SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número2O consenso latino-americano em obesidadeSerá o comportamento de procrastinar um problema de saúde? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.2 São Paulo dez. 2001

 

ARTIGOS

 

Terapia da gagueira em grupo: experiência a partir de um grupo de apoio ao gago

 

Therapy group of stuttering: experience with a support group for stutterers

 

 

Maria José Carli Gomes; Érica Ferreira Scrochio

UNIP - São José do Rio Preto

 

 


RESUMO

Um Grupo de Apoio ao Gago, criado com objetivos de fornecer informações a respeito da gagueira, foi transformado em grupo de terapia a partir das necessidades e interesse de seus participantes. Foi elaborado um programa integrado de atuação fonoaudiológica e psicológica para o tratamento da gagueira. As sessões eram realizadas semanalmente e tinham a duração de 90 minutos. Na atuação fonoaudiológica foram trabalhados aspectos da fala fluente e disfluente, tais como o ritmo, velocidade, organização, inteligibilidade e auto-monitoramento. A atuação psicológica foi conduzida dentro do referencial teórico da terapia comportamental e cognitiva, cujos procedimentos foram realizados com o objetivo de diminuir a ansiedade e a vergonha diante das situações temidas e construir um repertório comportamental mais adaptativo. As autoras analisam a eficácia desse programa, desenvolvido num curto período de tempo e em grupo, sobre a severidade da gagueira dos participantes.

Palavras-chave: Gagueira, Terapia em grupo, Grupo de apoio.


ABSTRACT

A support group for stutterers, created in order to give information about stuttering, changed into therapy group due to the needs and interests of the subjects. A completely integrate program for the treatment of stuttering was designed, with professionals from the areas of psychological therapy and speech therapy. The subjects had weekly sessions with 90 minutes of duration. On the speech session they emphasize aspects of fluent and not fluent speech as rhythm, speed, order, understanding and self-correction. The psychological sessions were conducted using the reference of behavior therapy, and the procedures intended to reduce the anxiety and the shame in frightful situations and build a more adaptive repertory of behavior. The authors analysed the efficiency of this program, developed in a short period of time and in group, about the subjects severity of stuttering.

Keywords: Stuttering, Group therapy, Support group.


 

 

A gagueira é um distúrbio da comunicação que se caracteriza por uma ruptura involuntária no fluxo da fala. As rupturas involuntárias são também chamadas de disfluência, mas nem toda disfluência é gagueira (Perkins, 1993; Yairi, 1997). As disfluências mais comuns na gagueira são as repetições de sílabas e de sons, os prolongamentos e os bloqueios. São também comuns na gagueira os comportamentos motores associados como piscar de olhos, projeção da língua e alterações na velocidade e na intensidade da fala.

A gagueira apresenta diferentes estágios de evolução, do leve ao severo, pode ser intermitente e progressiva, com níveis variados de tensão. Os comportamentos associados ao quadro variam de indivíduo para indivíduo. A prevalência da gagueira, na população mundial, está em torno de 1 % (Bloodstein, 1995), sendo mais freqüente em pessoas do sexo masculino, numa proporção de 3:1 (Andrews, Morris-Yates, Howie e Martini, 1991; Poulos e Webster, 1991). Esse distúrbio de fala tem caráter evolutivo e ela aparece geralmente na infância, entre as idades de 3 e 8 anos (Barbosa e Chiari, 1998; Ingham, 1989; Jakubovicz, 1986).

Para Van Riper e Emerick (1997), a gagueira tem três aspectos principais: (1) um comportamento de fala anormal na forma de repetições e prolongamentos de sons e sílabas, comportamento de tensão, esforço e tentativas de disfarçar ou esconder as interrupções da fluência; (2) perturbação emocional, que se reflete em reações fisiológicas de estresse e (3) atitudes negativas e ajustes no estilo de vida.

Variáveis situacionais e emocionais podem atuar como facilitadores da fluência ou influir no agravamento dos sintomas. Van Riper e Emerick (1997) enfatizam que as emoções têm um importante papel na gagueira:

Ansiedade, frustração, vergonha e outras emoções negativas tomam conta da pessoa quando ela tenta falar e percebe que está bloqueada. Com os repetidos fracassos no ato de falar, o gago passa a acreditar que a comunicação é muito difícil e que ele, de certa forma, é imperfeito e inferior como pessoa. Aos poucos, quando entra na idade adulta, sua auto-imagem torna-se tão infiltrada com pensamentos mórbidos e negativos que ela antecipa e interpreta a maioria de suas experiências diárias em termos de sua anormalidade da fala. A gagueira tende a dominar seus dias, bem como seus sonhos (p. 262).

Na opinião de Murray (1980), a gagueira é uma das deficiências mais penalizadas em nossa sociedade. Muitos gagos aprendem desde cedo que o desejável é não gaguejar. A sociedade os recompensa pela fluência. Disto decorre que quando não se fala fluentemente, está se fazendo algo errado. E do erro, origina-se a culpa, por não conseguir falar como desejado e de acordo com o que os outros esperam que se fale. A sociedade, de modo geral, criou mitos a respeito da gagueira; a partir da experiência com indivíduos gagos. Consideramos que cabe aos profissionais da área, informar a população a respeito desse distúrbio, como uma forma de desmistificar as crenças errôneas criadas a partir de uma visão distorcida e caricata da gagueira.

Com esse objetivo, foi publicado anúncio por três domingos consecutivos, num semanário de uma cidade do interior de São Paulo. Convidava pessoas com dificuldade da fala para participarem do GAG (Grupo de Apoio ao Gago). As reuniões seriam semanais e gratuitas. Durante o tempo de publicação do anúncio, seis pessoas gagas, de ambos os sexos e de diferentes idades, se inscreveram para participar do grupo e compareceram à primeira reunião. Nascia, dessa forma, o primeiro grupo de apoio ao gago na região de São José do Rio Preto.

O grupo tinha propósito eminentemente educativo: pretendia-se fornecer informação a respeito da gagueira para pessoas que convivem com este distúrbio e conhecer as dificuldades de cada uma. Sabe-se que, ao compartilhar experiências, cada membro do grupo pode proporcionar ao outro, modelos de soluções alternativas para problemas semelhantes.

As duas primeiras reuniões foram conduzidas de acordo com esse objetivo. Contudo, à medida que o trabalho de informação era realizado, os participantes deram pistas de sua real intenção: não queriam apenas saber a respeito de sua dificuldade mas queriam, também, aprender uma maneira de falar mais fluentemente, bem como saber lidar com a vergonha e o mal-estar que sentiam quando não conseguiam falar sem gaguejar.

A partir das necessidades e interesses de seus participantes, foi elaborado um programa integrado de atuação psicológica e fonoaudiológica para este grupo. A atuação psicológica foi conduzida dentro do referencial teórico da terapia comportamental e cognitiva, cujos procedimentos de intervenção clínica foram utilizados com o objetivo de diminuir a ansiedade e a vergonha diante das situações temidas e construir um novo repertório comportamental mais adaptativo. A atuação fonoaudiológica teve como base teórica a combinação entre as abordagens "modelagem da fala" e "modificação da gagueira", com o objetivo de ensinar novo modelo de produção de fala e favorecer a fluência.

O objetivo deste trabalho é verificar se o programa integrado de atuação fonoaudiológica e psicológica, desenvolvido num breve período de tempo e em grupo, teria algum efeito sobre a severidade da gagueira dos participantes.

 

Método

Participantes

O Grupo de Apoio ao Gago teve início com seis participantes, sendo três do sexo masculino e três do sexo feminino. A idade variou de 13 a 50 anos, sendo a idade média de 23,5 anos. Dois participantes haviam feito terapia fonoaudiológica e apenas um fez terapia com psicóloga, por um curto período de tempo. Todos apresentam gagueira desde a infância e apenas um tem parentes com o mesmo distúrbio.

Material

Para avaliar a gagueira de cada participante, no início e no final do programa, foram utilizados protocolos do Stuttering Severity Instrument for Children and Adults - SSI (Riley, 1972). Este instrumento foi traduzido e adaptado para o português por Schiefer, em 1999.

A partir da gravação em vídeo, esse protocolo permite analisar a fala gaguejada por meio da contagem de palavras em duas situações: fala espontânea e fala com estímulo visual (leitura ou gravura).

Uma filmadora, da marca JVC, Super VHSC, foi utilizada para fazer a gravação em vídeo, de cada participante. Uma das pesquisadoras fez o trabalho de gravação e a transcrição canônica das duas situações de comunicação.

A Escala S (Erickson, 1969), que avalia as atitudes que os gagos apresentam à respeito da comunicação, foi aplicada a todos os participantes. Essa escala foi traduzida e adaptada para o português por Gomes e Scrochio (2001).

Procedimento

A pesquisa foi conduzida na sala de reuniões de uma clínica médica, cedida temporariamente para esse propósito. As sessões em grupo eram realizadas semanalmente, com a duração de 90 minutos, conduzidas pelas duas profissionais ou apenas por uma delas, dependendo do estágio de trabalho em que o grupo se encontrava.

Primeira Etapa:

Na primeira etapa do trabalho com o GAG, participantes e profissionais partilharam informações a respeito da gagueira, como por exemplo: o que é a gagueira; as diferenças entre a gagueira e a disfluência normal de fala, como parte do desenvolvimento da linguagem; as possíveis causas da gagueira; as variações quanto aos tipos de disfluências e quanto à severidade; as situações que geram ansiedade e podem tornar a fala mais difícil; e tratamentos para a gagueira.

Cada participante forneceu também informações a respeito de sua gagueira, de como foi seu início; de fatos marcantes que pudessem ter contribuído para a sua dificuldade; de familiares com o mesmo distúrbio; de tratamentos anteriores; elenco de situações ou interlocutores que contribuem para aumentar ou reduzir as disfluências; sentimentos a respeito da gagueira é o que faz para lidar com ela, nas diferentes situações de seu dia a dia.

Os participantes foram informados do objetivo da pesquisa e da necessidade de ter uma amostra de sua fala gravada em vídeo. Após terem assinado o Termo de Consentimento Informado, cada participante foi filmado, individualmente, na situação de fala espontânea e de leitura. Essas amostras de fala espontânea e de leitura constituiram o material para avaliar a severidade da gagueira, de acordo com o Protocolo Riley (1972). Foi aplicada, também, a Escala S (Erickson, 1969) a todos os participantes.

Segunda Etapa:

Programa Integrado de Intervenção

A partir do interesse do grupo em participar de atividades que pudessem contribuir para melhorar a sua fala, foi elaborado um programa de atuação fonoaudiológica e psicológica para o tratamento da gagueira.

A Atuação Psicológica seguiu um planejamento terapêutico que constou dos itens abaixo:

Identificação e descrição das disfluências. Os participantes eram levados a prestar atenção no que fazem quando gaguejam, para identificar e descrever as disfluências, bem como as situações em que elas ocorrem.

Treino respiratório e relaxamento. Respiração diafragmática, onde se aprende a respirar lenta e regularmente, inalando e exalando corretamente. Exercícios de relaxamento progressivo, onde se aprende a diferença entre tensão e descontração, nas diferentes partes do corpo.

Treino em Atividades Incompatíveis com a Gagueira. Ao gaguejar ou antecipar que vai gaguejar, interromper a fala e respirar profundamente e exalar lentamente, relaxando os músculos faciais e corporais que estiverem tensos. Começar a falar depois de respirar. Ênfase em frases curtas, no início.

Identificação dos sentimentos que afloram na gagueira e das atitudes a respeito da comunicação. O que sentem quando gaguejam? Como as pessoas reagem a ela? Há situações que são evitadas com maior freqüência? O que pensam quando gaguejam? Preocupam-se com a avaliação das pessoas ao seu redor?

Identificação das situações que provocam ansiedade ao falar. Construção de Hierarquias. Exposição imaginária, pelos diferentes níveis da hierarquia. Controle da ansiedade através do treino respiratório e relaxamento.

Exposição ao vivo a situações que causam ansiedade e medo.

O planejamento terapêutico da Atuação Fonoaudiológica constou de:

Identificação e análise dos comportamentos de fala fluente e disfluente. Inicialmente, os participantes eram levados a perceber os momentos de fala fluente e disfluente e tensões associadas ao ato motor da fala. Logo após, eram solicitados a analisar tais comportamentos em diferentes situações de comunicação.

Redução da tensão. Por meio de exercícios cervicais e mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios, pretendia-se favorecer o relaxamento e, indiretamente, levar a uma fala menos disfluente.

Treino da respiração e coordenação pneumo-fonoarticulatória. Os participantes eram levados a prestar atenção na sua própria respiração e no modelo de respiração correta dado pela terapeuta, quanto ao tipo e quanto ao modo respiratório. Logo após, deveriam respirar de modo nasal exclusivo em repouso e buco-nasal durante fonação. Quanto ao tipo respiratório, eram treinados a respirar utilizando a região costo-diafragmática. Concomitantemente ao treino respiratório, realizavam exercícios de coordenação pneumo-fonoarticulatória: deveriam inspirar e expirar respeitando um ritmo marcado pela terapeuta por meio de contagem de números, aumentando gradativamente o tempo de emissão, sem entrar no ar de reserva.

Treino da velocidade de fala. Os participantes realizavam exercícios para favorecer a precisão articulatória e conseqüentemente, reduzir a velocidade de fala, como por exemplo, articular com maior amplitude de boca.

Treino da melodia e entonação. Exercícios com variação de ritmo e melodia eram fornecidos aos participantes para favorecer o domínio do comportamento de fala.

Treino de suavidade da emissão. Eram realizadas técnicas específicas para favorecer a suavidade da emissão, como por exemplo: técnica do bocejo, técnica de emissão de fonemas, monossílabos, dissílabos, trissílabos, polissílabos, frases e fala espontânea com voz suave e quase soprosa.

O GAG teve início em outubro de 2000 e terminou em maio de 2001. Houve uma interrupção no período de férias escolares, de janeiro a fevereiro. Ao todo, foram realizadas 22 sessões. Na última sessão, os participantes foram novamente filmados na situação de fala espontânea e lendo um texto previamente selecionado.

 

Resultados

Dos seis participantes do GAG, três eram do sexo masculino e três do sexo feminino. Desses, apenas dois estavam no 2º grau; os demais tinham primeiro grau incompleto. Esses dados estão apresentados na Tabela 1, que reúne também as informações quanto à severidade da gagueira e o escore obtido por cada um dos participantes na Escala S.

Apenas dois participantes foram classificados no nível "moderado", quanto à severidade da gagueira; os demais foram classificados como "muito leve". Os escores obtidos na Escala S situam-se acima da média obtida por gagos na pesquisa que deu origem à escala (Erickson, 1969), demonstrando uma grande preocupação com a comunicação. Mesmo os participantes classificados como "muito leve", quanto à severidade da gagueira, tiveram alta pontuação nesta escala.

 

 

O GAG, que começou com 6 participantes, terminou apenas com três. As desistências ocorreram ao longo da terapia, em momentos diferentes para cada um dos participantes e por motivos também diversos, o que evidencia a dificuldade de autocontrole (Kerbauy, 2000).

A Tabela 2 apresenta as mudanças observadas após o término do programa de intervenção, nos participantes M. e L. A participante E., apesar de ter acompanhado o grupo até o final, não participou da última sessão, quando foram filmadas, pela segunda vez, amostras de fala de cada um dos membros do GAG.

Os aspectos avaliados dentro do programa de intervenção fonoaudiológica foram: a) freqüência das disfluências, em porcentagem, que ocorreram durante as amostras de fala espontânea e de leitura; b) duração dos bloqueios mais longos, observados nas duas situações de fala e c) os comportamentos que ocorriam paralelamente à gagueira, conhecidos como concomitantes físicos.

No programa de intervenção psicológica foi possível observar modificações em dois aspectos: a) nos relatos de sentimentos que os participantes apresentaram durante as sessões, quando se referiam às situações em que não conseguiam falar sem gaguejar; e b) na maneira como enfrentavam as situações temidas, quando tinham que expor a fala diante de outros.

Observa-se, pela Tabela 2, que a severidade da gagueira de L. apresentou modificação durante o programa, passando de moderada para muito leve. Já para a participante M., não houve mudança. É importante ressaltar que o nível de severidade apresentada por M. é o mais baixo na escala de severidade do Protocolo Riley, não sendo possível atingir um nível mais baixo do que esse.

 

 

Quanto às disfluências, observa-se que tanto M. como L. apresentaram uma diminuição na freqüência de disfluências na fala espontânea após o programa de intervenção, em torno de 1 %. Já na situação de leitura, apenas o participante L. mostrou redução na porcentagem de disfluências, passando de 6% para 4%. A duração dos bloqueios não se modificou como resultado da intervenção.

Os concomitantes físicos à gagueira, apresentados pelos dois participantes, modificaram-se, sensivelmente, quando se comparam as duas amostras de fala. A participante M. que apresentara, no início do GAG, quatro tipos de comportamentos associados à gagueira (piscar de olhos, franzir testa, cabeça para frente e pobre contato de olhos), não apresentou nenhum deles após o programa de intervenção. O participante L., que também apresentara, no início, quatro concomitantes físicos (cabeça para frente, respiração ruidosa, estalo de língua e pressão labial), apresentou apenas um, durante a amostra da fala recolhida no final do programa.

Ao relatar sobre os sentimentos vivenciados na situação em que não conseguiam falar sem gaguejar, os participantes destacaram a ansiedade, a vergonha, o medo e mal estar. Após o programa de intervenção, esses mesmos sentimentos estavam ausentes de seus relatos ou afloravam com menor intensidade.

As estratégias de enfrentamento da gagueira, utilizadas pelos participantes, constituíam-se, basicamente, de comportamentos de esquiva e fuga de situações consideradas aversivas. Por exemplo, substituíam palavras; pediam para outra pessoa falar em seu lugar; evitavam lugares ou atividades onde tinham que se expor. No final do programa, os participantes relataram que estavam mais confiantes e se expunham mais. A fala estava mais fluente e enfrentavam muitas situações antes temidas e freqüentemente evitadas.

A participante M. relatou, no final do programa, que havia conseguido fazer algo que julgara impossível de se conseguir, anteriormente. Foi capaz de rezar um "mistério" do terço, sozinha e em voz alta, diante de muitas pessoas. Sempre teve vontade de rezar desta maneira, mas jamais conseguira. Poucas vezes havia tentado, mas como não fôra bem sucedida, tinha vergonha e medo de tentar novamente. Disse que todos ficaram olhando para ela quando se ofereceu para rezar aquele "mistério". Foi elogiada pelo marido quando conseguiu rezar sem gaguejar, que lhe disse também: "esse grupo está lhe fazendo muito bem; você nunca foi capaz de fazer isso"...!

L. relatou também estar falando mais na escola, com os colegas, como está enfrentando algumas situações que antes tinha receio, como falar ao telefone e fazer compras.

 

Discussão

Os participantes que chegaram até o final do programa integrado de intervenção, mostraram algumas modificações em sua fala, quanto aos critérios utilizados na avaliação. Não foram grandes mudanças mas suficientes para que os participantes as percebessem e relatassem, inclusive, progressos fora do contexto clínico. Uma pequena mudança, em termos numéricos, pode representar muito para uma pessoa com gagueira. Ingham e Cordes (1997) destacam a importância de auto-avaliações como uma medida dos ganhos obtidos através da terapia da gagueira. Segundo eles, somente o gago é que pode dizer se o que ele está produzindo, em termos de fala, situa-se em um nível adequado de acordo com suas expectativas e com as demandas do meio em que vive.

Entretanto, algumas considerações devem ser feitas, quanto a variáveis que podem ter interferido no desempenho dos participantes, bem como no desenrolar das atividades programadas.

A Seleção dos membros do grupo. Apesar de o GAG ter sido criado com outros objetivos, foi transformado em grupo de terapia, sem maiores preocupações com a seleção dos membros. Todos os que se inscreveram passaram a participar da terapia em grupo para a gagueira.

Apesar de existirem poucas contra-indicações para a terapia em grupo, há critérios gerais de inclusão e exclusão, através dos quais as pessoas são cuidadosamente selecionadas (Kaplan e Sadock, 1993; Vinegradow e Yalom, 1992). Entre os critérios de inclusão, esses autores citam a motivação para a mudança e a presença de áreas problemáticas compatíveis com o objetivo do grupo.

Quanto ao primeiro critério acreditamos que, apesar de estarem todos interessados pelo menos em adquirir conhecimento sobre a gagueira, pois aderiram ao GAG espontaneamente, poderiam não ter a mesma motivação para a mudança quando o grupo se transformou. Dessa forma, à medida que a terapia se desenvolvia e novas exigências eram feitas, os participantes com menor motivação para a mudança poderiam apresentar maior resistência, manifestadas na forma de pouca adesão às tarefas ou faltas mais freqüentes, por exemplo.

Quanto ao segundo critério, todos os participantes apresentavam o mesmo problema, que era a gagueira. Entretanto, a severidade do distúrbio não era a mesma para todos eles e esta variável pode ter interferido, de alguma forma, no desempenho durante o programa. Apesar de não ter sido possível observar nenhuma modificação no desempenho dos participantes quanto a esse critério, as pessoas com gagueira mais leve podem ter tido mais facilidade para atingir os objetivos propostos e, com isto, receber mais conseqüências positivas pelo seu progresso. Ou até mesmo se constituírem como modelos pouco atingíveis para aqueles com maior dificuldade na fala.

As faltas. Um dos problemas mais freqüentes, observados em atendimentos clínicos, tem sido o alto índice de abandono e de faltas. Em clínicas-escola brasileiras, os índices relatados estão entre 40% e 60% (Marinho, 2000).

No GAG, alguns participantes faltaram mais do que outros, como foi o caso de E., de 13 anos de idade, participante com o maior número de faltas do grupo. Para E., qualquer atividade era mais importante do que as reuniões do grupo; sempre que aparecia um compromisso novo, no mesmo horário das sessões do grupo, E. faltava e depois justificava-se.

A pouca idade de E. pode ter contribuído para sua também pequena responsabilidade com as reuniões. Entretanto, o participante L., de apenas 16 anos, foi um dos mais assíduos. Malerbi, Savoia e Bemick (2000) destacam que é comum observar menor adesão a tratamentos na adolescência, sendo essa uma característica universal.

Além disso, a freqüência às reuniões tinha um custo alto para E., que morava muito distante do local de encontro do grupo, sem nenhuma condução própria nem serviço de ônibus coletivo à noite. Quando freqüentava as reuniões, tinha despesas com moto-táxi, na ida e na volta.

As tarefas de casa. Mesmo com o cuidado de atribuir tarefas de casa exeqüíveis, em pequenas doses e em níveis graduais de dificuldade, os participantes do GAG deixavam de fazer as tarefas.

Muitas vezes as tarefas não foram feitas ou foram realizadas na "última hora", ou parcialmente. Os motivos apresentados para a não realização da tarefa eram, geralmente, esquecimento ou falta de tempo.

Entretanto, por mais simples que fossem, essas tarefas exigiam que o participante entrasse em contato com situações em que deveria expor sua fala, algo considerado difícil e temido, em algum grau, por todos eles. Banaco (2001) aponta que técnicas aversivas (como a exposição a estímulos ou situações ansiógenos), apesar de serem extremamente eficazes para tratar problemas de ansiedade, provocam na situação terapêutica, aquilo que pretendem eliminar, que é a ansiedade. Desse modo, a não adesão às tarefas de casa se constituía de novas respostas de esquiva ou fuga (em um repertório já pródigo em comportamentos deste tipo), que lhes permitiam evitar situações causadoras de ansiedade e mal estar.

A desistência. O grupo perdeu 50% de seus membros, quase todos por motivos justos. Apenas um participante abandonou o grupo sem dar nenhuma explicação no momento.

Em atividades de maior duração, muitos fatores podem interferir para que a freqüência às mesmas fique prejudicada. Foi o caso do participante W., que voltou a estudar à noite, depois de dois anos parado e de C., cujas obrigações escolares introduzidas no novo ano letivo, impediram que ela continuasse a participar das sessões do GAG.

É importante estar atento a prováveis efeitos de variáveis estranhas ao nosso controle, para que, na formação de novos grupos, sejam levadas em consideração. Esta preocupação, apesar de legítima, não deve obscurecer o principal resultado deste trabalho: após um programa integrado de intervenção fonoaudiológica e psicológica para a gagueira, desenvolvido em um curto período de tempo e em grupo, os participantes que chegaram até o final apresentaram algumas modificações positivas, não apenas em características topográficas da gagueira como também nas atitudes à respeito do distúrbio que apresentam.

Dessa forma, o GAG cumpriu os objetivos e cumpriu seu papel informativo/educativo, proporcionando aos participantes uma oportunidade para aprender formas alternativas para lidar com a gagueira. Alternativas bem diferentes do repertório de evitações constantes mescladas com sentimentos e pensamentos negativos a respeito de si mesmos, apresentado por todos eles no início do trabalho.

Concluímos ser necessário investigar se, com um número maior de sessões, novos ganhos seriam incorporados àqueles já adquiridos, e como resolver o problema da desistência prematura. A programação incluiria procedimentos para garantir a manutenção e generalização dos ganhos para outros contextos.

 

Referências

Andrews, N.G.; Morris-Yates, A; Howie, P. e Martin, N.G. (1991). Genetic factors in stuttering confirmed. Archives Generals of Psychiatry, (48),1034-1035.         [ Links ]

Banaco, R.A. (2001). Alternativas não aversivas para tratamento de problemas de ansiedade. Em M.L. Marinho e V. Caballo (Org), Psicologia Clínica e da Saúde. Londrina: UEL-Apicsa.         [ Links ]

Barbosa, L.M.G. & Chiari, B.M. (1998). Gagueira: etiologia, prevenção e tratamento. Carapicuíba - SP: Pro-Fono.         [ Links ]

Bloodstein, O. (1995). A Handbook of Stuttering. San Diego: Singular Publishing Group Inc., 5a ed.         [ Links ]

Erickson, R.L. (1969). Assessing communication attitudes among stutterers. Journal of Speech and Hearing Research, (12), 703-710.         [ Links ]

Gomes, M.J.C. e Scrochio, E.F. (2001). Avaliação das atitudes a respeito da comunicação em gagos: o uso da Escala S de Erickson. Poster apresentado no X Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Campinas, SP.         [ Links ]

Ingham, J.C. (1989). Generalization in the treatment of stuttering. Em L.V. McReynolds e J.E. Spradlin (eds.), Generalization Strategies in the Treatment of Communications Disorders. Philadelphia: B.C. Decker Inc.         [ Links ]

Ingham, R.J. e Cordes, A.K. (1997). Self-measurement and evaluating stuttering treatment efficacy. Em R.F. Curlee e G.M. Siegel (eds.), Nature and Treatment of Stuttering: New Directions, pp: 413-437. Boston: Allyn & Bacon.         [ Links ]

Jakubovicz, R. (1986). A gagueira: teoria e tratamento de adultos e crianças. Rio de Janeiro: Edições Antares.         [ Links ]

Kaplan, H.I. e Sadock, B.J. (1990). Compêndio de Psiquiatria. Trad. de M.C. Monteiro e D. Batista (2ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Kerbauy, R.R. (2000). Autocontrole: acertos e desacertos na pesquisa e aplicação. Em: R.R. Kerbauy (Org), Sobre Comportamento e Cognição, vol. 5, pp: 192-200. Santo André: SET.         [ Links ]

Malerbi, F.K.; Savoia, M.G. e Bernik, M.A. (2000). Aderência ao tratamento em fóbicos sociais: um estudo qualitativo. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. 2, nº 2, 147-155.         [ Links ]

Marinho, M.L. (2000). Intervenção comportamental para pais e crianças em clínica-escola: efetividade, limitações e prevenção da desistência. Em: R.R. Kerbauy (Org), Sobre Comportamento e Cognição, vol. 5. Santo André: SET.         [ Links ]

Murray, F.P. (1980). A stutterer's story. Danville: Interstate Printers and Publishers.         [ Links ]

Perkins, W.H. (1990). What is stuttering. Journal of Speech Disorders, (55), 370-382.         [ Links ]

Poulos, M.G. e Webster, W.G. (1991). Family history as a basis for subgrouping who stutter. Journal of Speech and Hearing Research, (34), 5-10.         [ Links ]

Riley, G.D. (1972). Stuttering severity instrument (S.S.I.) for children and adults. Journal of Speech and Hearing Disorders, (37), 314-322.         [ Links ]

Van Riper, C. & Emerick, L. (1997). Correção da Linguagem - Uma introdução à patologia da fala e à audiologia. Trad. de Marcos G. Domingues, 8ª edição. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Vinagradov, S. e Yalom, I.D. (1992). Manual de Psicoterapia de Grupo. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Yairi, E. (1997). Disfluency characteristics of childhood stuttering. Em: R.F. Curlee e G.M. Siegel (ed.), Nature and treatment of stuttering, pp: 49-76. Needham Heigts: USA.         [ Links ]