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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.4 no.1 São Paulo jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Uma análise das referências feitas por Skinner de 1930 a 193812

 

An analysis of Skinner’s references from 1930 to 1938

 

 

Maria Amalia Andery 3; Nilza Micheletto; Tereza Maria de Azevedo Pires Sério

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

As referências feitas por um autor podem indicar os vínculos entre o conhecimento que está sendo produzido e os conhecimentos disponíveis que estão sendo discutidos, aceitos, ou recusados; ou podem ser registros daqueles vínculos que um autor precisou reconhecer publicamente de forma a ter seu trabalho aceito. As referências constantes das 35 publicações de B. F. Skinner, no período de 1930 a 1938, foram analisadas com o objetivo de avaliar a existência de um possível isolamento intelectual de Skinner nesse período. Foram identificadas 275 referências, envolvendo 151 títulos diferentes e, incluindo Skinner, 106 diferentes autores, sendo o próprio Skinner o autor mais referido (126 referências). Nas publicações em que Skinner faz relatos de estudos experimentais (19 publicações) a maior parte das referências são a seu próprio trabalho anterior. Conclui-se que, tendo em vista as peculiaridades metodológicas e conceituais de seu sistema em desenvolvimento, no período, Skinner precisou recorrer a seu próprio trabalho, razão do peso das referências a si mesmo.

Palavras-chave: B. F. Skinner, Análise de referências, Sistema explicativo skinneriano.


ABSTRACT

An author’s references may indicate relationships of opposition, acceptance or refusal between the knowledge being constructed and the available knowledge. References can also indicate the relationships an author has to admit to have his work accepted. Skinner’s references, on his 35 publications, between 1930 and 1938, were analyzed to evaluate the possible existence of Skinner’s intellectual isolation during this period. 275 references were identified, with 151 different titles referred, and, including Skinner, 106 different authors. Skinner was the most referred author (126 references). On Skinner’s publications of experimental studies (19 publications), the great majority of the references were to his own previous work. The authors’ conclusion is that due to the methodological and conceptual peculiarities of Skinner’s work, during this period, he had to rely on his own work.

Keywords: B. F. Skinner, Reference analysis, Skinnerian explanatory system.


 

 

Em 1930, quando era ainda um doutorando em Harvard, Skinner publicou seu primeiro artigo: The progressive increase of the geotropic response of the ant aphaenogaster (Barnes e Skinner, 1930).

Entre 1930 e 1938, Skinner desenvolveu e apresentou um novo sistema explicativo para a psicologia. O trabalho experimental sistemático, realizado neste período, produziu a publicação de 34 artigos e um livro intitulado The Behavior of Organisms, no qual, segundo o próprio autor, é apresentada “uma análise teórico-experimental do comportamento” (Skinner, 1938/1961, p.ix). Como afirma Bjork (1997), “Skinner publicou o livro, em 1938, como o ápice de sua experimentação e de seu desenvolvimento teórico desde 1930” (p.107).

Os estudos realizados por Skinner, nesse período, indicam que ele era um pesquisador que compartilhava muitas práticas adotadas pela comunidade de psicólogos experimentais de seu tempo. A escolha, feita por Skinner, do reflexo como unidade de análise da ciência do comportamento e do condicionamento como um processo comportamental básico, assim como seu trabalho no laboratório com ratos e suas constantes referências à fisiologia são características presentes nos trabalhos de muitos psicólogos experimentais nos Estados Unidos de então.

Caracteristicamente, a formação de estudantes de pós-graduação (doutorandos) em psicologia experimental nos Estados Unidos era feita basicamente em laboratório (havia mais que uma centena de laboratórios de psicologia experimental nas universidades americanas, na década de 20) e, nestes laboratórios, havia uma boa chance de que trabalhassem com ratos brancos (mais de 20 dos laboratórios tinham ratos) (Capshew, 1992). Devido às relações entre psicologia e fisiologia, tal como eram concretizadas na época, a formação de estudantes em psicologia experimental envolvia, também, um estudo regular de fisiologia (O’Donnell, 1985). Finalmente, se o estudioso da psicologia experimental trabalhasse numa tradição behaviorista havia, ainda, uma boa chance de que lidasse com os conceitos de reflexo e condicionamento. A perspectiva behaviorista, mesmo que não unitária, enfatizava o estudo do reflexo como objeto e do condicionamento como o processo a ser estudado (Coleman e Gormenzano, 1979).

Apesar de compartilhar práticas adotadas pela comunidade de psicólogos experimentais, Skinner desenvolveu um programa de pesquisa marcado por características inéditas e inovadoras que distinguiam seu trabalho do realizado por esses psicólogos. São exemplos de peculiaridades do trabalho de Skinner: (a) a utilização de caixas operantes, equipadas com barras em vez de labirintos; (b) a utilização de apenas poucos sujeitos no lugar de grandes grupos de sujeitos; (c) a ênfase na variabilidade do reflexo no lugar de uma ênfase na estereotipia, e (d) a ênfase no organismo como um todo.

Há duas peculiaridades adicionais, no trabalho inicial de Skinner, que merecem ser destacadas: a) segundo Coleman (1985), Skinner defendia que era a psicologia que deveria dirigir os problemas estudados pela fisiologia, o que se opunha à crença da maioria dos psicólogos experimentais, naquele momento, que defendia exatamente a relação inversa; b) Bjork (1997), além da direção da relação entre fisiologia e psicologia, destaca a proposta defendida por Skinner de construção de uma “ciência comportamental experimental puramente descritiva que estivesse livre da fisiologia e do mentalismo” (p.112).

Dentre as características do trabalho de pesquisa mais difundidas entre os psicólogos experimentais e o conjunto de características aqui chamadas de peculiares, o segundo conjunto parece ter tido um papel mais importante na realização dos estudos de Skinner e teve uma relação direta com a elaboração do conceito de comportamento operante, conceito que acabou sendo a grande marca do sistema explicativo skinneriano.

Entretanto, as singularidades do trabalho de Skinner – desde as relativas à maneira de conduzir o trabalho experimental até as conceituais – devem ter sido as responsáveis pelo desconforto que, segundo Bjork (1993), Skinner sentia “não apenas com os psicólogos mentalistas, mas também com alguns behavioristas” (p. 105) e, também, pelas avaliações do The Behavior of Organisms, quando de sua publicação. Como indica Bjork (1993), “os comentadores criticaram sua [de Skinner] falha em relacionar seu sistema operante ao trabalho de contemporâneos e de seus predecessores” (108). O próprio Skinner reconhece a diferença de seu sistema com os demais; como ressalta Bjork (1993), diante destas críticas:

A defesa de Skinner era de que ‘as dimensões do comportamento operante oferecem uma nova abordagem que simplesmente não é encontrada, de qualquer maneira significativa, em pesquisas anteriores’, e assim ele não tinha como relacionar seu trabalho com o de outros (109).

O objetivo deste artigo é avaliar o impacto desse isolamento na relação que Skinner publicamente reconheceu entre seu trabalho e o conhecimento já produzido; em outras palavras, esse possível isolamento de Skinner, no período inicial de seu trabalho (1930-1938), reflete-se de alguma forma nas referências apresentadas em suas publicações?

As referências e citações que um autor faz podem não refletir, com precisão, as influências importantes em seu trabalho. Como afirma Garfield (1972):

A freqüência de referências é, naturalmente, uma função de muitas variáveis além do mérito científico. Algumas delas são conhecidas, ou podem ser assumidas sem muitos problemas: a reputação de um autor, a controvérsia de um tema, (...) a prioridade na alocação de financiamentos de pesquisa e outros. (476)

Desta forma, trabalhos e autores importantes podem não ser referidos e/ou trabalhos e autores sem importância no desenvolvimento de uma pesquisa podem ser citados; além disso, é difícil, se é que é possível, identificar quais das variáveis possíveis exerceram controle nos comportamentos envolvidos no reconhecimento público da relação do conhecimento já produzido com o trabalho em questão. Apesar destas dificuldades, referências podem indicar os vínculos entre o conhecimento que está sendo produzido por um autor e os conhecimentos disponíveis na área, ou seja, que aspectos do conhecimento já produzido estão sendo discutidos, aceitos, ou recusados.

A presente análise baseia-se nesta última suposição; as referências podem ser vistas, pelo menos parcialmente, como os registros de tais vínculos. Adicionalmente, referências podem ser vistas como registros daqueles vínculos que um autor precisou reconhecer publicamente de forma a ter seu trabalho aceito. Com base nessas suposições, foram analisadas todas as referências indicadas em todos os trabalhos de Skinner publicados entre 1930 e 1938 (34 artigos e um livro).

A Tabela 1 apresenta os títulos das publicações de Skinner, ordenadas pela data de publicação. Quando duas ou mais publicações tinham a mesma data, foi usada a data em que o artigo foi recebido pelo editor (data de submissão) para determinar a ordem de inclusão da publicação na Tabela. Quando a data de submissão não estava disponível, essa informação foi buscada na autobiografia de Skinner (1979).

 

 

Todas as referências apresentadas em cada uma dessas publicações foram listadas. O artigo Has Gertrude Stein a Secret?, originalmente publicado em 1934, estava disponível apenas como uma republicação no Cumulative Record (1972). Suas referências foram identificadas na apresentação que Skinner faz do artigo neste livro.

Nas 35 publicações analisadas, foram identificadas 275 referências, envolvendo 151 títulos diferentes e, incluindo Skinner, 106 diferentes autores.

A Tabela 2 lista os autores que tiveram pelo menos dois trabalhos referidos por Skinner. Indica-se também, nessa Tabela, o número de referências a cada autor e o número de trabalhos do autor que foram referidos.

 

 

Como é evidente na Tabela 2, Skinner foi, de longe, o autor mais referido (126 referências, correspondendo a 24 trabalhos). O segundo autor mais freqüentemente referido por Skinner (Bousfield) teve cinco deferentes trabalhos listados e foi referido apenas sete vezes.

Um aspecto interessante a ser analisado é como essas referências se distribuíram nas publicações do período. A Figura 1 foi construída com tal objetivo; nela é apresentado o número de referências que Skinner fez a outros autores e a si mesmo, em cada uma das 35 publicações analisadas. (Os números que se encontram no eixo do x referem-se às publicações listadas na Tabela 1).

 

 

Alguns aspectos podem ser destacados na Figura 1: a) nas cinco primeiras publicações, Skinner não fez referências em uma publicação e referiu-se exclusivamente a outros autores nas demais; a primeira publicação na qual Skinner se referiu ao próprio trabalho é a de número 6; a partir de então, é difícil encontrar publicações nas quais Skinner não tenha feito referência a si próprio; isto ocorreu em apenas seis publicações, sendo que em três delas nenhuma referência foi apresentada; b) o número de publicações (sete) nas quais Skinner se referiu exclusivamente a outros autores é menor do que o número de publicações nas quais há referências apenas a seu próprio trabalho (12); c) é pequeno (quatro) o número de publicações nas quais nenhuma referência foi feita; d) as publicações de número 5, 15 e 34 chamam a atenção pela discrepância, quando comparadas com as demais publicações: tanto o número total de referências como o número de referências a outros autores é muito maior do que o encontrado nas referências das demais publicações.

Finalmente, com os dados apresentados na Figura 1, foi possível agrupar as publicações de Skinner, no período de 1930 e 1938, em seis grupos: a) publicações nas quais Skinner referiu-se exclusivamente a outros autores (1, 2, 4, 5, 15, 16 e 33); b) publicações com mais referências a outros autores do que a Skinner (11, 27, 30 e 34); c); publicações nas quais Skinner fez referências a si mesmo e a outros autores igual número de vezes (6, 28 e 29); d) publicações nas quais Skinner referiu mais freqüentemente a si mesmo do que a outros autores (12, 19, 22, 25 e 32); e) publicações nas quais Skinner fez referências exclusivamente a si mesmo (7, 9, 10, 13, 14, 17, 18, 20, 21, 23, 24 e 26); f) publicações nas quais Skinner não fez referências (3, 8, 31, e 35).

Na busca de outras possíveis relações entre as publicações incluídas em cada um desses grupos, as 35 publicações de Skinner foram classificadas em cinco tipos diferentes: publicações que são apenas resumos (duas publicações: 31 e 35); publicações que não abordam conceitos e/ou não têm características metodológicas que marcaram o sistema explicativo skinneriano (quatro publicações: 1, 2, 8, 15); publicações cujo objeto de estudo é o comportamento verbal (quatro publicações: 16, 27, 30 e 33); publicações que envolvem questões teóricas e conceituais (cinco publicações: 4, 5, 18, 19, 28); publicações de trabalhos experimentais com sujeitos infra-humanos (19 publicações: 3, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 29, 32); e, finalmente, o único livro publicado no período (publicação 34). A partir dos dados apresentados na Tabela 3, foi possível verificar se existem relações entre o tipo de publicação e as referências nelas apresentadas

 

 

A partir dos dados apresentados na Tabela 3, uma primeira conclusão é quase evidente: quando as publicações se referem a resumos ou a temas que não têm relação direta com o sistema explicativo skinneriano, não há referências nas publicações, ou apenas há referências a outros autores.

Um segundo aspecto que merece destaque é que há diferenças, quanto às referências apresentadas, entre as publicações sobre comportamento verbal, as publicações sobre aspectos conceituais e teóricas e as publicações de relatos experimentais com sujeitos infra-humanos. No primeiro tipo de publicação, as referências a outros autores são mais freqüentes; no segundo tipo, o peso das referências ao próprio Skinner e a outros parece ser equivalente; e, no terceiro tipo, o peso das referências que Skinner faz a si mesmo é muito maior.

Um terceiro aspecto diz respeito às referências apresentadas nos artigos classificados como tratando de comportamento verbal: em dois dos quatro artigos, só outros autores são referidos; nas outras duas publicações, Skinner fez referência ao próprio trabalho em número menor que a outros autores. Esse resultado sugere que, embora o comportamento verbal fosse um objeto que vinha sendo estudado por Skinner já no período inicial de elaboração do seu sistema explicativo, os elementos, os instrumentos, ou as ferramentas para a realização de tal estudo vinham principalmente de fora do sistema explicativo em construção4.

Um quarto aspecto a ser destacado da leitura da Tabela 3 refere-se às publicações que tratam dos aspectos conceituais e teóricos relacionados ao sistema explicativo; a presença exclusiva de referências a outros estudiosos que não o próprio Skinner aparece em duas das publicações (4 e 5). Uma delas, Review of F. Fearing’s Reflex Action, deve ser considerada separadamente, pois contém uma única referência, a do livro que foi resenhado. A outra publicação, The concept of reflex in the description of behavior, merece uma consideração especial por razões diferentes. Pode-se dizer que este artigo inaugurou o que seria uma longa relação entre Skinner e o estudo do comportamento: é neste artigo que Skinner apresenta seu primeiro programa de pesquisa para a construção de uma ciência do comportamento (Andery e Sério, 2001).

Uma consideração mais detalhada das referências5 apresentadas no artigo de Skinner de 1931 mostra que, das 24 referências listadas, 11 são relativas à filosofia ou história da ciência, 12 são relativas à fisiologia e uma relativa a conceitos e teorias da psicologia, mais especificamente, ao conceito de condicionamento. É possível afirmar que esta distribuição das referências revela a especificidade e a peculiaridade da proposta skinneriana: especificidade, já que Skinner se apropria do conhecimento produzido na fisiologia para diferenciar sua definição de reflexo daquelas já bem difundidas e estabelecidas nesta área; peculiaridade, porque Skinner elabora a sua proposta para a ciência do comportamento tendo como referências conhecimentos produzidos em outras áreas que não a psicologia.

Considerando as características deste artigo e de suas referências é interessante compará-lo (naquilo que for possível, dado que um é um artigo e outro é um livro) com a publicação de 1938, que sistematiza o trabalho desenvolvido por Skinner, no período aqui analisado. Tal comparação não deve se ater estritamente ao número de referências feitas a outros autores ou ao próprio Skinner, já que as conclusões daí derivadas poderiam ser enganosas. O número de referências que Skinner fez a si mesmo (23) (portanto, em termos absolutos menor que o número de referências que ele fez a outros autores (60)) só tem significado quando considerado em relação ao número máximo de referências a si mesmo que ele poderia fazer (33). Além disso, verifica-se que as 10 publicações que Skinner deixou de citar foram: resumos (uma publicação), publicações aqui classificadas como sem relação direta com o seu sistema explicativo (quatro publicações), publicações classificadas como tratando de comportamento verbal (quatro publicações) e a resenha ao livro de Fearing. Ou seja, Skinner fez, em 1938, referência a todos os artigos conceituais e teóricos publicados a partir de The concept of reflex in the description of behavior (quatro publicações) e absolutamente a todas as publicações de relatos experimentais com sujeitos infra-humanos.

A análise das referências feitas a outros autores, em The Behavior of Organisms, revela uma mudança em relação a 1931: há um número bem menor (apenas 2) de referências classificadas como filosofia e história da ciência; proporcionalmente há também um número menor (16) de referências classificadas como fisiologia, e há um aumento muito grande no número de referências (27) classificadas como abordando conceitos e teorias da psicologia; dez delas diretamente relacionadas ao conceito de condicionamento. Há ainda 13 referências relacionadas a comportamento animal, uma referência sobre linguagem e uma que não pôde ser classificada.

Dentre essas mudanças, merece destaque o fato de que, em 1938, a peculiaridade do sistema explicativo foi estabelecida também na comparação direta com outros sistemas em elaboração na psicologia, como indicam, por exemplo, as referências a Hull, Tolman, Watson, Hilgard, Kantor, Keller, Lewin. Isso sugere uma conclusão diferente da dos críticos do livro, na época em que ele foi publicado, e da de autores contemporâneos (por exemplo, Moxley, 1998) que afirmam que Skinner teria deixado de estabelecer relações entre sua proposta e outras disponíveis, em 1938, na psicologia. A conclusão defendida aqui (e que também os dados da Figura 1 parecem sugerir) é que o artigo de 1931 e o livro de 1938 foram momentos privilegiados nos quais Skinner estabeleceu relações com outros sistemas conceituais – em 1931, especialmente com a fisiologia, em 1938, também com a psicologia. A dificuldade em reconhecer o estabelecimento dessas relações parece derivar, de fato, da real peculiaridade do conceito articulador do sistema skinneriano – o conceito de comportamento operante. É isto que a análise das características das referências das publicações aqui classificadas como estudos experimentais com sujeitos infra-humanos parece revelar.

O exame dessas publicações mostra que aquelas nas quais Skinner fez referências a outros autores (com exceção da publicação 14, que é a primeira de suas publicações sobre discriminação e na qual há uma referência a Pavlov e seis a trabalhos anteriores de sua autoria) são as publicações nas quais Skinner trata de questões específicas que se tornaram secundárias no transcorrer do período - tais como drive (6, 11, 25, 29) e os efeitos de drogas (32) -, ou é uma publicação na qual Skinner avalia um conceito que não será incluído em seu sistema explicativo (22). Nas demais publicações (7, 9, 10, 13, 14, 17, 20, 21, 23, 24, 26) de trabalhos experimentais que tratam de conceitos que passaram a ter papel central no sistema explicativo skinneriano (condicionamento, extinção, discriminação, reforçamento, encadeamento), Skinner fez referências apenas e tão somente a seus próprios trabalhos.

Isto indica que na medida que o trabalho experimental de Skinner se desenvolvia, ele precisou recorrer a seu próprio trabalho experimental anteriormente realizado. Se é verdade que deste trabalho experimental foram derivados os conceitos articuladores de seu sistema explicativo (ou pelo menos de sua primeira sistematização apresentada em 1938), entre eles os conceitos de comportamento operante, de reforçamento, de discriminação, então é possível afirmar que Skinner pôde contar apenas com o suporte de seu próprio trabalho para desenvolver seu sistema explicativo até 1938. A Figura 2 ilustra esta conclusão.

 

 

Na Figura 2, os números do eixo horizontal referem-se às publicações aqui analisadas e os números no eixo vertical às publicações do próprio Skinner referidas em cada uma das publicações analisadas. Os traços relacionados a esses números (abaixo dos números no eixo horizontal e à direita dos números no eixo vertical) destacam as publicações de trabalhos experimentais com sujeitos infra-humanos. Como indica a Figura 2, a cada publicação, as publicações anteriores iam sendo referidas, o que está sendo tomado aqui como indicação do suporte necessário para o desenvolvimento do sistema explicativo em construção. A Figura sugere a existência de um processo de elaboração, no qual cada publicação parece representar um acréscimo, uma peça no sistema explicativo como um todo.

Em conclusão, esta interpretação está em acordo com a suposição apresentada no início deste artigo de que o conjunto de características vistas como peculiares ao trabalho de Skinner e que distinguiam seu trabalho do trabalho de seus contemporâneos, foi determinante no estabelecimento do seu sistema explicativo. Talvez mais do que falar em isolamento de Skinner, melhor seria falar do caráter inovador, tanto em termos metodológicos (como por exemplo, o equipamento utilizado, o delineamento experimental do sujeito único, a ênfase no organismo como um todo), como em termos conceituais (a ênfase na variabilidade em detrimento da estereotipia, a elaboração do conceito de operante) que estava já presente em seu trabalho neste período.

 

Referências

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Recebido em: 21.07.2002
Primeira decisão editorial em: 02.08.2002
Versão final em: 09.08.2002
Aceito em: 13.08.2002

 

 

1 Os dados apresentados neste artigo foram coletados durante vigência de bolsa CNPq – produtividade, processo 523804/95-4
2 A ordem dos autores é meramente alfabética
3 Maria Amalia Andery - Rua Antonio Alves de Lima neto, 13 - 04031-060 São Paulo SP - e-mail: mandery@uol.com.br
4 Este aspecto e outros que parecem caracterizar o estudo do comportamento verbal desde o período aqui abordado até 1957, foram analisados por Andery, Micheletto e Sério (1999). Segundo essas autoras, parece haver como que um descompasso conceitual entre o sistema explicativo que Skinner elabora e seu tratamento do comportamento verbal. Por exemplo, se é possível considerar o conceito de comportamento operante como tendo, já em 1938, um papel articulador no sistema explicativo skinneriano, no caso específico do comportamento verbal, o conceito de comportamento operante adquire tal papel só em 1945.
5 Para fazer esta análise mais detalhada todas as referências foram classificadas nos seguintes grupos: fisiologia; comportamento animal; linguagem; filosofia e história da ciência; conceitos e teorias da psicologia (incluídas nesta categoria as publicações que abordavam os conceitos centrais do sistema skinneriano, tais como reflexo, drive e emoção, condicionamento, discriminação), e, finalmente, outros. Esta categorização foi feita considerando-se o veículo de publicação da referência, o título da publicação referida, ou o seu conteúdo.