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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.4 no.2 São Paulo dez. 2002

 

ARTIGOS

 

O emprego da orientação por terapeutas comportamentais1

 

Use of orientation by behavior therapists

 

 

Sonia Beatriz Meyer2; Juliana Donadone3

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Terapeutas comportamentais fornecem regras (Skinner, 1989) e sua atuação é considerada diretiva. A orientação é, portanto, o principal procedimento adotado por terapeutas comportamentais? Verificou-se a freqüência de orientações (descrição do comportamento com conseqüências explícitas ou implícitas) por terapeutas comportamentais experientes, se estas orientavam ação, reflexão ou prescreviam tarefas, e se eram específicas ou genéricas. Um terapeuta gravou 11 sessões com quatro clientes; outro, nove sessões com dois clientes; o terceiro, sete sessões com três clientes. Todos os terapeutas apresentaram baixa proporção de falas com orientação, indicando não ser esta uma estratégia muito usada. As flutuações indicaram poucas diferenças entre terapeutas e clientes. As orientações tenderam a ser específicas e as maiores distinções entre os terapeutas foram quanto ao tipo de orientação dada.

Palavras-chave: Terapia comportamental, Orientação, Governo por regras, Pesquisa clínica, Relação terapêutica.


ABSTRACT

Behavior therapists provide rules (Skinner, 1989) and they are considered directive. Is thus orientation the main procedure followed by behavior therapists? Frequency of orientations (behavior description with explicit or implicit consequences) given by experienced behavior therapists was counted as well as the kind of orientation: orientation for action, for reflection or task orientation and also if they were specific or generic. One therapist taped 11 sessions with four clients, another nine sessions with two clients and a third one seven sessions with three clients. All therapists showed a low proportion of verbalizations with orientation, indicating that this was a not often used strategy. The fluctuations indicated negligible differences among therapists and clients. The orientations tended to be specific, the greatest differences among therapists was in the type of orientation given.

Keywords: Behavior therapy, Orientation, Rule governance, Clinical research, Therapeutic relationship.


 

 

A importância do estudo da relação terapêutica

Um trabalho terapêutico tem como função promover mudanças comportamentais que levem à diminuição do sofrimento e ao aumento de contingências reforçadoras. Esse processo ocorre em uma relação interpessoal, por meio de procedimentos como modelação, modelagem, descrição de variáveis controladoras e conseqüências dos comportamentos, aplicação de técnicas específicas, e também a orientação (Meyer & Vermes, 2001). O papel relativo de cada um destes procedimentos, isolados e em conjunto, deve ser investigado, sendo a presente pesquisa um esforço nessa direção ao propor um estudo da orientação.

Os princípios de aprendizagem respondente e operante estudados pela análise experimental do comportamento (Skinner, 1974) permitem entender o processo de mudança comportamental quando as contingências que estão mantendo o comportamento são alteradas. A maioria das terapias em consultório com adultos, no entanto, é baseada em conversas; o terapeuta não tem controle sobre a vida diária do cliente ou sobre as contingências fora da sessão terapêutica. É, porém, essa conversa durante a sessão que ajuda o cliente a lidar com problemas enfrentados fora dali, em sua vida diária (Kohlenberg, Tsai & Dougher, 1993). Que outros processos comportamentais podem estar envolvidos? A proposta de Skinner (1982) de que comportamentos podem ser modelados por contingências ou governados por regras pode auxiliar no entendimento dos processos de mudança contemplados em terapia.

Se a principal variável responsável por mudanças de comportamentos de clientes que procuram terapia é a interação que ocorre durante as sessões de atendimento, torna-se necessário conhecer melhor a relação entre as ações eficazes do terapeuta e as contingências que as controlam. As ações do terapeuta são definidas pela orientação teórica que ele segue (regras)? Ou os determinantes principais são fornecidos pela interação com a pessoa que está à sua frente (contingências da relação terapêutica)? De acordo com Kanfer (1994), as teorias psicoterápicas, a queixa específica do cliente e a área de competência do terapeuta são fatores que inicialmente influenciam sua escolha por uma forma de trabalhar. Contudo, à medida que o tratamento progride, as ações do cliente podem requerer uma acomodação neste modo de atendimento. No caso da orientação, seu emprego poderia ter vários determinantes: a abordagem teórica comportamental, que tem produzido intervenções bem sucedidas com o uso de procedimentos padronizados envolvendo orientação; o cliente, que por vezes solicita conselhos; a experiência clínica, na qual pode ter havido reforço diferencial do emprego de estratégias diretivas; a história de vida pessoal, que poderia ter modelado, por exemplo, um estilo de interação pessoal mais controlador.

Essas questões devem ser objeto de pesquisa, o que implica em desafios metodológicos. Um dos grandes problemas encontrados na literatura sobre pesquisa de processos psicoterápicos é a existência de diferenças entre o que se fala sobre terapia e o que ocorre de fato. Além disso, as discussões sobre o que acontece em psicoterapia são teóricas e apoiadas em diferentes referenciais e linguagens, o que torna o debate acerca de tais procedimentos especialmente difícil. É possível, porém, haver práticas comuns a uma cultura terapêutica, que surgem da solução de problemas clínicos e se referem a estratégias comuns a diferentes orientações (Rodrigues, 1997). De acordo com Beitman, Goldfried e Norcross (1989), tanto clínicos quanto pesquisadores há tempos desejam o desenvolvimento de uma teoria de terapia que tenha uma forte base empírica. Para isso terapias deveriam ser testáveis, de forma que observadores independentes pudessem especificar o que está ocorrendo clinicamente, comunicar a outros sobre estes fenômenos e alcançar algum consenso sobre se houve realmente mudança terapêutica. É necessário adotar uma metodologia viável de pesquisa para estudar os princípios comuns de mudança terapêutica (Beitman et.al.., 1989).

O processo de observação e análise da interação terapêutica pode contribuir para descrever maneiras de produzir alterações comportamentais relevantes, enquanto que o conhecimento das razões do sucesso de determinada intervenção poderia facilitar a formação de terapeutas mais efetivos, além de criar subsídios para a proposição de novos desafios teóricos.

Estudar simultaneamente todas as ações do terapeuta e as contingências que as controlam tornaria uma pesquisa por demais extensa ou demasiadamente superficial. É por essa razão que seria útil conduzir um conjunto de pesquisas, cada uma analisando questões teóricas e empíricas de uma das classes de comportamento do terapeuta. A presente pesquisa propõe-se a estudar o comportamento do terapeuta de fornecer orientação a seus clientes como forma de promover mudanças terapêuticas.

 

Orientação

Orientação pode ser entendida como uma descrição do comportamento feita pelo falante a ser executado pelo ouvinte, com descrição explícita ou implícita das conseqüências da ação desse ouvinte (Skinner, 1982).

No livro Questões Recentes na Análise Comportamental, Skinner (1989) afirmou que terapeutas comportamentais, ao invés de organizarem novas contingências de reforçamento – tal como pode ser feito na escola, lar, local de trabalho ou hospital –, fornecem conselhos na forma de ordens ou descrição de contingências. Também os terapeutas comportamentais-cognitivos (Beck & Freeman, 1993) descrevem sua própria atuação como diretiva, fazendo uso de orientações, especialmente na forma de tarefas de casa.

Já terapeutas não comportamentais dizem que orientar não é a forma preferida de trabalhar. Corey (1983) afirmou ser freqüente haver clientes que quando estão passando por um sofrimento, chegam à sessão de terapia buscando ou até exigindo um conselho inteligente para tomar uma decisão ou resolver um problema por eles. O autor diz, no entanto, que a terapia não deve ser confundida com o ato de dar informação, orientação ou conselho. As tarefas do terapeuta consistiriam em ajudar o cliente a descobrir suas próprias soluções e encontrar seu caminho sem dizer como deveria fazê-lo.

Miranda e Miranda (1993) descreveram a tarefa de orientar como o ato de avaliar com o cliente as alternativas de ações possíveis e facilitar a escolha de uma delas. Afirmaram, entretanto, que à medida que o terapeuta atende, responde, personaliza e orienta, o cliente começa a comportar-se de modo a promover sua própria mudança. Isso quer dizer que, explorada sua situação insatisfatória e compreendidas as várias peças dessa situação, o cliente muitas vezes elabora sozinho seu plano de ação, sem ajuda direta do terapeuta.

As afirmações de Corey (1983) e de Miranda e Miranda (1993) de que o terapeuta se comporta de forma a fazer com que o cliente encontre novas formas de ação ‘sem ajuda direta do terapeuta’ pode ser entendida com o referencial da análise do comportamento. Catania (1999) sugeriu que a mudança do comportamento verbal do indivíduo pode facilitar a mudança do comportamento não verbal correspondente. O terapeuta modelaria o comportamento verbal do cliente ao invés de instruí-lo. De qualquer forma o mecanismo comportamental de mudança produzida pela psicoterapia ainda seria primordialmente pela introdução ou alteração de regras, quer formulada pelo terapeuta quer pelo cliente.

Mesmo para terapeutas não-comportamentais (Corey, 1983; Miranda & Miranda, 1993), porém, há casos em que a orientação direta do terapeuta mostra-se necessária, por exemplo quando o cliente não tem domínio da área, quando se encontra claramente em perigo de prejudicar-se ou aos outros, ou quando se vê por certo tempo incapacitado para fazer opções. Mesmo assim, consideram que a decisão final sempre é do cliente.

A comparação entre terapeutas comportamentais e não-comportamentais a respeito do uso de orientação aponta o que estes dizem que fazem, e não necessariamente de fato fazem.

O uso de orientação está intimamente ligado ao governo por regras, já que quando se emite uma orientação está se emitindo uma regra. As regras possuem vantagens como a rapidez da mudança e desvantagens como a insensibilidade às contingências.

 

Comportamento governado por regras e modelado por contingências

A habilidade de lidar com o comportamento humano verbal é a grande arma dos terapeutas e a garantia de sucesso de suas práticas (Matos, 2001). Quando os terapeutas orientam seus clientes a respeito de algo, estão muitas vezes verbalizando regras, as quais podem ou não ser seguidas.

Skinner definiu regra como o estímulo discriminativo verbal que indica uma contingência (Abib, 1997). As razões do desenvolvimento do controle por regras relacionam-se com o fato de que os homens podem, utilizando descrições verbais, induzir uns aos outros a se comportarem de modo efetivo sem que haja necessidade de exposição, geralmente longa, das conseqüências descritas. Esta característica do comportamento governado por regras parece especialmente necessária quando as conseqüências produzidas pelo comportamento são muito adiadas ou escassas, tornando-se, portanto, ineficazes na modificação de comportamentos; ou ainda quando os comportamentos que seriam modelados pelas contingências em vigor são indesejáveis. As vantagens do controle por regras são justamente sua eficácia – rapidez com que se instala – e sua força (Skinner, 1982).

A desvantagem de seguir regras evidencia-se quando as contingências mudam e as regras não. Pode ocorrer a chamada insensibilidade a contingências, ou seja, a não-alteração do desempenho e a continuidade de emissão da resposta anteriormente necessária a sua produção.

Há duas possíveis explicações a este padrão dito insensível (Nico, 1999). A primeira possibilidade parte da suposição de que o emissor da regra permaneça liberando reforços contingentes ao seguimento desta, mesmo que a conseqüência diretamente produzida pela resposta descrita na regra não mais esteja ocorrendo. A segunda, seria de que manipulações no nível de privação, histórias prévias com diferentes esquemas, tempo de exposição às contingências de reforço, entre outros, são todas variáveis que interferem na velocidade com a qual o comportamento deixa de ser emitido quando não mais produz as conseqüências responsáveis por sua manutenção.

Quando o comportamento é modelado por contingências, a produção da conseqüência reforçadora é condição dependente da ocorrência de uma determinada resposta na presença de certo estímulo discriminativo. Tal comportamento é mantido por conseqüências relativamente imediatas que não dependem do ato de ouvir ou ler uma regra, mas apenas da interação com contingências. Já o comportamento governado por regras depende do comportamento verbal de outra pessoa (o falante). A força do comportamento modelado por contingências depende de conseqüências “genuínas”. A probabilidade futura de emissão desta resposta é determinada pela relação entre a resposta e o reforçador produzido por ela. Assim, a identificação desta relação permite explicar, em parte, por que os organismos se comportam do modo como o fazem.

Analistas do comportamento preocupam-se em saber se os clientes estão respondendo a regras apresentadas por eles ou às contingências presentes no ambiente, pois não é interessante que a mudança do cliente ocorra primariamente por conta do reforço do terapeuta. De qualquer forma, mesmo havendo mudanças por meio de regras novas dadas pelo terapeuta, como este não será a audiência permanente do cliente, é vital que contingências naturais passem a controlar o comportamento do cliente.

Por outro lado, a utilização de regras parece indicada em alguns momentos da terapia, principalmente quando problemas sérios afetam áreas extensas do repertório verbal. Uso de outros procedimentos pode ocorrer simultaneamente, tal como o treino de descrição do próprio desempenho e de suas conseqüências.

É interessante notar que também o comportamento dos terapeutas durante as sessões é tanto governado por regras – de psicoterapia e da abordagem teórica que segue – quanto modelado por contingências – de clientes, do supervisor e de colegas psicoterapeutas (Stranger e Omer, 1992).

O objetivo da pesquisa foi verificar se terapeutas comportamentais experientes utilizam a estratégia de orientar seus clientes, com que freqüência foi usada e quais as formas dessas orientações. Orientação foi entendida como uma descrição do comportamento feita pelo terapeuta a ser executada pelo cliente fora das sessões de terapia, com descrição explícita ou implícita das conseqüências desta ação. As sub-categorias selecionadas para análise foram: orientação para ação, isto é, orientações que indicavam diretamente de que forma o cliente deveria se comportar no cotidiano; orientação para a reflexão, ou seja, indicações mais indiretas, aconselhando o cliente a refletir sobre determinado tema; e prescrição de tarefas, que implica em indicações de tarefas terapêuticas para casa como parte de um procedimento estruturado. Pretendeu-se verificar ainda se, quando orientava, o terapeuta estava especificando o comportamento a ser emitido ou dava orientações genéricas (levando-se em consideração o fato de a literatura mostrar que apenas a primeira destas formas pode produzir o efeito de “insensibilidade às contingências”).

 

Método

Participantes

Foram feitos contatos via carta e telefone com 22 terapeutas comportamentais experientes atendendo clientes em idade adulta, em terapia individual. Destes, nove não responderam, cinco concordaram mas não enviaram gravações, quatro responderam dizendo que não conseguiram autorização de seus clientes para gravar sessões, e quatro terapeutas gravaram sessões. Algumas delas não puderam ser transcritas por conta da baixa qualidade da gravação. Os dados dos três primeiros terapeutas foram utilizados neste estudo. O terapeuta 1, que se autodenominou comportamental-cognitivo, gravou 11 sessões com quatro clientes, sendo quatro sessões do cliente A, quatro do cliente B, duas do cliente C, e uma do cliente D. O terapeuta 2, também autodenominando-se comportamental-cognitivo, gravou nove sessões com dois clientes, sendo seis do cliente A e três do cliente B. O terapeuta 3, que se disse behaviorista radical, gravou sete sessões com três clientes, sendo três do cliente A, três do cliente B e uma do cliente C.

Categorias

Falas do terapeuta contendo descrição do comportamento com indicação explícita ou implícita das conseqüências da ação do ouvinte foram categorizadas como:

1. Orientação para ação (O:A) – Quando foi dito ao cliente que se comportasse da forma indicada em seu cotidiano.

Ex1: “Quando você se sentir deprimido, mesmo sem vontade, vá lavar sua louça, limpar a casa, trabalhar, fazer suas coisas..., até suas obrigações e as coisas que você realmente gosta de fazer... Mesmo que, vamos supor, você adore ouvir música e não esteja com vontade agora por causa da depressão. Mesmo assim, vá ...” (O:A)

Ex2: “... Será que às vezes não é importante chorar?...” (O:A).

A entonação ou pontuação da frase não determinava se a fala era ou não orientação. As orientações podem aparecer em frases afirmativas, exclamativas ou interrogativas.

2. Orientação para reflexão (O:R) – Quando foi dito ao cliente para que refletisse sobre um tema proposto.

Ex1: “Você disse que você é muito consumista, tem muitas ambições... Mas você também falou que era feliz quando vivia em uma cidade do interior, onde as pessoas eram mais simples... Você brincava no barro e outras coisas... Eu acho que você deveria pensar no que realmente é importante para você... Qual a importância dos valores materiais e de uma vida mais simples... Isso fica para você pensar em casa, tá bom?” (O:R)

Ex2: “Não seria interessante você pensar nas implicações que teria contar ou não contar o que aconteceu para o seu noivo?” (O:R).

3. Prescrição de tarefa (O:T) - Quando foi dito ao cliente para que executasse uma tarefa.

Ex1: “Essas aqui são as folhas que você poderia estar preenchendo (...) Eu estava pensando que seria interessante nós escolhermos duas ordens que você costuma dar durante o dia para o seu filho (...) duas ordens que você gostaria de estar averiguando todo dia e para a gente estar trabalhando em cima (...)” (O:T)

Ex2: “Vamos tentar descobrir o que pode estar provocando as suas dores de cabeça. Para isso, anote durante a semana as coisas que aconteceram nos dias em que você sentir essas dores”. (O:T)

As orientações também podiam ser classificadas em específicas ou genéricas.

Como orientação específica (Sp) assumiu-se a orientação que especificava a topografia do comportamento a ser desenvolvido, que descrevia ações.

Ex.: “Para nós descobrirmos como você passa o seu dia-a-dia, quero que você preencha esse diário de atividades todos os dias, sempre que você fizer algo, vá lá e escreva no diário, assim você não esquece de nada e quando vier para a sessão pode consultá-lo”. (O:T:Sp)

O exemplo acima mostra uma orientação para tarefa terapêutica específica (pois descreve as ações a serem feitas).

Como orientação genérica (G), assumiu-se orientações que não indicavam a ação a ser executada, mas sim o resultado a ser atingido com qualquer topografia de comportamento.

Ex.: “mas enfim, faça coisas que você goste, tente estar sempre, cada vez mais recheando a tua vida de coisas legais”. (O:A:G)

O exemplo acima mostra uma orientação para ação genérica (pois não especifica a forma de se atingir essa conseqüência).

Delineamento

Realizou-se um estudo descritivo do comportamento de orientar de terapeutas experientes que se autodenominam comportamentais ou comportamentais-cognitivos. Procurou-se controlar parcialmente a variável influência das características do cliente ao se solicitar clientes diferentes para cada terapeuta. Pretendeu-se constatar se existia efeito da variável flutuação intra-sessões ao se comparar os desempenhos do terapeuta e do cliente no decorrer de várias sessões, verificando-se se o comportamento era estável ou se flutuava conforme as sessões. Diferenças individuais entre terapeutas de mesma orientação teórica foram analisadas pela comparação entre o desempenho dos terapeutas.

As sessões gravadas não foram as iniciais, para aumentar a probabilidade de ocorrência de orientações, dado que estas não costumam aparecer na fase inicial de terapia, em que predominam a coleta de informações e o estabelecimento de vínculo. Um processo de modelagem mútua dos comportamentos da díade terapeuta e cliente já teria ocorrido após as primeiras sessões, permitindo desta forma observar o possível efeito das diferenças individuais dos clientes sobre o comportamento do terapeuta.

Escolheu-se inicialmente trabalhar com três sessões de três terapeutas diferentes com três clientes distintos, pois este é um número mínimo capaz de indicar tendência dos resultados. Os números de clientes por terapeuta e de sessões por cliente foi inferior em alguns casos e superior em outros, mas permitiram análise de tendências.

Procedimento

Documentos de consentimento informado foram assinados pelos três terapeutas e pelos nove clientes, autorizando a gravação das sessões e sua utilização como dados de pesquisa. No mesmo documento receberam garantia quanto ao sigilo das informações e de qualquer tipo de identificação dos participantes.

As sessões foram gravadas em áudio, depois transcritas e categorizadas.

Um extenso treino de três categorizadores foi realizado antes da categorização dos dados da pesquisa com transcrições de sessões de outros terapeutas até obtenção de um índice de concordância de no mínimo 80%. Uma amostra das sessões da presente pesquisa foi analisada por dois dos categorizadores que alcançaram o critério de concordância proposto.

Duas contagens foram realizadas, uma com o número de orientações novas (que apareceram pela primeira vez na sessão) e outra com o número de falas contendo partes da orientação ou repetições da orientação. Para efeito de categorização, foi considerada a orientação final. A segunda contagem permitiu calcular a proporção das falas do terapeuta que envolveram orientação.

Exemplo retirado da transcrição das falas do terapeuta numa sessão:

T141: “Se a gente pensar num objetivo um pouco maior...”

T142: “A tua liberdade, a tua autonomia pra fazer as coisas...”

T147: “Né, assim, mais imediato, conseguir um objetivo. É... tem que ter um começo procê começar essa autonomia, né?”

Até este momento, pode-se categorizar as falas acima como O:A:G (orientação genérica para ação). A ação não é especificada, mas sim o objetivo a ser atingido (autonomia). Há uma orientação e três falas com orientação.

Mas a continuação da fala T147 foi: “Você acha que escovar o dente é um objetivo muito pesado?”

T148: “Começar por isso?”

T149: “Você acha que é um começo legal? Que tal a gente tentar? Você começar, mas é nesse esquema que eu te falei: não na hora de sair de casa, nem na hora de dormir.”

Aqui há a especificação da orientação: escovar os dentes num momento fácil, de alta probabilidade de ocorrência. Trata-se, então, de O:T:Sp (orientação específica para uma tarefa). A orientação para a ação tomou forma de uma tarefa, com programação e passos, e tornou-se específica, não mais “autonomia” em geral, mas “escovar dentes” em particular.

As falas T150 e T151 continham continuação da explicação da tarefa. Portanto, a contagem que prevaleceu foi de uma orientação nova e sete falas com orientação específica para tarefa.

 

Resultados e Discussão

Os terapeutas variaram o número total de falas e o número de falas com orientação por sessão com todos os clientes, como pode ser visto na Figura 1. O terapeuta 1 apresentou uma média de 76 falas por sessão, variando de 32 falas na sessão 1 do cliente C até 117 falas na sessão 3 do cliente A. O terapeuta 2 apresentou uma média mais alta que o terapeuta 1, de 109 falas por sessão, sendo 44 seu menor número de falas na sessão 6 do cliente B, e 196 o maior, na sessão 1 do cliente A. A média do terapeuta 3 foi ainda mais alta, de 134 falas por sessão, variando de 90 falas com o cliente B na sessão 2 a 186 falas com o cliente A na sessão 3. Apesar dessas diferenças, verificou-se que a flutuação de falas dos terapeutas não pareceu ser controlada por diferenças entre clientes, já que houve variações entre sessões de um mesmo cliente para todos terapeutas.

 

Figura 1. Número total de falas e número de falas com orientação em cada sessão de terapia comportamental de três terapeutas com seus clientes.

 

Ainda na Figura 1, pode-se observar na parte superior de cada barra quantas falas continham orientação. Verificou-se que, para os três terapeutas com todos os seus respectivos clientes, foi baixa a proporção de falas com orientação, indicando não ser esta uma estratégia muito usada por nenhum dos terapeutas comportamentais experientes. Como o número de falas com orientação foi pequeno, optou-se por não apresentar o número de orientações novas por sessão, já que esse número foi sempre igual ou menor que o de falas com orientação.

 

Figura 2. Número de falas com orientação e tipo de orientação em cada sessão de terapia comportamental de três terapeutas com seus clientes. Os tipos de orientação dados foram: Ação Específica, Reflexão Específica, Tarefa Específica, Ação Genérica e Reflexão Genérica.

 

Na Figura 2 há um detalhamento das falas contendo orientação. Observaram-se aqui também grandes flutuações entre sessões e entre clientes de cada terapeuta quanto ao número de falas contendo orientação, não sendo estas, portanto, variáveis de controle relevantes. Assim, não pareceu haver diferenças entre terapeutas: os três apresentaram em média três falas com orientação por cliente; a influência da variável cliente não foi clara – por exemplo, com o cliente B o terapeuta 1 emitiu o maior número de falas contendo orientação, mas com esse mesmo cliente, na sessão 3, ele não deu nenhuma orientação –; entre as sessões as variações foram, da mesma forma, muito freqüentes.

 

Figura 3. Porcentagem das falas dos terapeutas que continham orientações específicas e genéricas.

 

A Figura 3 mostra a porcentagem das orientações de cada terapeuta que foram genéricas e específicas, indicando que quando os terapeutas usavam orientações, estas tendiam a ser específicas. Orientações genéricas não foram dadas pelo terapeuta 2.

 

Figura 4. Porcentagem das falas dos terapeutas que continham orientações para ação, para reflexão e para tarefa.

 

As maiores diferenças entre os terapeutas foram encontradas nos tipos de orientação dados, como pode se ver na Figura 4. Para o terapeuta 1, orientação para ação foi mais freqüente, seguida de orientação para tarefa e, em último lugar, orientação para reflexão. O terapeuta 2 deu orientações para tarefas e para ação, quase não dando orientação para reflexão. O terapeuta 3 dividiu suas orientações entre as que indicavam ação e reflexão, quase não tendo prescrito tarefas.

 

Conclusões

Contrariamente ao esperado, terapeutas comportamentais experientes apresentaram pequeno número de orientações e baixa proporção de falas classificáveis nessa categoria comportamental. Quando orientou, o terapeuta 1 na maioria das vezes indicou ações específicas a serem realizadas por seus clientes no cotidiano. Já o terapeuta 2 prescreveu tarefas, enquanto o terapeuta 3 tanto indicou ações quanto reflexões para seus clientes. A prescrição de tarefas, tipo de orientação que mais se esperaria de terapeutas comportamentais, de acordo com a literatura, não ocorreu em todas as sessões, tampouco foi apresentada a todos os clientes. Os terapeutas 1 e 2, que se autodenominaram comportamentais-cognitivos, diferiram na prescrição de tarefas, impedindo, portanto, que se atribua à autodenominação as diferenças observadas. De qualquer forma, prescreveram mais tarefas que o terapeuta 3, o qual se afirmou behaviorista radical.

Apesar de o número de dados não ser suficiente para generalizações, aparentemente o comportamento de orientar não foi modelado pelos clientes destes terapeutas experientes.

 

Referências

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Recebido em: 16/10/02
Primeira decisão editorial em: 31/10/02
Versão final em: 15/11/02
Aceito em: 20/11/02

 

 

1 Colaboraram em vários momentos da pesquisa Valéria de Almeida Andréa, Regina Silva e Adalberto Ricardo Pessoa.
2 Endereço para correspondência: Av. Portugal, 372, apto. 113, São Paulo, SP, CEP 04559-000. E-mail: sbmeyer@usp.br
3 Bolsista Fapesp