terapêutica.


SUMMARY

Five supervision sessions of behavior therapy, structured according to a special procedure, were conducted in order to gather data concerning controlling variables of the behavior of both therapist and her client. The analysis of therapist's verbal reports during supervision suggested that her behavior was controlled by the client's behavior and also by variables originated in contexts other than the session itself. The supervisor, who aimed to increase variable control, was responsible for the specificity of data obtained and its subsequent analysis. Additionally, it is discussed whether data obtained can be generalized to other situations, and the possibility of applying this procedure to research and clinical practice.

Key words: supervision, behavior therapy, controlling variables, therapeutic relationship.


 

 

Desde os primórdios da análise aplicada do comportamento, a relação terapêutica tem sido indicada como um dos fatores que contribuem para a mudança comportamental do cliente, Afinal de contas, ao inicio do atendimento, o clinico não dispõe de procedimentos especificos para auxiliar seu cliente, necessitando recorrer, à propria relayao terapêutica, à sua formação profissional (no Brasil, em Psicologia ou Psiquiatria) e ao seu repertorio pessoal, construido ao longo da vida, para levar o cliente a se engajar no tratamento, Skinner (1953) destacou como o cliente aprende a ver o terapeuta como um profissional especialmente treinado a atenuar ou remover a estimulação aversiva que atinge seus clientes. Parte do poder que o terapeuta exerce sobre o cliente e de natureza verbal, e isto requer uma análise, ampla e completa, das contingências que operam dentro e fora da sessão. Skinner salientou que, entre outros fatores, a decisão de buscar auxílio profissional pode resultar de influências como o prestígio do terapeuta na comunidade, relatos de melhora de outros pacientes e até mesmo o fato de que "sentiu-se melhor" após a primeira sessão. Outra questão proposta por Skinner é que os comportamentos do terapeuta podem assumir a função, para o cliente, de uma audiência não-punitiva. Ao longo do tempo, certos padrões de interação terapêutica podem alterar as conseqüências, vividas pelo cliente, de uma históriaproiongada e/ou intensa, tanto de estimulação aversiva, como de escassez ou ausência de reforçadores. Com isto, facilita-se a reconstrução de repertórios compatíveis com os objetivos da terapia.

No momento histórico em que Skinner fez esta análise da relação terapêutica, o tema nào havia sido objeto de estudos sistemáticos dentro da abordagem comportamental. Alguns anos antes, Shoben (1949) havia sugerido que a teoria da aprendizagem poderia ser aplicada à compreensão da atividade clínica e reconhecido os problemas existentes ao se procurar introduzir algum controle de variáveis na investigação da prática clínica. Esta questão ainda permeia discussões contemporâneas no campo da terapia comportamental. Felizmente, para os profissionais e seus clientes, a pesquisa em psicoterapia comportamental fez evidentes avanços nas últimas três décadas.

Krasner (1962) foi um pesquisador que formulou, de modo sistemático, o papel a ser desempenhado pelo terapeuta. Segundo o autor, o terapeuta seria uma fonte poderosa de reforçamento social para o cliente. Krasner procurou decompor a relação terapêutica em unidades menores de análise e se interessou em sistematizar o conhecimento, já produzido até aquele momento, sobre cada uma destas unidades. Quando possível, buscou formas de investigar aspectos específicos. Segundo Krasner, o terapeuta funciona, para o cliente, como uma "máquina de reforçamentos" (p. 61).

Ferster (1967) analisou comportamentalmente a terapia psicodinâmica de crianças autistas ou com outros transtornos do desenvolvimento. Para ele, a observação e análise da interação terapêutica lhe permitiram identificar novos modos de realizar mudanças comportamentais relevantes, diferentes daqueles que aprendera em função de sua experiência como pesquisador de processos básicos (uma atividade, essencialmente, de laboratório). Segundo este autor, conhecer as razões do sucesso de determinada intervenção poderia facilitar a formação de terapeutas mais efetivos e inventivos, além de fornecer subsídios para a proposição de novos desafios teóricos.

Anos após, Cautela e Upper (1975) conceitualizaram a relação terapeuta-cliente segundo a abordagem comportamental. Para eles, o terapeuta é quem dirige a sessão, embora esteja sempre preocupado em fazer com que o cliente se perceba como o agente das mudanças em sua própria vida. Caberia ao terapeuta contingenciar condutas do cliente, propiciando as mudanças desejadas e garantindo a manutenção das mesmas fora do consultório. Estes autores identificam uma via de influência do cliente sobre o terapeuta, tema que exigiria investigações detalhadas.

Para Wilson e Evans (1976), o terapeuta comportamental deveria apresentar, na interação com o cliente, habilidades interpessoais como sensibilidade, honestidade, interesse e calor humano. Segundo eles, a terapia comportamental deixaria de ser considerada clinicamente ingênua e tecnicista quando se tomasse capaz de determinar claramente o papel desempenhado pelas diversas variáveis agrupadas sob o rótulo "relação terapêutica".

Workman e Williams (1979) pesquisaram as características supostamente desejáveis em um conselheiro potencial, segundo a opinião expressa por 249 estudantes universitários. As principais respostas assinaladas pelos participantes, dentre uma lista de 25 itens a eles apresentada, foram: ser capaz de entender corretamente o cliente, atuar sigilosamente, identificar estratégias específicas para resolver a queixa, demonstrar conhecer profundamente a área do conhecimento na qual atua e não tecer julgamentos morais sobre as idéias e sentimentos do cliente. Ainda que os dados encontrados se assemelhem em muito às recomendações da abordagem comportamental aos terapeutas, persiste a dificuldade de operacionalizar o exato sentido dos termos empregados quando se descreve um terapeuta ideal.

Ford (1978), ao analisar empiricamente a relação entre o terapeuta comportamental e seu cliente adulto, demonstrou que diferenças individuais entre os clínicos determinam como o cliente percebe a relação terapêutica. E, segundo o autor, é possível estimar a chance do cliente continuar ou não em terapia partindo-se da avaliação do modo como o cliente percebe o relacionamento que estabelece com o terapeuta.

Patterson e Forgatch (1985) analisaram registros em vídeo de sessões de orientação de pais na abordagem comportamental, com o objetivo de verificar uma eventual relação entre determinados comportamentos dos terapeutas e a probabilidade dos pais se engajarem no trabalho clínico. Os resultados demonstraram que comportamentos diretivos dos terapeutas, tais como confrontar os pais na sessão, resultaram em menor adesão às propostas dos terapeutas. Já a colaboração dos clientes tomava-se mais provável se os terapeutas apresentavam atitudes que os autores nomearam como "facilitadoras e de apoio aos pais". Os resultados sugerem um dilema: como propor mudanças a pais (que, provavelmente, não estão sendo adequados), sem entrar em confronto com eles ou aparentar intenções didáticas? Esta pesquisa não forneceu respostas específicas a tal questão.

Kohlenberg e Tsai (1987) recomendam ao terapeuta de adultos que procure identificar e evocar, na sessão, os comportamentos clinicamente relevantes do cliente, que seriam modificáveis através do reforçamento a eles dispensado pelo terapeuta. Para ambos os autores, o trabalho clínico visaria, neste caso, modificar a própria relação cliente-terapeuta, o que proporcionaria ao cliente novas aprendizagens que se generalizariam para outros contextos.

Alguns outros autores contemporâneos, entre eles alguns terapeutas e/qu pesquisadores brasileiros, parecem partilhar de interesses e preocupações similares aos de Shoben. Entre eles, destacam-se Kerbauy (1981 a, b), Garfield (1983), Conte, Brandão e Silva (1987) e Guilhardi (1988).

Em comum a todos os autores reside a noção de que, através do contato do terapeuta comportamental com seu cliente, ocorreriam as oportunidades de se ensinar a este último formas mais reforçadoras de atuação (dentro e fora da sessão). Mas a partir deste ponto as conclusões começam a se fragmentar: não há um levantamento satisfatório das variáveis determinantes da relação terapêutica, não se conhece em que exata medida esta relação possa ser denominada terapêutica e não há um alinhavo que unifique as descobertas realizadas até o presente momento. O desafio que persiste é o de conseguir descrever funcionalmente relações entre características e comportamentos do cliente e do terapeuta. Mesmo nos casos em que se consegue especificar qual resposta do terapeuta parece ter produzido mudanças desejáveis no cliente, resta identificar os estímulos antecedentes que sinalizaram ao terapeuta a ocasião apropriada para a emissão da resposta.

Talvez, até o presente momento, ocorra uma certa escassez de estratégias de análise de sessões, que poderiam ser adotadas por terapeutas comportamentais e/ou supervisores interessados na análise de aspectos específicos da prática clínica, tal como a função da relação terapêutica.

Uma das alternativas, o registro em áudio ou vídeo das sessões, ou a observação direta através de espelhos unidirecionais, favorece coletar dados em abundância, para análise futura. Mas tais saídas, por exigirem recursos técnicos e financeiros, estão disponíveis apenas em algumas instituições voltadas à pesquisa ou à formação de terapeutas. Além do mais, os teraj uitas atuantes na prática privada tenderiam a recusar esta forma relativamente invasiva de coleta de dados, e muito se perde por não se dispor de informações precisas sobre o trabalho realizado por um contingente numericamente expressivo de terapeutas comportamentais. Ferster (1967), exatamente por ter acesso direto a sessões, conseguiu demonstrar, ao menos, parte do controle recíproco entre a criança e sua terapeuta.

Questionários, com perguntas abertas ou fechadas, são a solução adotada por alguns. Atingem uma gama maior de sujeitos, podendo versar sobre praticamente qualquer tópico passível de relato verbal Há sempre o risco de vieses, como o do informante se preocupar mais em responder ao que supõe ser do interesse do pesquisador, sem correlação boa com os fatores que, de fato, exerçam algum controle sobre seu modo de trabalhar quotidianamente com os clientes. A pesquisa de Workman e Williams (1979) ilustra a coleta de dados por meio de questionários. Entrevistas são um recurso similar aos questionários. São realizadas geralmente em uma única sessão, com diferentes níveis de estruturação das questões propostas aos participantes. A exiguidade de tempo, a natureza das questões propostas e outros fatores podem dificultar ao informante a elaboração, com maior amplitude e complexidade, do tema da entrevista. Poucos terapeutas se disporiam a encontros sucessivos que contribuíssem para a construção de um conhecimento sobre temas específicos da sua prática clínica (até o momento, de interesse exclusivo do pesquisador). Uma saída, para o pesquisador, seria transformar a situação de coleta e análise de dados em algo de interesse também para o terapeuta.

Um quarto recurso seria conceber situações específicas visando manipular variáveis de relevância clínica. Típico da atividade de pesquisa básica na abordagem comportamental, este procedimento não corresponderia ponto a ponto com a prática clínica corrente, dificultando a avaliação direta dos resultados obtidos em uma situação relativamente artificial, quando comparada ao trabalho no consultório.

De qualquer modo, uma proposta de investigação clínica envolve o risco de alterar os próprios resultados da intervenção comportamental. Assim, o que parece apropriado é reconhecer tal fato e buscar meios de estimar qual influência que a forma de coleta dos dados exerceu sobre os mesmos, no intuito de delimitar que análise de dados poderia ser feita. Em suma, há o problema da acessibilidade dos dados relevantes da sessão, tanto em termos de eventos públicos como privados.

O caminho mais freqüentemente escolhido por pesquisadores foi se apoiar no relato verbal de pessoas, como dado para análise (clínicos, clientes, clientes em potencial etc.). O relato verbal pode ser um recurso válido para a identificação de relações funcionais entre comportamentos e características do cliente e de seu terapeuta. Emitir um relato, dirigido ao pesquisador, é um operante verbal do terapeuta, devendo estar, em algum grau, sob o controle do ouvinte. Este último é, outrossim, alguém que modifica o próprio relato ao interagir com o relator e, portanto, não tem como atuar na condição de receptor passivo de um relato.

Postula-se aqui que a compreensão que um profissional constrói acerca de sua relação com o cliente pode decorrer da interação, fundamentalmente verbal, entre o clínico e o pesquisador, ou ainda, entre o primeiro e seu supervisor. Esta analogia baseia-se no fato de que o supervisor se apropria do relato verbal do terapeuta para auxiliá-lo na compreensão de certos aspectos do tratamento de um ou mais de seus clientes. Por um lado, a supervisão é uma forma legitimada pela comunidade profissional de discutir a prática clínica, facilitando o acesso, aos pesquisadores, de relatos sobre as sessões. No entanto, converter a supervisão num conveniente instrumento de pesquisa exigiria modificações em sua estrutura. Lidar com o relato verbal parte da hipótese de que terapeuta e supervisor-pesquisador aprenderam maneiras, ao menos similares, de perceber o mundo e de relatar esta experiência. O pesquisador terá, provavelmente, acesso dificultado a variáveis de controle do terapeuta, especialmente as de natureza privada. Ao partirem de um problema de interesse em comum, pesquisador e terapeuta poderão fazer uso das inferencias construídas pelo primeiro a partir do relato apresentado pelo segundo. A natureza cumulativa do conhecimento gerado por esta maneira, explícita, de coletar dados "interacionalmente", conduz ao progressivo refinamento das inferências necessárias à resolução do problema inicial.

Um exemplo desta maneira de estudar interações, descritiva e funcionalmente, é o trabalho de Simão (1982 a, b), que discute a construção de conhecimento sobre a relação professor-aluno. Partindo de sessões semanais de entrevista entre pesquisadora e professora, e com base em uma maneira planejada de coletar e analisar dados, obteve acesso a aspectos públicos e encobertos das ações relatadas. Em outro trabalho, Simão (1988) procurou identificar a função de diferentes classes de interação entrevistador-informante para a construção de um conhecimento descritivo e inferencial sobre um tema. Foi possível estabelecer relações entre classes mais gerais do evento. Tiveram papel de destaque a forma como a pesquisadora atuou durante a coleta dos dados e a reorganização, através de cadernos de atividades, do conhecimento acumulado.

Numa tentativa de trilhar um caminho similar ao de Tunes (1984) e outros pesquisadores, o presente estudo buscou propiciar ao terapeuta uma fonna de contatar os estímulos discriminativos produzidos pelo pesquisador a partir da análise de um relato inicial, anteriormente emitido pelo informante, sobre algum aspecto de sua prática de consultório. Em entrevistas sucessivas entre terapeuta (T) e supervisor-pesquisador (S), foram discutidos alguns tópicos de interesse de T, visando conhecer ao menos alguns dos controles comportamentais atuantes na relação entre aquele profissional e um ou mais de seus clientes. Foi necessário planejar maneiras de preservar o máximo de informações sobre o processo gerador das trocas verbais entre os participantes, para se conhecer os efeitos da intervenção de P sobre o relato obtido e sobre as inferências estabelecidas a partir do mesmo. Tendo em vista ser importante resgatar, a cada encontro de supervisão, o conhecimento adquirido na sessão anterior, surgiu a idéia de apresentar, resumidamente, os conteúdos anteriores e também eventuais intervenções que S tenha realizado sobre eles. No intervalo inter-sessões, S levantava temas para discussão no encontro seguinte, e precisava explicitar a T os prováveis controles destes seus comportamentos de pesquisadora, enquanto examinava os relatos verbais de T. Este cuidado teria como objetivo aumentar a probabilidade de que T e S partilhassem de um mesmo conjunto de estímulos discriminativos durante suas discussões.

 

Objetivo

O presente estudo se propôs a desenvolver um procedimento especial de supervisão que auxiliasse clínicos na identificação das variáveis de controle da relação que estabelecem com seus clientes. Vale notar que, deliberadamente, o pesquisador coletou os dados assumindo o papel de supervisor. Subjacente a esta decisão, residiu a noção de que o próprio clínico ou seu supervisor possam se tomar usuários do procedimento aqui testado.

São partes essenciais do procedimento de coleta de dados, a ser detalhado na seção seguinte:

• que a sessão anterior de supervisão seja apresentada resumidamente para T a cada novo encontro, sendo necessário atingir um consenso entre S e T quanto ao conteúdo apresentado;

• que S, ao fazer novas colocações a T, explicite os estímulos discriminativos geradores de suas afirmativas ou questões;

• que T e S se interessem pela resolução de um problema em comum, ainda que por razões distintas. Nesta proposta de trabalho, S, como pesquisador e supervisor, não será alguém que contempla dados supostamente "puros". Pelo contrário, é um participante do processo de coleta dos dados, que paralelamente, analisa o produto coletado, e o devolve, já modificado, a T.

 

Método

Participantes

Uma terapeuta comportamental (T), formada há três anos, voluntariou-se para a supervisão, após ter sido informada, pela pesquisadora-supervisora (S), sobre as principais características do projeto de pesquisa. Estava há algum tempo sem supervisionar seus atendimentos de consultório e identificou o procedimento proposto por S como uma oportunidade de suprir, ao menos temporariamente, esta lacuna. Na graduação, sua formação centrou-se na abordagem psicanalítica. Ao envolver-se com trabalho institucional, já formada, julgou necessário aprender sobre a abordagem comportamental, recorrendo a leituras, supervisão e cursos avulsos.

S, graduada há oito anos, possuía experiência tanto em pesquisa básica, como no atendimento e na supervisão, sempre na abordagem comportamental.

 

Procedimento de coleta dos dados

Ocorreram cinco sessões semanais de supervisão, registradas em áudio, com duração média de quarenta minutos cada. Na Sessão 1, S apresentou a T os aspectos formais do contrato a se estabelecer entre as partes. As supervisões, isentas de pagamento, seriam registradas e transcritas por S, que teria o direito de publicálas com finalidade de pesquisa, desde que resguardadas as medidas éticas necessárias. T poderia desistir, a qualquer momento, de fazer parte da pesquisa, bastando comunicar a S sua intenção. Na mesma sessão, explicou-se a T que as discussões poderiam referir-se ao atendimento de um ou mais clientes, desde que houvesse a preocupação em centralizar a discussão sobre qualquer aspecto de sua relação com eles, e que lhe estivesse produzindo algum desconforto, problemas ou dúvidas. Dando início à etapa inicial da coleta, T foi solicitada a descrever a S suas dúvidas, problemas e/ou interesses. S forneceu apoio verbal para as verbalizações de T, evitando maiores intervenções.

No intervalo entre as supervisões, S realizava a transcrição da sessão anterior e preparava um resumo escrito dos principais conteúdos abordados. Além disso, S preparava questões de esclarecimento, levantava hipóteses e/ou esboçava análises funcionais de relatos feitos por T, sempre com a preocupação de identificar quais os prováveis estímulos discriminativos que estariam controlando seu comportamento de elaborar tais comentários e perguntas.

Ao início do encontro seguinte (rotina adotada da 2ª à 5ª supervisão), S apresentava a T o resumo oral e escrito da supervisão anterior, buscando uma reconstrução consensual da mesma. A seguir, S partilhava, com T, dos questionamentos e análises que construíra a partir dos relatos verbais prévios, explicitando, na medida do possível, o controle discriminativo destas suas ações como supervisora.

 

Procedimento de análise dos dados

As verbalizações de S e T em cada encontro foram identificadas por letras e números. A Tabela 1 mostra a numeração atribuída às verbalizações das participantes ao longo das cinco supervisões. Receberam número, na primeira supervisão, somente as verbalizações de T que funcionaram como antecedentes para verbalizações de S nas supervisões seguintes. Nesta tabela verifica-se, por exemplo, que à verbalização 1S, da supervisora, seguiu-se a verbalização 2T, da terapeuta.

 

 

Na etapa seguinte, fez-se o encadeamento das verbalizações de T e S em pares de sessões, seguindo-se, como critério de construção das cadeias verbais, a congruência temática. Realizar esta etapa exigiu, principalmente, que S identificasse o controle discriminativo de seu próprio comportamento nas supervisões (ou seja, S precisou identificar o trecho das verbalizações de T do qual extraiu elementos para devolver, na sessão seguinte, algum conteúdo específico para T). Foram identificadas 23 cadeias cle verbalizações,
conforme consta da Tabela 2.

 

 

Por fim, foi possível encadear estas cadeias intermediárias de verbalizações conforme a semelhança temática entre elas, sinalizada pelo controle discriminativo que verbalizações de T exerceram sobre as intervenções de S ao longo das cinco sessões (não mais segundo pares de sessões consecutivas). Daí resultaram 10 unidades finais de análise, que constam da Tabela 3. A tabela 4, por sua vez, demonstra que estas 10 unidades finais foram compostas por conteúdos originários de uma quantidade variável de sessões de supervisão.

 

 

 

 

Resultados e discussão

Os conteúdos verbais das 10 unidades de análise (reproduzidos e analisados por Wielenska, 1989) não serão aqui reproduzidos.

Em termos gerais, é possível afirmar que o procedimento utilizado nas cinco supervisões permitiu, às participantes, construírem um conhecimento sobre parte dos controles que provavelmente operam na relação entre T e seus clientes.

O controle do comportamento de T em seus atendimentos parece ser exercido tanto pelo próprio cliente quanto por fatores não diretamente observáveis na sessão. De modo similar, o comportamento de S durante as supervisões não foi apenas controlado por aspectos advindos de T.

De que modo foi possível analisar a relação terapêutica partindo-se de um procedimento que adota uma. "supervisão modificada" como instrumento de pesquisa e, no qual, a pesquisadora exerce um papel ativo por ocasião da coleta dos dados? Quais características deste modo planejado de coletar dados sobre a prática clínica de um profissional favorecem descobertas?

Primeiro, S buscou reduzir, nas supervisões, todo tipo de estímulos com função provavelmente aversiva (do contrário, reduzir-se-Ía a probabilidade de T emitir relatos relevantes). Em segundo lugar, S extraía sistematicamente parcelas de conteúdo relatado, dispondo de tempo hábil para examinar, processar, o que lhe fora apresentado. Resumia os relatos, reordenava os conteúdos, e com isso, ampliou-se a chance de inferir corretamente a existência de relações entre conteúdos antes isolados.

Deve-se atentar, ainda, para o fato cie que verbalizar para T ao menos parte do controle discriminativo exercido sobre o comportamento de "fazer perguntas" de S pode ter colocado as duas participantes em uma condição mais igualitária para retomarem, ao início de cada encontro, a coleta dos dados. Ou seja, a reapresentação dos dados acumulados pode ter uniformizado o controle de estímulos sobre o comportamento de T e S durante cada etapa de questionamento sobre os conteúdos anteriormente abordados.

Não se pode negar que a experiência pregressa de S como supervisora, clínica e terapeuta deve ter controlado uma parcela significativa de suas interações com T. O procedimento planejado fez com que ambas partilhassem algumas contingências, não necessariamente aquelas que controlaram T na situação original à qual seu relato faz menção. Deste modo, a coleta de dados se caracterizou como uma partilha da interpretação de um fenômeno, tendo como ponto de partida o relato verbal de T, sempre direcionado por S. Seria conveniente, num estudo posterior, prosseguir com o procedimento durante um período mais extenso visando investigar os possíveis efeitos da supervisão modificada sobre o desempenho de T na interação com os clientes. Adotar o procedimento de supervisão aqui descrito (custoso, demorado, rico em detalhes) somente faria sentido caso assegurasse benefícios qualitativos no que concerne à atuação de T no consultório, algo a ser avaliado empiricamente.

Talvez fosse necessário renomear as etapas, aqui denominadas de descrição e análise de dados. No presente trabalho, a análise não ocorre a posteriori. Pelo contrário, muito se faz durante a própria sessão, ou na fase de reorganização dos dados a serem reapresentados. O procedimento embute uma inevitável intervenção sobre os dados, feita pelo supervisor/pesquisador. Cuidados especiais precisam ser tomados para diferenciar dados advindos da análise paripassit daqueles surgidos a partir de reflexão a posteriori, quando o supervisor/ pesquisador preserva apenas a segunda destas funções.

Um aspecto adicional precisa ser considerado; procedimentos que façam uso do relato verbal para análise são, aparentemente, vantajosos quando, por qualquer razão, há interesse no acesso a eventos encobertos. Muitas das questões de S a T envolveram a identificação de eventos privados de T ou a inferência da existência de instâncias específicas destes eventos no cliente. Acredita-se que, deste modo, os participantes possam elaborar análises comportamentais mais complexas.

Parece correto supor que, através do procedimento aqui discutido, há uma quebra do padrão de estímulos que habitualmente controla os participantes da sessão de supervisão. Ao supervisor surgem mais ocasiões nas quais os dados podem ser examinados com algum "estranhamento", de maneira intensiva, longitudinal e cumulativa.

O que se pode afirmar sobre a generalidade dos dados obtidos? Em que ponto do contimtiun especificidade-generalidade reside o conhecimento produzido a partir dos encontros sucessivos? No presente trabalho, um estudo de caso da supervisão, T referiu, inicialmente, ter "um problema" com duas clientes que não "escutam" o que ela diz. Que alterações foram notadas na queixa inicial?

Especificando a investigação da queixa, surgiram sub-problemas: o modo como T avalia o que seria "produzir na terapia", a questão das condições acadêmicas e pessoais que qualificam o terapeuta para o exercício de suas funções e a diretividade de T nas sessões com os clientes (algo que poderia facilitar a ocorrência, dentro e fora das sessões, de comportamentos desejáveis dos clientes). Aprofundando a discussão dos sub-problemas: foi preciso rever o papel que certos valores de T exerceriam sobre sua prática profissional, discutiu-se o fato de ter feito uma mudança de orientação teórica (havendo implicações práticas e conceituais), abordou-se as implicações da diferença etária entre T e seus clientes, as distintas funções da terapia para o cliente e seu terapeuta, aspectos da remuneração pelo trabalho clínico e a dissociação que havia entre ser terapeuta e fazer pesquisa clínica em instituição.

Estes temas gerais e suas derivações parecem ter sido identificados corno controladores da conduta de T em diferentes momentos do seu trabalho. Ou seja, partiu-se da discussão sobre um fenômeno específico, que ocorria na interação com duas clientes para se alcançar, após algumas supervisões, a construção de um conhecimento mais genérico, aplicável a outras instâncias profissionais de T. Em um dado momento, S chegou a referir que as descobertas sobre o padrão interativo entre T e seus clientes poderia suscitar análises sobre o desempenho da terapeuta na instituição onde também atuava. O exame deste percurso de conteúdos talvez permita hipotetizar que os controles comportamentais identificados por meio do procedimento aqui descrito são generalizáveis apenas para diferentes relações terapêuticas das quais T seja participante. Assim, descobrir em que medida as variáveis controladoras da relação entre T e seus clientes também afetariam relações estabelecidas por outros clínicos é uma questão a ser respondida por meio de estudos subseqüentes.

 

Conclusão

Numa avaliação geral, pode-se considerar como promissoras as perspectivas metodológicas que empregam o relato verbal como dado para análise da relação terapêutica. A adoção de tal estratégia repousa na intensa participação do pesquisador, que auxilia o sujeito na construção de um conhecimento sobre o tema. E essencial que ocorra a descrição detalhada dos caminhos percorridos durante o diálogo que produziu os dados, tanto em termos dos conteúdos levantados, como das condições dispostas pelo pesquisador para se chegar a uma dada discussão com seu sujeito.

Com isto, outros pesquisadores ou supervisores poderão replicar o procedimento e avaliar sua aplicabilidade junto a outros terapeutas, ou para investigar temas distintos do que foi aqui abordado na queixa: as dificuldades na relação terapeuta-cliente.

 

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Endereço para correspondência:
R. Itapeva, 490, conjunto 56
São Paulo, SP, CEP 01332-902
e-mail: wilensk@uol.com.br

 

 

1 O presente trabalho é uma versão modificada da dissertação de mestrado apresentada, em 1989, ao Departamento de Psicologia Experimental do IPUSP, sob orientação do Dr. Luis Claudio de Mendonça Figueiredo.