SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.3 número2Um exercício de análise funcional: a atuação do psicólogo em grupos de menopausaABPMC - dez anos índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.2 São Paulo dic. 2001

 

ARTIGOS

 

Comportamento governado por regras

 

Rule-governed behavior

 

 

Maria Amélia Matos1

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Nesta breve revisão de finalidades didáticas, discutem-se algumas questões relacionadas ao comportamento governado por regras. Mostra-se que o comportamento instruído é menos sensível a contingências que o comportamento modelado. Contudo, um comportamento sob controle de contingências pode passar para sob o controle de auto regras. Desempenhos motores complexos e aqueles que envolvem diferenciações sutis são mais eficazmente instalados por instrução mas, à medida que se instalam, passam a ocorrer sem o acompanhamento de regras, podendo ficar totalmente sob controle das contingências, ou seja, regras são úteis para complementar contingências fracas, remotas, ou complexas, assim como em situações de competição entre contingências opostas; porém, na medida em que as contingências se tornam mais fortes (por um controle de estímulo mais eficaz, ou por operações estabelecedoras, etc.) elas eliminam o controle pela regra.

Palavras-chave: Regras, Controle instrucional, Comportamento verbal, Comportamento governado verbalmente.


ABSTRACT

In this brief didactic revision a few questions concerned to rule-governed behavior are discussed. It is shown that instructed behavior is less sensitive to contingencies than shaped behavior. However, contingency controlled behavior may become rule governed (self-rules). Complex motor behavior as well as those which depend upon subtle response differentiation are more easily taught by instructions but, once established, they may occur without those rules; and they may become completely under contingency control. That means that rules are useful to complement contingencies which are weak, remote, or too complex, as well as in situations of competition between opposing contingencies. However, as those contingencies become stronger (through a more efficient stimulus control or through establishing operations) they overcome rule control.

Keywords: Rules, Instructional control, Verbal behavior, Verbally controlled behavior.


 

 

Regras são estímulos discriminativos de um tipo especial: elas envolvem o comportamento verbal de uma pessoa, a pessoa que emite a regra. Nesse sentido, o estudo do controle por regras sempre deveria envolver uma análise do contexto social do falante (que emite a regra) e do ouvinte (que seguirá ou não a regra). É justamente a função do ouvinte, como responsável pelo reforço para o falante, que define e coloca o estudo de regras dentro do campo do comportamento verbal. Este ponto é muito importante porque estabelece desde já uma clara distinção entre a postura do Behaviorista Radical e a do cognitivista. Para este, como mentalista e mediacionista que é, o comportamento é controlado por (ou é a expressão de) processos simbólicos (as regras) gerados internamente, isto é, na consciência ou na mente. Para aquele, tanto a linguagem como os processos simbólicos e as regras são exemplos de comportamento verbal, e como tal gerados no ambiente (no caso social) em que vivemos. Como exemplos de comportamento verbal são sub-produtos da nossa interação social e não causas de outros comportamentos.

Quando vejo, na rua em que estou dirigindo meu carro, um acidente de tráfego mais adiante, com vários carros parados em volta, em geral eu paro o carro, analiso a situação e tomo uma via alternativa para chegar onde pretendo, evitando o local do acidente. A isso se diz controle por contingências naturais2.

Quando, na mesma situação, eu vejo uma placa de trânsito dizendo "Tráfego interrompido a 500 metros. Utilize o desvio", eu analiso a situação e tomo uma via alternativa para chegar onde pretendo, evitando assim o local onde há problemas. A isso se chama controle por contingências culturais, ou mais especificamente, controle do comportamento por regras.

Em ambos os casos, eu tomo uma via alternativa evitando o local onde há problemas, evitando eventuais atrasos em meu trajeto; em ambos os casos, as respostas são topograficamente semelhantes e as conseqüências também. Em ambos os casos, a relação R-SR está sob controle de um antecedente em relação ao qual tenho uma história passada. No primeiro caso trata-se de um antecedente mecânico ou geográfico (uma batida de carros ou um defeito na pista), no segundo caso trata-se de um antecedente cultural (um aviso do departamento de estradas). No primeiro caso o antecedente "aglomeração/acidente" controla meu comportamento porque tenho uma história passada em relação a acidentes de tráfego e aglomerações de carro (e porque, é lógico, conheço mais ou menos a região por onde estou dirigindo). No segundo caso o antecedente "aviso" controla meu comportamento porque tenho uma história passada com relação a palavras da língua portuguesa e com relação a placas do departamento viário. No primeiro caso dizemos genericamente que o antecedente é um estímulo discriminativo, no segundo caso dizemos que o estímulo discriminativo é uma regra ou uma instrução3.

Regras ou instruções, no sentido em que as usamos aqui, descrevem contingências: "Se continuar por esta via acontecerá isso e aquilo; se tomar uma via alternativa acontecerá aquilo outro". Em 1969, Skinner mencionou pela primeira vez o conceito de regras como condições especiais que poderíamos utilizar ao analisarmos o comportamento do ser humano. O enunciado de regras poderia substituir o procedimento de modelagem de uma resposta em seres humanos. Alertava ele, contudo, para ao fato que a descrição de uma contingência contida em uma regra não necessariamente teria o mesmo efeito que um contato direto com essa contingência teria (hoje sabemos que essa diferença se dá exatamente devido ao processo pelo qual regras adquirem controle sobre o comportamento). Mais sobre isso, adiante.

Em 1966, Skinner denominou o comportamento sob controle direto pelas contingências (isto é, o comportamento modelado4) de "comportamento modelado por contingências", e o comportamento sob controle direto por instruções de "comportamento governado por regras"5, ao tempo em que identificava neste segundo caso duas respostas sob controle de duas situações. Em nosso exemplo do motorista cauteloso, podemos identificar estas duas respostas e seus antecedentes: a resposta motora de desviar o carro por uma via alternativa (resposta essa modelada por e sob controle de contingências naturais), e a resposta de obedecer as instruções contidas na placa de aviso (resposta essa sob controle de contingências sociais). Ou seja, a resposta de dirigir e a de obedecer sinais de tráfego. Assim, além da resposta instruída (de obediência à regra), mantida por contingências sociais, temos a resposta de executar o comportamento especificado pela regra (em geral um desempenho motor modelado por contingências naturais). Dizemos ainda, que o comportamento controlado por regras produz conseqüências ditas instrucionais típicas (aprovação social) e conseqüências ditas colaterais (colaterais em relação à resposta sob análise, a resposta instruída). Em nosso exemplo, entre essas conseqüências colaterais podemos identificar "evitar acidentes ou multas" e "chegar mais cedo ao local de destino".

O papel das conseqüências colaterais na instalação da resposta motora "dirigir o carro" é muito grande, mas, na instalação da resposta instruída ("obedecer"), esse papel é mínimo. Esquecendo isso, freqüentemente trabalhamos com conseqüências naturais ao tentarmos eliminar um comportamento controlado por regras, o que é um erro: as conseqüências a serem trabalhadas deveriam ser as culturais, não esquecendo o papel da auto-regra.

Quando estou aprendendo uma habilidade motora nova complexa e onde também a seqüência das respostas específicas é importante (por exemplo, tocar violão ou jogar golfe), em geral começo essa aquisição sob controle de regras (especialmente se já tenho os pré-requisitos necessários). À medida em que vou desenvolvendo um certo grau de competência, o controle deve passar para as contingências naturais do meu comportamento (o som que produzo, o feedback da posição de meus dedos; o peso do taco, o trajeto da bola, etc., etc.). Se continuo sob controle de instruções (sejam elas auto-regras ou regras do instrutor), nunca apresentarei realmente um bom desempenho nessas atividades. Desempenhos que envolvem diferenciações sutis entre diversas topografias de respostas dependem de consequenciações precisas, ponto a ponto, e imediatas (quem já modelou um rato ou ensinou uma criança a ficar em pé e andar, sabe disso), e isso nunca pode ser completamente substituído pela melhor das regras, ou pelo elogio mais poderoso.

Por outro lado, quando estou aprendendo uma habilidade conceitual abstrata (calcular a rota de vôo de um avião ou desenvolver uma fórmula matemática elaborada), o controle por contingências naturais é mínimo, enquanto aquele pelas regras vai ficando cada vez mais elaborado e mais complexo; as próprias descrições contidas nas regras vão ficando cada vez mais codificadas e sujeitas a outras tantas regras; até o ponto em que, quem desconhece essa assim chamada "linguagem técnica", não realiza e nem sequer, acompanha a realização destas atividades. Esta discussão tem a ver com uma análise dos chamados reforçadores intrínsecos e extrínsecos (ver Catania, 1999). Alguns eventos, aqueles filogeneticamente importantes para a sobrevivência do indivíduo e da espécie, são reforçadores intrinsecamente eficazes; outros precisam ser instalados ou aprendidos (isto é, sua função reforçadora é adquirida). Elogios, dinheiro, atenção materna são eventos cuja eficácia reforçadora depende de sua associação com reforçadores intrínsecos, ou seja, são extrínsecos à atividade sobre a qual atuam. Conseqüentemente, reforçadores extrínsecos não são muito eficazes nem com crianças muito jovens, nem com adultos com problemas de desenvolvimento, e as respostas que mantém desaparecem quando esses reforçadores não são pareados com aqueles intrínsecos, por algum tempo. Em crianças mais velhas, a suspensão do reforçador extrínseco pode ser realizada sem grandes dificuldades, especialmente se fazemos com que o adolescente verbalize sobre o comportamento relevante e sua relação com as contingências, isto é, verbalize uma regra (Wilson e Lassiter, 1982).

A princípio, o estudo de controle por regras não apresentava um grande interesse para os analistas do comportamento, mais preocupados com processos básicos e com estudos com animais. Contudo, estes pesquisadores freqüentemente sentiam-se perturbados com alguns resultados de estudos com seres humanos, mas atribuíam estes resultados e suas discrepâncias a problemas de controle experimental. Em 1979, um analista do comportamento do País de Gales, Fergus Lowe, publicou um estudo extremamente bem realizado e bem descrito, feito com universitários atuando em um esquema de intervalo fixo com uma resposta motora simples, pressionar uma chave de telégrafo para ganhar pontos. Este esquema, depois de bem estabelecido, produz tipicamente taxas baixas logo após o reforço, taxas essas que vão acelerando à medida que o intervalo transcorre, ou seja, este esquema produz uma curva de respostas que se assemelha com o padrão de uma meia lua crescente. O que Lowe verificou foi que seus sujeitos discrepavam deste padrão, usual em animais: alguns apresentavam uma taxa constante e alta, outros uma taxa extremamente baixa com algumas respostas próximo do final do intervalo. Em uma entrevista posterior verificou que os sujeitos "taxa alta e constante" relatavam que trabalhavam assim porque o instrutor lhes havia dito que deveriam responder pressionando a chave do telégrafo; os sujeitos "taxa baixa e ao final do intervalo" relatavam que haviam notado que ganhavam pontos apenas de tempos em tempos, e descreviam ainda certos recursos que usavam para contar o tempo após o qual valia a pena responder (alguns recitavam poesia, outros cantavam ou faziam contas, etc.). Todos os sujeitos que haviam mudado subitamente de "taxa alta" para "taxa baixa", ou que respondiam com uma grande variabilidade no desempenho e subitamente passavam para "taxa baixa", relataram que haviam discutido a tarefa com um colega que lhes havia passado a "regrinha da taxa baixa". Lowe interpretou estes resultados como o efeito de auto-regras elaboradas pelos sujeitos ou imitadas de alguém.

Voltemos um pouco no tempo. Em 1964, Weiner, em um estudo sobre o efeito, sobre desempenhos atuais, de uma história passada com diferentes situações de aprendizagem, treinou sujeitos humanos a responderem quer em FR 40 quer em um DRL de 20 segundos. Assim alguns sujeitos aprendiam a responder rápida e constantemente, enquanto outros aprendiam a pausar por 20 segundos entre uma resposta e outra. Em seguida, ele mudou os esquemas para todos os sujeitos e sem avisá-los, agora o esquema em vigor era FI 10 segundos. Verificou que o desempenho dos sujeitos não se modificava: quem desempenhava em taxa alta continuava a assim fazê-lo, e os que o faziam em taxa baixa, assim continuaram a responder. Ele interpretou os resultados como os sujeitos estando mais sob o efeito de contingências passadas do que de contingências presentes (uma outra maneira de expressar o que aconteceu seria, talvez, dizer que as contingências passadas geraram auto regras, assim, o desempenho, na segunda etapa do estudo, continuava sob o controle dessas auto regras, quando o esquema de FI estava presente, indicando que, pelo menos no caso dos sujeitos em DRL, o controle instrucional [social] era mais forte que o controle motivacional [ganhar fichas]).

Nessa mesma ocasião Ayllon e Azrin (1964) trabalhando com pacientes internados em uma clínica psiquiátrica, tentaram ensinar a esses pacientes algumas práticas de auto cuidado e de higiene (como usar talheres nas refeições, não jogar comida na mesa, etc.). Inicialmente reforçaram com doce, café e outras guloseimas (a que normalmente os pacientes não tinham livre acesso) aqueles pacientes que usavam os talheres etc., e verificaram que, apesar disso, o desempenho geral não se alterava, mesmo aqueles pacientes que pegavam os talheres num dia, podiam não fazê-lo no outro dia, e, de qualquer maneira, a freqüência geral dos comportamentos desejados era muito baixa. Decidiram então dizer aos pacientes que seria adequado que eles usassem os talheres, e que se assim o fizessem receberiam doces, café etc. Houve um aumento imediato de cerca de 80% na freqüência do comportamento desejado, mas os autores se perguntaram: essa mudança se deveu ao pedido feito, ou à promessa de guloseimas? Decidiram então refazer o estudo, mas agora somente apresentariam a recomendação de usar os talheres. De fato, o pedido em si era suficiente para produzir um aumento imediato - embora não muito grande -, na freqüência do comportamento desejado; mas esse efeito era temporário, e o comportamento de interesse logo desaparecia. Quando, depois de vários dias, reintroduziram as guloseimas contingentemente ao uso dos talheres, observaram novo aumento na freqüência desse comportamento, aumento esse que se manteve pela duração das observações.

Os resultados destes dois experimentos perturbaram muito os pesquisadores na área. No caso de Weiner, a contingência era de FI mas os sujeitos continuavam em FR ou DRL, ganhando reforço num caso (mas com muito mais esforço) ou até perdendo reforço! No estudo de Ayllon e Azrin o reforço com guloseimas por si só não era suficiente para modificar o comportamento, eram necessários pedidos e avisos também! Na prática a teoria é outra? As leis e principios da Análise do Comportamento só funcionariam para os animais e não para seres humanos? Em 1966 mais lenha foi jogada na fogueira: Kauffinman, Baron e Kopp estudaram o desempenho em VI com seres humanos, esperando encontrar o desempenho típico até então visto com animais: taxa de resposta em niveis médios de freqüência, porém constante e estável. Dois grupos de participantes receberam instruções ambíguas sobre o que fazer, um terceiro recebeu instruções que seriam corretas se o esquema em vigor fosse FI, um quarto grupo recebeu instruções próprias de VR, e o último, finalmente, instruções adequadas a um desempenho em VI. Os dois primeiros grupos apresentaram um desempenho variável, instável; com relação aos três últimos, cada um desempenhou de acordo com o esquema que lhes fôra descrito. Novamente, as descrições do esquema, mesmo que falsas, pareciam ser mais poderosas que o esquema verdadeiro.

Somente com o estudo de Lowe em 1979 esses dados puderam ser corretamente interpretados/reinterpretados. Antes de mais nada, é preciso aceitar a evidência que sujeitos humanos formulam regras (regras derivadas de instruções recebidas ou regras derivadas da experiência passada desses sujeitos), e que agem de acordo com essas regras, mesmo que algumas vezes essas regras não sejam compatíveis com as contingências de fato presentes. Quando as regras são ambíguas mas (1) as contingências são simples, isto é, fáceis de serem discriminadas, os sujeitos as discriminam e passam a agir de acordo com elas; mas se (2) as contingências são complexas e o desempenho exigido é elaborado, os sujeitos (2a) podem apresentar um desempenho errático e variável, até, eventualmente, ficarem sob controle das contingências em vigor; ou (2b) podem formular auto regras a partir de suas experiências passadas com situações semelhantes. Eventualmente, mesmo aqueles que respondem de acordo com as contingências (casos 1 e 2a) podem vir a formular uma regra sobre seu desempenho (como alguns dos sujeitos de Lowe haviam feito) e ficar sob controle dessa regra daí por diante. Isso explicaria os resultados de Weiner: seus sujeitos não haviam recebido qualquer instrução, mas haviam aprendido desempenhos em FR ou DRL através das contingências em vigor; ao serem transferidos para uma situação de FI continuavam a reagir como antes, possivelmente sob controle de uma auto regra gerada durante o desempenho anterior.

Em outras palavras: em animais, em geral o comportamento é modelado por contingências naturais; sobre os seres humanos atuam também contingências culturais, especialmente através do comportamento verbal. Em seres humanos, especialmente em adultos, o comportamento verbal, pela, sua ubiqüidade e independência de substratos físicos, tem um controle muito importante sobre o desempenho dessas pessoas. A partir desta constatação a comunidade dos analistas do comportamento deu-se conta da necessidade premente de não mais pospor o estudo do comportamento verbal (uma tarefa já iniciada, por fundamental, por Skinner em 1957) e das chamadas contingências culturais (o que só recentemente começamos a fazer com, principalmente, os estudos de Sigrid Glenn).

Na medida em que uma pessoa é "deixada à vontade", ou é criada mais livremente, "para se defender por si mesma", como dizemos, ela desenvolve estratégias para discriminar mais rapidamente as contingências importantes para sua sobrevivência, e também para discriminar mudanças nestas contingências. Ela se torna essencialmente controlada por procedimentos de modelagem sob contingências naturais e é especialmente sensível a mudanças nestas contingências. Uma pessoa a quem sempre foi dito para fazer isso ou aquilo, a quem não se deu a chance de entrar em contato com as contingências naturais, senão com as suas descrições, se torna especialmente dependente de contingências sociais e de regras sobre como agir (elas são seu único contato com os mecanismos de sobrevivência), se torna extremamente dependente das correspondências descritas entre eventos sociais e naturais e do comportamento verbal do outro e, nesse sentido, ela se torna insensível a contingências naturais (gente rica sensível a mazelas da classe pobre, é ficção). E isto é compreensível, se não aceitável: se uma criança obedece sempre a instruções, as contingências naturais nunca terão oportunidade de atuar sobre seu comportamento. Se ela obedece a instruções, conseqüências agradáveis (sociais e naturais) podem ocorrer e conseqüências aversivas são evitadas; se as desobedece, conseqüências aversivas ocorrem. Todas essas contingências contribuem para aumentar o controle pela regra.

Outro exemplo: adultos aprendem a usar o computador tomando cursos ou lendo manuais, jovens aprendem mexendo e vendo o que acontece ou seja, aprendem por contingências naturais6 (os pais, claro, arcam com as conseqüências de pagar os técnicos de informática para reparar os estragos). Em uma idade tão cheia de ordens, normas e conselhos não é de estranhar que o computador se torne tão aditivo, isto é, tão reforçador.

É importante notar contudo que, em organismos humanos muito jovens (ou naqueles com déficits muito grandes de desenvolvimento) a modelagem do comportamento ainda é o procedimento mais eficaz para instalar novos repertórios ou refinar antigos. À medida que crescem, humanos vivendo em ambientes sadios aprendem que existem correspondências entre a fala dos adultos e certos eventos ou acontecimentos do ambiente. Estas correspondências são importantes para os adultos porque é através delas que esses adultos afetam o comportamento do jovem. Por outro lado, essas correspondências são importantes para os jovens porque, através delas, têm acesso a partes do ambiente com as quais ainda não entraram em contato (não preciso enfrentar uma chuva para pegar um guarda chuva, basta consultar o homem do tempo). À medida que estas correspondências se instalam, então as regras passam a controlar o comportamento desses jovens. Seguir instruções depende de correspondências (1) entre certos eventos e o comportamento verbal do falante, (2) entre o comportamento verbal do falante e certos comportamentos do ouvinte e, finalmente, (3) entre certos comportamentos do ouvinte e certos eventos no ambiente (os quais podem incluir desde aprovação social por seguir a regra, até as conseqüências naturais por fazer o prescrito). Do que dissemos resulta a necessidade de investigarmos melhor as contingências envolvidas no comportamento controlado por regras e bem como de uma análise evolutiva da aquisição da linguagem (a par da de ambientes em que estas correspondências ocorram de fato).

O comportamento de seguir regras pode ser analisado em dois níveis, o de seguir a regra e o de executar o que a regra preconiza. Nesse sentido, podemos dizer que a regra é um estímulo discriminativo de ordem superior, ou, em termos mais técnicos, um estímulo condicional, que muda a função dos estímulos discriminativos aos quais está relacionado. Diante dos discriminativos "guarda chuva" e "óculos de sol", o condicional que altera suas funções é o aviso do homem do tempo (a regra). As contingências de ordem superior que operam sobre o seguir instruções quase sempre são de natureza social ou cultural. Se eu desejo modificar ou afetar um comportamento controlado por regras eu preciso, antes de mais nada, mudar a regra, isto é, mudar a função dos estímulos discriminativos (já que controlar a existência ou alterar a estrutura de objetos como "guarda chuvas" ou de eventos como "chuva", nem sempre é possível), ou instalar novos operantes discriminativos (como ficar sob controle de nuvens, ventos, etc.).

Regras são úteis para a sociedade. Estabelecer e formular regras é um comportamento freqüentemente reforçado entre e pelos mais velhos de uma comunidade; reforçado pela sua eficácia na instalação e manutenção de comportamentos desejados entre os mais jovens, que continuarão e perpetuarão as práticas culturais necessárias para a sobrevivência daquele grupo como um todo.

Regras são particularmente empregadas em situações em que as contingências naturais são fracas, ou porque estas têm magnitude pequena ou porque operam a longo prazo (o comportamento de estudar, por exemplo, tem conseqüências naturais a curto prazo bastante fracas, e é freqüentemente instalado a partir de regras; durante muito tempo permanece mantido por elas, até que as contingências naturais de longo prazo comecem a produzir efeitos). As conseqüências sociais do seguir regras são importantes a curto prazo e, eventualmente, também a longo prazo, na medida em que suplementam os efeitos reforçadores dessas outras conseqüências do seguir regras.

Uma segunda circunstância em que regras são particularmente prováveis de ocorrer envolve a existência de contingências naturais que possam produzir comportamentos indesejáveis (por exemplo, quando o álcool ou as drogas produzem hábitos detrimentais e a sociedade estabelece regras controlando seu uso). Finalmente regras podem compensar ou anular os efeitos aversivos de certas conseqüências naturais (por exemplo, os efeitos previstos - previstos a partir de experiência passada - do tomar uma injeção podem ser compensados pelos efeitos previstos - previstos em regras ou conselhos de eliminação ou prevenção de uma doença). Estes são alguns dos parâmetros que devemos levar em consideração ao trabalharmos com o comportamento controlado por regras.

Se o seguimento de regras depende da socialização do indivíduo (leia-se, da aquisição de uma linguagem e do desenvolvimento de controle por reforçadores sociais), então seguir regras é um comportamento evolutivo culturalmente determinado, cuja aquisição é gradual, e eu deveria observar seu desenvolvimento ao longo do crescimento das pessoas para entender melhor seus mecanismos de ação. Em 1983, um grupo de analistas do comportamento iniciou uma linha de pesquisa exatamente nesse sentido. Lowe, Beasty e Bentall observaram o desempenho, obtido por modelagem, de crianças pré-verbais de 9 e 10 meses de idade, em um esquema de FI. Quatro valores de intervalos foram utilizados, cada um introduzido aleatoriamente após a estabilização no valor anterior. Todas as crianças apresentaram o padrão típico observado com organismos não humanos: pausa após reforço, taxas gradativamente cada vez mais aceleradas à medida que o intervalo se escoa. Do mesmo modo, foi observada uma grande sensibilidade às mudanças nos valores do intervalo, isto é, o desempenho das crianças mudava quando o valor do intervalo mudava. Esses resultados são bem diferentes daqueles observados por outros autores em estudos com adultos. Ou seja, parece haver definitivamente uma diferença nas variáveis que controlam o comportamento do ser humano adulto e o do jovem.

O passo seguinte, a ser tomado pelos pesquisadores na área, era verificar se a proporção entre o controle por contingências naturais e por contingências culturais mudava com o processo de socialização dos sujeitos e o conseqüente desenvolvimento da competência lingüística. Em 1985 Bentall, Lowe e Beasty novamente modelaram uma resposta motora simples, colocada sob um esquema de FI, mas trabalharam com crianças cujas idades iam desde 6 meses até 9 anos. Observaram que as crianças com até 18 meses de idade apresentavam o mesmo padrão de desempenho já observado anteriormente com crianças mais jovens. Crianças acima de 5 anos de idade apresentavam desempenhos semelhantes aos observados em adultos, alguns com o padrão "taxa alta", e outros com o padrão "taxa baixa". Finalmente, as crianças entre 2 anos e 4 anos e meio de idade apresentaram um padrão variável que oscilava entre o padrão de crianças pré verbais e aquele de adultos; o que indicava estarem em uma fase de transição. De novo, as crianças jovens eram sensíveis às mudanças nos valores de FI, enquanto as mais velhas, não. A correlação entre a competência verbal dos sujeitos e seu desempenho levou os autores a concluírem que o repertório verbal era importante no controle do comportamento não-verbal desses sujeitos e generalizaram: o desempenho humano parece ser modulado pelo comportamento verbal, mesmo quando a resposta é motora e é instalada por modelagem.

Contudo este estudo ainda era um estudo correlacional, não demonstrativo, e os autores se perguntaram o que aconteceria se instruções específicas fossem dadas a aqueles sujeitos com repertórios transicionais. Em 1987, esta pergunta foi respondida por Bentall e Lowe. Trabalharam com crianças de 2 até 9 anos e a mesma situação de FI, porém, ao invés de modelarem a resposta motora de "mover um joy-stick", deram instruções aos sujeitos para fazê-lo. Além disso, alguns sujeitos receberam uma instrução adicional para trabalharem depressa e outros, para trabalharem devagar (evidentemente eles usaram uma linguagem apropriada à idade das crianças). Todos os sujeitos que haviam recebido a instrução para trabalharem depressa apresentaram, de imediato, qualquer que fosse sua idade, uma taxa de respostas alta, estável e constante. Os sujeitos instruídos a responderem devagar apresentaram uma diferença no desempenho de acordo com sua idade: os mais velhos (entre 7 e 9 anos) imediatamente começaram a responder lentamente, muito mais lentamente do que o necessário (portanto, mostrando insensibilidade ao reforço pela duração do estudo); os sujeitos entre 5 e 6 anos também trabalharam lentamente porém, com uma certa variabilidade, e gradualmente se aproximaram de uma taxa adequada às contingências (mostrando um efeito instrucional inicial porém atenuado, e gradualmente substituído por sensibilidade ao reforço); já os mais jovens (entre 2 e 4 anos) também iniciaram trabalhando devagar, e, gradualmente, foram aumentando sua taxa, mesmo quando verbalizavam que deveriam responder devagar. Neste estudo fica evidente a interação entre contingências sociais de curto prazo (previstas na regra) e contingências naturais de longo prazo, interação esta modulada pela grau de socialização dos sujeitos (leia-se, sua idade). Fica também evidente, pelo menos nesta população, que o tipo de comportamento induzido pela regra é igualmente importante, ou seja, responder depressa é mais facilmente controlado por regras que responder devagar, provavelmente pelo tipo de feedback proprioceptivo desencadeado por um e outro comportamento.

Em uma segunda fase desse estudo, a todos os sujeitos foram ensinadas diferentes estratégias para trabalhar: os sujeitos "taxa alta" deveriam repetir rapidamente e para si mesmos "mais depressa, mais depressa"; os sujeitos "taxa baixa" deveriam contar até 50 ou cantar uma musiquinha entre uma resposta e outra. Isto não alterou o desempenho dos sujeitos "taxa alta" (confirmando a conclusão anterior que taxas altas são aditivas), mas melhorou consideravelmente o desempenho de todos os sujeitos ’taxa baixa' (melhorou no sentido de que os intervalos entre respostas se aproximaram do intervalo de reforçamento). Em outras palavras, quanto mais específicas as instruções (ou auto instruções) maior aderência à regra e mais preciso o desempenho. Isto chamou a atenção dos pesquisadores para o fato de que, não apenas as contingências reforçadoras, não apenas as características dos sujeitos, mas a própria natureza das instruções deveria ser objeto de estudo.

Em todos os estudos descritos até aqui foram enfocados dois aspectos: aderir ou não à regra e mudar ou não o desempenho quando as contingências mudavam. Expliquemos melhor: vamos supor que eu instrua ou modele um comportamento para produzir um desempenho sob um determinado esquema; o que acontece se eu mudar o valor do esquema (como nos casos anteriores) ou mudar o próprio esquema (de FI para FR por exemplo) sem avisar o sujeito? Se o desempenho segue as mudanças na direção adequada, dizemos que o comportamento é sensível às mudanças nas contingências; caso contrário, dizemos que é insensível. Insensibilidade a mudanças nas contingências naturais é um efeito comum, como já foi dito, do controle por regras.

Antes de continuarmos a discussão sobre sensibilidade ou insensibilidade do comportamento e suas conseqüências, seria importante revermos certas categorias de operantes verbais7. Um parênteses, pois, que consideramos necessário e será apresentado no seguinte trecho em itálico para destacar sua função no texto.

Uma regra enunciada por um falante nada mais é que um operante verbal do tipo descrito por Skinner (1957) como um Mando, freqüentemente um mando disfarçado, mas um mando. Em termos funcionais, a placa dizendo "não siga em frente, tome o desvio" é semelhante ao pedido "traga-me um copo de água por favor ". Um mando é emitido sob controle das necessidades, desejos, emoções e privações do falante ("sofrerei constrangimento se você se acidentar, evite meu constrangimento ", funcionalmente equivalente a "tenho sede, diminua minha carência'), e a forma do mando especifica exatamente o que reforça a emissão deste comportamento (ou seja, especifica o comportamento do ouvinte que satisfará a necessidade, carência etc do falante ("tome o desvio, evite acidentes", "me dê água'). Mandos estão sob controle, primordialmente, de eventos conseqüentes, mas é o ouvinte que serve de intermediário entre o falante e esses eventos conseqüentes, é o ouvinte que torna o desvio ou traz a água (e quando as circunstâncias são particularmente ambíguas e/ou complexas, posso emitir auto-mandos ou estabelecer regras para mim mesma, como forma de estimulação suplementar, ver a respeito a discussão de Skinner; 1957 sobre self-editing). Contudo para que o ouvinte possa exercer as funções especificadas no mando, ele precisa possuir operantes verbais do tipo Tato. Tato, termo que tem a mesma origem que a palavra tacto, denotando tocar ou contatar, é um operante cuja forma está sob controle de um objeto ou evento, ou suas propriedades. Digo 'cadeira' na presença de uma cadeira e "água" na presença de água. Em outras palavras, tendo ouvido o mando "traga água", o ouvinte deve possuir em seu repertório uma série de ações equivalentes ao operante verbal "trazer”; assim como outras tantas classes de equivalência entre determinados objetos e o verbal "água". (A questão de como estas equivalências se formam é objeto de uma outra análise, amparada por um outro corpo de pesquisas8. Fiquemos aqui com sua noção intuitiva). Dizemos que um tato é controlado primariamente por eventos antecedentes, nesse sentido tatos resultam relativamente insensíveis a operações de privação, a estados internos ditos emocionais, a situações de exposição a estimulação aversiva, etc., que definem a maioria das conseqüências naturais. A sociedade (ou seu representante) formula regras aplicando seu repertório de mandos; o cidadão, para seguir estas regras, deve possuir um repertório de tatos os quais, pelo seu processo mesmo de aquisição, resultam relativamente insensíveis a conseqüências.

Nunca é demais chamar a atenção para o fato de que não se está aqui eliminando ou diminuindo o papel das operações de conseqüenciação. Não estamos postulando que humanos verbalmente competentes sejam imunes à Lei do Efeito. Lembramos que a própria aquisição do comportamento de obedecer regras e de atender ao mando depende e é controlada por contingências que envolvem a operação de conseqüenciação.

Neste sentido distinguimos dois tipos de comportamento controlado por regras e que refletem nada mais que dois níveis de controle discriminativo: aquiescência (em inglês "pliance") e rastreamento (em inglês "tracking”). Um comportamento aquiescente é aquele que essencialmente depende de contingências sociais (sou reforçada diretamente por seguir, por me conformar com a regra); um comportamento de rastreamento depende essencialmente de correspondências entre o comportamento verbal e eventos ambientais (Zettle e Hayes, 1982). Uma norma, uma lei ou costume controlam comportamentos de aquiescer; uma instrução ou uma descrição de um trajeto controlam comportamentos de rastrear.

No comportamento aquiescente as conseqüências reforçadoras são mediadas pelo falante (o emissor da regra): ele suspende a multa, garante a não ocorrência do acidente, garante o não atraso; ele não se zanga se você trouxer a água, etc. Portanto a força do controle sobre o comportamento aquiescente depende essencialmente de características do falante: é a diferença entre uma regra estabelecida pelo pai ou pela mãe (pelo menos no meu tempo), entre uma placa do departamento de estradas e uma advertência feita por um bêbado que encontro no caminho (terapeutas devem levar isso em consideração). O comportamento de rastreamento, por outro lado, se constitui em uma classe de comportamentos sob controle de reforço generalizado e, por isso mesmo, mais maleável.

Que variáveis representam características importantes em uma análise do comportamento de aquiescer? De acordo com Zettle e Hayes (1982) pelo menos cinco variáveis ou circunstâncias modulam o comportamento controlado por regras do tipo aquiescer: 1) A habilidade ou capacidade do agente social monitorar o comportamento de seguir a regra (por exemplo, um pai em viagem prolongada, ou uma placa velha e dilapidada indicariam baixa capacidade de monitoração e resultariam em pequeno controle)9. Em termos de auto-regras torna-se importante para essa discussão a questão da exteriorização da auto-regra ou melhor dizendo do compromisso público (Hayes et al., 1985; Peterson, 1971); 2) A habilidade ou capacidade do agente social de realmente poder cumprir com as conseqüências previstas (por exemplo, o fato do tráfego estar fluindo normalmente e de não haver aglomeração de carros adiante apesar da placa de aviso, indicariam uma baixa capacidade de cumprir a promessa de ocorrência de problemas); 3) A importância das conseqüências previstas, ou a magnitude do reforço (por exemplo, um aviso de tráfego pesado versus um aviso de tráfego interrompido por desmoronamento, sinalizam conseqüências aversivas de magnitudes diferentes); 4) A confiabilidade do agente social (um agente cujas regras notoriamente discrepam das contingências que descrevem, seria não confiável e exerceria pouco controle sobre o comportamento, como no caso do pequeno pastor que gritava "lobo", bem como o de inúmeros políticos nacionais); 5) As conseqüências previstas para outros comportamentos são mais importantes do que aquelas previstas para o comportamento de seguir a regra.

Dizemos que ocorre um comportamento controlado por regras do tipo rastreamento quando a pessoa segue indicações ou um roteiro de viagem, isto é, pistas para realizar uma ação. O controle primordial aqui não é o agente social e sim a própria regra, bem como uma história passada de correspondência entre as regras e os eventos, as circunstâncias e/ou ações no mundo. Dizemos que a regra, ao invés de ser uma ordem emanada por uma figura de autoridade, é antes uma pista. Conseqüentemente, o rastrear, de acordo com Zettle e Hayes (1982) é afetado (1) por variáveis que influenciam a aderência da regra aos eventos (sua clareza por exemplo, sua precisão, o fato da regra ser completa ou incompleta, etc., como quando um mapa não coincide com outros mapas ou com o conhecimento que o sujeito tem da região), (2) por variáveis que afetam a importância dessa aderência (por exemplo, o sujeito conhece mais ou menos a região e não precisa depender muito do mapa, ou ainda, a estrada é perigosa e mal sinalizada), (3) que tornam as conseqüências para outros comportamentos mais importantes do que aquelas para o comportamento instruído, e novamente, (4) a importância ou magnitude da conseqüência prevista na regra). Ao contrário do aquiescer, o rastrear praticamente dispensa a figura do agente social: o mapa funciona tão bem quanto um co-piloto ao lado orientando minha viagem.

Para uma excelente revisão das variáveis que afetam o controle por regras veja-se também Cerutti (1989). Fim do parênteses]

Voltemos agora para a questão da insensibilidade do comportamento controlado por regras. Uma vantagem do controle por regras é justamente sua eficácia - a rapidez com que se instala -, e sua força. Se esse controle não se adapta a novas circunstâncias, sua utilidade se perde. Nesse sentido vimos que o comportamento modelado por contingências é mais sensível a mudanças que ocorram no ambiente do que o comportamento controlado por regras. Um dos primeiros estudos sobre esse fato foi realizado por Matthews, Shimoff, Catania e Sagvolden em 1977. A hipótese que levantaram é a de que vários aspectos dos procedimentos (necessariamente diferentes) empregados com humanos adultos em oposição a aqueles empregados com animais e humanos jovens seriam os responsáveis pelos diferentes tipos de controle e conseqüentemente, pelas diferenças na sensibilidade desses dois tipos de comportamento.

Por exemplo, os reforçadores utilizados com adultos em geral são fichas ou pontos que depois podem ser trocados por dinheiro; enquanto com crianças e deficientes são trocados por comida, e por sua vez, os animais recebem diretamente água ou comida. Assim, dado o reforçador utilizado, crianças e animais em geral emitem uma outra resposta em relação aos reforçadores liberados, a de consumação do alimento, água ou doce; adultos não, devem passar por outras tantas etapas até trocarem (se é que o fazem) dinheiro por comida. Outro exemplo seria o tipo de resposta motora utilizada: pressionar uma alavanca ou movimentar um joy-stick. No caso dos animais utilizados, em geral de pequeno porte, bem como de crianças jovens, isso envolve um certo esforço físico e muito maior gasto de energia do que no caso de sujeitos adultos. E finalmente o próprio método pelo qual a resposta é colocada sob controle experimental. Tanto animais como crianças como adultos possuem respostas de movimentar o braço para cima e para baixo e para os lados, possuem respostas de apoiar mãos ou patas sobre superfícies e exercer pressão etc. Contudo, a maneira pela qual estas respostas são inseridas e ordenadas (organizadas) em uma situação de laboratório difere, a saber, podem ser instaladas por instrução ou por modelagem (e conseqüentemente, diferem também as variáveis aí envolvidas).

No estudo mencionado (Matthews et al., 1977), os autores realizaram um experimento para testar justamente o efeito do uso de modelagem versus instrução, e da presença ou não de respostas consumatórias. Colocaram 19 universitários trabalhando em um esquema de VR, a aparelhagem de cada um desses sujeitos estava acoplada a aparelhos em outras salas. Nestes outros aparelhos trabalhavam outros tantos sujeitos. Quando um reforço era liberado para o sujeito VR o seu acoplado também recebia um reforço, se respondesse, assim podemos dizer que seu esquema era de VI, porém a freqüência e a distribuição temporal dos reforços era igual para os dois membros de cada par. Os pares foram divididos em três grupos: um foi instruído a pressionar um botão; outro foi modelado porém não se exigia uma resposta consumatória; após a resposta em VR ou VI adequada os sujeitos recebiam pontos. O terceiro grupo também passou por modelagem porém se exigia um análogo de resposta consumatória: após a resposta critério acendia-se uma luz e o sujeito deveria ainda acionar uma chave para receber os pontos. Os sujeitos submetidos à instrução apresentavam altas taxas tanto em VR como em VI, e seu desempenho não se alterava com alterações nos valores desses esquemas: desempenho típico de humanos adultos sob o controle de regras. Os sujeitos submetidos à modelagem e para os quais se exigia uma resposta consumatória, apresentaram taxas em VI bastante menores que em VR e mostraram sensibilidade às mudanças nos valores destes esquemas: assim a modelagem com resposta consumatória parece produzir efeitos semelhantes a aqueles obtidos com animais. Por outro lado, os sujeitos modelados, porém para os quais não se exigia resposta consumatória se dividiram, alguns apresentaram taxas altas em VI e outros, taxas baixas, confirmando o papel da variável "resposta consumatória".

Intrigados com os resultados sobre a interação "regras X taxas geradas pelo esquema", Shimoff, Catania e Matthews em 1981, investigaram explicitamente esta questão, trabalhando com taxas baixas e instruções explícitas versus modelagem. Todos os sujeitos modelados mostraram sensibilidade a mudanças nas contingências, mesmo quando estas não implicavam em mudanças na freqüência de reforços; por outro lado os sujeitos instruídos não alteravam seu desempenho mesmo com mudança nas contingências. Para verificar até que ponto esta insensibilidade se contraporia a perdas ou ganhos nos reforços programados, um segundo estudo foi feito com um esquema de taxas baixas (DRL) sobreposto a um de razão (RR). Ao invés de se remover a exigência de taxas baixas, esta era atenuada reduzindo-se o valor do DRL, e um desempenho adequado produziria um aumento no número total de reforços obtidos. Os resultados foram os mesmos, indicando que a variável crítica não era a taxa alta ou baixa, nem a densidade de reforço, e sim o procedimento de instalação da resposta: modelagem ou instrução.

Se a instrução leva à insensibilidade então o comportamento verbal envolvido na instrução deveria ser objeto de maiores estudos. Em outras palavras, sob que condições regras eficaz são estabelecidas e mantidas? O que acontece se o enunciado de uma auto regra for modelado no repertório do sujeito ao invés de ser formulado, dado, pelo agente social? Em 1982, Catania, Matthews e Shimoff passaram a solicitar que o sujeito formulasse descrições de seu desempenho, e ora instruíam ora modelavam esta descrição. Os sujeitos deveriam trabalhar em um esquema múltiplo de razão na chave da esquerda e de intervalo na chave da direita. Periodicamente os sujeitos deveriam completar a frase: "O modo de ganhar pontos na chave da esquerda/direita é ...". No grupo "instrução" os sujeitos recebiam dicas sobre o que escrever; no grupo "modelagem" os sujeitos recebiam pontos pelas descrições. Alguns sujeitos recebiam instruções (ou reforçamento) coerentes com os esquemas e outros não. Para o grupo "instrução" as descrições do próprio desempenho eram idênticas às instruções, quer estas fossem coerentes ou não com os esquemas em vigor, mas as respostas motoras apresentaram uma grande variabilidade: alguns não apresentaram diferenças no responder, outros apresentaram desempenho consistente com o verbal mas inconsistente com o esquema e outros apresentaram desempenho sob controle do esquema. Contudo, sempre que a descrição verbal foi modelada, a resposta motora foi consistente com a descrição, mesmo que incompatível com o esquema. Em outras palavras, um desempenho verbal instruído pode ou não se contrapor às contingências e ao próprio desempenho motor; um desempenho verbal modelado, contudo, gera um desempenho motor insensível às contingências (a modelagem do verbal torna-o mais forte no sentido de determinar comportamentos subseqüentes) (e eu acho que é esta a função principal das terapias).

No estudo que acabamos de descrever, o que se pedia ao sujeito era que descrevesse o desempenho necessário e adequado à tarefa. O que aconteceria se fosse solicitada uma descrição da contingência, como por exemplo: "a chave funciona assim...". Em 1985, Matthews, Catania e Shimoff tentaram responder a essa pergunta. Trabalharam com a modelagem de descrições quer das contingências (isto é, dos esquemas) quer do desempenho motor; alguns sujeitos foram modelados para descrever características opostas à do esquema em vigor e outros, características verdadeiras. Os resultados confirmaram que as descrições das contingências são freqüentemente inconsistentes com as descrições do desempenho motor, quer aquelas sejam falsas ou verdadeiras, gerando grande variabilidade. Alguns sujeitos apresentavam descrições e desempenhos coerentes com as contingências, outros apresentavam descrições e desempenho inconsistentes com as contingências, e outros apresentavam descrições inconsistentes com as contingências mas desempenhos consistentes com elas. Portanto, ao contrário da descrição de desempenho, a modelagem de descrição de contingência parece ser muito mais difícil de ser instalada (na verdade ela necessita de um treino discriminativo especial) e tem um controle muito menor sobre o comportamento. Em um estudo posterior verifcaram que o mesmo ocorria em relação a descrições do modo de funcionar do aparelho. Assim, uma descrição centrada na pessoa (isto é, de seu desempenho) tem um efeito diferente daquela centrada no ambiente (seja nas contingências seja no funcionamento do equipamento). Em outras palavras, não é o fato de ser controlado por regras que torna o comportamento não verbal insensível a contingências naturais; o importante parece ser o tipo de regra: modelada ou instruída? que descreve desempenho ou contingências? Haveria algum tipo de regra responsável pela produção de sensibilidade? Nesse sentido o mais correto seria falarmos em regras completas ou incompletas, ambíguas ou precisas, coerentes ou incoerentes; seria falarmos em regras (descrições ou auto regras) instruídas ou modeladas; regras simples ou regras seguidas de demonstrações; regras que podem descrever desempenho ou contingência.

Uma questão intrigante é se o comportamento motor complexo eficaz bem instalado se torna controlado por contingências, então por que, em situação de crise (isto é, de mudanças nas contingências) o comportamento verbal de auto instrução reaparece? Seria porque o comportamento verbal instruído é menos sensível a contingências naturais que o comportamento verbal modelado, e portanto não tão afetado pelas mudanças nas contingências? Segundo Catania (1999), existem evidências de que o comportamento humano mais facilmente modelado seja justamente o comportamento verbal, e não o comportamento motor. Ou seja, ao contrário do que pensávamos, uma parte considerável do comportamento humano adulto do tipo não-verbal é controlado por regras, enquanto o seu comportamento verbal seria controlado por contingências.

E parece ser isso que garante o sucesso dos psicoterapeutas... A habilidade de lidar com o comportamento humano verbal é, ao fim e ao cabo, a grande arma dos terapeutas e a garantia de sucesso de suas práticas. De fato, terapeutas bem sucedidos, qualquer que seja sua orientação teórica, em geral são cultos, possuem um excelente repertório verbal, são particularmente sensíveis às nuances do repertório verbal de seus clientes e, nesse sentido, são pessoas agradáveis, atentas ao falar de seus clientes, numa palavra: ouvintes reforçadores. Contudo, quanto mais grave a crise pela qual passa uma pessoa, tanto mais insensível ela é, quer às contingências sociais que afetam o seu comportamento verbal quer às contingências naturais que afetam o seu comportamento não verbal. Quando problemas sérios afetam áreas extensas do repertório tanto verbal como não verbal de uma pessoa, então medidas mais drásticas devem ser tomadas; a instrução deve ser empregada certamente, mas complementada por recursos como adequação de contingências, monitoramento por acompanhantes, e especialmente por treino de descrição do próprio desempenho e de suas conseqüências.

 

Questões de estudo

1. Defina comportamento controlado por regras. O que reforça o comportamento de alguém formular regras? E o de alguém seguir regras?

2. Por que se diz que os estímulos verbais que especificam contingências nunca têm exatamente o mesmo efeito que as contingências que eles especificam?

3. Dê um exemplo de comportamento governado por regras. Identifique o comportamento prescrito pela regra (e suas contingências) e o comportamento de seguir regra (e suas contingências).

4. Descreva as principais variáveis que afetam o comportamento de seguir regras.

 

Referências

Ayllon, T.; e Azrin, N. H. (1964). Reinforcement and instructions with mental patients. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 7, 327-331.         [ Links ]

Bentall, R. P.; e Lowe, C. F. (1987). The role of verbal behavior in human learning: III Instructional effects in children. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 47,177-190.         [ Links ]

Bentall, R. P.; Lowe, C. F.; e Beasty, A. (1985). The role of verbal behavior in human learning: II Developmental differences. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 43,165-181.         [ Links ]

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre (tradução de D. D. G. de Souza).         [ Links ]

Catania, A. C.; Matthews, B. A.; e Shimoff, E. (1982). Instructed versus shaped human verbal behavior: Interactions with nonverbal responding. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 38, 233-248.         [ Links ]

Cerutti, D. T. (1989). Discrimination theory of rule-governed behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 51, 259-276.         [ Links ]

deRose, J.C.C. (1993). Classes de estímulos: Implicações para uma análise comportamental da cognição. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 9, 283-303.         [ Links ]

Hayes, S. C.; Rosenfarb, I.; Wulfert, E.; Munt, E. D.; Kom, Z.; e Zettle, R. D. (1985). Self-reinforcement effects: An artifact of social standard setting? Journal of Applied Behavior Analysis, 18, 201-214.         [ Links ]

Kauffmman, A.; Baron, A.; e Kopp, R. E. (1966). Some effects of instructions on human operant behavior. Psychonomic Monographs Supplements, 1(11), 243-250.         [ Links ]

Lowe, C. F. (1979). Determinants of human operant behavior. Em M. D. Zeiler e P. Harzem (Orgs.), Advances in analyis of behaviour (Volume 1). Reinforcement and the organisation of behaviour. Chichester, UK: Wiley, pp. 159-192.         [ Links ]

Lowe, C. F.; Beasty, A.; e Bentall, R. P. (1983). The role of verbal behavior in human learning: Infant performance on fixed-interval schedules. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 39, 157-164.         [ Links ]

Matos, M.A. (1999). Controle de estímulo condicional, formação de classes conceituais e comportamentos cognitivos. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 1(2), 159-178.         [ Links ]

Matos, M. A.; e Tomanari, G. A. Y. (2002). A Análise do Comportamento no Laboratório Didático. São Paulo: Ed. Manole.         [ Links ]

Matthews, B. A.; Catania, A. C.; e Shimoff, E. (1985). Effects of unistructed verbal behavior on nonverbal responding: Contingency descriptions versus performance descriptions. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 45, 155-164.         [ Links ]

Matthews, B. A.; Shimoff, E.; Catania, A. C.; e Sagvolden, T. (1977). Unistructed human responding: Sensitivity to ratio and interval contingencies. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 27, 453-467.         [ Links ]

Peterson, R. F.; Merwin, M. R.; Moyer, T. J.; e Whiehurst, G. J. (1971). Generalized imitation: The effects of experimenter absence, differential reinforcement, and stimulus complexity. Journal of the Experimental Child Psychology, 12, 114-128.         [ Links ]

Shimoff, E.; Catania, A. C.; e Matthews, B. A. (1981). Unistructed human responding: Sensitivity of low-rate performance to schedule contingencies. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 36, 207-220.         [ Links ]

Sidman, M. (1994). Equivalence relations and behavior: A research story. Boston: Authors Cooperative Pub.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1966). An operant analysis of problem solving. Em B. Kleinmuntz (Org.), Problem solving: Research, method, and theory. New York: John Wiley, pp. 225-257.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1969/1984). Contingências do reforço: Uma análise teórica. Em Pavlov-Skinner da Coleção Os Pensadores (tradução de R. Azzi e R. Moreno), São Paulo: Editora Abril Cultural.         [ Links ]

Schlinger, H. D. (1993). Separating discriminative and function-altering effects of verbal stimuli. The Behavior Analyst, 16, 9-24.         [ Links ]

Weiner, H. (1964). Conditioning story and human fixed-interval performance. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 7, 383-385.         [ Links ]

Wilson, T. D.; & Lassiter, G. D. (1982). Increasing intrinsic interest with superfluous extrinsic constraints. Journal of Personality and Social Psychology, 42, 811-819.         [ Links ]

Zettle, R. D.; e Hayes, S. C. (1982). Rule-governed behavior: A potential theorethical framework for cognitive-behavioral therapy. Em P. C. Kendall (Org.) Advances in cognitive-behavioral research and therapy, pp. 73-118. New York: Academic Press.         [ Links ]

 

 

1 Bolsista do CNPQ. Endereço para correspondência: R. Engenheiro Bianor 153, São Paulo, SP, CEP 05502-010 - Telefone e fax.: 11-3814 9817 e-mail: maamatos@usp.br
2 A esse respeito seria conveniente usarmos a expressão sugerida por Catania (www.behavior.org, seção sobre Rule Govemed Behavior), "comportamento governado verbalmente", ao invés da expressão "comportamento governado por regras", já que a palavra 'regra' não necessariamente implica em especificação de contingências. Contudo, como esta segunda expressão é a mais correntemente empregada, continuaremos a usá-la neste texto.
3 Embora exista uma polêmica na área sobre a real função e status das regras (Skinner, 1969/1974, as define como estímulos especificadores de contingências, ou seja, estímulos discriminativos, enquanto Schlinger, 1993, as considera estímulos que alteram as funções de outros estímulos, ou seja, operações estabelecedoras), adotaremos aqui a posição de Skinner. Uma regra X que, no passado, alterou a função de um estímulo Y, e que agora não mais está presente, não é um estímulo que controle o comportamento; por sua vez o estímulo Y, presente e com função alterada, pode controlar o comportamento, mas não é necessariamente uma regra.
4 Estamos aqui, na verdade, em um terreno muito delicado: regras descrevem contingências e, nesse sentido, seu controle sobre o comportamento é por contingências. A diferença é que, no caso das regras, o controle ocorre exclusivamente por contingências sociais e os participantes dessa relação de controle devem possuir repertórios culturais lingüísticos comuns, isto é, compartilhados, o que dispensa o requisito da modelagem. Por repertórios sociais comuns queremos dizer que os parceiros devem emitir operantes discriminativos de uma mesma classe.
5 O termo "regra" em geral é utilizado para nos referirmos a uma grande variedade de circunstâncias antecedentes e/ou de respostas possíveis. Mais recentemente foi introduzida a expressão "instruções", usada nos casos em que há uma especificação das circunstâncias em que a ação se dá. Neste texto, dados seus objetivos didáticos mais gerais, utilizaremos os dois termos indistintamente.
6 ... e depois, nos ensinam, através de regras, como usar esses equipamentos ...
7 Ver também em Matos e Tomanari (2002) um resumo das colocações de Skinner a respeito (1957).
8 Veja-se por exemplo Matos (1999) para uma rápida revisão, e Sidman (1994) e deRose (1993) para análises mais aprofundadas.
9 O acompanhamento ou monitoramento diretos podem ser substituídos pela análise do produto do comportamento: não preciso monitorar o trabalho de um pintor se ao final do dia posso analisar a quantidade de quartos e salas com a nova pintura.