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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.6 no.1 São Paulo June 2004

 

ARTIGOS

 

Direcionamentos para a condução do processo terapêutico comportamental com crianças

 

Directions on behavioral therapeutic process with children

 

 

Cynthia Borges de Moura1; Marlene Bortholazzi Venturelli

Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo sistematizar informações disponíveis na literatura sobre organização e condução do processo psicoterapêutico de crianças, segundo os pressupostos da Análise do Comportamento. O trabalho apresenta uma conceituação de processo psicoterápico, incluindo etapas e organização das tarefas. Discutem-se também as características da terapia da criança que requerem organização e sistematização diferenciada. Finalmente, apresenta-se uma proposta de sistematização seqüencial de diretrizes para condução do processo psicoterapêutico comportamental com crianças. A proposta é apresentada sumariamente de forma diagramática seguida de uma descrição passo-a-passo da condução do processo, incluindo desde o primeiro contato com a criança, até os procedimentos para o desligamento da terapia. Espera-se que o modelo proposto auxilie na compreensão do processo de condução e tomada de decisão em psicoterapia infantil.

Palavras-chave: Psicoterapia infantil, Processo terapêutico, Intervenção com crianças.


ABSTRACT

The target of this work is to systematize available information on literature about organization and conduction of therapeutic process with children, according to the Behavior Analysis presuppositions. The work presents a definition of psychotherapy process, including phases and organization of tasks. It also discusses the child-therapy characteristics that require different organization and systematization. Finally, a suggestion is presented on the sequential systematization of directions to the conduction of behavioral psychotherapy process with children. The proposal is to briefly present a diagrammatic configuration after a step-by-step description of the process' conduction, including, from the first contact with the child, to the procedures to the disconnection of the therapy. The expectation is that the suggested model aids in the comprehension of conduction process and for the decision's choice in Child Psychotherapy.

Keywords: Child psychotherapy, Therapeutic process, Child intervention.


 

 

Psicoterapia ainda tem muito de arte e intuição. Embora se concorde sobre a necessidade de descrever precisamente o que os terapeutas fazem e como o fazem, pouco se sabe sobre as variáveis importantes que direcionam as decisões terapêuticas. O que leva um terapeuta a optar por uma direção ou outra dentro de um tratamento ainda é tópico de estudo e discussão.

Compreender o que acontece quando uma criança entra em terapia não é uma tarefa fácil. O que o terapeuta faz com uma criança dentro do contexto clínico? Como promove mudanças? Há passos mais ou menos sistemáticos para a condução do processo? Como opta por intervir dadas as características da criança? Como lida com uma queixa que a criança pode não reconhecer ou concordar? Refletir sobre o processo clínico de tomada de decisão pode trazer alguma luz às questões que se colocam no dia-a-dia do terapeuta que trabalha com crianças.

Este trabalho propõe uma sistematização seqüencial de etapas para condução do processo psicoterapêutico comportamental com crianças. Espera-se que o modelo proposto auxilie na compreensão do processo de condução e tomada de decisão em psicoterapia infantil, trazendo contribuições importantes para a prática diária do terapeuta que trabalha com crianças.

 

1. "Processo" em Psicoterapia: Definição e Conceituação

O termo processo apresenta difícil definição, principalmente em psicologia e especialmente em psicoterapia. Processo é definido por Millenson (1967) como “o que acontece no tempo com os aspectos significativos do comportamento a medida em que se aplica um procedimento” (p.56). A mesma definição é apresentada mais recentemente por Catania (1999). Ambos estão preocupados com a definição de processo comportamental como algo que ocorre em função da aplicação de um procedimento experimental. Embora tais conceituações sejam bastante úteis em psicoterapia, pois os procedimentos terapêuticos geralmente assumem um caráter bastante experimental e certamente produzem mudanças comportamentais ao longo de sua aplicação, não são apenas às mudanças provocadas no cliente que acreditamos que o termo processo terapêutico se refira.

No Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Ferreira, 1986), o termo processo é definido como a ação de avançar, de ir para frente; ato de proceder, curso, marcha; sucessão de estados ou de mudanças; seqüência de estados de um sistema que se transforma. O mesmo termo é definido na Enciclopédia Larousse Cultural (1998) como o conjunto de atos por meio dos quais se realiza uma operação qualquer; seqüência contínua de fatos que apresentam certa unidade ou que se reproduzem com certa regularidade, andamento, desenvolvimento.

Essa idéia de seqüência de ações e sucessão de estados e mudanças também está presente na compreensão do termo processo em psicoterapia. Entender o processo que ocorre ao longo de um tratamento psicológico provavelmente também significa entender as ações que se reproduzem com certa regularidade, principalmente as ações do terapeuta frente à condução da intervenção com o objetivo de mudança ou melhora de seu cliente.

Assim, no nosso entendimento, processo terapêutico pode ser compreendido como uma seqüência lógica e organizada de procedimentos psicológicos que produzem mudanças comportamentais graduais no cliente, as quais ao longo do curso da terapia vão se alterando e subsidiando a implementação de novos procedimentos por parte do terapeuta, sempre com vistas à meta final de melhora do cliente. Se quem organiza e programa a aplicação de procedimentos clínicos é o terapeuta, então o processo terapêutico pode ser entendido a partir da descrição das ações do terapeuta frente às mudanças de seu cliente.

Neri (1987) define o termo de forma similar ao afirmar que processo implica na tentativa pelo terapeuta, de controle de variáveis que favorecem, por um lado, a extinção de respostas inapropriadas do indivíduo e, por outro, a aquisição de outras que o levem a uma atuação adequada em seu ambiente, reduzindo ao mínimo sua exposição às conseqüências negativas, e aumentando ao máximo a probabilidade de expor-se a situações agradáveis. Essa autora deixa implícito em sua definição que, ao longo do processo, são as tentativas do terapeuta que vão se ajustando ao cliente, conforme as mudanças vão ocorrendo.

Sistematizar o processo terapêutico parece ser importante para o sucesso da psicoterapia, pois possibilita ao terapeuta saber com maior grau de certeza, “como e quando avançar em sua intervenção dadas as respostas obtidas”, e assim otimizar sua eficácia terapêutica. Ao se tratar do trabalho com crianças, a estruturação e sistematização de estratégias ao longo do processo ganha status especial, pois as crianças requerem dos terapeutas habilidades diferenciadas de manejo e condução clínica, tanto no que diz respeito a lidar com o relato metafórico dos problemas, quanto em relação ao uso de estratégias lúdicas para o treino indireto de novos comportamentos (Knell, 1998).

 

2. Crianças em Psicoterapia: O que fazer e porquê?

Como já dito, quando o cliente é uma criança deve-se considerar que a condução do processo exigirá do terapeuta, habilidades específicas, as quais envolvem lidar com um cliente cuja queixa pode não ter sido autoformulada (Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996) e cuja compreensão do problema e do ambiente pode sofrer ampla variação, dada a idade e características de seu desenvolvimento.

Conte (1993), Conte e Regra (2000), e Souza e Baptista (2001) apontam que as especificidades da terapia infantil se iniciam já na avaliação diagnóstica. As autoras concordam quanto à necessidade de variar as fontes e os métodos de coleta informações quando se trabalha com crianças, os quais devem abranger entrevista com os pais, observação da criança em casa e na escola, coleta de dados nas sessões através de desenhos, redações, inventários e, quando necessário, obtenção de dados com outros profissionais que acompanham a criança (pediatra, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, etc).

Os passos iniciais do processo terapêutico infantil, para Conte e Regra (2000), incluem a entrevista inicial com os pais ou família, o estabelecimento do contrato com os pais e a criança e a entrevista inicial com a criança. Segundo Souza e Baptista (2001), o terapeuta deve, logo na primeira sessão, apresentar-se à criança, explicar sobre sua profissão, buscar entender qual a representação que ela tem da terapia, deixar claro quem a contratou e qual a queixa apresentada pelos pais ou responsáveis. Deve ainda esclarecer sobre o sigilo profissional, expondo seus direitos quanto às informações advindas das sessões com os pais, as quais serão fornecidas pelo terapeuta imediatamente após tais encontros.

Iniciada a terapia, o terapeuta terá como tarefa principal abordar a criança sobre o seu problema e promover uma análise conjunta das variáveis que o mantêm. Posteriormente, realizará com a criança o levantamento de alternativas comportamentais e treinará com ela novas soluções para o seu problema (Conte e Regra, 2000). Souza e Baptista (2001) ressaltam a importância de se ter conhecimento do nível de desenvolvimento cognitivo da criança para que as estratégias empregadas sejam compatíveis. As mesmas autoras destacam como estratégias terapêuticas com crianças o treino de solução de problemas, a modelagem direta, a modelação e a exposição imaginária e ao vivo. Estes e outros procedimentos poderão ser introduzidos isoladamente ou em conjunto, conforme sua adequação ao alcance dos objetivos propostos.

Quanto à freqüência das sessões, Conte (1993) esclarece que geralmente as crianças são atendidas uma vez por semana, em sessões de 50 minutos. Porém, em casos que envolvem problemas mais sérios ou situações de crise, elas podem iniciar o processo com freqüência de duas vezes por semana. As sessões eventualmente podem ser conjuntas. Os pais podem ser atendidos em dupla com os filhos (ex: criança x mãe, pai x criança) para diagnóstico da interação ou mesmo para ensino de novas habilidades de convivência (Eyberg e Boggs, 1998; Soares, Moura e Prebianchi, 2003).

Kernberg e Chazan (1993), autoras não-comportamentais, sistematizaram um modelo de atendimento que contribui expressivamente para a organização do processo psicoterápico com crianças. Para as autoras, a prioridade na fase inicial do trabalho com crianças, além de coletar todas as informações necessárias para a avaliação, é estabelecer um clima de confiança para que a aliança terapêutica seja fortalecida. Após a avaliação ser completada, a criança deve ser informada sobre regras, limites, estrutura e processo da terapia. Enfatizam que na fase inicial, a terapia deve ser organizada de modo previsível, a criança deve ser convidada a realizar uma parceria especial em torno da resolução de seu problema, e o terapeuta deve tornar-se um modelo importante de conduta apropriada a ser seguida.

No modelo proposto por Kernberg e Chazan (1993) a fase intermediária se inicia quando a criança começa a responder de forma mais ativa à intervenção do terapeuta, estando visivelmente empenhada nas ações que levarão à melhora. Nesta fase, o terapeuta irá trabalhar para que a criança se torne mais consciente de seu comportamento, sentimentos e pensamentos, facilitando sua capacidade para brincar, expressar-se e resolver seus problemas. As autoras afirmam que na fase intermediária, é comum que o foco da terapia se concentre no cotidiano da criança fora das sessões, e que os problemas e suas conseqüências sejam discutidos de forma direta para que as alternativas de mudança possam ser implementadas.

Os recursos lúdicos, presentes em todas as fases, ganham destaque especial na fase intermediária. Conte (1993) afirma que o uso destes recursos na terapia infantil tem como objetivos: 1) parear a terapia e o terapeuta com atividades agradáveis, favorecendo uma generalização nesta direção; 2) explorar o comportamento de brincar e os brinquedos como forma de expressão indireta da criança sobre suas relações com o mundo, suas reações públicas e privadas; 3) avaliar a relação terapeuta-criança e o curso do processo terapêutico; 4) explicitar as situações antecedentes e conseqüências de suas respostas para ajudá-la a identificar a ocorrência de comportamentos semelhantes fora de sessão; e 5) estudar, com a criança, alternativas mais adaptativas de comportamento e treiná-las.

A fase final do tratamento tem início quando as melhoras já ocorreram e necessitam apenas ser fortalecidas (Kernberg e Chazan, 1993). O encerramento oportuniza o lidar com sentimentos antagônicos: de um lado a separação e perda e de outro a conquista e o prazer pelo alcance dos objetivos. Além destes aspectos, as autoras ressaltam que na fase final, as atividades lúdicas podem continuar de forma mais relaxada, tranqüila, e as intervenções verbais podem se tornar mais diretas. Uma revisão do tratamento, tanto com os pais, como com a criança (Cornejo, 2003), é importante para expor comparativamente as mudanças e oferecer orientações para o futuro, caso novas intervenções sejam necessárias.

A fase final do tratamento tem início quando as melhoras já ocorreram e necessitam apenas ser fortalecidas (Kernberg e Chazan, 1993). O encerramento oportuniza o lidar com sentimentos antagônicos: de um lado a separação e perda e de outro a conquista e o prazer pelo alcance dos objetivos. Além destes aspectos, as autoras ressaltam que na fase final, as atividades lúdicas podem continuar de forma mais relaxada, tranqüila, e as intervenções verbais podem se tornar mais diretas. Uma revisão do tratamento, tanto com os pais, como com a criança (Cornejo, 2003), é importante para expor comparativamente as mudanças e oferecer orientações para o futuro, caso novas intervenções sejam necessárias. Propomos, a seguir, um diagrama que sistematiza o processo terapêutico infantil em etapas. O objetivo é delinear as diretrizes gerais e apontar procedimentos que podem ser utilizados durante todo o transcorrer da psicoterapia, desde avaliação até o encerramento. A ênfase está posta nos procedimentos intermediários, o que o terapeuta faz para trabalhar os problemas e produzir melhoras comportamentais.

 

3. Etapas para Condução do Processo Terapêutico com Crianças

O diagrama a seguir foi elaborado a partir de uma sistematização das informações coletadas e da experiência de trabalho das autoras com crianças em psicoterapia. Os passos para a condução de cada etapa do processo psicoterapêutico com crianças serão descritos em detalhes e com exemplos e sugestões de estratégias e procedimentos. A presente proposta não pretende ser exaustiva, nem conclusiva em si mesma. Ela foi elaborada como um “mapa” geral do processo para atender às necessidades de terapeutas iniciantes. Também descreve procedimentos gerais para a intervenção terapêutica com crianças entre 7 e 12 anos, devido à inclusão de procedimentos que envolvem compreensão verbal e participação ativa da criança no seu processo de mudança. O processo com crianças pré-escolares e mesmo os procedimentos de orientação aos pais não serão discutidos por estarem fora do alcance deste artigo.

 

Etapa Inicial

Passo 1 – Explique à criança sobre o funcionamento da terapia.

Quando a criança vem para sua primeira sessão após avaliação inicial com os pais, o terapeuta deve começar explicando para ela a respeito do funcionamento da terapia. Estas explicações geralmente envolvem a apresentação do terapeuta e do ambiente, esclarecimento dos objetivos (ou para que serve a terapia), etapas do processo, exemplos de atividades que serão realizadas durante a intervenção, informação sobre a necessidade da participação de familiares ou professores, sobre a responsabilidade da criança no processo e também do terapeuta, e sobre o sigilo profissional (Nemiroff e Annunziata, 1995; Cornejo,2003).

Feito isso, o terapeuta deve buscar conhecer melhor a criança, solicitando informações sobre as atividades que ela realiza e que gosta de fazer, ou brincando de “perguntas e respostas” previamente preparadas em que investiga também autopercepção (ex: “dê um apelido para você mesmo”), as relações afetivas com amigos (ex: “diga o nome do seu melhor amigo”), com familiares (ex: “quem é mais bravo em casa: o pai ou a mãe?”) e percepção do problema (ex: “uma coisa que eu mudaria em mim mesmo é...”). O terapeuta também deve responder às questões para dar modelo do estilo de auto-exposição desejado.

É recomendável realizar um levantamento do sistema motivacional da criança, listando, junto com ela, as brincadeiras e atividades preferidas para fazerem parte da programação das sessões. Se o repertório de brincadeiras for muito restrito, o terapeuta pode sugerir atividades a serem experimentadas nas sessões e anotar aquelas que a criança concordar em realizar. Finalmente, deve haver espaço para brincadeiras que proporcionem descontração e diversão visando parear a terapia e o terapeuta com atividades agradáveis (Conte, 1993), o que certamente favorecerá o estabelecimento do vínculo terapeuta-criança e da motivação para participar das próximas sessões.

Passo 2 - Defina com a criança qual o problema a ser trabalhado (objetivos).

É necessário definir claramente com a criança o problema a ser tratado, pois ela deve concordar com a necessidade de ajuda para que aceite e colabore com o tratamento (Digiuseppe, Linscott e Jilton, 1996). Para tal, o terapeuta poderá expor à criança os objetivos dos pais para com a terapia questionando-a sobre a sua concordância quanto à ocorrência de tais problemas. O terapeuta deve também auxiliar a criança a definir seus próprios objetivos, sejam eles condizentes ou não com os dos pais.

Quando ocorre a recusa da criança em definir os objetivos, o terapeuta deverá investigar os motivos que estão levando a criança a preferir a manutenção de uma situação “aparentemente desagradável” e porque está havendo divergência em relação aos objetivos dos pais. É relativamente comum nestes casos, que os pais estejam incomodados com a situação, em função do alto custo que o lidar com a criança pode estar requerendo deles. Porém, embora possa estar ocorrendo punição, os ganhos para a criança devem estar sendo maiores, e por isso a recusa em identificar o comportamento como problema, e principalmente em concordar com a mudança.

Uma estratégia para lidar com este impasse consiste em apresentar as análises formuladas pelo próprio terapeuta acerca da queixa dos pais, isto é, expor sua opinião profissional quanto à necessidade de tratamento, mostrando à criança uma comparação entre os “pequenos” ganhos atuais e as “grandes” perdas a longo prazo se não houver mudança. Mesmo assim, se ocorrer séria oposição e discordância tanto com a formulação do problema quanto com os objetivos da terapia, o tratamento com a criança deverá ser interrompido, porque a adesão ficará seriamente comprometida. A opção passa a ser então trabalhar apenas com os pais, até que a criança aceite retomar o tratamento.

Caso o cliente aceite o tratamento, seja concordando com o objetivo dos pais, ou elegendo objetivos próprios, o terapeuta pode avançar no processo, iniciando uma exploração para entender junto com a criança por que o problema vem ocorrendo. Essa é uma tentativa de iniciar o passo 4 – análise de conseqüências e levantamento de alternativas comportamentais. Se a criança não apresentar dificuldades em responder a abordagem direta ao problema, a etapa quatro poderá ser implementada. Porém, se o terapeuta identificar na sessão, inabilidades da criança nos repertórios de auto-exposição (falar sobre si mesmo e seu ambiente) ou auto-expressão (identificação e expressão de sentimentos), os procedimentos terapêuticos devem ser direcionados para aumentar e fortalecer tais repertórios como importantes pré-requisitos para a continuidade da terapia e a modelagem das respostas indicativas de melhora (geralmente padrões incompatíveis com o repertório atual).

 

Etapa Intermediária

Passo 3 – Trabalhe identificação e expressão de sentimentos e auto-exposição

Identificar e expressar sentimentos são habilidades importantes para que a criança discrimine os efeitos encobertos que as contingências às quais está exposta exercem sobre ela, assim como responda-lhe de forma socialmente mais adequada (verbalizando como se sente, ao invés de apenas chorar ou agredir). Moura e Azevedo (2000) destacam que a expressividade emocional é um elemento chave no processo, pois parece estar implicado em vários outros comportamentos infantis como estabelecimento de vínculos afetivos, auto-estima, autocontrole e adaptação social, considerando-se que a maior parte das crianças que apresentam problemas emocionais e ou comportamentais, também apresentam dificuldades de identificar e expressar o que sentem em relação às pessoas e/ou situações. Portanto, treinar a expressividade emocional das crianças em terapia pode ser um passo anterior para o desenvolvimento de vários outros repertórios como assertividade, relacionamento interpessoal e resolução de problemas, o que pode ter impacto importante sobre a superação dos problemas iniciais.

Nesta fase, duas podem ser as metas terapêuticas: ensinar auto-exposição (falar de si mesmo) necessária à abordagem direta dos problemas; e treinar expressividade emocional (identificar e falar sobre emoções e sentimentos), cuja importância já foi mencionada. Estratégias como a confecção do livrinho de sentimentos (Moura e Azevedo, 2000) facilitam a modelagem de ambos os repertórios. Outra sugestão é iniciar uma sensibilização para o contato consigo mesmo através de estratégias sensoriais como a massa de farinha, argila, pintura a dedo (dos pés ou das mãos). Oaklander (1980) descreve vários exercícios sensoriais que colocam a criança em contato com seu corpo e com suas sensações. Conforme a criança vai aprendendo sensorialmente a identificar e nomear o que sente, então estratégias verbais podem ser gradualmente introduzidas através de jogos de conteúdo terapêutico como o “Trio de Sentimentos” (Cognoscere), e “Brincando com as Expressões” (Toyster), ou literatura específica.

Quando se avalia que tais habilidades foram consistentemente adquiridas, porque a criança passa a verbalizar espontaneamente, e/ou quando requerida, situações pessoais de agrado e desagrado e consegue relatar os sentimentos relacionados, então o próximo passo pode ser implementado. É importante ressaltar que mesmo quando o processo permite que se avance para o passo 4, sem um tempo específico no passo 3, é importante fortalecer tais habilidades empregando estratégias que incluam a análise de conseqüências em nível encoberto, tanto para si, quanto para os outros.

Passo 4 – Inicie a análise de conseqüências e levantamento de alternativas comportamentais

A análise de conseqüências no processo terapêutico tem por objetivo ensinar a criança a analisar as contingências que estão envolvidas no seu problema, que explicam porque certas coisas estão acontecendo desta maneira e não de outra (Conte e Regra, 2000).

Neste momento da terapia, serão analisadas com a criança, as condições externas das quais seu comportamento-problema é função, ou seja, o terapeuta a ensinará a fazer a análise funcional do seu comportamento, guardadas as limitações de acesso ao conjunto de variáveis envolvidas no controle do problema.

Uma forma de deixar claro para criança a relação entre seu comportamento e as conseqüências que produz, consiste em ajudar a criança a elaborar um cartaz que identifique: seus comportamentos-problema (ações, pensamentos ou sentimentos); eventos antecedentes (onde ele estava, com quem, fazendo o quê); e eventos conseqüentes (o que aconteceu depois, o que as pessoas fizeram). O terapeuta propõe a organização do cartaz e a própria criança o confecciona. O terapeuta apenas deve traduzir a análise comportamental em termos acessíveis à compreensão da criança.

Esta estratégia provavelmente ajudará a criança a discriminar as contingências que estão mantendo seu “comportamento-problema”. O segundo passo consiste em selecionar qual comportamento poderia ser emitido na mesma situação e quais conseqüências ele poderia produzir. Colocar no mesmo cartaz os comportamentos-problema e os comportamentos incompatíveis, assim como suas prováveis conseqüências, ajuda a criança a comparar visualmente as vantagens e desvantagens de cada alternativa de que dispõe. O terapeuta pode sugerir novos comportamentos que serão analisados por ambos ao longo das sessões, quando então a criança deverá selecionar qual ela acha que tem maior probabilidade “de funcionar, de dar certo”, e qual ela gostaria de treinar primeiro para tentar pôr em prática e “ver o que acontece”.

Nesta etapa, a análise de conseqüências pode não ser assim tão simples, como venha a parecer, e o terapeuta poderá necessitar de recursos adicionais para mostrar à criança as conseqüências de suas ações. Evocar o comportamento-problema nas sessões pode ser uma forma de mostrar à criança as conseqüências que ele produz, através das reações e do feedback do terapeuta sobre o comportamento emitido (ex.: terapeuta propõe o término da brincadeira contingente à emissão de um comportamento inadequado ou sinaliza: “assim não é legal jogar, estou quase desistindo de brincar desse jeito”).

O terapeuta também pode explicitar as conseqüências do comportamento-problema ou sugerir alternativas no momento da ocorrência deste na sessão, contando histórias. Prebianchi (2000) sugere que a inserção da história previamente selecionada seja feita contingente à emissão do comportamento inadequado sem discussão posterior. Apenas interrompe-se a atividade, faz-se a leitura da história, e retoma-se a atividade. (Prebianchi, 2000; Soares, Moura e Prebianchi, 2003). Aliás, as histórias infantis podem ser muito úteis por abordar, de forma direta ou indireta, as conseqüências aversivas contingentes a comportamentos inadequados, assim como as conseqüências positivas decorrentes das mudanças de atitude dos personagens (Miranda, 2002).

Levantar alternativas também pode implicar em ensinar a criança a observar outras crianças, ver o que elas fazem em determinadas situações e o que acontece, ou em pedir à criança que entreviste seus pais ou professores acerca do comportamento considerado adequado para, então, trazer suas observações e anotações para serem trabalhadas em terapia.

Passo 5 – Treine habilidades específicas em sessão

O treino de habilidades específicas será executado a partir da operacionalização dos comportamentos-problema (como descrito acima), levantamento das alternativas comportamentais e escolha do comportamento incompatível a ser treinado/ ensaiado. Esta etapa consiste em ensaiar com a criança, dentro da sessão, o comportamento que ela escolheu como substitutivo ao comportamento-problema. O treino direto geralmente é necessário para que a criança desenvolva novos repertórios e adquira confiança em seu desempenho a fim de que possa arriscar-se fora da sessão (próxima etapa do processo).

O treino direto não precisa necessariamente ser planejado; o terapeuta pode aproveitar alguma situação ocorrida na sessão ou relatada espontaneamente, para propor o ensaio de um comportamento alternativo. Se as alternativas foram levantadas de forma indireta, o treino também poderá ser feito desta maneira. O terapeuta pode propor histórias para que o final seja alterado, ou propor um tema para desenho-história que sugira a ocorrência de algum comportamento alternativo que a própria criança vai relatar através da criação da história.

Segundo Conte e Regra (2000), o terapeuta deve levar a criança a descrever a história de modo neutro e, ao mesmo tempo, favorecer para que essa história contenha relatos sobre o contexto, os comportamentos dos personagens, as contingências ambientais. Isso porque, após o relato das fantasias, pode ocorrer uma discriminação pela criança das contingências ambientais e identificação de regras inadequadas, favorecendo mudanças em seu comportamento verbal e não-verbal.

Voltando ao treino direto, o também chamado role-playing (Rangé e Gorayeb, 1988) consiste numa técnica em que o terapeuta ou o cliente devem imitar o comportamento de alguma pessoa relevante no ambiente natural do sujeito ou representar o comportamento do próprio sujeito em alguma situação social. Por isso o nome role-playing, desempenho de um papel. Esta representação serve para treinar a criança a interagir adequadamente em situações sociais, uma vez que ela terá a oportunidade de ensaiar o novo comportamento até considerar-se apta a comportar-se da nova maneira na situação real.

Algumas vezes, o terapeuta pode representar o papel da criança (inversão de papéis) para dar a ela um modelo mais apropriado de comportamento para a situação selecionada. Na maioria das vezes, o desempenho de papéis, é realizado durante uma interação terapeuta-cliente, e o terapeuta utiliza-se de reforços diferenciais para comportamentos adequados, e de aproximação sucessiva em seus critérios de reforçamento, modelando progressivamente o comportamento terminal desejado. O terapeuta irá estimular a criança a assumir o papel do outro, interagindo assertivamente com o terapeuta. (Regra, 2000)

O terapeuta poderá também treinar a criança na execução de atividades para as quais ainda não tenha habilidade, ensaiando nas sessões os novos repertórios comportamentais que necessitam ser desenvolvidos para que as mudanças se estabeleçam. A intenção do terapeuta é proporcionar condições de prática do novo comportamento sob novas fontes de reforço.

Quando a criança executar com sucesso o treino em sessão, estará apta a avançar no processo e ser incentivada a desempenhar o comportamento fora da sessão. Caso a criança não execute adequadamente por dificuldade ou recusa, o terapeuta deverá verificar se a mesma identifica os obstáculos que a impedem como, por exemplo, o temor de que conseqüências negativas (como bronca, reprovação dos pais) ocorram (ex.: pais realmente podem punir respostas assertivas da criança). Se ela identifica seus impedimentos, isso pode ser claramente discutido e o treino retomado, de forma a ensaiar uma nova resposta que minimize as conseqüências negativas previstas (ex.: “pai, eu quero te dizer uma coisa, tente não ficar bravo, eu só quero dizer o que estou pensando, ou como estou me sentindo com esta situação.”)

Se a criança não identificar, retome a análise de conseqüências. Avaliando minuciosamente as conseqüências do novo comportamento treinado, a criança pode perceber o que a está impedindo de avançar, e assim levantar novas alternativas que melhor se adeqüem ao seu contexto familiar e social, diminuam o custo da resposta e facilitem a ocorrência das mudanças desejadas.

 

Etapa Final

Passo 6 – Incentive a ocorrência do novo comportamento fora da sessão

Neste momento, será posto em prática, fora da sessão, o novo comportamento que foi modelado e ensaiado em sessão. A duração desta etapa é variável, vai depender do tipo de problema e da participação do cliente, e das situações imprevisíveis extraterapia que poderão ocorrer. O terapeuta tentará incentivar a ocorrência dos novos comportamentos fora da sessão. Poderá, para isso, ensinar a criança a: 1) discriminar as “dicas” do ambiente de que é o momento para arriscar-se no novo comportamento; 2) criar um “prompt” para recordar estratégias ensaiadas, como forma de controlar o comportamento e não desistir, como, por exemplo: “é só começar”; “fique calmo e vá em frente”; ou 3) utilizar a linguagem privada como apoio à emissão do comportamento aberto, isto é, a criança pode fazer um ensaio encoberto enquanto se aproxima da situação a ser enfrentada (ex.: criança com problemas de retraimento, caminha até a professora na sala de aula enquanto repete em pensamento: “professora, eu poderia ver minha prova?”).

O terapeuta poderá fracionar as tarefas que serão executadas em passos menores. Com o custo de resposta diminuído, há uma maior probabilidade de que a criança se arrisque no novo comportamento fora da sessão. Com respostas menores a serem emitidas, aumenta também a probabilidade de sucesso e a probabilidade de reforço. Assim, a criança passará a se sentir mais segura, no controle da situação, e as tarefas poderão ir se tornando mais complexas. As tarefas poderão ter data e tempo de duração, dependendo do problema.

Se ao emitir o novo comportamento, a criança se adaptar melhor ao contexto, como por exemplo, tornando-se mais assertiva, evitando que os outros a passem para trás, fazendo mais amigos, tornando-se mais agradável e afetiva, pode-se avançar para a próxima etapa na terapia. Caso nem a criança, nem os pais avaliem melhora na adaptação, avalie a necessidade de treino adicional ou levantamento de novas alternativas. Talvez a criança não esteja sendo hábil o suficiente na situação natural como o é em sessão, e necessite de mais treino ou de um apoio externo, de pais ou professores, para aprimorar seu desempenho frente ao ambiente real. Talvez a criança tenha feito um julgamento inapropriado na escolha do comportamento a ser ensaiado, o terapeuta não percebeu, e agora a escolha de um outro comportamento-alvo será necessária.

Passo 7 – Realize a análise e refinamento das tentativas de mudanças

O terapeuta ajudará a criança a analisar suas mudanças, levantar possíveis causas de sucesso e fracasso e, principalmente, se houve aumento de sua capacidade de solucionar problemas. Também é importante discutir situações onde o problema “escapou do controle” e voltou a ocorrer, incentivando a criança a levantar alternativas viáveis para lidar com tais situações sem ajuda do terapeuta. Que habilidades a criança deve adquirir para desenvolver a autonomia em resolver problemas? Como o terapeuta pode refinar suas mudanças em direção a autonomia?

Para conseguir desenvolver esta habilidade, o terapeuta irá proporcionar reforço positivo adicional ao reforço natural, como uma estratégia de fortalecimento dos ganhos obtidos. Ou seja, a cada passo que a criança avançar na sua adaptação ao contexto e observar os ganhos que obteve (reforço natural), o terapeuta deve promover reforço positivo adicional, valorizando cada conquista. Uma forma eficaz de incentivar a autonomia, de acordo com os autores Ervin, Bankert e Dupaul (1999), é implantando procedimentos de auto-avaliação e auto-registro. A auto-avaliação se refere a ensinar a criança a avaliar seu comportamento para determinar se uma mudança específica ocorreu. O auto-registro consiste em contar quantas vezes o comportamento-alvo ocorreu. À medida que a criança vai aprendendo a se auto-avaliar, o terapeuta pouco a pouco pode ir retirando o feedback adicional. A intenção é que a criança atribua a melhora do controle de seu comportamento ao seu próprio esforço.

Segundo estes autores, quando a criança se torna mais independente e autônoma, os efeitos das intervenções serão mantidos ao longo do tempo e generalizados para outros locais muito mais do que quando ela atribui a mudança comportamental a forças externas (como sorte ou esforço de adultos). Uma criança autônoma sabe identificar alternativas para seus problemas sabe colocá-las em prática, e não tem receio de solicitar ajuda dos adultos quando necessário. Essa é uma meta ideal para a psicoterapia de crianças. Porém, nem sempre é possível, aos terapeutas, observarem as crianças alcançando este estágio, não porque não sejam capazes, mas porque quando progressos começam a ser obtidos, muitos pais interrompem a terapia, por se sentirem ou satisfeitos com os resultados parciais obtidos, ou incomodados com a maior autonomia, expressividade e assertividade da criança (Moura e Conte,1997). Quando as crianças permanecem em terapia e atingem esta meta, o terapeuta poderá dar início ao processo de alta.

Passo 8 – Fortaleça as mudanças ocorridas: inicie o processo de alta

Segundo Oaklander (1980), é muito importante preparar a criança para o encerramento. A autora afirma que assim como ajudamos as crianças a adquirir o máximo possível de independência e autonomia, também devemos ajudá-las a lidar com os sentimentos envolvidos no desligamento da terapia e da relação freqüente com o terapeuta.

Zaro, Barach, Nedelman e Dreiblat (1980), também preocupados com a terminação da terapia infantil, fazem algumas considerações buscando diferenciá-la da do adulto. Os autores esclarecem que a maneira como se avalia o progresso é diferente na terapia infantil. É necessário avaliar o progresso por meio das observações da criança e pelos relatórios de membros da família, do pessoal da escola e outros. Uma terminação abrupta poderá produzir um impacto emocional muito mais forte numa criança do que num adulto, portanto é melhor ressaltar que a terminação se deve à melhora e não porque você não gosta mais dela.

Quando o terapeuta começa a pensar em terminar a terapia, a primeira tarefa é ter claras as razões, pois cada criança pode reagir de uma maneira diferente. Geralmente, é apropriado levantar o problema da terminação quando você acredita que a criança alcançou seus objetivos terapêuticos ou não há mais possibilidades de avanço ou interesse por parte do cliente em buscar mudanças comportamentais. No caso de algumas crianças, pode-se perceber que a terapia começou a atrapalhar porque as atividades externas como brincar, jogar, encontrar com os amigos que antes ela não conseguia ou não podia fazer, estão ficando prejudicadas pelo horário de vir à terapia.

Durante as últimas sessões de terapia, é importante oferecer, à criança, algum fechamento quanto à experiência vivida por esta. Isto pode ser feito com um retrospecto do que ocorreu na terapia, ressaltando as mudanças ocorridas devido ao seu empenho e elogiando suas mudanças e atitudes de coragem e enfrentamento. Deve-se estimular a criança a expressar seus sentimentos sobre estes aspectos, e o terapeuta não pode deixar de apresentar os seus dizendo que está feliz com seus progressos, que isto se deve à sua coragem, que sentirá saudade mas sabe que poderão se ver quando tiverem vontade, telefonar ou marcar um encontro. A despedida poderá ser registrada através da confecção e troca de um cartão, por exemplo, contendo relato de momentos importantes, e sentimentos da despedida. Uma estratégia interessante é o uso da literatura infantil como o livro desenvolvido pelas autoras Nemiroff e Annunziata (1995) para ajudar o terapeuta a preparar a criança a lidar com seus sentimentos nesta fase.

O processo de encerramento não deve ser abrupto. Marcam-se sessões de follow-up para avaliar juntamente com o cliente se as mudanças promovidas pela terapia estão sendo mantidas. Nesta fase, as sessões tornam-se cada vez mais espaçadas. Desta forma será removido pouco a pouco o apoio formal do terapeuta. Explica-se à criança que ela continuará a melhorar e a crescer, pois as mudanças ocorridas produzirão mais resultados positivos na sua vida. A opção de recorrer novamente à terapia deverá ser apresentada como possibilidade para resolver outros problemas que poderão surgir no curso de sua vida.

Cabe apresentar as contribuições de Cornejo (2003) a respeito do pedido de interrupção da terapia por parte dos pais. A autora relata que, nestes casos, a primeira coisa a fazer é marcar uma entrevista com os pais para levantar as reais razões dos pais quanto a finalização, e discutir com eles alternativas para a não interrupção do tratamento antes do tempo. Quando a interrupção ocorre porque os pais relatam estar havendo pouco progresso, Cornejo (2003) orienta que se trabalhe o sentido de “progresso” e seu nível de exigência em todas as áreas: notas, família, colégio. Quando um dos pais pensa diferente e percebe progressos, então a autora solicita que exponha sua análise a partir da qual negocia a possibilidade de continuidade da terapia.

Caso a opção dos pais seja pelo desligamento, a autora solicita-lhes duas sessões com a criança para encerrar a terapia e o que está trabalhando. Geralmente, nestas duas sessões, explica à criança o que os pais disseram e pergunta o que pensa. Não se preocupa em resolver os problemas que ficaram, pois estes serão responsabilidade dos pais; apenas se preocupa com as despedidas, trabalha a expressão de sentimentos, como ambos (criança e terapeuta) se sentem em interromper a terapia.

Quanto ao término da terapia da criança que passou por todas as etapas e agora chega ao final do processo, Cornejo esclarece que inicia o processo de encerramento dizendo à criança que não precisa mais vir a todas as sessões e que poderá vir quinzenalmente, depois mensalmente até que, finalmente, chegará à sessão final. Quando acharem que é a hora da despedida vêem a pasta e relembram como os problemas foram resolvidos e o que mudou em sua vida. Incentiva a escolha de algum jogo de que goste muito para despedida. A criança poderá levar a pasta com suas produções , assim como o telefone e endereço da terapeuta. Para Cornejo (2003), o importante é garantir que a criança tenha uma boa experiência com a terapia para que recorra a ela novamente caso seja necessário.

 

1. Considerações finais

Definir uma direção efetiva a ser seguida no trabalho de intervenção clínica comportamental com crianças, sistematizando as ações terapêuticas, torna o processo mais organizado e facilita que os resultados sejam claramente avaliados em função dos procedimentos empregados ao longo da intervenção. Em outras palavras, facilita compreender “o que funcionou com quem e por quê”, e como replicar os procedimentos eficazes em prol do bem-estar de outras crianças que procuram por auxílio psicoterápico.

Uma proposta como aqui apresentada tem um caráter didático, pois o processo da terapia ocorre num continuum e os limites de transição entre uma etapa e outra de terapia nem sempre podem ser tão facilmente delineados. A transição de uma fase para outra é gradativa e depende do alcance das metas para a fase anterior.

A proposta também considera a criança como o elemento-chave; ela deve estar consciente do processo ao qual se submeterá e, para tanto, deve receber as informações necessárias. A forma de fazer esta conscientização dependerá da idade da criança e de seu nível de desenvolvimento, e o terapeuta deverá encontrar uma forma adequada, porém direta, de abordar o assunto. Desta forma, estará ensinando, desde o início, a “enfrentar” os problemas, quaisquer que sejam eles.

Explicar à criança como se dará seu processo e definir com ela os objetivos de sua terapia, verificando seu grau de concordância em relação aos objetivos dos pais, é atribuir a ela um papel ativo durante a intervenção, sinalizando, desde o início, que ela terá seu espaço de decisão respeitado e valorizado. Essa conduta do terapeuta também introduz, desde o começo, uma mudança ambiental importante que pode produzir efeitos positivos imediatos e reduzir temporariamente os comportamentos problemáticos. Assim, ganha-se tempo e melhores condições de implementar os procedimentos terapêuticos.

Com a formulação do problema, inicia-se o processo de transição para fase intermediária. Nesta fase, exige-se maior habilidade do terapeuta para provocar a expressão de sentimentos de forma lúdica e interativa. Esta fase também requer do terapeuta uma preocupação maior em relação aos outros passos do processo, no sentido de levar o cliente a analisar as conseqüências do seu comportamento e levantar as alternativas comportamentais para resolver seus problemas.

Quando o terapeuta começa a incentivar a ocorrência de novo comportamento fora da sessão e isso se dá com sucesso, a fase de desligamento pode ser iniciada. A análise e refinamento das tentativas de mudança e fortalecimento das mudanças ocorridas são de grande importância, pois se faz necessário garantir a permanência dos ganhos da terapia antes de desligar completamente a criança do apoio terapêutico.

A presente proposta não pretende apresentar regras a serem seguidas, mas apontar diretrizes para que o terapeuta esteja atento e se deixe modelar pelas contingências especiais de cada caso (Conte, 1993). Por melhores que sejam as propostas para atendimento de crianças, elas devem considerar “quem dirige que tipo de procedimento, para que tipo de indivíduo ou família, com que tipo de problema, em que contexto”.

O ponto forte de uma sistematização como essa parece ser, como afirma Conte (1993), o fato de que a repetição de processos e procedimentos têm demonstrado a utilidade da aplicação da Análise do Comportamento à psicoterapia infantil quanto à alteração de relações complexas em prol do bem estar da criança.

 

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Recebido em: 16/10/03
Primeira decisão editorial em: 14/06/04
Versão final em: 20/06/04
Aceito em: 21/06/04

 

 

1 Cynthia Borges de Moura - Universidade Estadual de Londrina - Centro de Ciências Biológicas/Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento - Campus Universitário – Caixa Postal 6001 CEP 86.051-990 Londrina – PR. - e-mail: cbmoura@conectway.com.br