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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Teorias lingüísticas pragmáticas e a interpretação em psicoterapia cognitivo-comportamental1, 2

 

Linguistic pragmatic theories and the interpretation in cognitive-behavioural psychotherapy

 

 

Ricardo WainerI, II, 3 ; Jorge Campos da CostaI, 4 ; Jorge Castellá SarrieraI, 5 ; Neri Maurício PiccolotoII, III 6

I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Universidade doVale Rio dos Sinos
III Faculdades de Taquara

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta uma proposta teórico-metodológica para o entendimento da comunicação no processo psicoterápico, mais especificamente em Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs). Expõe-se o estado da arte das TCCs, bem como dos principais modelos pragmáticos da Lingüística Cognitiva que sustentam a proposta de uma metodologia sistemática para se captarem as intenções comunicativas da díade terapêutica. Estes modelos são a Teoria das Implicaturas de Grice (1975), o Modelo Estendido da Teoria das Implicaturas de Costa (1984) e a Teoria da Relevância de Sperber & Wilson (1986, 1995). Conclui-se, ao final do artigo, sobre a importância da geração de propostas interdisciplinares e de Ciência de Interface para o avanço das TCCs. Explicita-se também a relevância do uso de teorias pragmáticas para o entendimento das intenções comunicativas no ato comunicacional, as quais vão muito além da semântica do dito nos enunciados e permitem a captação dos conteúdos implícitos comunicados em diálogos psicoterápicos.

Palavras-chave: Comunicação no processo psicoterápico, Pragmática, Lingüística, Implicaturas.


ABSTRACT

The present article presents a methodological-theoretical proposal to understand communication in the psycho-therapeutic process, more specifically in the Cognitive-Behavioral Therapies (CBT). The latest advancements of the CBTs will be presented as well as the main Cognitive Linguistics pragmatic models that uphold the proposal of a systematic methodology to capture the communicative intentions of the therapeutic pair. These models are Grice's (1975) Theory of the Implicatures, the Costa's (1984) Extended Model of Theory of the Implicatures and the Sperber's & Wilson (1986, 1995) Relevance Theory. At the end of the article some conclusions are drawn regarding the importance of the development of interdisciplinary proposals and of the Interface Science for the advancement of the CBTs. The importance of the use of the pragmatic theories is also explained as a way of understanding the communicative intentions in the communicational act which go beyond the semantics of the statements and allows the implicit content present in psychotherapic dialogues.

Keywords: Communication in the psycho-therapeutic process, Pragmatic, Linguistic, Implicature.


 

 

Conforme a força das Terapias CognitivoComportamentais (TCCs) foi aumentando, na proporção direta da comprovação de sua eficácia para classes maiores de transtornos e da sua economia em tempo de tratamento e custos, mais modelos explicativos foram sendo trazidos à tona e maiores sofisticações técnicas implementadas. Até mesmo porque, movimentos de importantes entidades controladoras da prática terapêutica começaram a investigar quais as técnicas que realmente eram eficazes para cada um dos diferentes transtornos mentais. Estes estudos são conhecidos hoje como avaliação das Terapias Empiricamente Validadas (American Psychiatric Association, 1998) e onde as técnicas Cognitivo-Comportamentais encabeçam o ranking de eficácia no maior número de psicopatologias.

Na atualidade, as TCCs são um dos mais importantes referenciais psicoterapêuticos e, certamente, o que mais cresce, o que pode ser visualizado pelo número de publicações em periódicos destinados à Psicologia Clínica e à Psicopatologia. Este crescimento trouxe consigo algumas evoluções importantes no sentido de manter renovada a Teoria Cognitiva da prática clínica, tanto em termos da teoria da técnica, quanto em termos de concepções filosóficas, epistemológicas e científicas. Dentre as principais evoluções vislumbradas, pode-se citar a maior proximidade com outras áreas de conhecimento, como com as Neurociências e com a Psicologia Experimental Cognitiva, trazendo, como conseqüências positivas, explicações etiológicas mais integrativas dos transtornos psicológicos e uma prática muito mais objetiva e agregada à farmacoterapia. Tudo isto na tentativa do aumento da qualidade de vida dos pacientes e daqueles que com eles convivem.

Para a integração entre estas disciplinas cien-tíficas, o utensílio teórico-metodológico crucial foi, e ainda é, a linguagem lógico-matemática, típica dos estudos das Ciências Cognitivas (Dupuy, 1996). Com a lógica, podemse condensar conjuntos de proposições, supostas ou inferidas, desde que se respeitando um modelo processualístico assumido desde o início das computações formuladas.

Portanto, é a modelização lógica, ou seja, a descrição das teorizações e dos achados experimentais numa linguagem neutra quanto ao conteúdo e que propõe consistência interna entre suas proposições, que permite que se elaborem conhecimentos validados cientificamente, mesmo sem uma base empírica maior, ou seja, sem um processo de teste empírico mais robusto (pelo menos inicialmente). Por outro lado, é justamente por explorar processos que muitas vezes são difíceis, ou mesmo não passíveis, de observação direta, que a modelização permite ao cientista/terapeuta se lançar na construção de hipóteses heuristicamente elaboradas. Tais hipóteses, posteriormente, serão aceitas, refutadas ou sofisticadas conforme a coerência interna que apresentem quando de sua axiomatização lógica.

Podem-se elencar, em resumo, as principais vantagens da utilização de uma linguagem lógica, tanto para a expressão dos achados de uma ciência em particular, quanto para a busca de integração entre disciplinas diversas que direcionem seus estudos para um mesmo fenômeno:

a) verificação da consistência interna das proposições verificadas ou inferidas a partir da agregação de diferentes disciplinas;
b) geração de deduções sobre o tópico pesquisado ainda não verificadas pela aplicação das regras lógicas existentes;
c) robustez das inferências realizadas pela transformação dos dados de linguagem natural para linguagem lógica;
d) possibilidade de agregação de conceitos e conclusões de diferentes disciplinas, num conjunto teórico mais amplo e/ou abrangente;
e) facilitação da comunicabilidade das pesquisas entre os cientistas de diferentes áreas.

Apesar dos avanços nas teorizações em TCCs, a maioria destas continua mantendo um caráter bastante geral, carecendo de um nível descritivo mais específico. Assim sendo, hoje, um dos grandes objetivos das pesquisas em TCCs é, justamente, possibilitar uma explicação das psicopatologias com base em teorias mais abrangentes e de interface. Mas que, por outro lado, elevem seu nível descritivo, explicando, em maior grau, as nuances que ocorrem nos casos particulares.

Nas TCCs, o terapeuta busca identificar as estruturas do conhecimento do paciente, sobretudo as estruturas organizadoras do conhecimento como os esquemas mentais, os conceitos, as crenças e as regras, assim como os corolários destes, como os pensamentos automáticos (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979/1997).

Embora não tenha sido uma tendência no seu surgimento, a busca de bases de compatibilidade dos achados clínicos com achados de pesquisas experimentais, inclusive no âmago de outras disciplinas como a Ciência Neural Cognitiva, Psicologia Cognitiva e/ou a Lingüística Cognitiva, tem estado, na atualidade, como um dos mais profícuos caminhos de desenvolvimento da área (Van Gelder, 1998). Tal tendência explicita-se na confecção de novos Modelos Psicopatológicos aglutinando os conhecimentos destas diferentes disciplinas (Wainer, 1997), bem como na avaliação da eficácia da aplicação das técnicas (Lichtenberg, 1999; Marcus, 1998).

O presente artigo apresenta uma proposta que vai ao encontro desta busca de maior integração entre conhecimentos de Ciência Básica, como a Lingüística Cognitiva, e os conhecimentos aplicados das TCCs. É demonstrada a validade e viabilidade de aplicar modelos da Lingüística, especificamente da Pragmática, à compreensão das intenções comunicativas das díades psicoterápicas. Explicita-se como o Modelo das Implicaturas de Grice (1975), o Modelo Ampliado de Costa (1984) e a Teoria da Relevância de Sperber & Wilson (1986 e 1995) podem significar uma metodologia sistemática eficaz de acessamento ao mundo dos esquemas mentais e dos processos de raciocínio das duplas terapêuticas sem, necessariamente, apelar-se para teorizações aprioristicamente abdutivas.

Este artigo apresenta seis tópicos, iniciando explanações atualizadas do estado da arte das TCCs e dos estudos dos processos inferenciais na comunicação. Após, parte para a descrição das grandes abordagens do estudo da pragmática. Por fim, aborda os três grandes modelos (Grice, 1975; Costa, 1984; e Sperber & Wilson, 1986, 1995) que sustentam a idéia de um método de interpretação objetiva dos enunciados das falas em psicoterapia.

 

As Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais

Desde sua fundação oficial em 1896 por Lightner Witmer, a Psicologia Clínica tem sofrido diversas evoluções, indo de meras sofisti-cações da técnica até mudanças radicais concernentes à inserção de novos paradigmas explicativos das psicopatologias no cenário clínico. Dentre os avanços alcançados pela Psicologia Clínica nas últimas décadas, as Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs), sem sombra de dúvida, ocupam lugar de destaque. Tal colocação foi obtida em decorrência de diversos fatores, dentre os quais se pode destacar a eficácia comprovada de suas técnicas no tratamento de diversas psicopatologias, bem como a retomada do psiquismo humano em toda sua complexidade como objeto de estudo e entendido como responsável pelo comportamento humano normal e patológico (Wainer, Pergher & Piccoloto, 2003).

No contexto das psicoterapias, as Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCCs) apresentaram, desde o final da década de cinqüenta e o início da década de sessenta (Ellis, 1962; Kelly, 1955) até os dias atuais, uma vasta gama de abordagens e de técnicas para o tratamento dos mais variados transtornos psicológicos. Os diversos tipos de terapias englobados pelo título Terapias Cognitivo-Comportamentais, apesar de suas diferenças, possuem, em comum, o fato de considerarem a mediação cognitiva como responsável pelo gerenciamento do comportamento humano e, desta forma, como ponto a ser trabalhado para a obtenção da mudança terapêutica. Assumindo que a doença mental é determinada em grande parte pelas estruturas e pelos proces-sos cognitivos que se encontram disfuncionais em determinado momento da vida dos sujeitos (Wainer, Madeira e Piccoloto, 1999).

Como se pode reparar, não existe uma única TCC, mas sim um conjunto de terapias que se convenciona agrupar sob o título de Terapias Cognitivo-Comportamentais, por apresentarem uma série de características e pressupostos comuns.

Os pressupostos fundamentais que unificam as TCCs são, segundo Dobson (1988), os seguintes: (1) a atividade cognitiva afeta o comportamento, (2) a atividade cognitiva pode ser monitorizada e alterada e (3) as modificações comportamentais desejadas podem ser conseguidas através de mudanças cognitivas.

Muito embora, em seu início, as TCCs não tenham se valido dos extensos e experimentalmente comprovados conhecimentos das Ciências Cognitivas em suas postulações, com o passar do tempo, tais conhecimentos foram sendo incorporados aos seus corpos teóricos.

Tal aglutinação com os conhecimentos advindos da pesquisa básica só trouxe enriquecimento às TCCs. Por um lado, as teorizações ficavam mais robustas e com maior consistência interna por terem em seus pressupostos, dados, no mínimo, estatisticamente (quando não matematicamente) comprovados (Wainer, Pergher & Piccoloto, no prelo). De outro lado, a Teoria da Técnica ficou mais pontual, pois agora o clínico possuía, em seu arsenal de técnicas, conhecimentos amplos e profundos sobre o funcionamento dos processos mentais superiores que gerenciam o comportamento. A psicoterapia começava a ser, a partir de então, mais objetivada e, por conseguinte, mais eficiente.

Os dados experimentais mais significativos para as TCCs sempre se constituíram naqueles que diziam respeito à natureza e desenvolvimento dos processos básicos constituintes da personalidade (Wainer, Knapp & Pergher, no prelo). Compreender, controlar, predizer e, principalmente, explicar a estrutura e processos da memória, do pensamento, do raciocínio, da formação de conceitos mentais, etc, representou, sem sombra de dúvida, um enorme salto de qualidade das TCCs por permitir um nível mais sofisticado de explicação e predição por parte dos terapeutas (Wainer, Pergher e Piccoloto, no prelo). A proposta deste artigo é demonstrar como se pode acessar uma significativa gama destes processos mentais através da análise lógicopragmática da comunicação psicoterapêutica.

 

Os Processos Inferenciais e a Compreensão da Linguagem

Os processos inferenciais, ou de raciocínio, como usualmente são chamados nos estudos em Psicologia Cognitiva, são, desde o nascimento das Ciências Cognitivas, em 1956, um dos processos mentais mais investigados. E não é para menos, afinal de contas é considerado por alguns pesquisadores como um dos processos mais centrais do psiquismo, conjuntamente com a memória e a categorização (Johnson-Laird, 1993a e 1993b; Sternberg, 1996/2000).

O campo das pesquisas em raciocínio tem se mostrado fértil. As teorias não param de brotar e, a cada vez, com maiores capacidades explicativas e descritivas. Embora, em sua maioria, os estudos não tenham uma preocupação central com a aplicabilidade direta, inserindo-se no patamar da Ciência Básica, as derivações para outros campos do saber e, mesmo para as conexões com outros processos cognitivos básicos, não deixam de existir (Hermer-Vazquez, Spelke & Katsnelson, 1999). Os estudos do raciocínio dividem-se nos campos da tomada de decisões, julgamento, resolução de problemas e silogismos. É neste último que se concentra a maior parte das considerações deste trabalho. Isto pelo fato de ser neste campo em que mais se avançou sobre os tipos de raciocínio e como estes ocorrem, de fato, nos seres humanos, dependendo das demandas exigidas pelas tarefas do cotidiano (Thompson, 2000; Van der Henst, 1999).

O raciocínio é o processo de tirar conclusões a partir dos princípios e/ou das evidências, passando do que já é conhecido à inferência de uma nova conclusão ou à avaliação de uma conclusão proposta (Johnson-Laird, 1972 apud Sternberg, 1996/2000; Hintikka, 1962/1979).

Basicamente, as pesquisas em raciocínio, na Psicologia Cognitiva, são divididas em dois grandes blocos: o raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo. O primeiro refere-se ao processo de raciocinar a partir de uma ou mais proposições gerais para se gerar uma conclusão lógica certa. Já o raciocínio indutivo é a processualística de raciocinar a partir de fatos ou de observações específicas para atingir uma possível conclusão que permita explicar tais fatos ou observações. Tal conclusão é, então, indutivamente, utilizada para predizer outros acontecimentos futuros. Embora, logicamente (nos moldes aristotélicos) falando, a dedução seja a única alternativa para conclusões válidas, o estudo dos vá-rios tipos de raciocínio tem sentido por diversos fatores. O principal é que os seres humanos utilizam ambos os tipos de raciocínio e, ainda, outra forma menos estudada que é o raciocínio abdutivoII, III 7 (Peng & Reggia, 1999). Querendo-se, portanto, gerar uma teorização unificada e coerente do processamento de informações dos seres humanos, é-se obrigado a revelar quando cada tipo de raciocínio é utilizado, quais as particularidades de seus usos e quando os indivíduos falham na geração de inferências lógicas. Em última instância, pode-se dizer, que o ponto é descobrir como se dá o raciocínio humanoII, III 8 (Holtgraves, 1998).

No presente artigo, o interesse nos processos de raciocínio centrou-se em como estes ocorrem no entendimento dos enunciados emitidos em diálogos psicoterapêuticos. Para tanto, vale a pena utilizar uma exemplificação de como, a partir de certos dados/enunciados, podemos raciocinar diferentemente. Na Tabela 1, tem-se tal exemplificação.

Percebe-se, pois, que tanto a indução como a abdução envolvem a construção e o teste de hipóteses. Já na dedução, o resultado é uma conseqüência lógica da regra geral e do caso específico.

Com vistas aos casos de inferências em processos comunicacionais, é verificado que todos os tipos de raciocínio estão numa espécie de ação sinergística com vistas à compreensão. Entretanto, com fundamental importância, os processos de raciocínio estão ocorrendo em níveis distintos, dentro da interação de processos cognitivos que se desenrolam na compreensão da linguagem.

Lembra-se que, para as principais teorias lingüísticas pragmáticas, são prioritariamente dedutivos os processos inferenciais utilizados pelos sujeitos para gerar a interpretação dos enunciados, mesmo que de forma não-demonstrativa e não-trivial. São processos inferenciais não-demonstrativos, por não poderem ser demonstrados através de passos lógicos e, não-triviais, pois não produzem inferências mecânicas (como nas regras Aristotélicas), sem acréscimo de informações novas.

O que se quer demonstrar aqui é, então, que no processo de compreensão da linguagem utilizam-se todos os tipos de raciocínio, de modos diferenciados. E isto, provavelmente seja mais marcante quando se trata de comunicação psicoterápica, em que o terapeuta, por um lado, está com objetivos psicoterapêuticos específicos em sua mente em conjunto com diversos conhecimentos declarativos e procedurais advindos da(s) teoria(s) que utiliza em sua prática. O paciente, por sua vez, está como que “comandado” por crenças e regras, advindas tanto de suas vivências únicas e subjetivas, quanto das próprias alterações nos processos de tratamento da informação típicas do transtorno mental de que estiver sofrendo (Beck & Alford, 1996/2000; Beck et al, 1979/ 1997; Beck & Freeman, 1990/1993; Salkovskis, 1996). Então, como que, com conhecimentos tão diversos, crenças e objetivos distintos, terapeuta e paciente conseguem se entender e, cada um deles, acessar o seu mundo de crenças e regras e o do outro constituinte da dupla terapêutica? É justamente esta a questão central desta proposta.

 

 

As Abordagens Pragmáticas do Processo Comunicacional

Através da Lingüística, busca-se explicar como se dá o processo comunicacional nas mais diferenciadas formas em que este pode ocorrer (Cole, 1978; Fávero & Villaça, 1983). Para tanto, ela lança mão de abordagens que apresentam amplas diferenças quanto aos pressupostos filosóficos, epistemológicos, metodológicos e teóricos que possuem.

O estudo da significação da linguagem natural insere-se dentro dos estudos da pragmática. O início da pragmática se deu no âmbito das investigações da filosofia da linguagem e da lógica, focalizando-se nos processos que não apresentavam um tratamento satisfatório pela semântica das condições-de-verdade (Freitas, 2000). Conforme a mesma autora: “A pragmática enquanto área da lingüística surge no momento em que a semântica adquire um caráter mais formal, e a sua interface, com o uso, torna-se mais clara” (p. 15).

Historicamente, pode-se dividir a Pragmática em dois grandes períodos: o Clássico e o Moderno (Costa, 1984). O Clássico tem como seu marco de fundação, a criação da Semiótica por Peirce em 1897 (Peirce, 1977), sendo esta uma teoria geral dos signos. Desta feita, a lingüística neste período estava condicionada aos estudos e à própria estrutura da semiótica. Embora alguns autores já postulassem a necessidade de se pensar a pragmática para além dos entendimentos propostos pela semântica e/ou lógica, neste período, tal avanço não foi alcançado.

Tem-se em Frege, no ano de 1892 (Frege, 1900/1978), a primeira preocupação mais sistematizada sobre a relação entre pressuposição e o papel do contexto na geração do significado, demonstrando como tal relação constituía-se num problema importante para a semântica tentar dar conta. Posteriormente, Wittgenstein (1958/1975), focaliza-se no efeito do contexto para a interpretação dos significados ocultos nos atos da fala. Conforme Freitas (2000, p.17), “O conceito de 'jogos de linguagem' é uma das origens epistemológicas das teorias contemporâneas sobre o sentido das palavras”.

Para Costa (1984), é com Austin (1962), que se inicia o período moderno ou de autonomia. As idéias de Austin foram influenciadas pelas de Wittgenstein, principalmente no que diz respeito à ênfase ao uso da linguagem e aos jogos de linguagem. Esta quebra com o período clássico está diretamente relacionada com o rompimento com uma visão positivista de que os enunciados são verdadeiros ou falsos e de que existe um a priori lógico de significação no explícito dos enunciados.

O objeto atual de estudo da pragmática é o estudo das relações entre os sinais e aqueles que os utilizam, principalmente quando as proposições não podem ser avaliadas ao nível de verdadeiro ou falso, necessitando, por conseguinte, de uma lógica diferente da clássica Aristotélica. Em relação às abordagens pragmáticas temos, de um lado, a Abordagem Logicista, a qual possui uma perspectiva em descobrir os processos e formalismos lógicos que coordenam a geração do significado do dito, tendo, por-tanto, uma interface maior com as áreas formais, como a lógica e a matemática (Siqueira, 1999). Nesta abordagem, encontram-se teorias significativas e revolucionárias, como, por exemplo, as teorias de Grice (1975), de John Searle (1969) e de Davidson (1984). Neste artigo, focaliza-se a Teoria das Implicaturas de Grice (1975 e 1991), por representar um dos marcos do estudo da Pragmática ao romper com a hegemonia da noção de interpretação por decodificação, postulada pela Teoria dos Códigos.

De outro lado, há a Abordagem Cognitivista, a qual remete o estudo da Lingüística às Ciências Naturais. Postula que o entendimento da geração da interpretação deve ser realizado levando-se em consideração os processos cognitivos superiores que, em última instância, gerenciam o comportamento humano. Neste sentido, esta abordagem tem forte interface com outras ciências, em especial, com as denominadas Ciências Cognitivas, como a Psicologia Cognitiva e a Neurociência.

Entre as teorias que se podem citar como integrantes desta abordagem, salienta-se a de Lakoff e Johnson (1980), Costa (1984) e, em especial, a Teoria da Relevância de Sperber & Wilson (1986, 1995), discutida mais adiante neste artigo.

 

A Teoria das Implicaturas de Grice (o Modelo Clássico)

Até o surgimento da Teoria das Implicaturas, o campo da Lingüística era como que dominado pela Teoria dos Códigos. Esta última pressupunha que o entendimento que ocorre nos processos comunicacionais só é possível a partir do compartilhamento dos códigos (ver-bais, escritos etc) por parte de emissor e receptor. Para o Modelo de Código, o processo da comunicação se dá basicamente através da Metáfora do Canal. Nesta postulação, a questão central a se considerar é o conteúdo da mensagem. Conforme Silveira e Feltes (1999), a teoria se processa da seguinte maneira:

(I) A mente é um recipiente (de idéias).
(II) As idéias são objetos.
(III) As expressões lingüísticas são recipientes.
(IV) Comunicar é enviar idéias através de um recipiente.

Segundo Silveira e Feltes (1999, p. 19) "O processo de interpretação restringia-se, pois, a uma situação de decodificação do que era comunicado. O emissor envia um conteúdo dentro de um pacote, e o receptor desempacota o embrulho para compreender o conteúdo".

Os pontos que ficavam sem uma explicação mais sólida pela Teoria dos Códigos eram:

a) o papel fundamental do contexto na comunicação e,
b) como se pode interpretar, gerar significados muito mais amplos, do que o dito em si permite.

A grande questão não respondida pela Teoria dos Códigos é justamente sobre o conteúdo comunicacional que está implícito no que é dito. Grice (1975) estabelece a base teórica para o estudo dos implícitos, através da análise das condições que norteiam a conversação e da análise das intenções comunicativas. Grice diferencia o que é dito do que é implicado, chamando de “implicaturas” o conteúdo que é transmitido implicitamente pelos falantes, de forma não-demonstrativa, a partir do que é explicitamente dito (Siqueira, 1999).

A noção de implicatura conversacional e de implicatura convencional é uma das idéias mais importantes na área da pragmática, colocando-se como um exemplo paradigmático da natureza e do poder das explanações pragmáticas dos fenômenos lingüísticos. Tal teoria é fundamental para o entendimento de como falantes e ouvintes se comunicam em situações em que aquilo que o falante quer comunicar difere do significado literal da sentença (Siqueira, 1999). De fato, as perguntas a respeito de como nossas falas podem transmitir mais do que aquilo que dizemos explicitamente e como nosso ouvinte entende o que estamos dizendo, mesmo quando seu significado não está estritamente no que foi dito, foi eficazmente respondido pela noção de implicatura. Assim sendo, as implicaturas têm a propriedade de comunicar mais do que aquilo que vem explicitamente dito no enunciado, podendo, inclusive, contradizê-lo.

A Teoria das Implicaturas supõe que, se as pessoas acabam por se entender, então elas devem seguir pressupostos naturais de comunicação, as quais o autor chamou de Princípio de Cooperação, o qual pode ser descrito através das Máximas da Conversação, ou seja, princípios gerais que regem a comunicação. As máximas, por sua vez, são descritas através das categorias de quantidade, de qualidade, de relação e de modo. Este conjunto de Máximas constitui o Modelo da Teoria. Ressalta-se que, mesmo quando violadas as máximas conversacionais, isto representa uma forma comunicativa, a qual deve ser interpretada em relação ao contexto e gerando informações cruciais ao entendimento da mensagem.

O Princípio da Cooperação é o construto teorético sobre a natureza da natureza da comunicação humana previsto, a priori, quando os indivíduos desejam dialogar. Ele antecede o próprio ato conversacional, sendo a supermáxima do Modelo.

O Modelo Griceniano compõem-se de quatro categorias fundamentais articuladas em máximas e submáximas. São elas, conforme (Costa, 1984; Gedrat, 1993; Siqueira, 1999; Silveira & Feltes, 1999):

1. Máxima da Quantidade: situada ao nível da quantidade de informação que se supõe ser necessária numa mensagem. Possui duas submáximas:

1.1. Faça sua mensagem tão informativa quanto necessária.
1.2. Não dê mais ou menos informações do que o necessário nos seus enunciados.

2. Máxima da Qualidade: “Procure afirmar coisas verdadeiras”. Possui duas submáximas:

2.1. Não diga o que considerar falso.
2.2. Não diga algo para o qual não possa fornecer evidências adequadas.

3. Máxima da Relação:

3.1. Seja relevante.

4. Máxima de Modo: vinculada à supermáxima “Seja claro”, possuindo diversas submáximas:

4.1. Evite expressões obscuras.
4.2. Evite ambigüidades.
4.3. Seja breve (evite prolixidade).
4.4. Seja ordenado.

A partir das quatro categorias de regras comunicacionais postuladas, Grice supõe poder explicar consistentemente o fenômeno das implicaturas conversacionais. Grice gera uma classificação dos tipos de implicaturas, vista na Figura 1.

O Modelo de Grice apresenta como uma outra relevante contribuição o fato de possuir um caráter descritivo bastante elevado, tendo todo um formalismo lógico para o cálculo das implicaturas. Este formalismo é um cálculo parcialmente dedutivo numa lógica não-trivial, ou seja, que não segue padrões formais de raciocínio (Freitas, 2000).

O procedimento geral do cálculo proposto na Teoria das Implicaturas foi assim formulado por Grice (1978, 1981):

(1) O falante disse p.
(2) Não há motivos para se pensar que o falante não esteja observando as máximas ou, pelo menos, o princípio de cooperação.
(3) Para que o falante diga p e esteja, na verdade, observando as máximas ou o princípio da cooperação, o falante deve pensar que q.
(4) O falante deve saber que é conhecimento comum que q deve ser suposto se o falante está sendo cooperativo.
(5) O falante não fez nada para evitar que eu, o ouvinte, pense q.
(6) Sendo assim, o falante pretende que eu pense q e, ao dizer que p, implicou q.

Os principais avanços obtidos por este modelo podem ser sinteticamente resumidos conforme Costa (1984), nos seguintes pontos:

(I) capacidade de explanação pragmática dos fenômenos lingüísticos;
(II) capacidade de explicar como um enunciado tem significação maior do que aquilo que explicitamente diz;
(III) capacidade de simplificar a estrutura e o conteúdo das descrições semânticas;
(IV) capacidade de explicar a pragmática que surge do uso dos conetivos e, segundo o primeiro autor deste artigo;
(V) gerar um formalismo lógico que possibilite um maior grau de descrição dos fenômenos lingüísticos.

Ao se constituir numa teoria revolucionária, ela foi alvo de intensiva análise por parte de diversos outros autores, o que levou aos avanços nos estudos neste campo, gerando ampliações do modelo griceano. As principais críticas advindas destes estudos podem ser lidas no capítulo três do livro "Pragmatics", de Levinson (1983).

 

 

O Modelo Ostensivo-Inferencial da Teoria da Relevância

Sperber & Wilson (1986, 1995) buscam no tratamento inferencial que Grice dá à comunicação a inspiração para o desenvolvimento de sua teoria. Os autores, em sua Teoria da Relevância, absorvem o modelo griceano, abolindo as máximas em favor do Princípio da Relevância: um princípio inato, mais geral, que rege a cognição humana (Nicolle & Clark, 1999; Silveira & Feltes, 1999; Siqueira, 1999). É um princípio advindo da própria natureza da comunicação humana.

Estes autores, assim como Grice e Costa, não consideram que é possível reduzir a complexidade do fenômeno comunicacional ao Modelo de Código. A lacuna que Sperber & Wilson (1986, 1995) não visualizam respondida pela Teoria dos Códigos é que o conhecimento mútuo do código lingüístico não pode ser uma garantia para a geração de significado. Isto porque tal idéia leva a um círculo vicioso, onde, como explicita Siqueira (1999), “o conhecimento mútuo não é só o conhecimento de cada uma das partes: ele exige que um interlocutor conheça o conhecimento do outro, e o último conheça o conhecimento do primeiro, e assim por diante, indefinidamente” (p. 50).

Outra lacuna identificada pela Teoria da Relevância em relação ao Modelo de Código é que este não explica como o conhecimento na relação comunicacional avança, já que, para esta teoria, para haver entendimento, o interlocutor tem que saber, a priori, o que o outro sabe. Como saída ao problema do conhecimento mútuo, tais autores pressupõem a noção de manifestabilidade mútua (Gordon & Hendrick, 1998), ou seja, há uma intersecção entre os ambientes cognitivos das pessoas, gerando a construção de um contexto psicológico compartilhado na interatividade de comunicação. Este contexto psicológico consiste no conjunto de informações que vão sendo consideradas relevantes para o entendimento do que está querendo ser comunicado e que vão aumentando progressivamente ao longo da conversação. Nesta teoria, pressupõe-se que o ouvinte sabe que uma declaração deve ser interpretada como um dos pensamentos do falante. Isto é, a informação comunicada vem com uma garantia de verdade e presume-se que o que vai ser dito seja relevante, pois, caso contrário, não seria dito. O fato de que qualquer enunciado, destinado a algum ouvinte, leva à presunção de sua própria relevância, é justamente o que Sperber & Wilson (1986,1995) chamam de Princípio da Relevância. Então, o que o ouvinte deve fazer, a partir de um enunciado, é inferir, através de um raciocínio dedutivo não-trivial, em ordem de acessibilidade, aquelas implicações que devem ser mais relevantes naquele contexto, a partir do que foi comunicado (Ramos, 1998).

Percebe-se, pois, que esta teoria hipotetiza e explica como princípio norteador do psiquismo humano o princípio de economia. Pelo princípio da relevância, o indivíduo diz o que é necessário para o interlocutor interpretar satisfatoriamente o que se está desejando comunicar. Para tanto, emissor e destinatário vão construindo o significado dos enunciados simultaneamente à construção do contexto psicológico em que esta conversação se dá.

A teorização de Sperber & Wilson é, segundo Silveira e Feltes (1999) e Gordon e Hendrick (1998), pragmático-cognitiva e baseia-se na premissa de que as pessoas só mantêm sua atenção no que lhes parece relevante. Fato este, fortemente amparado por diversas teorias perceptuais, advindas da Psicologia Experimental Cognitiva. Ou seja, a cognição humana é orientada para a relevância. Relevância entendida como o máximo ganho com o menor custo.

Segundo Sperber & Wilson (1995): “Todo ato de comunicação ostensiva comunica uma pressuposição de sua própria relevância ótima” (p.158). Comunicação ostensiva significa o comportamento de o falante tornar explícito, aos interlocutores, sua intenção informativa. No caso de uma comunicação verbal, o enunciado é a evidência direta dessa intenção.

O Princípio da Relevância está amparado nas questões da economia e da similaridade. A geração da interpretação é vista numa relação custo-benefício onde:

a) quanto maior o efeito cognitivo obtido pelo processamento da informação, maior a relevância para o indivíduo que a processa;
b) quanto maior o esforço envolvido no processamento da informação, menor sua relevância para o indivíduo que a processa (Sperber & Wilson, 1995).

Na abordagem de Sperber & Wilson, a base lógica está a serviço da cognição. Em outras palavras, o que eles fazem é descrever os processos inferenciais, utilizando a parte formal como um instrumento para modelar o raciocínio, motivo pelo qual se inserem em uma abordagem cognitiva.

A geração de inferências se dá por dedução, mas não de forma demonstrativa e trivial, como ocorre na lógica (Givon, 1982; Singer & Halldorson, 1996).

Diferentemente dos logicistas, Sperber & Wilson, em relação às inferências dedutivas que ocorrem na comunicação, defendem a existência apenas de regras de eliminação do tipo eliminação do “e” (&) e modus ponens.

Segundo Siqueira (1999) e Silveira e Feltes (1999), o que está em jogo nesta abordagem não é a garantia de verdade ou falsidade da declaração, mas a força das crenças comunicadas. Uma informação será relevante para o indivíduo, se ela combina com as suposições que o sujeito já tem sobre o mundo, resultando, portanto, numa nova suposição. Conforme Silveira e Feltes (1999), uma informação pode dar mais evidência para uma suposição já existente ou mesmo contradizê-la. Eis aí, indiretamente, o processo dinâmico de construção e reconstrução do mundo das crenças dos indivíduos, aspecto este tão crucial para o campo da Psicoterapia Cognitivo-Comportamental.

 

O Modelo Clássico Ampliado

Costa (1984) estudou, em detalhes, as considerações críticas feitas por outros grandes nomes da Lingüística à teoria de Grice. Entre os principais críticos, pode-se citar: Levinson (1983), Gazdar (1979), Karttunen e Peters (1975) e Sperber & Wilson (1981). A partir dos aspectos pontuados como críticos na Teoria das Implicaturas, Costa (1984) desenvolve uma ampliação do modelo clássico de Grice considerando:

(I) as críticas de Gazdar (1979), no sentido de reformular a máxima da quantidade e de reformular o exame das implicações lógicoteóricas dos conceitos de Grice;
(II) o problema pontuado por Karttunen e Peters (1975) no que se refere ao conceito de pressuposição, o qual abrange fenômenos heterogêneos e que, inclusive, podem, em boa medida, serem reduzidos à noção de implicatura.
(III) a proposta, primeira, de Sperber & Wilson (1981) de incluir o princípio da relevância no modelo de inferências não-triviais.
(IV) a segunda proposta de Sperber & Wilson (1981) de construir um modelo lingüístico inferencial de interface entre a Psicologia Cognitiva e a Comunicação. Para Sperber & Wilson, o princípio da Relevância, postulado por Grice, como uma máxima, é visto como um princípio maior que gerencia a cognição humana. Tem, portanto, muito maior valor do que o que foi postulado por Grice. Especificamente, para o modelo Ampliado, a Teoria da Relevância influencia na noção de contexto, mostrando que este é construído juntamente com o processo de interpretação do dito.
(V) a terceira contribuição crucial de Sperber & Wilson (1981) para o Modelo de Costa (1984) são os conceitos de Intenção informativa e Intenção Comunicativa. A primeira diz respeito ao enunciado propriamente dito; já a segunda, ao que o falante quer ou gostaria realmente de fazer o ouvinte entender.

Costa propõe, em 1984 (pode-se dizer concomitantemente ao surgimento de Relevance, em sua primeira edição, em 1986, de Sperber & Wilson), a reformulação do modelo de Grice. Segundo Freitas (2000):

O modelo de Costa (1984) tem como pontos principais a reformulação das máximas de quantidade e de qualidade, a redução da noção de pressuposição à de implicatura e a elevação da máxima de relevância à condição de supermáxima, ligada diretamente ao princípio de cooperação. A categoria de relação é mantida com a máxima “seja adequado” substituindo “seja relevante”, que passa a supermáxima geral como “seja o mais relevante possível” (p. 38).

Assim sendo, para Costa (1984), “a relevância é a propriedade pragmática por excelência” (p. 129).

Uma das valorosas contribuições deste modelo é a robustez teórica associada a uma metodologia descritiva significativa, o que favorece a geração de uma tensão ideal entre explicação e descrição, aspecto tão valorizado pela epistemologia contemporânea, nos moldes propostos por Popper (1959/1975).

O cálculo das implicaturas proposto no Modelo Ampliado de Costa (1984) apresenta a seguinte estrutura descritiva simbólica em sua processualística, a qual se considera uma forma metodológica adequada para a interpretação objetiva em TCC:

(A) = componente da dupla dialógica
(B) = componente da dupla dialógica
(C) = o contexto, que se configura no conjunto de proposições (crenças) potenciais conhecidas por (A) e por (B) ou que, pelo menos, podem ser aceitas de maneira não-controvertida.
(E) = Enunciado
(Q) = Implicaturas (inferências pragmáticas)

Num exemplo: (EA) (enunciado de A) João está com uma depressão severa?
(EB) Ele foi internado numa clínica, mas não teve ideação suicida.
(C) C1. Ambos estão falando de João, que é conhecido de ambos.
C2. Depressão é um transtorno mental.
C3. Depressão pode ter níveis de gravidade.
C4. Pessoas com transtornos mentais graves podem vir a ser internadas em clínicas.
(Q1) O estado de João é sério, pois que teve que ser internado numa clínica. (implicatura conversacional particularizada por quebra da máxima de adequação)
(Q2) Em casos de Depressão severa geralmente há ideação suicida. (implicatura convencional, pelo uso do conetivo “mas”)

O cálculo lógico-pragmático proposto pelo modelo de Costa (1984) que permite chegar a estas implicaturas é: 1. (A) perguntou a (B) pelo enunciado (EA)
2. (B) respondeu a (A) pelo enunciado (EB)
3. (B) não respondeu adequada e objetiva-mente à pergunta de (A)
4. (B) ainda assim deve estar cooperando
5. (B) provavelmente infere que (A) saiba (C1, C2, C3 e C4)
6. (B) só estará sendo relevante dizendo (EB) se pretender que (A) pense (Q1 e Q2)
7. (B) disse (EB) e implicou (Q1 e Q2)

 

Conclusões

O avanço do conhecimento científico ocorre de maneira violenta e, por que não dizer, desordenada (Bachelard, 1934/1996). Com a verticalidade atingida pelas Ciências Básicas em seus estudos, fica difícil, se não impossível, para os pesquisadores destas áreas buscarem integrações com os saberes advindos de outros campos. Já ao pesquisador em áreas aplicadas, é uma meta louvável a tarefa de integrar o maior número de conhecimentos das mais variadas áreas do saber e que contribuem para uma atividade clínica mais profícua.

Este artigo buscou apresentar diretrizes teórico-metodológicas para o desenvolvimento de Ciência de Interface entre as diretivas e conhecimentos das Psicoterapias CognitivoComportamentais; da Lingüística Cognitiva e da Psicologia Experimental Cognitiva.

Os procedimentos de interpretação do material implícito no ato comunicacional, seja pela identificação de manobras pragmáticas comunicacionais (como as violações das máximas comunicacionais), seja pela compreensão dos processos inferenciais que se edificam na cognição humana nos atos da fala e da compreensão lingüística, denotam-se relevantes para uma prática psicoterápica mais objetiva, sistemática e eficaz.

O requisito necessário para o compartilhamento das informações entre campos distintos de saber é postulado como sendo a linguagem lógica. A lógica, ao ser descomprometida com o conteúdo das proposições, possibilita sua utilização por todos os campos científicos. Além disso, intrateoricamente, força os estudiosos a verificarem constantemente a estrutura de axiomas de suas teorias, pois, com a lógica, as inconsistências dedutivas explicitam-se. Como conseqüência, as teorias vão se tornando cada vez mais sofisticadas e com maior capacidade descritiva e explicativa.

Acredita-se que o caminho da interdisciplinaridade seja o de integração entre proposições teóricas do maior número de campos do saber e não, simplesmente, a utilização estanque de conhecimentos restritos à memória de cada especialista. Neste sentido é que se pensa a contribuição desta proposta de análise dos discursos psicoterápicos.

 

 

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Recebido em: 24/11/04
Primeira decisão editorial em: 27/04/05
Versão final em: 22/05/05
Aceito em: 26/05/05

 

 

1 Artigo procedente de Tese de Doutoramento do primeiro autor, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS.
2 Agradecimentos ao Psicólogo Giovanni Kuccartz Pergher, mestrando em Psicologia Social e da Personalidade pela PUCRS - Bolsista CNPq, cujo auxílio foi imprescindível para conclusão da tese de doutorado do primeiro autor dentro do prazo. Agradecimentos aos alunos de graduação em Psicologia pela PUCRS: César de Assis Brasil Melchiades, Márcio Englert Barbosa e Vinícius Guimarães Dornelles, que auxiliaram na organização e normatização do presente artigo.
3 Mestre e Doutor em Psicologia pela PUCRS, professor da Faculdade de Psicologia da PUCRS, Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Terapias Cognitivas, professor do Curso de Pós-Graduação em Psicoterapias Cognitivas da UNISINOS. E-mail: r.wainer@redemeta.com.br
4 Professor Doutor do Pós-Graduação em Lingüística na Faculdade de Letras da PUCRS.
5 Doutor em Psicologia pela UAM (Espanha), professor do Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Psicologia da PUCRS.
6 Médico Psiquiatra, Professor do Curso de Psicologia da FACCAT/Taquara - RS, Professor do Curso de Pós-Graduação em Psicoterapia Cognitiva da UNISINOS Faculdade de Psicologia.
7 Conforme Chibeni (1999), pode-se conceituar o raciocínio abdutivo como a enunciação de uma hipótese ou de um conjunto de hipóteses para explicar as evidências. A conclusão é retirada da valoração da melhor hipótese.
8 O estudo dos tipos de raciocínio também é realizado nas Ciências Cognitivas como parte dos estudos em Filosofia da Ciência e Epistemologia, na busca da validação do conhecimento (Allan, 1999; Chibeni, 1999).