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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.4 no.1 São Paulo jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Enfrentamento e sua relação com a ansiedade e com a depressão em mulheres com hipertensão

 

Coping and its relation between anxiety and depression in hypertension women

 

 

Eliane Corrêa ChavesI1; Nágela Valadão CadeII2

I Universidade de São Paulo
IIUniversidade Federal do Espírito Santo

 

 


RESUMO

Estudo descritivo, associativo com o objetivo de verificar a relação entre estratégias de enfrentamento com os estados de ansiedade e de depressão. Pesquisaram-se 78 mulheres em tratamento para hipertensão arterial no INCor mediante três Inventários – Enfrentamento de Folkman e Lazarus, Ansiedade de Spilberger e Depressão de Beck. Os dados foram submetidos a análise estatística, com nível de significância de 5%. A amostra, em sua maioria, apresentava média de traço e de estado ansiedade moderada, média de sintomas depressivos compatível com ausência de depressão, e fuga-esquiva foi a estratégia de enfrentamento que prevaleceu. Os dados mostraram forte associação entre depressão e estratégias de enfrentamento menos efetivas (p 0,003) e não houve diferença estatisticamente significante entre estratégias de enfrentamento e ansiedade.

Palavras-chave: Enfrentamento, Ansiedade, Depressão.


ABSTRACT

This is a descriptive, associative study with the objective of verifying the relationship between coping and anxiety, between coping and depression state. A research was done on 78 women in hypertension treatment at INCor through three inventories – Folkman and Lazarus coping, Spilberger anxiety, Beck depression. The data was submitted to statistic analysis at significance level of 5%. The sample presented, on its majority, moderate trait mean and anxiety state, depression symptoms mean compatible with absence of symptoms and distancing was the coping which prevailed. The data showed strong association between depression and less effective coping (p 0,003) and there has not been significant statistic difference between coping and anxiety.

Keywords: Coping, Anxiety, Depression.


 

 

Introdução

A forma de uma pessoa enfrentar os eventos de vida estressantes ou problemáticos tem mais importância para o bem-estar físico e psicológico do que a situação vivenciada em si, e estudos têm tentado desvendar como reduzir o impacto do estresse sobre o bem-estar do indivíduo, mediante a compreensão das formas de enfrentamento. Holroyd e Lazarus (1982).

Os acontecimentos do cotidiano demandam respostas (pensamentos e ações) no sentido de promoção do ajuste psicológico do indivíduo ao meio. Todo esse contexto, envolvendo estímulo-resposta-resultado, tem sido compreendido como processo de enfrentamento. Por enfrentamento, compreende-se a resposta às condições de vida, reais ou não, que nos causam desconforto, com vistas ao bem-estar geral. Cerqueira (2000).

Entende-se por adaptação, a condição em que os esforços de enfrentamento proporcionam controle do problema ou dos desafios que advêm deste, segundo a percepção subjetiva do indivíduo. Nesse caso, o indivíduo emite comportamentos e pensamentos capazes de neutralizar ou minimizar a experiência estressora ou problemática. Para que ocorra adaptação, deve existir um equilíbrio entre a demanda percebida (estresse) e os recursos de enfrentamento, de forma tal que minimize a ansiedade e melhore o bem-estar. Monsen, Floyd e Brookman (1992).

Para Lazarus e Folkman (1984), uma esfera importante na adaptação ao estresse é o ‘funcionamento social’ compreendido como a maneira com que o indivíduo concretiza seus papéis sociais, sua satisfação com as relações interpessoais, como se percebem ou percebem a vida como um todo. Para tal avaliação, exploram-se as emoções em geral, apesar de pesquisadores não terem um consenso sobre que emoções específicas estão envolvidas nesse processo. Pesquisas têm avaliado depressão, ansiedade e queixas somáticas como sinal de desadaptação aos eventos estressores, pois principalmente a depressão e a ansiedade são sintomas de estresse. Endler e Parker (1990).

Por outro lado, a pessoa em estado de ansiedade apresenta dificuldade de concentração e sensação de incompetência para resolver seus problemas, o que pode influir negativamente nas formas de enfrentamento, pois esse estado dificulta as estratégias eficazes, no sentido de direcionar-se para a solução do problema. Fishel (1998), Clark (1997).

Este estudo surgiu da inquietação de profissionais de saúde que trabalham com doença crônica, no sentido de compreender a interferência de aspectos psicossociais no portador dessas doenças. Sabe-se que a depressão apresenta sintomas comportamentais (diminuição da atividade), motivacionais (falta de interesse), afetivos (ansiedade), cognitivos (diminuição da concentração) e somáticos (insônia) que dificultam qualquer tratamento crônico de doenças. Por outro lado, a experiência com a doença crônica pode ser compreendida por seus portadores como uma perda levando à depressão, dependendo da percepção da situação e dos mecanismos adaptativos existentes.

Compreende-se que as dificuldades do cotidiano, somadas às intercorrências que surgem a partir da doença crônica, necessitam ser enfrentadas e trabalhadas nos aspectos que refletem a interação e a adaptação do paciente à doença e ao meio externo, objetivando melhor qualidade de vida.

Dentro das doenças crônicas, escolheu-se trabalhar com portadores de hipertensão arterial pois, a hipertensão primária advém de uma complexa interação entre o meio ambiente e os sistemas nervoso, cardiovascular e renal, com evidências quanto ao fato de os estímulos psicoemocionais influenciarem a gênese da hipertensão ou a aceleração da doença quando já existente. Shapiro (1988). Episódios pressores repetidos, advindos de situações permeadas por tensão, podem ocasionar modificações ou ajustes na fisiologia, alterando as camadas média e íntima do vaso e esses efeitos, em longo prazo, tendem a elevar a pressão em indivíduos geneticamente predisponentes. Julius, Amerena, Smith e Petrin (1995).

A organização do processo emocional, bem como a avaliação de uma situação ocorrem em estruturas do sistema límbico, que, quando estimuladas, além de efeitos somáticos e comportamentais importantes, apresentam também efeitos autônomos (neurovegetativos), pois o hipotálamo coordena várias funções neurovegetativas com ação importante sobre o sistema nervoso autônomo e supra-renal, liberando catecolaminas que atuam de forma direta no sistema cardiovascular com elevação da pressão arterial, do débito cardíaco e da freqüência cardíaca. Campos (1992).

Entende-se que esses efeitos, oriundos da estimulação do sistema límbico, podem ser compreendidos como formas de enfrentamento a situações avaliadas como tensoras. Dentro da perspectiva psicossomática, o hipertenso tem um estado de tensão persistente e, desde que exista uma predisposição genética, a pressão mantém-se constantemente elevada, deixando de ser um mecanismo adaptativo às situações de perigo, mas um comportamento patológico, ou seja, o desenvolvimento da hipertensão arterial. Campos (1992).

Acreditamos que o hipertenso deva estar em ambiente que favoreça ou contribua para a redução da pressão arterial e se beneficiaria em aprender meios que o auxiliassem a rearranjar as condições de vida, no sentido de melhor enfrentamento das problemáticas do cotidiano. Nesse sentido, o problema de pesquisa deste estudo constituiu-se nas seguintes questões: a) a forma de enfrentamento pode influenciar o nível de ansiedade e de depressão em indivíduos com hipertensão arterial?; b) é possível afirmar que certos tipos de enfrentamento proporcionam baixa ansiedade e ausência de sintomas depressivos? E nesse caso, que tipo de enfrentamento estaria sendo mais benéfico nesta população, considerando-se os dois sintomas de estresse avaliados – ansiedade e presença de sintomas depressivos.

É um estudo quantitativo, descritivo, com o objetivo de caracterizar a amostra quanto a variáveis sociodemográficas, traço e estado de ansiedade, presença de sintomas depressivos e estratégias de enfrentamento; busca, também, verificar a relação entre estratégias de enfrentamento diante dos estados emocionais de ansiedade e de depressão. Este estudo constitui parte de um outro maior, e o projeto original foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e pela Comissão Científica e de Ética do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

 

Método e casuística

População

A amostra constituiu-se de 78 mulheres com diagnóstico médico de Hipertensão Arterial Essencial (HAE) em tratamento na Unidade de Hipertensão do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Escolheu-se trabalhar somente com mulheres devido a serem elas acometidas de ansiedade e depressão em maior proporção em relação aos homens, constituindo uma amostra mais representativa no que diz respeito a esses aspectos emocionais. Fennell (1997).

Método

Trata-se de um estudo associativo sobre enfrentamento e os estados emocionais de ansiedade e de depressão.

Critérios de inclusão e exclusão da amostra

Os critérios de inclusão foram: sexo feminino, idade superior a 21 anos, portadora de HAE em tratamento pelo menos há seis meses e que aceitassem participar do estudo mediante o termo de consentimento informado. Excluíram-se pacientes com história de transtorno psiquiátrico, uso de medicação que atue diretamente no psiquismo como ansiolítico e anti depressivo e de doenças da tireóide.

Alguns anti-hipertensivos podem apresentar depressão e sonolência como efeito colateral. São eles a metildopa, a clonidina e os beta bloqueadores, pertencentes ao grupo dos agonistas alfa 2 adrenérgico de ação central e antagonistas periféricos beta adrenérgicos. Averiguou-se que aproximadamente 45% da amostra fazia uso desse tipo de medicação, sendo as pacientes mantidas no estudo devido à elevada indicação dessas medicações em população hipertensa.

Instrumentos

Utilizou-se o Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus que contém 46 possibilidades de comportamentos e pensamentos emitidos diante uma situação de vida problemática. Esses itens são agrupados em oito fatores: confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação da responsabilidade, fuga esquiva, resolução de problema e reavaliação positiva, podendo prevalecer mais de uma forma de enfrentamento. Savóia, Santana e Mejias (1996).

O inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spilberger – IDATE avalia tanto o traço como o estado de ansiedade. O traço é uma inclinação de a pessoa avaliar os fatos como uma ameaça e o estado evidencia o nível de ansiedade do momento, a partir da avaliação que o indivíduo faz de determinada situação quanto a ela ser ou não uma ameaça. Andrade e Gorenstein (1998). Esse instrumento constituído por 20 itens para traço e 20 para estado, avalia os comportamentos, o humor e as cognições envolvidas na ansiedade.

O Inventário de Depressão de Beck constitui o instrumento de auto-avaliação mais utilizado em pesquisa clínica por apresentar boa discriminação da sintomatologia depressiva, sendo útil como um instrumento de medida dos elementos constitutivos da depressão em pessoas sem o diagnóstico dessa condição clínica. Consiste em 21 itens compreendendo sintomas e comportamentos em esfera cognitiva, vegetativa e do humor. Gorenstein e Andrade (1998).

É um instrumento que mensura a síndrome depressiva, compreendida como um conjunto de sinais e sintomas com um significado específico, mas o instrumento por si só não diagnostica a depressão como afecção nosológica. Para tal, faz-se necessário conhecer a duração e curso da sintomatologia e a exclusão de outras patologias averiguadas mediante entrevista e julgamento clínico. Kendall, Hollon, Beck, Hammen e Ingran (1987)

A terminologia “depressão” tem sido utilizada para denominar um sintoma, uma síndrome ou uma desordem nosológica. Vale destacar que, no presente estudo, o termo depressão compreende o somatório de sinais e sintomas mostrando a existência de indicadores depressivos. Para o diagnóstico de depressão como doença, no entanto, há necessidade de outros procedimentos e julgamentos clínicos, além daqueles utilizados neste trabalho. Nesse sentido, o enfoque desta pesquisa compreende a depressão como queda do humor, sem adentrar nas diferentes classificações psiquiátricas dos distúrbios afetivos. Kendall et. al. (1987).

Todas as escalas são validadas e adaptadas para a língua portuguesa.

 

Procedimento

Foram averiguados os prontuários das pacientes a serem consultadas na Unidade de Hipertensão, quanto à possibilidade clínica de participarem do estudo. Quando não havia registro de condições que inviabilizavam a inclusão da paciente, realizava-se uma primeira conversa, em sala de espera para as consultas médicas, esclarecendo sobre a pesquisa a ser feita e confirmando os critérios de inclusão e exclusão da amostra.

Para aquelas pacientes que demonstravam interesse e disponibilidade em participar, anotava-se o nome, número de registro da paciente na instituição e um telefone, para posterior contato e agendamento da entrevista com a finalidade de levantamento dos dados sociodemográficos, preenchimento dos instrumentos de medida e assinatura do consentimento informado.

Os inventários foram preenchidos em grupo, exceto quando alguma paciente não podia comparecer nos dias agendados. A pesquisadora lia as instruções e aplicava os instrumentos, procurando esclarecer as dúvidas.

Tratamento estatístico

Numa análise descritiva para os dados quantitativos (traço e estado de ansiedade e sintomas depressivos), será verificada a média e o desvio padrão. Para verificar a possível dependência entre enfrentamento e os estados emocionais, será usado o teste qui-quadrado exato de Fisher com nível de significância de 5%.

 

Resultados e discussão

Os resultados serão apresentados em tabelas e discutidos na seguinte seqüência: descrição das características sociodemográficas (Tabela 1) e das variáveis dependentes – enfrentamento, ansiedade e depressão. Por último, serão apresentados os resultados referentes à associação entre enfrentamento e ansiedade e entre enfrentamento e depressão.

Na Tabela 1 observa-se que a amostra era em sua maioria, 47 (60,2%) pacientes não brancas; 34 (43,6%) com idade entre 48 a 60 anos; 41 (52,6%) casadas/amasiadas; 36 (46,2%) só concluíram o primário. Quanto à ocupação, 30 (38,5%) eram aposentadas/pensionistas e a renda per capita predominou entre R$ 300,00 a 600,00 (dois a quatro salários mínimos).

Os valores encontrados nos instrumentos de avaliação referente ao traço e estado de ansiedade e sintomas depressivos podem ser vistos na Tabela 2.

Tanto o traço como o estado de ansiedade obtiveram média compatível com moderado, o que significa que as pacientes encontravam-se dentro dos padrões aceitos de ansiedade e, quanto ao instrumento para depressão, observou-se ausência de disforia3 e de sintomas depressivos.

Na Tabela 3 encontra-se a distribuição das oito estratégias de enfrentamento.

 

 

 

 

As estratégias menos utilizadas foram confronto (mostrei minha raiva; extravasei meus sentimentos; fiz algo arriscado), afastamento (fiz como se nada tivesse acontecido; dormi mais do que o normal; procurei esquecer a situação) e aceitação da responsabilidade (critiquei-me, repreendi-me). As estratégias mais usadas foram fuga-esquiva (desejei que a situação acabasse; tinha fantasias de como as coisas iriam acontecer); suporte social (conversei com outras pessoas sobre o problema; procurei ajuda profissional; procurei um amigo para pedir conselhos); reavaliação positiva (cresci positivamente como pessoa; saí da experiência melhor do que esperava; redescobri o que é importante na vida) e resolução de problemas (fiz um plano de ação e o segui; concentrei-me no que deveria ser feito em seguida).

Trabalhos sobre enfrentamento têm concluído que tanto homens como mulheres, usam como primeira opção as estratégias de enfrentamento voltadas para a solução do problema, mas os comportamentos de fuga - esquiva e busca de suporte social estão mais presentes no sexo feminino. Ptacek, Smith e Zanas (1992), Endler e Parker (1990). Há resultados discordantes e para Folkman e Lazarus (1980) ambos os sexos apresentam comportamento semelhante no que diz respeito a essas estratégias emocionais. É difícil a comparação entre estes estudos devido a trabalharem com amostra, metodologia e classificação das estratégias de formas distintas – mas os resultados deste estudo foram compatíveis com a literatura, diferindo a ordem em que ocorrem as diferentes estratégias.

Diante da complexidade de se avaliar as oito estratégias de enfrentamento de forma isolada e do fato de haver poucos trabalhos em literatura abordando o benefício de uma estratégia sobre as demais, optou-se por agrupá-las e classificá-las em a) estratégias “positivas” (resolução de problemas e reavaliação positiva); e b) estratégias “negativas” (confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação da responsabilidade e fuga-esquiva) para melhor operacionalização deste trabalho.

Para a formação do agrupamento das estratégias, utilizaram-se, como suporte teórico, as asserções de Savóia (1995) quanto às estratégias de resolução de problemas e de reavaliação positiva possibilitarem que a pessoa lide mais resolutivamente com a situação conflituosa e se adapte melhor ao evento estressor. Para Ptacek et. al . (1992), o enfrentamento centrado na emoção é menos efetivo, exceto a reavaliação positiva entendida como um esforço para modificar a avaliação cognitiva da situação problema. Em estudo sobre os resultados imediatos do enfrentamento sobre um evento estressor, segundo a percepção da pessoa envolvida, Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis e Gren (1986) encontraram relato de resultados satisfatórios quando da utilização de estratégias de resolução de problemas ou de reavaliação positiva.

 

 

Na Tabela 4, observa-se o predomínio de estratégias negativas, indicando que as pacientes utilizam enfrentamento menos incisivo nas situações-conflito, o que poderia gerar mais emoções negativas frente a elas.

Quanto à estatística inferencial, a associação entre enfrentamento e estado de ansiedade (p 0,339) não se mostrou significante. Tabela 5.

 

 

A hipótese deste estudo formulou-se em relação ao quanto o estado emocional de ansiedade viria a interferir de forma prejudicial na maneira de enfrentamento e, em decorrência, os comportamentos emitidos que se afastavam da situação-problema (enfrentamento negativo) agravariam a situação e a ansiedade.

Neste sentido, a hipótese não foi confirmada e não foram encontrados outros trabalhos em literatura que fundamentassem o resultado quanto ao enfrentamento e a ansiedade não apresentarem relação entre si. Na Tabela 5, observa-se que um contingente maior de pacientes apresentaram enfrentamento negativo, independente do nível de ansiedade. Das 49 mulheres que tinham enfrentamento negativo, 39 apresentavam ansiedade baixa e moderada e 10 ansiedade elevada e muito elevada. Portanto, prevaleceram, nesta amostra, as estratégias de enfrentamento negativas, ou seja, menos voltadas para o problema e mais direcionadas para a emoção.

Infere-se, assim, que a metodologia proposta não permitiu conhecer as possíveis variáveis intervenientes importantes desse processo, como o levantamento da efetividade da estratégia de enfrentamento segundo a ótica das pacientes. Atribuiu-se enfrentamento negativo ou positivo baseado em literatura, mas pergunta-se: até que ponto essa amostra, constituída somente por mulheres com média de idade de 55 anos e baixa escolaridade, valora os efeitos das estratégias da forma aqui caracterizada? Ainda: esse é um tema mais encontrado em literatura americana, e até que ponto podemos transpor os resultados para nossa realidade amostral?

Outro aspecto a ser pontuado é o desconhecimento da natureza e do impacto do problema vivenciado pelas pacientes. Como elas avaliam a situação? Percebem-na como uma ameaça, um desafio ou um dano real? E se a situação ameaça ou desafia, há sensação de controle sobre a mesma? É sabido que a interpretação do evento direciona a forma de enfrentamento. Trabalhos apontam que são utilizadas diferentes estratégias de enfrentamento de acordo com a avaliação subjetiva do indivíduo quanto à situação ser ou não passível de modificação. Para situações mutáveis utilizam-se mais a estratégia de resolução de problemas e de reavaliação positiva e quando não há como modificá-la, utilizam-se estratégias relacionadas a afastamento e fuga-esquiva, que objetivam minimizar o impacto emocional.

Pode ser entendido que de acordo com o contingente inexpressivo de pacientes com ansiedade elevada ou muito elevada nesta amostra, as estratégias de enfrentamento “negativas” provavelmente foram eficazes ou as pacientes poderiam estar vivenciando poucos eventos ansiogênicos, na época da coleta de dados.

Possivelmente enfrentamento deva ser avaliado dentro de um contexto específico e de acordo com a percepção do indivíduo. Mesmo que determinados comportamentos de enfrentamento não melhorem a situação conforme o esperado, eles podem ocorrer de acordo com o repertório de comportamentos, valores e perspectivas individuais, podendo ser satisfatório quanto a atenuar o problema, com conseqüente melhora da interação homem-meio.

Outra forma de entender os resultados é quanto à ansiedade isolada não ser um bom indicador para avaliar adaptação. Novos estudos tornam-se necessários com uma amostra mais representativa em termos de ansiedade, já que somente 14 (17,95%) pacientes estavam com níveis de ansiedade acima do normal. Vide Tabela 5.

Sobre a hipótese de certas estratégias de enfrentamento atenuarem a depressão, a associação entre enfrentamento e depressão mostrou-se significante (p 0,003 - Tabela 7).

 

 

Observa-se na Tabela 6 que um contingente expressivo de pacientes com sintomas depressivos utiliza estratégias de enfrentamento negativas, e a associação entre enfrentamento e depressão foi significante (p 0,003).

Observa-se associação positiva entre enfrentamento negativo e depressão e esse resultado vai ao encontro da asserção de Aldwin e Reventon (1987) quanto a indivíduos com saúde mental deficiente utilizarem estratégias de enfrentamento menos efetivas e pouco adaptativas quando comparadas a indivíduos com saúde mental dentro dos parâmetros.

Outros estudos confirmam o resultado quanto a existir correlação negativa entre enfrentamento centrado no problema e depressão em mulheres. Endler e Parker (1990).

Billings e Moos (1984), ao estudarem estresse e enfrentamento em portadores de depressão unipolar, postularam que, em deprimidos, o enfrentamento perde o poder de minimizar os efeitos do estresse.

Segundo Beck, Rush, Shaw e Emery (1997), o paciente deprimido ou com sintomas depressivos experiencia uma série de sintomas motivacionais, cognitivos e comportamentais que para nós justificam a ocorrência de enfrentamento negativo. Apresentam distorções cognitivas importantes, desinteresse em realizar tarefas, sentimento de incapacidade, dificuldade de concentração e de memória, comportamentos de passividade e evitação, o que contribui para enfrentamento menos resolutivo frente às dificuldades.

 

Conclusão

Das variáveis estudadas – enfrentamento, depressão e ansiedade – só houve associação entre depressão e enfrentamento. Não foi detectada associação entre ansiedade e enfrentamento.

Os resultados nos conduziram a três questionamentos finais a serem explorados em outro momento: a) a ansiedade isolada é um bom indicador para averiguar adaptação aos problemas do cotidiano?; b) os comportamentos de enfrentamento considerados negativos, são isentos de função adaptativa? e c) há outros aspectos no processo estudado – problema, enfrentamento, estado emocional – que ficariam evidentes com a utilização de outra metodologia?

 

Referências

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Recebido em: 10.06.2002
Primeira decisão editorial em: 31.07.2002
Versão final em: 03.08.2002
Aceito em: 07.08.2002

 

 

1 Doutora em psicologia social, mestre em enfermagem e docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo-SP. Endereço p/ correspondência: eccsp@yahoo.com
2 Doutora em enfermagem, mestre em psicologia e docente da Universidade Federal do Espírito Santo. Endereço p/ correspondência: nagelavc@terra.com.br
3 Disforia é compreendida como uma “instabilidade do humor com indisposição, ansiedade e muitas vezes reações coléricas”. Garnier e Delamare (1984).