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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.5 no.2 São Paulo dic. 2003

 

ARTIGOS

 

A criatividade sob o enfoque da análise do comportamento1

 

Creativity under the focus of behavior analysis

 

 

João Ilo Coelho Barbosa2

Universidade Federal do Ceará
Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

Apesar da escassa literatura na análise do comportamento a respeito da criatividade, as considerações de B. F. Skinner ao longo de sua obra sobre o comportamento criativo permitem uma abordagem de aspectos relevantes do fenômeno. O objetivo do presente estudo consiste em sistematizar a abordagem de Skinner, tomando como referência três temas: o comportamento criativo na resolução de problemas, o comportamento criativo no comportamento verbal, e a aprendizagem do comportamento criativo nas instituições de ensino. A partir da apresentação da abordagem skinneriana, aponta-se que a resposta criativa é produto dos mesmos processos de determinação que explicam outras classes de respostas operantes, e que contingências que promovem a variabilidade comportamental têm papel fundamental para sua ocorrência.

Palavras-chave: Criatividade, Comportamento criativo, Variabilidade, Resolução de problemas.


ABSTRACT

In spite of the scarce behavior-analytic literature regarding the creativity, B. F. Skinner’s considerations along his work about creative behavior allow approaching relevant aspects of the phenomenon. The aim of the present study consists of systematizing Skinner’s approach, taking three themes as reference: the creative behavior in problem solving, the creative behavior in the verbal behavior, and the learning of creative behavior in teaching institutions. Starting from the presentation of Skinner’s approach, the creative response is pointed as the product of the same determination processes that explain other classes of operant responses, and contingencies that promote the variability of behavior play a fundamental role for the occurrence of creative behavior.

Keywords: Creativity, Creative behavior, Variability, Problem solving.


 

 

Uma das críticas ao Behaviorismo listadas pelo próprio Skinner (1974/1982) refere-se à sua suposta incapacidade para “explicar as realizações criativas – na Arte, por exemplo, ou na Música, na Literatura, na Ciência ou na Matemática” (p.7). Embora Skinner tenha feito considerações importantes ao longo de sua obra para mostrar que essa crítica não se sustentava, parece-nos sensato reconhecer a necessidade de uma explicação mais consistente por parte dos analistas do comportamento para o que é chamado de criatividade. Por outro lado, não parece haver necessidade de se lançar mão de conceitos originários de outros modelos teóricos para alcançá-la.

A complexidade do fenômeno e a falta de clareza sobre o que entendemos por criatividade motivaram a realização do presente trabalho, que tem como objetivo levantar alguns aspectos para o aprofundamento da discussão do comportamento criativo sob o enfoque da análise do comportamento.

Morgan, Morgan e Toth (1992) afirmam que a literatura sobre criatividade apresenta muitas definições para o conceito, embora a maioria delas tente explicitar a “natureza” da criatividade, considerando-a um processo interno responsável pela produção de “algo novo” e negligenciando as circunstâncias nas quais ela ocorre.

Os analistas do comportamento costumam referir-se ao “comportamento criativo”, em substituição ao termo “criatividade” (Richelle, 1981). Esse cuidado, também tomado na referência a outros termos da linguagem não-científica ou adotados por algumas abordagens psicológicas, está relacionado à evitação de transformar uma propriedade do comportamento em um evento interno hipoteticamente deduzido (a criatividade), ao qual se atribui uma função causal do comportamento caracterizado como criativo. Privilegiando uma abordagem externalista do fenômeno, a análise do comportamento considera que a investigação do comportamento criativo demanda uma análise da interação entre o indivíduo e seu ambiente.

Skinner discute o comportamento criativo no contexto da apreciação de três temas diferentes: na resolução de problemas (Skinner, 1953/1989, 1974/1982), no comportamento verbal (Skinner, 1959/1961, 1974/1982) e, por último, Skinner (1968, 1972) discute o ensino do comportamento criativo.

 

Comportamento Criativo na Resolução de Problemas

Um problema pode ser definido como uma situação em que “falta uma resposta capaz de produzir alguma condição que será reforçadora” (Skinner, 1974/1982, p.98). Partindo desta definição, a resolução de problemas é tida como qualquer comportamento de manipulação de variáveis que aumenta a probabilidade do aparecimento de uma resposta que produza reforçamento naquela situação (Skinner, 1953/1989, 1974/1982).

Skinner (1974/1982) chama a atenção para o fato de que “resolver um problema é (...) mais do que emitir a resposta que lhe constitui a solução; é uma questão de dar os passos necessários para tornar tal resposta mais provável, via de regra mudando o ambiente” (p.98). A resolução de um problema pode demandar uma série de respostas de manipulação do ambiente, como a classificação e reclassificação dos dados a partir de critérios diferentes, a comparação entre os resultados obtidos, a separação em classes diferentes e a utilização de símbolos atribuídos a cada uma das classes elaboradas. Portanto, a resolução de problemas constitui-se numa resposta (ou seqüência de respostas) complexa.

Quanto à possibilidade de observação do processo de resolução de problema, podemos afirmar que o responder pode ocorrer de forma aberta ou encoberta. Considerando como exemplo uma criança que separa as peças de um quebra-cabeça pelas cores semelhantes, na tentativa de encontrar mais facilmente a forma exata de se encaixarem, sua ação pode acontecer diretamente no ambiente ao manipular abertamente as peças, ou ela pode fazer isso de forma encoberta, apenas pensando em grupos de peças separados pelas cores, sem tocá-las de fato.

Apesar de topograficamente diferente, a resposta de separar as peças de forma encoberta pode ser tratada como uma ação funcionalmente semelhante à resposta pública. Na verdade, o agir privadamente tem origem em um responder público ocorrido no passado. Uma criança só consegue pensar e visualizar de forma encoberta as peças do quebra-cabeça em posições alteradas porque já havia previamente aprendido a manipulá-las de forma aberta. Ou seja, as respostas privadas de solução de problema são aquelas mesmas aprendidas inicialmente de forma pública e que, posteriormente, passaram a uma forma privada de ocorrência (Skinner, 1974/1982).

Pensar freqüentemente antes de agir abertamente pode ser justificado por algumas de suas propriedades. Em primeiro lugar, porque o pensar pode ocorrer de forma relativamente independente do ambiente atual. Uma resposta que não pode ser abertamente emitida sob determinadas contingências pode ocorrer de forma privada ao indivíduo, permitindo o manejo de um maior número de variáveis e tentativas de resposta de modo a garantir uma maior probabilidade de encontrar uma solução (Skinner,1974/1982). Uma outra vantagem estaria no fato do pensar quase sempre representar um custo de resposta menor que a ação pública, podendo ser emitido numa freqüência muito maior. Por fim, pensar pode significar agir sem contato direto com as conseqüências, o que é especialmente vantajoso naquelas situações nas quais determinados cursos de ação podem resultar em punição.

Uma conseqüência da maior freqüência das respostas privadas é que o indivíduo que costuma pensar antes de agir está emitindo, privadamente, um maior número de variações de respostas potencialmente solucionadoras, o que, teoricamente, o deixa em vantagem sobre aquele que necessita emiti-las de forma pública.

Skinner (1974/1982) considerou ainda a possibilidade do curso de ação tomado se revelar inédito. Seria esse fato explicável pelo modelo da análise do comportamento? A resposta é positiva, pois a introdução do conceito de condicionamento operante permitiu a Skinner uma argumentação consistente para a explicação da ocorrência de tal comportamento. De acordo com o autor, o processo responsável pelo surgimento de uma ação inédita é parecido com a forma pela qual a seleção natural produz mutações que resultam na evolução das espécies, pois “assim como traços acidentais, surgidos de mutações, são selecionados, assim também variações de comportamento são selecionadas por suas conseqüências reforçadoras” (1974/1982, p. 100).

Como as variáveis ambientais responsáveis pela emissão de uma resposta nunca são exatamente iguais, toda resposta, mesmo que se assemelhe topograficamente a uma anterior, não é exatamente a “mesma” resposta. Portanto, o ineditismo ou a originalidade que usualmente se atribui a uma resposta criativa ocorre, em medidas variáveis, em toda e qualquer resposta. Neste sentido, a inexistência da resposta até sua emissão não constitui um critério adequado para a definição de uma resposta criativa.

Um outro aspecto a ser considerado na resolução de problemas refere-se ao tipo de controle da resposta. Embora comportamentos governados por regras possam estar envolvidos na resolução de problemas, é mais provável que um comportamento criativo ocorra sob controle das contingências, pois regras costumam especificar respostas já conhecidas e ocorridas que foram anteriormente reforçadas (Skinner, 1969/1984, 1974/1982). Além disso, não costumamos chamar de “originais” aquelas respostas imitativas ou controladas por estímulos verbais explícitos (Skinner, 1953/1989).

Além da resolução de problemas, uma análise da criatividade deve levar em conta outros processos comportamentais. Para Skinner (1953/1989), novas idéias podem ocorrer independentemente de uma situação problema e isso não deve causar estranhamento, pois

freqüentemente manipulamos materiais no mundo que nos cerca para gerar “novas idéias” quando nenhum problema definido está presente. Uma criança de seis anos, brincando com um baldinho de areia e uma bola de borracha, coloca a bola apoiada na abertura do balde. Isso “dá a ela uma idéia.” Começa a lamber a bola como se o conjunto todo fosse um sorvete, e imediatamente refere-se a ele como tal. Não há nada misterioso a respeito deste “ato de pensamento”. As respostas verbais e manipulativas apropriadas a um sorvete foram evocadas por aspectos geométricos semelhantes do balde e da bola. Não houve um problema significativo: uma manipulação ociosa da natureza simplesmente gerou um novo padrão, o qual, através da indução de estímulos, evocou uma resposta caracteristicamente com alguma probabilidade de emissão em uma criança de seis anos. (p. 245)

É nessa perspectiva, portanto, que se podem considerar as respostas criativas de um artista. Ou seja, uma realização artística envolve a exploração do ambiente de diversas formas (como a utilização de embalagens e materiais de sucata nas artes plásticas), sem que haja necessariamente um problema a ser resolvido, a não ser a criação de algo novo ou diferente (Skinner, 1953/1989).

Costumamos ouvir de artistas plásticos que suas obras procuram “retratar a realidade de uma forma diferente”. Isso nos dá indicações sobre as variáveis de controle do seu comportamento. Ao buscar um resultado estético, o artista produz uma “representação” diferente do real (em relação à forma usual de representá-lo), sob controle de aspectos diferentes dos mesmos objetos daquela situação. O que diferencia uma representação ordinária de uma representação artística, neste caso, é que o artista procura ficar propositadamente sob controle de estímulos discriminativos que normalmente não exercem controle do comportamento de outrem.

A fonte de controle do comportamento do artista em procurar identificar novos estímulos ou novas relações com determinada situação pode ser atribuída a condições socialmente estabelecidas. Para a comunidade verbal, esse comportamento torna-se relevante à medida que permite uma maior variabilidade e, conseqüentemente, uma maior probabilidade de lidar com aquela situação de forma mais produtiva. Portanto, a produção criativa exerce função reforçadora tanto para o indivíduo, aumentando a probabilidade de ocorrência de ações criativas, como para a comunidade, fazendo com que persista na cultura a valorização da criatividade.

 

Comportamento Criativo no Comportamento Verbal

Respostas criativas também são freqüentes no comportamento verbal. Provavelmente isso se deve ao fato de a vocalização humana ser constituída por componentes que, através dos processos de variação e seleção, podem ser facilmente divididos e recombinados de forma inédita, favorecendo a formação de novas palavras e novas frases. De forma equivalente, o mesmo processo ocorre com o produto escrito do comportamento verbal. De acordo com Skinner (1974/1982),

no comportamento verbal, como em todo comportamento operante, formas originais de resposta são suscitadas por situações às quais uma pessoa não foi anteriormente exposta. A origem do comportamento não é diversa da origem das espécies. Novas combinações de estímulos aparecem em novas situações, e as respostas que as descrevem podem nunca ter sido dadas antes pelo falante, ou lidas ou ouvidas por ele na fala de outrem. Há muitos processos comportamentais que geram “mutações”, as quais são então submetidas à ação seletiva das contingências de reforço. Nós todos produzimos novas formas – por exemplo, neologismos, misturas, palavras portmanteau, observações espirituosas que envolvem distorção e erros de fala rápida. (pp.88-89)

No processo de criação verbal, um estímulo antecedente pode exercer controle discriminativo de uma resposta emitida. Observamos esse tipo de controle quando dizemos uma palavra e solicitamos que outra pessoa diga uma palavra associada àquela. Tal controle também pode ocorrer com o mesmo sujeito sendo falante e ouvinte.

Às vezes esse controle pode ser tão sutil que nem o próprio falante é capaz de discriminá-lo (da mesma forma como pode acontecer com outros comportamentos), seja pelo fato do nosso comportamento ser complexamente multideterminado, seja porque as contingências de seleção estão necessariamente no passado, impossibilitando sua observação quando seu efeito é observado (Skinner, 1981).

Um exemplo literário que pode evidenciar a sutileza do controle discriminativo sobre o comportamento verbal foi apresentado pelo próprio Skinner (1939/1961) antes mesmo de publicar seu livro Verbal Behavior. Nesse interessante estudo, Skinner apontou que a aliteração (repetição de fonema no início, meio ou fim de vocábulos próximos, ou mesmo distantes - desde que simetricamente dispostos - em uma ou mais frases de um ou mais versos) freqüente nos sonetos de Shakespeare não ocorria por acaso, mas estava sob controle da “aparência” do som das sílabas iniciais de palavras iniciadas pelas mesmas consoantes, como na estrofe “Save that my soul’s imaginary sight.”

Skinner (1939/1961) chama a atenção ainda para o fato de que o próprio produto imediato do comportamento do artista (a repetição de um fonema em uma estrofe, as cores e formas do quadro que está sendo pintado ou os sons da melodia da música que está sendo composta) pode ser um desses reforçadores sutis que controlam suas respostas subseqüentes.

Sloane, Endo e Della-Piana (1980) afirmam que uma resposta pode ficar sob controle discriminativo de vários estímulos e de muitas particularidades de cada estímulo em uma mesma situação, e propõem uma distinção entre duas formas pelas quais um estímulo discriminativo controla uma resposta subseqüente.

Quando a resposta subseqüente é controlada por uma única variável, na presença da qual a comunidade comumente reforça aquela resposta, fala-se em controle discriminativo “formal”. Por exemplo, quando a comunidade reforça a resposta verbal “cachorro” na presença de um cachorro ou a resposta verbal “vai chover” na presença de muitas nuvens escuras. Por outro lado, quando uma resposta emitida está sob o controle sutil de múltiplas variáveis, e não é normalmente reforçada pela comunidade nessas condições (por não exercerem ou exercerem muito pouco controle sobre o comportamento de outras pessoas), trata-se de uma situação onde predomina o controle discriminativo “informal” (Sloane et. al., 1980).

Dessa forma, ao escrever:

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho

(Andrade, 1930/2002, p.47),

o comportamento verbal do poeta Carlos Drummond de Andrade pode ser considerado sob controle discriminativo “informal”, já que a descrição de “uma pedra no meio do caminho” revela que a situação controlou seu comportamento verbal de uma forma diferente de como controlaria o comportamento verbal de outros, pois seria muito pouco provável que tal situação assumisse para outras pessoas a mesma função discriminativa para a criação de um poema.

Apesar de fazerem a ressalva de que não se pode estabelecer uma relação de proporcionalidade entre o grau de controle discriminativo “informal” e o quanto uma resposta é considerada criativa, Sloane et. al. (1980) consideram que “estímulos ou relações de estímulos que sugerem um controle informal da resposta (...) são freqüentemente discriminativos para identificar a resposta como criativa” (p. 20), e sugerem que as características do controle discriminativo da resposta, “formal” ou “informal”, possam ser utilizadas pelos analistas do comportamento como critério para definir uma resposta como criativa.

Epstein (1980) critica a tentativa de definir um comportamento criativo nesses termos. Para o autor, a identificação da noção de controle “informal” como uma resposta determinada por variáveis múltiplas e controle “formal” como aquele que se estabelece pelo efeito de uma única variável não lhe parece uma categorização adequada, pois o número de variáveis controladoras não é o que confere um caráter criativo à resposta. Epstein (1980) sugere que é mais provável considerar um comportamento (ou um produto deste comportamento) criativo quando suas variáveis de controle são desconhecidas e não conseguimos explicar de outra forma aquela criação.

No entanto, seguindo a mesma lógica da argumentação crítica apresentada por Epstein (1980), podemos levantar a questão de que o controle de um comportamento por variáveis desconhecidas tampouco o faz, necessariamente, criativo. Portanto, ainda é necessário um maior desenvolvimento conceitual quanto à conceituação de comportamento criativo que possa dar conta das questões aqui levantadas.

Finalmente, Skinner também faz referência à criatividade quando discute o ensino de habilidades que podem desenvolver um repertório mais criativo no indivíduo.

 

O Ensino do Comportamento Criativo

De acordo com Alencar (1990), “nosso ensino é voltado basicamente para a reprodução do conhecimento, e pouco ou nada se faz no sentido de preparar o aluno para a produção de idéias e de conhecimento” (p.9). Além disso, continua a autora, tal ensino é voltado para o “não pensar”, pois o aluno geralmente recebe a informação pronta para ser assimilada e depois reproduzida. Finalmente, Alencar (1990) critica o ensino tradicional por ser voltado para o passado, ou seja, para fatos já conhecidos; “o espaço reservado para a exploração, para a descoberta, para o pensamento criador, é reduzido e às vezes inexistente” (p. 9).

Skinner preocupou-se em discutir como a sociedade pode proporcionar à criança e ao jovem um ensino que não leve em conta apenas o conteúdo de disciplinas formais, pois as constantes alterações de informação poderão torná-lo pouco funcional num futuro próximo. Para o autor, a escola deve preocupar-se prioritariamente em desenvolver habilidades capazes de levar o indivíduo a relacionar-se produtivamente com situações novas (Skinner, 1968).

Criticando o ensino tradicional, Skinner (1968) comenta que muitas vezes os professores chegam a restringir a transmissão de conhecimentos já estabelecidos ao aluno, na expectativa de que, ao buscar as respostas por si só, o mesmo tenha maior facilidade em produzir um comportamento criativo. Mas, de acordo com Skinner, a adoção de atitudes pedagógicas pouco eficazes como esta provavelmente está relacionada com a crença na criatividade enquanto uma faculdade interna. Para Skinner (1968), o conhecimento prévio até facilita a tarefa do aluno de encontrar soluções para novos problemas, não havendo perigo de que tal conhecimento possa sobrecarregá-lo ou possa inibir sua “criatividade”.

Além de ser uma visão equivocada do fenômeno, acreditar que o comportamento criativo é dependente de uma faculdade interna ou de um dom inato pode levar a uma desconsideração da responsabilidade do educador em prover as contingências ambientais necessárias para o seu desenvolvimento (Azevedo, 1998; Skinner, 1968).

Ao tratar da contribuição de Skinner para a educação e, mais especificamente, no que se refere ao papel da escola no ensino de habilidades para o enfrentamento de problemas futuros, Nico (2001a) concorda com a posição de Skinner, e afirma que

o repertório que prepara para o futuro é especial porque envolve um tipo peculiar de interação do indivíduo com o ambiente no qual o próprio indivíduo, e não um outro agente, arranja as condições necessárias para a emissão de uma determinada resposta (p.64).

Por essa razão, Nico (2001b) considera que tal repertório torna o aluno mais independente e “livre”, no sentido de “não depender das contingências dispostas por outros para chegar a emitir uma dada resposta” (p. 21). No entanto, a autora ressalta que dizer que é o próprio sujeito que irá arranjar contingências para promover essas respostas não significa afirmar que o sujeito estará agindo de forma totalmente independente e autônoma em relação ao ambiente, mas que ele precisa aprender a manipular variáveis ambientais, de forma que estas possam afetar seu comportamento, favorecendo a ocorrência de determinadas respostas úteis para a solução de problemas.

As instituições de ensino têm um importante papel na realização desse objetivo, apesar da dificuldade em estabelecer contingências capazes de prover um repertório de manipulação de variáveis que prepare o indivíduo para responder a outras contingências que não podem ser previstas por ocasião do ensino (Nico, 2001a, 2001b). Embora seja uma tarefa difícil, Skinner (1968) não descarta essa possibilidade e sugere algumas atividades pelas quais a escola pode promover o comportamento criativo em seus alunos:

a) descrever ao aluno a forma como alguém pensou ou agiu até chegar a uma descoberta;

b) fornecer conhecimentos complementares para que o aluno possa utilizá-los na análise de novos problemas;

c) promover o comportamento exploratório individual do aluno deixando-o em contato com as contingências referentes a um problema específico;

d) solicitar que o aluno estabeleça uma proposição ou descreva um fato de diferentes formas.

Mesmo referindo-se especificamente ao artista, Skinner (1972) apresentou outras sugestões para o arranjo de contingências capazes de aumentar as chances de ocorrência de produtos diferentes do comportamento, tais como um controle aversivo ou positivamente reforçador menos rígido, o usufruto de tempo livre a fim de possibilitar uma observação mais acurada, e o incentivo para o engajamento do artista em respostas perturbadoras da ordem ou da forma como costuma elaborar suas produções artísticas. Tais medidas facilitariam o surgimento de “mutações” no comportamento que poderiam, posteriormente, ser selecionadas por meio de reforçamento diferencial.

Apesar das propostas skinnerianas datarem do final da década de 60 e do início dos anos 70, ainda é difícil observar um planejamento escolar com o propósito específico de estabelecer um repertório de habilidades e estratégias que favoreça a ocorrência do comportamento criativo. Não por falta de idéias.

 

Considerações Finais

Percebe-se na literatura da análise do comportamento a falta de consenso em torno de uma definição satisfatória de comportamento criativo, que parece se vincular, em parte, à ausência de uma característica que possa ser utilizada como critério para a diferenciação da ação criativa em relação a outras respostas.

Não obstante, relacionamos alguns aspectos que julgamos relevantes para a consideração do comportamento criativo e que poderão ser objeto de apreciação em novos estudos:

• uma resposta criativa não se diferencia apenas por ser uma resposta inédita ou original. Como as condições ambientais nunca são iguais para a ocorrência de duas respostas, podemos afirmar que qualquer resposta revela um certo grau de ineditismo e originalidade;

• para explicar uma ação criativa não é necessário fazer inferências sobre um evento causal interno responsável pela “criatividade”. Uma resposta criativa pertence à classe das respostas operantes e, como tal, está sujeita aos mesmos fatores determinantes, localizados no ambiente;

• a variabilidade comportamental tem papel fundamental para a ocorrência da resposta criativa;

• a investigação empírica do comportamento criativo no processo de resolução de problemas e no comportamento verbal é dificultada porque esses são exemplos de comportamentos complexos, que requerem uma engenharia metodológica sofisticada;

• os processos de variação comportamental e seleção por conseqüências ainda são pouco compreendidos (Skinner, 1981), mas o melhor conhecimento sobre a participação desses processos na resolução de problemas e no comportamento verbal certamente ajudará na elaboração de uma conceituação mais consistente para o comportamento criativo, de acordo com os princípios da análise do comportamento;

• essa conceituação deve se dar com base numa análise funcional, e não na topografia da resposta chamada criativa.

Em relação ao ensino do comportamento criativo, faz-se necessário investigar até que ponto a falta de clareza conceitual e o conhecimento restrito dos fatores que estão relacionados ao desenvolvimento de tal comportamento tornam-se obstáculos para a organização de programas específicos para o desenvolvimento do comportamento criativo.

 

Questões de Estudo

1. Como o comportamento criativo pode ser explicado a partir de princípios do condicionamento operante?

2. Podemos afirmar que uma resposta inédita é necessariamente uma resposta criativa?

3. Que fatores explicariam o fato de o comportamento criativo freqüentemente tornar-se um evento reforçador para o sujeito que o emitiu e para a comunidade verbal a que pertence?

4. Que dificuldades se apresentam para uma conceituação de comportamento criativo?

5. Que sugestões são dadas por Skinner para a promoção de um repertório de habilidades que facilitem a ocorrência do comportamento criativo?

 

Referências

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Recebido em: 02/10/2003
Primeira decisão editorial em: 03/11/2003
Versão final em: 18/11/2003
Aceito em: 23/11/2003

 

 

1 Trabalho realizado como parte das atividades da disciplina “Subjetividade e Comportamento”, ministrada pelo Prof. Dr. Emmanuel Zagury Tourinho no Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento, da Universidade Federal do Pará.
2 Professor assistente da Universidade Federal do Ceará. Doutorando no Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará. E-mail: ilo@cemp.com.br.