SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número1Uma ética behaviorista radical para a terapia comportamentalUm panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Exibicionismo e procedimentos baseados na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT): um relato de caso

 

Exhibitionism and Acceptance and Commitment Therapy (ACT) procedures: a case report

 

 

Lígia Fukahori1 ; Jocelaine Martins da Silveira2 ; Carlos Eduardo Costa3

Universidade Estadual de Londrina - PR

 

 


RESUMO

O presente artigo relata um tratamento de “comportamentos exibicionistas” por meio da aplicação de procedimentos baseados na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Atendeu-se um universitário com 24 anos de idade, que vinha apresentando o problema havia oito anos. O cliente procurou atendimento psicológico por decisão própria. A resposta de exibição pública ocorria aproximadamente uma vez ao dia, seguida freqüentemente de masturbação e sentimentos desagradáveis, conforme auto-registro realizado nos primeiros 20 dias de tratamento. Dezesseis sessões foram realizadas, ao longo das quais as respostas de masturbação, pensamentos parafilíacos e de exibição pública tiveram sua freqüência diminuída, de acordo com o auto-registro. Discute-se a contribuição dos procedimentos da ACT em casos de exibicionismo, assim como do envolvimento do cliente em um relacionamento afetivo significativo, na promoção das mudanças clínicas observadas.

Palavras-chave: Análise comportamental clínica, Terapia de Aceitação e Compromisso, Exibicionismo, Parafilia.


ABSTRACT

The objective of this paper is to describe some acceptance based procedures to the treatment of exhibitionism. The client was a 24 years old student, who looked for psychotherapic treatment spontaneously. He had been showing exhibitionists responses for eight years. His exhibitionist responses used to occur once a day followed by masturbation and uncomfortable feelings of guilt - according to the self-records of the first twenty days in treatment. Sixteen sessions were conducted and at the end of them, the masturbation, the paraphiliac thoughts and the public exhibition had their frequency reduced to no occurrence in two weeks. This paper discusses the acceptance-based procedures to the treatment of exhibitionism, as well as the relevance of a friendship to promote this particular clinical change.

Keywords: Clinical behavior analysis, Acceptance and Commitment Therapy, Exhibitionism, Paraphilia.


 

 

O exibicionismo4 é uma parafilia5 que, do ponto de vista comportamental, consiste em respostas de exposição imprópria dos genitais que provocam prejuízos no âmbito social, profissional e/ou afetivo. A literatura cien-tífica sobre tratamentos do exibicionismo, fundamentados na Análise do Comporta-mento, ainda é escassa. A Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy - ACT), proposta por Hayes e Wilson (1994), promove a aceitação de estados do organismo e de emoções considerados indesejáveis pelo cliente. A ACT visa enfraquecer tentativas de controle imediato daqueles estados e emoções e levar o cliente a exercitar o controle em áreas nas quais elas são efetivas (Blackledge & Hayes, 2001; Hayes & Wilson, 1994).

A ACT tem sido indicada e, algumas vezes, empregada em tratamentos de diversos transtornos psiquiátricos como, por exemplo, nos de transtornos de ansiedade (Lopez, 2000; Luciano-Soriano & Gutierrez-Martinez, 2001; Zaldivar-Basurto & Hernandez-Lopez, 2001; Zettle, 2003), nos transtornos alimentares, como a anorexia (Heffner, Sperry, Eifert & Detweiler, 2002; Wilson & Roberts, 2002); no tratamento da tricotilomania (Twohig & Woods, 2004), no tratamento de abuso de substâncias (Hayes, Wilson, Gifford, Bissett, Piasecki, Batten, Byrd, & Gregg, 2004; Wilson, Hayes, & Byrd, 2000); no tratamento do alcoolismo (Heffner, Eifert, Parker, Hernandez & Sperry, 2003; Luciano-Soriano, Gomez-Martin, Hernandez-Lopez & CabelloLuque, 2001; Velasco-Diaz & Quiroga-Romero, 2001), além de casos que envolvem incontrolabilidade, como o luto (Luciano-Soriano & Cabello-Luque, 2001) e problemas como a dor crônica (Luciano-Soriano, Visdomine-Lozano, Gutierrez-Martinez, Montesinos-Marin, 2001) e o câncer (Montesinos-Marin, Hernandez-Montoya, & Luciano-Soriano, 2001). Todavia, poucos trabalhos relatam o emprego da ACT para casos de exibicionismo.

Paul, Marx & Orsillo (1999) mencionam a necessidade de outras publicações sobre casos de exibicionismo tratados com a ACT, sobretudo, no que se refere a clientes que procuram espontaneamente psicoterapia, uma vez que o artigo desses autores relata o caso de um cliente submetido à terapia por determinação judicial. A ACT foi empregada com um cliente de 20 anos que havia sido encaminhado pela justiça para terapia depois de ser flagrado em um incidente exibindo-se publicamente para várias mulheres, enquanto se masturbava. Na adolescência, ele havia sido expulso da escola por ter enviado para diversas mulheres, fotos suas masturbandose. O cliente fazia uso de maconha. O tratamento empregado focou 1) na aceitação de pensamentos e emoções, ditas “desviantes” pelo autores do artigo (uma vez que o cliente tinha apresentado várias tentativas malsuce-didas de controle da exibição sexual); 2) redução na freqüência dos comportamentos exibicionistas; 3) redução da freqüência do uso da maconha e 4) aumentar os contatos sociais. Os escores de ansiedade e depressão aferidos no início do tratamento, quando novamente medidos, após doze meses, apresentaram redução que continuou a decrescer no follow-up de seis meses. As medidas do uso de maconha e da premência por exibir-se se mantiveram constantes durante aproximadamente os cinco primeiros meses do tratamento, quando então se empregou, simultaneamente a ACT e a Terapia Analítico-Funcional (FAP) (Kohlenberg & Tsai, 1991). A partir da introdução desses tratamentos as respostas diminuíram de freqüência até que, no seguimento, relatou-se uma média de apenas duas premências de exposição por mês, enquanto que o uso de maconha restringiu-se a uma vez por semana.

Paul, Marx e Orsillo (1999) apresentam a ACT como uma alternativa não aversiva para o tratamento do exibicionismo, em oposição às técnicas comportamentais aversivas usualmente empregadas. Lo Piccolo (1994) discute a compatibilidade de tratamentos e técnicas utilizadas no tratamento das parafilias com a ACT e cita o tratamento medicamentoso, amplamente utilizado, destacando o uso de hormônios, agentes neurolépticos e, mais recentemente, agentes serotoninérgicos, como o Prozac. Segundo o autor, o efeito dessas drogas parece facilitar a tolerância de pensamentos “indesejáveis”, permitindo a integração do tratamento medicamentoso à promoção da aceitação.

 

Técnicas Convencionais no Tratamento do Exibicionismo

LoPiccolo (1994) sugere que algumas técnicas geralmente utilizadas nos tratamentos comportamentais - como a saciação masturbatória e a sensibilização encoberta - parecem ser, à primeira vista, incompatíveis com os procedimentos da ACT, já que objetivam a supressão (e não a aceitação) de pensamentos indesejados. A saciação masturbatória con-siste em expor continuamente o cliente ao evento que evoca a resposta exibicionista para o cliente logo após a masturbação relacionada a situações não parafilíacas. O paciente é instruído a masturbar-se em casa imaginando cenas ou situações que não tenham relação com os eventos que evocam as respostas parafilíacas até a ejaculação ou até perder a ereção e entrar no período refratário, durante o qual a masturbação seria desagradável. Durante o período refratário, o paciente imagina ou lê em voz alta situações que envolvam os eventos que evocam as respostas parafilíacas enquanto continua a se masturbar por mais 45 ou 60 minutos - uma atividade desagradável e desconfortável.

Já na sensibilização encoberta, de acordo com LoPiccolo (1994), o cliente elabora uma lista com todas as situações nas quais há risco de engajar-se no comportamento parafilíaco e outra lista com as possíveis conseqüências negativas dos comportamentos parafilíacos como perder o emprego, sofrer rejeição dos amigos e da família, ser humilhado ou prejudicar alguém. O paciente então escolhe uma destas situações de risco, fecha os olhos e visualiza a situação, descrevendo-a em voz alta até o início da excitação sexual. Neste momento, ele inala uma substância nociva como amônia ou ácido valérico - e imediatamente passa a visualizar-se no contexto de uma das conseqüências aversivas. Este procedimento é executado durante as sessões de terapia e praticada em casa diariamente.

As técnicas convencionais são, portanto, de caráter aversivo e buscam promover a supressão da excitação sexual, assim como de idéias, fantasias e pensamentos relacionados à parafilia.

 

Procedimentos da ACT

A ACT se propõe a promover mudanças na tentativa de controle, por parte do cliente, de comportamentos que a comunidade verbal reconhece como causadores do problema clínico. Essa forma de tratamento é composta por seis etapas, que se traduzem em metas terapêuticas. A primeira (meta 1) visa pro-mover um estado de desesperança acerca da resolução daquilo que o cliente julga ser o problema. Em seguida (meta 2), o cliente é levado a considerar que o principal problema é a tentativa de controle imediato sobre aspectos de seu comportamento em que essa tentativa de controle é ineficaz. Em um terceiro momento (meta 3), o terapeuta busca modelar um repertório no qual o cliente não se defina pelo comportamento exibicionista (i.e., o comportamento exibicionista é apenas mais um dos muitos que o cliente é capaz de emitir). Em uma etapa subseqüente (meta 4) o cliente é questionado acerca de seus valores para a vida e a direção que quer seguir, embora não tenha escolha acerca de seus sentimentos. Na quinta etapa (meta 5), o cliente é encorajado a abandonar a luta contra aspectos de seu compor-tamento para os quais o controle direto é ineficaz. Isso tende a aumentar a exposição e promover o enfrentamento diante de eventos antes evitados, originando mudanças em seu repertório. Finalmente, a última etapa (meta 6) estabelece o comprometimento com os objetivos da terapia e a mudança comportamental, uma vez que o cliente já não evita mais pensamentos e sentimentos em conformidade com as práticas da comunidade verbal fora do contexto clínico (Hayes & Wilson, 1994).

A terapia baseada na aceitação foi originalmente indicada por Hayes (1987) para transtornos de ansiedade e de humor, que tipicamente envolvem emoções e pensamentos desagradáveis. Tratando-se das parafilias, a topografia das respostas distingue-se daquelas apresentadas nos transtornos de humor e ansiedade. Diferentemente do que ocorre nestes transtornos, as parafilias envolvem estados prazerosos, como o desejo sexual, a excitação ou o orgasmo e muitas pessoas que apresentam comportamentos parafilíacos não se incomodam com sua excitação atípica, mas apenas com as conseqüências sociais da parafilia. No entanto, há indivíduos que se sentem desconfortáveis com suas respostas parafilíacas e relatam sentimentos de culpa, fracasso e insatisfação com o seu comportamento para-filíaco (LoPiccolo, 1994).

Um contexto verbal que condena comportamentos parafilíacos e encoraja as tentativas de suprimir os eventos privados correspondentes (pensamentos, desejos e fantasias) tende a manter comportamentos de fuga/esquiva do cliente daqueles eventos. Mas, em razão dos pensamentos e fantasias serem sensíveis ao controle verbal, o mesmo contexto que influencia a inútil busca por controlá-los, tende a mantê-los.

A aplicação de procedimentos terapêuticos baseados na aceitação da incontrolabilidade do pensamento parafilíaco e da excitação sexual tende a enfraquecer o contexto verbal que influencia o responder constantemente aos eventos relacionados a parafilia. É importante considerar que aceitar os eventos privados impróprios não implica em conformar-se com respostas públicas passíveis de controle efe-tivo e que potencialmente causam danos a outras pessoas.

O objetivo deste artigo é relatar uma experiência de atendimento do caso de um cliente que apresentava comportamentos “exibicionistas” empregando os procedimentos da ACT, sugeridos por Hayes e Wilson (1994), buscando fundamentar a análise do caso em uma abordagem analítico-comportamental. Embora não descreva uma investigação em-pírica, esse relato se justifica pela aparente escassez de literatura científica sobre o assunto.

 

Caracterização do cliente e da queixa

Carlos6, um estudante universitário de 24 anos do sexo masculino. Procurou a clínica por vontade própria, queixando-se de “sofrer uma vontade incontrolável de exibir o pênis ereto para mulheres desconhecidas, sentindose, logo em seguida, culpado e fracassado por envolver-se com algo imoral e inútil” (sic).

O histórico da queixa remete à sua adolescência quando, aos 14 anos, teve uma ereção à beira de uma piscina. Naquele momento, garotas fizeram comentários elogiando seu corpo, e seus amigos elogiaram o “sucesso” entre as meninas. Carlos conta que sentiu um bem-estar bastante intenso no momento e que, a partir desse episódio, começou a sentir vontade de exibir sua ereção para meninas. Procurava ser discreto, cuidando para que conhecidos não presenciassem os episódios de exibição. Desde aquele primeiro evento, em que incidentalmente houve a ereção peniana seguida por conseqüências sociais possivelmente reforçadoras (elogios dos colegas), oito anos se passaram até que o cliente procurasse a terapia.

De um modo geral, o cliente apresentou-se socialmente hábil, tanto na interação com a terapeuta quanto em seus relatos. O relacionamento familiar durante a infância e adolescência pareceu afetuoso e apropriado. Seus pais o sustentavam financeiramente e apoiavam-no emocionalmente, conforme relatava. Mostrava-se responsável e comprometido com sua vida acadêmica, apresentando boas notas. Costumava dar aulas de reforço, planejar e se engajar com entusiasmo em comportamentos que envolviam sua carreira profissional.

Quanto ao aspecto afetivo/sexual, no início da terapia, o cliente geralmente se envolvia em relacionamentos esporádicos e breves, com pouca intimidade e contatos sexuais ocasionais. Pouco mais de um mês depois, o cliente iniciou uma relação afetiva com maior comprometimento e intimidade.

Além dos comportamentos-queixa, Carlos costumava se engajar em rituais como: contar passos enquanto andava; abrir todas as gavetas, em seqüência, quando apenas a abertura de uma delas era necessária; caso tivesse encostado o braço acidentalmente em alguém, “compensava” esbarrando com o outro braço também; compensando do mesmo modo cada vez que queimava um dedo. Tais rituais não se constituíam em queixa clínica e pareciam não afetar significativamente sua vida.

 

Características da clínica e do terapeuta

As sessões ocorreram em uma clínica-escola que oferecia atendimento gratuito para a comunidade. O cliente era atendido em uma sala mobiliada com uma mesa, duas cadeiras, um divã, um espelho e um lavatório.

A terapeuta era uma estudante de graduação do 5o ano de Psicologia, de 23 anos e cujos atendimentos eram parte do cumprimento do estágio obrigatório em Psicologia Clínica na Universidade Estadual de Londrina e foram supervisionados semanalmente por uma professora de Psicologia Clínica em Análise do Comportamento.

 

Análise funcional dos comportamentos relacionados ao exibicionismo

Um exame do auto-registro entregue pelo cliente indicou as principais condições antecedentes aos episódios de exibicionismo: ausência de homens, pessoas conhecidas ou policiais no local e a presença de uma ou mais mulheres desconhecidas (atraentes ou não). A resposta de exibição consistia em exibir ou insinuar a exibição do órgão genital masculino ereto na presença de mulheres desconhecidas, seguida ou não de masturbação (em local privado).

Tal resposta ocorria com maior freqüência à noite, sendo que neste período a exibição consistia na exposição do pênis ereto (geralmente, o cliente simulava estar urinando de modo que somente as garotas pudessem vê-lo). Durante o dia, o pênis era freqüentemente exibido através de aberturas aparentemente acidentais nas roupas, o que dissimulava a exibição.

O relato do cliente sugeriu que as diferentes reações das vítimas aumentavam ou diminuíam a probabilidade de ele continuar a exibir-se e também influenciavam a excitação. O cliente tendia a continuar emitindo as respostas de exibição e sua excitação aumentava, conforme relatou, quando as vítimas demonstravam interesse pelo tamanho do seu pênis ou pelo vigor da ereção. Por outro lado, a excitação sexual e a resposta de exibição, de acordo com o cliente, eram interrompidas quando a reação da vítima expressava medo ou aversão.

Freqüentemente, o cliente sentia um forte arrependimento e sentimento de culpa depois de ter se exibido. Ele relatava que não tinha qualquer interesse de envolvimento com as vítimas. Durante os primeiros 20 dias de registro, os episódios de exibicionismo ocorriam, em média uma vez ao dia, enquanto que as respostas pré-correntes (premência para exibir-se, resposta de excitação sexual e ansiedade intensa) ocorriam cerca de três vezes.

 

Descrição do tratamento

Realizaram-se 16 sessões ao longo de aproximadamente oito meses de tratamento, cuja seqüência, objetivos e técnicas empregadas estão descritos na Tabela 1. Nelas, adotaramse procedimentos da ACT, embora esta estratégia de intervenção não tenha sido aplicada de modo protocolar. As seis primeiras sessões visaram coletar dados sobre a queixa, histórico da queixa e identificação de comportamentos-problema, o que incluiu o levantamento de eventos antecedentes e conseqüentes às respostas de exibição sexual. O auto-registro diário foi introduzido a fim de facilitar a identificação de variáveis contextuais possivelmente relacionadas ao problema. Uma avaliação psiquiátrica foi solicitada na segunda sessão para verificar a necessidade de intervenção medicamentosa. Entretanto, por ter iniciado um relacionamento afetivo, relatado na sexta sessão, o cliente evitou aderir a um tratamento medicamentoso, por considerar que este interferiria na ereção peniana, o que seria um inconveniente para o namoro. Também na sexta sessão, embora não tivessem sido programadas, iniciaram-se as intervenções de promoção de aceitação emocional relacionadas ao exibicionismo. Isto porque, inesperadamente, o cliente relatou estar sentindo vontade de exibir-se na sessão e a terapeuta interveio com verbalizações tranqüilizadoras e promotoras de aceitação do desejo de exibir-se, assim como da ansiedade, do constrangimento e da culpa que o cliente relatava sentir.

Como o cliente iniciara um namoro que favoreceu a ocorrência de diversas situações concorrentes ou incompatíveis com os antecedentes da resposta de exibição, a terapeuta procurou fortalecer o repertório comportamental do cliente relacionado a este relacionamento afetivo. Os procedimentos da terapeuta consistiram em elogiar relatos de demonstrações de afeto e intimidade com a namorada e ressaltar o sentimento de bemestar presente em uma relação afetiva significativa. A terapeuta discutiu em sessão o significado que o cliente atribuía às expressões “amor”; “gostar de alguém”; “intimidade” e “afeto”.

O cliente optou, sem uma interferência deliberada da terapeuta, por revelar seu problema clínico para a namorada e, segundo ele, a reação dela frente à notícia foi de surpresa, mas, ao mesmo tempo, de vontade de ajudá-lo. Portanto, o cliente não se sentiu rejeitado, segundo ele próprio. Em razão do benefício potencial do namoro para a melhora do cliente, na 14ª sessão a terapeuta conversou com a namorada esclarecendo sobre os com-portamentos dela que contribuíam com a manutenção das melhoras do cliente, como, por exemplo, tê-lo ouvido sem julgamentos e valorizado a iniciativa de tratar-se. A terapeuta ressaltou a sua importância para o tratamento de Carlos e também forneceu informações sobre o Exibicionismo, esclarecendo tratar-se de um problema comportamental e não de caráter que não necessariamente envolvia atração física ou sexual do cliente por suas vítimas.

Quatro meses após a 16ª sessão, foi feito contato por telefone com o cliente, que relatou ter conseguido um emprego. O cliente disse que estava bem e que não havia necessidade de marcar uma sessão. Então, um ano depois da 16ª sessão, um novo contato telefônico foi feito, a fim de verificar a manutenção ou não dos resultados. O cliente relatou que estava morando com a namorada e haviam marcado a data do casamento. Quanto aos problemas que ocasionaram a procura por terapia, o cliente informou que não haviam voltado a ocorrer. Informou ainda que ele e a namorada continuavam trabalhando e tinham boas perspectivas no âmbito profissional.

 

 

Discussão do tratamento

A Figura 1 indica o auto-registro semanal realizado pelo cliente durante o tratamento e mostra a freqüência dos comportamentos exibicionistas encobertos e públicos no decorrer do processo terapêutico. As semanas em que se registraram tais comportamentos foram aleatoriamente distribuídas ao longo dos oito meses de tratamento. Sessenta e quatro dias foram registrados nos seguintes intervalos: 29/05/03 a 11/06/03; 07/07/03 a 11/07/03; 28/07/03 a 01/08/03; 03/10/03 a 06/11/03. O cliente registrou separadamente as respostas de masturbação, os pensamentos parafilíacos e a exibição pública. Observa-se que, aparentemente, as repostas de masturbação e exibição tenderam a reduzir-se a zero, embora os pensamentos ainda permanecessem com certa freqüência, até que tenderam também a uma freqüência muito baixa.

 

 

Os pensamentos continuaram ocorrendo até o término do tratamento, geralmente acompanhados de reações fisiológicas de ansiedade como sudorese, taquicardia e tontura, mas a intensidade deles diminuiu, segundo relato do cliente. A masturbação com pensamentos parafílicos, realizada em ambientes privados, como o banheiro e o quarto, aparentemente, foi extinta.

No caso deste cliente, o engajamento em um relacionamento amoroso com comprometimento tanto dele quanto da namorada, constituiu um evento importante para a mudança comportamental clínica. Este relacionamento afetivo, conforme relatado pelo cliente, pareceu ter ocasionado o estabelecimento de várias condições favoráveis à ocorrência de comportamentos incompatíveis ou concorrentes com os comportamentos-problema, considerando que mudanças significativas ocorreram na rotina do cliente. Conforme descritos, os principais eventos antecedentes às respostas de exibição eram: ausência de homens, pessoas conhecidas ou policiais no local e a presença de uma ou mais mulheres desconhecidas (atraentes ou não). Assim, andar freqüentemente acompanhado pela namorada ou familiares dela constituiu-se em uma condição incompatível com a “ausência de pessoas conhecidas”. Pensar em sua namorada todos os dias antes de dormir, por sua vez, foi um comportamento que concorreu com os relacionados a parafilia. O namoro contribuiu ainda para que o cliente passasse a freqüentar vários lugares em que não havia ocasião para a emissão da resposta de exibição. Assim, Carlos, por exemplo, passou a visitar a casa da namorada todas as noites, além de ir à igreja nos finais de semana, na companhia da avó da namorada.

A reação da namorada frente à revelação do problema relacionado a parafilia foi consistente com os procedimentos terapêuticos adotados no tratamento do caso, uma vez que tenderam a gerar aceitação emocional do desconforto ocasionado pelo problema clínico. Aparentemente, a namorada foi uma ouvinte que respondeu à revelação do problema de exibicionismo de modo a concorrer com um contexto verbal que condena a parafilia.

O presente relato pretendeu destacar o benefício potencial do emprego de procedimentos de aceitação emocional no tratamento de um caso de exibicionismo, assim como do fomento de relacionamentos afetivos promotores de condições antecedentes à resposta exibicionista incompatíveis ou concorrentes com ela. O relacionamento afetivo aqui relatado pareceu ter influenciado na melhora do cliente também por ter fomentado um contexto verbal de aceitação emocional das respostas relacionadas a parafilia, consistentemente com o procedimento terapêutico adotado.

 

 

Referências

Associação Americana de Psiquiatria (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-IV (D. Batista, trad.). Porto Alegre: Artes Médicas. (originalmente publicado em 1994).         [ Links ]

Blackledge, J. T. & Hayes, S. C. (2001). Emotion Regulation in Acceptance and Commitment Therapy. Psychotherapy in Practice, 57 (2), 243-255.         [ Links ]

Hayes, S. C. (1987). A Contextual approach to therapeutic change. In N.S. Jacobson (Ed.), Psychotherapists in clinical practice: cognitive and behavioral perspectives (pp. 327-387). New York, NY: Guilford.         [ Links ]

Hayes, S. C., & Wilson, K. G. (1994). Acceptance and Commitment Therapy: Altering the verbal support for experiential avoidance. Behavior Analyst, 17, (2), 289-303.         [ Links ]

Hayes, S. C.; Wilson, K. G.; Gifford, E.; Bissett, R.; Piasecki, M.; Batten, S.; Byrd, M.; & Gregg, J. (2004). A preliminary trial of twelve-step facilitation and Acceptance and Commitment Therapy with polysubstance-abusing methadone-maintained opiate addicts. Behavior-Therapy, ,35 (4), 667-688.         [ Links ]

Heffner, M.; Eifert, G. H.; Parker, B.; Hernandez, D.; & Sperry, J. (2003). Valued directions: Acceptance and commitment therapy in the treatment of alcohol dependence. Cognitive and Behavioral Practice, 10 (4), 378-383.         [ Links ]

Heffner, M.; Sperry, J.; Eifert, G. H.; Detweiler, M. (2002). Acceptance and commitment therapy in the treatment of an adolescent female with anorexia nervosa: A case example. Cognitive and Behavioral Practice, 9 (3), 232-236.         [ Links ]

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991). Functional analytic psychotherapy: Creating intense and curative therapeutic relationships. New York, NY: Plenum Press.         [ Links ]

Lopez, F. J. C. (2000). Acceptance and Commitment Therapy (ACT) in panic disorder with agoraphobia: A case study. Psychology in Spain, 4 (1), 120-128.         [ Links ]

LoPiccolo, J. (1994). Acceptance and broad spectrum treatment of paraphilias. In S.C. Hayes, N.S. Jacobson, V.M. Follette, & M.J. Dougher (Eds.), Acceptance and Change: Content and context in psychotherapy (pp. 149-170). Reno, NV: Context Press.         [ Links ]

Luciano-Soriano, M. C.; & Cabello-Luque, F. (2001). Bereavement and acceptance and commitment therapy (ACT). Análisis y Modificación de Conducta, 27 (113), 399-424.         [ Links ]

Luciano-Soriano, M. C.; Gomez-Martin, S.; Hernandez-Lopez, M.; Cabello-Luque, F. (2001). Alcoholism, experiential avoidance, and acceptance and commitment therapy (ACT). Análisis y Modificación de Conducta, 27 (113), 333-371.         [ Links ]

Luciano-Soriano, M. C.; & Gutierrez-Martinez, O. (2001). Anxiety and acceptance and commitment therapy. Análisis y Modificación de Conducta, 27 (113), 373-398.         [ Links ]

Luciano-Soriano, M. C.; Visdomine-Lozano, J. C.; Gutierrez-Martinez, O.; Montesinos-Marin, F. (2001). ACT (acceptance and commitment therapy) and chronic pain. Análisis y Modificación de Conducta, 27 (113), 473-501.         [ Links ]

Montesinos-Marin, F.; Hernandez-Montoya, B. & Luciano-Soriano, M. C. (2001). Application of acceptance and commitment therapy in cancer patients. Analisis y Modificacion de Conducta, 27 (113), 503-523.         [ Links ]

Paul, R. H., Marx, B. P., & Orsillo, S. M. (1999). Acceptance-based psychotherapy in the treatment of an adjudicated exhibitionist: A case example. Behavior Therapy, 30, 149-162.         [ Links ]

Silvares, E. F. M., & Gongora, M. A. N. (1998). Psicologia clínica comportamental: a inserção da entrevista com adultos e crianças. São Paulo, SP: Edicon.         [ Links ]

Twohig, M. P; & Woods, D. W. (2004). A preliminary investigation of acceptance and commitment therapy and habit reversal as a treatment for trichotillomania. Behavior Therapy, 35 (4), 803-820.         [ Links ]

Velasco-Diaz, J. A.; & Quiroga-Romero, E. (2001).Study of a clinical case of alcohol abuse treated by acceptance and commitment therapy. Psicothema, 13 (1), 50-56.         [ Links ]

Wilson, K. G.; Hayes, S. C.; & Byrd, M. R. (2000). Exploring compatibilities between Acceptance and Commitment Therapy and 12-step treatment for substance abuse. Journal of Rational Emotive and Cognitive Behavior Therapy, 18 (4), 209-234.         [ Links ]

Wilson, K.G.;& Roberts, M. (2002). Core principles in Acceptance and Commitment Therapy: An application to anorexia. Cognitive and Behavioral Practice, 9 (3), 237-243.         [ Links ]

Zaldivar-Basurto, F.; & Hernandez-Lopez, M. (2001). Acceptance and commitment therapy: Application to an experiential avoidance with agoraphobic form. Analisis y Modificacion de Conducta, 27 (113), 425-454.         [ Links ]

Zettle,R. D. (2003). Acceptance and commitment therapy (ACT) vs. systematic desensitization in treatment of mathematics anxiety. Psychological Record, 53 (2), 197-215.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 03/02/2005
Primeira decisão editorial em: 27/05/2005
Versão final em: 21/06/2005
Aceito em: 24/06/2005

 

 

1 Terapeuta Comportamental graduada pela Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondência: ligiafukahori@sercomtel.com.br
2 Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento e do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondência: jsilveira@uel.br
3 Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento e do Programa de Mestrado em Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina. Endereço para correspondência: caecosta@uel.br
4 De acordo com o DSM-IV, o exibicionismo é um tipo específico de parafilia, e caracteriza-se por: A) Ao longo de um período mínimo de seis meses, o indivíduo tem fantasias, anseios sexuais e comportamentos sexualmente excitantes recorrentes e intensos, envolvendo a exposição dos próprios genitais a um estranho insuspeito; B) As fantasias, anseios ou comportamentos sexuais causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
5 O DSM-IV define as parafilias por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem 1) objetos não-humanos; 2) sofrimento ou humilhação, próprios ou do parceiro, ou 3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento, e ocorrem durante um período mínimo de seis meses (Critério A). O comportamento, os anseios sexuais ou as fantasias causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (Critério B).