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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.5 no.2 São Paulo dic. 2003

 

SOBRE LIVROS

 

“Compreendendo seu filho: uma análise do comportamento da criança” de Silvia Canaan-Oliveira, Maria Elizabete Coelho das Neves, Francynete Melo e Silva, Adriene Maia Robert – Belém: Paka-Tatu, 2003

 

 

Nicolau Kuckartz Pergher1

Universidade de São Paulo

 

 


 

 

Diversos aspectos de um livro tão inovador como esse poderiam ser aqui abordados. Optei por fazer uma breve apresentação do livro e colocar algumas considerações sobre a sua adequação ao público para o qual foi escrito – o chamado “público leigo” ou “grande público”: adultos não diretamente estudiosos de Psicologia ou de áreas afins. Alguns dos comentários a seguir são frutos de um exercício de empatia, imaginando-me como um pai leigo que estivesse lendo o livro. Outros, frutos simplesmente de uma motivação (que compartilho com as autoras) em promover nossa abordagem, acreditando em sua profícua aplicabilidade.

No início do livro, é apresentada ao leitor a “família Fragoso”, composta de um casal e seus quatro filhos, de 1, 4, 9 e 13 anos. A maioria dos exemplos encontrados no livro advém dessas personagens, que reaparecem em cada capítulo, para que o leitor possa vislumbrar a aplicação dos conceitos que estão sendo estudados. Isso torna a leitura agradável e exerce um forte controle de estímulo para o leitor, aumentando sua atenção às divertidas figuras e ao conteúdo exposto. Deve-se destacar que a estética do livro favorece uma boa leitura, com uma boa disposição do texto nas páginas e destaques para os aspectos importantes.

No primeiro capítulo, as autoras apresentam o conceito de “comportamento”, iniciando com uma diferenciação entre comportamentos públicos e privados, mas salientando que ambos são igualmente importantes para que os pais fiquem atentos. São abordados os conceitos de ambiente interno e externo e de comportamento operante e respondente.

No segundo capítulo, as autoras apresentam os conceitos de comportamento modelado pelas contingências e de comportamento governado por regras. Novamente, uma apresentação extensa dos conceitos é feita. Ao final do capítulo, regras são apresentadas (p. ex. “Seja claro”, “Seja firme”, etc.) e discutidas em termos dos benefícios advindos de suas aplicações na educação das crianças. Imagino que essa parte do capítulo pudesse ser mais explorada, uma vez que é bastante atraente ao leitor leigo, assim como é de extrema importância. Eventualmente, de um capítulo como esse, poderíamos até excluir a exposição conceitual e discutir mais demoradamente as conseqüências do seguimento ou não das regras propostas pelas autoras.

No terceiro, quarto e quinto capítulos, são introduzidos diversos conceitos da Análise do Comportamento, tais como reforçamento positivo e negativo, generalização, discriminação, modelagem, punição e extinção.

Nas “considerações finais”, as autoras parecem deixar um pouco de lado o rigor em apresentar os conceitos nominalmente, falando numa linguagem aparentemente mais acessível ao público. Parece ser um momento no qual se consegue passar os conceitos da análise do comportamento sem citá-los explicitamente. É uma leitura que suponho ser menos árida e de mais fácil entendimento para um leigo. Justamente nesse final, não são apresentados desenhos ilustrativos. Talvez tivesse sido interessante que, para cada conselho dado nessas considerações finais, mostrassem os benefícios e os prejuízos das decisões tomadas pelos pais.

Os exemplos fornecidos ao longo do livro parecem de suma importância para o entendimento dos conceitos (aliás, muito precisamente colocados), mas receio que os pais não consigam aplicá-los apropriadamente a novas situações, além daquelas inseridas nos exemplos. Apesar dos desenhos ilustrativos, os capítulos têm um perfil bastante acadêmico – ao estilo de Holland e Skinner, em The Analysis of Behavior, no sentido de que os conceitos transmitidos são verificados na revisão ao final dos capítulos. Além disso, parece que as autoras se preocuparam em utilizar o maior número de conceitos possíveis, o que pode ter gerado uma quantidade demasiada de informações para um leigo, a ponto de confundir ou gerar aplicações errôneas dos conceitos.

Possivelmente, no futuro, cada um dos conceitos abordados devesse ser apresentado independentemente um do outro (em livros à parte?...), com um aprofundamento maior, no sentido de ampliar sua utilização para diferentes situações cotidianas, bem como apresentar contra-exemplos, nos quais os conceitos pudessem estar sendo usados erroneamente. Possivelmente, também, uma apresentação conceitual desse nível venha inclusive a ser de pouca importância para os leigos ou, ainda, alguns conceitos sejam muito relevantes de serem apresentados à população, e outros menos.

Quanto à linguagem utilizada, questiono: será que nós temos que explicar o que queremos usando os próprios termos da nossa ciência (“reforçamento”, “aversivo”, “ambiente”, etc.)? Não existiriam termos mais acessíveis à população em geral? Será que conseguimos divulgar nossa teoria sem utilizar tão categoricamente nossos temos? (Penso que as “considerações finais” apontam nessa direção.) Ou é importante mesmo preservar os termos e divulgá-los na nossa cultura?

Agora, independentemente das questões ligadas à linguagem utilizada, o livro aqui em questão tem uma característica que não deve ser desprezada de forma alguma, por mais que se adapte a linguagem e se forneçam conselhos para o leitor: ele estimula os pais a observarem seus filhos e entender funcionalmente seus comportamentos. Num passo seguinte, poderíamos, inclusive, pensar na modelagem do comportamento dos próprios pais enquanto indivíduos que estão aprendendo a observar seus filhos e se tornando aplicadores de procedimentos comportamentais. Isso também pode estar incluído num livro. Parece, também, que precisaríamos de contingências adicionais para instalar o repertório de utilização dos conceitos, por exemplo, tendo uma comunidade verbal que modelasse a utilização adequada dos termos e que incentivasse a aplicação a novas situações. Grupos de pais que tomassem esse livro como base para discussões, sob a coordenação de analistas do comportamento, pode ser uma idéia nessa linha.

Acredito, ainda, que não estamos diante de um livro escrito unicamente para o benefício dos pais. Esse é um livro que deveria ser amplamente divulgado entre os profissionais, pois ele realmente contribui para o entendimento do comportamento (e não só das crianças...), como também mostra a abordagem da análise do comportamento de forma bastante didática e pouco preconceituosa – outro aspecto que tanto buscamos em termos da divulgação da abordagem. Mais do que isso, por tratar dos conceitos com fluência e fazendo a relação com exemplos interessantes do dia-a-dia, pode ser um ótimo material a utilizar com alunos de graduação.

Enfim, a opção por escrever uma obra voltada para o público leigo é, por si só, merecedora de muitos elogios e méritos. Isso porque temos fortes raízes acadêmicas e porque temos uma comunidade verbal bastante rigorosa com relação à forma com que são utilizados os conceitos da Análise do Comportamento na vida cotidiana.

Mas existem desafios. Um deles é adequar a produção científica aos novos ouvintes, sem perder, nem mesmo distorcer, o arcabouço conceitual. Esse desafio não está presente apenas na publicação desse livro, mas perpassa um movimento que parece estar ocorrendo na Análise do Comportamento, que é de ampliar o público atingido pelo conhecimento produzido nessa área. Palestras oferecidas para a comunidade e livros voltados para o grande público, além das intervenções de cada analista do comportamento em seu ambiente de trabalho (clínica, escola, empresa, etc.), tentam “traduzir” a Análise do Comportamento da linguagem acadêmica e do laboratório para a linguagem das pessoas não diretamente estudiosas de Psicologia ou de áreas afins. Vou além: o próprio Skinner já se preocupava em expor, para o grande público, a filosofia do Behaviorismo, como denota a publicação de About Behaviorism. E encontrou dificuldades...

Tomara que este livro sirva para discutir, entre tantas coisas, a adequação de nossa produção para a comunidade leiga. Tomara que consigamos nos aproximar de uma linguagem ideal, adaptada aos diferentes públicos com quem dialogarmos. E só o contato dos leitores com esse livro nos dirá o quanto estamos escrevendo adequadamente ou não.

 

 

Recebido em: 12/12/2003
Aceito em: 19/12/2003

 

 

1 Doutorando em Psicologia Experimental (USP), Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento (PUC-SP), aluno-ouvinte do curso de especialização em Terapia Comportamental Infantil (Universidade Presbiteriana Mackenzie), experiência em atendimento clínico infantil e em coordenação de grupo de pais. Endereço para correspondência: npergher@usp.br.