SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2Orientação e auto-orientação em atendimentos de terapeutas analítico-comportamentais experientes e pouco-experientesO behaviorismo radical e a psicologia como ciência índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Estabelecendo objetivos na prática clínica: quais caminhos seguir?

 

Establishing objectives in clinical practice: what directions to follow?

 

 

João Vicente de Sousa Marçal1

IBAC - Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
UniCEUB - Centro Universitário de Brasília

 

 


RESUMO

Respostas diferentes ou incompatíveis sobre objetivos terapêuticos são encontradas mesmo entre profissionais da abordagem analítico-comportamental. Alguns fatores contribuem para essas divergências: a multideterminação do comportamento; a múltipla formação da terapia comportamental; o surgimento recente da literatura clínica behaviorista radical; a análise a partir do sujeito único; o fato de que o estabelecimento de objetivos é pouco explorado ou discutido na literatura. Estabelecer objetivos na clínica exige uma boa interpretação dos processos comportamentais envolvidos, orienta o terapeuta no processo de intervenção, favorece a motivação do cliente para mudanças, fornece maior segurança ao terapeuta e cliente, e oferece melhores parâmetros de avaliação da terapia. Este texto se propõe a estimular reflexões sobre o direcionamento clínico dentro do referencial analítico-comportamental e apresenta algumas análises que podem contribuir para minimizar divergências ou incompatibilidades. Casos clínicos tratados na abordagem comportamental são utilizados para exemplificar diferentes direcionamentos a partir dos mesmos dados.

Palavras-chave: Terapia comportamental, Behaviorismo, Análise comportamental clínica, Análise do comportamento.


ABSTRACT

Different or incompatible answers about therapeutic goals are found even among behavior analysts professionals. Some factors may contribute to divergences: multidetermination of behavior, multiple origins of behavior therapy, the recent rise of clinical behavior analytical literature, the analysis of individual subject, the discussion of establishment of therapeutic objectives is little explored in literature. Establishing objectives requires good interpretation of the behavior process, gives the therapist directions for, helps client motivation for change, gives more security to therapist and client and offers better parameters for therapeutic assessment. This work intends to develop reflections about clinical directions in a behavior-analytic approach and presents some analyses that can contribute to reduce divergences or incompatibilities. Clinical cases treated in the behavioral approach are presented to exemplify different directions for the same data.

Keywords: Behavior therapy, Behaviorism, Behavior clinical analysis, Behavior analysis.


 

 

Pessoas buscam terapia motivadas por sofrimentos, insatisfações, sentimentos de inadequação, somatizações ou para entenderem mais sobre si mesmas. Essas condições são apresentadas clinicamente através de queixas ou pistas indiretamente fornecidas pelo cliente (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). Baseados nessas queixas os profissionais buscam obter mais informações e, a partir de um referencial teórico, fazem interpretações e estabelecem formas de intervenção que julguem ser apropriadas. Este processo, no entanto, dificilmen-te deixa de ocorrer sem o surgimento de algumas indagações relevantes, comuns no trabalho clínico. Por exemplo, o que seria melhor para o meu cliente? O que deve ocorrer para que a sua vida melhore? Quais estratégias de intervenção seriam mais eficazes? O que pode servir de parâmetro? Enfim, quais rumos seguir a partir das queixas?

Embora estas questões possam ser prontamente respondidas por terapeutas com boa experiência clínica (e.g. Beckert, 2001), não se poderia assegurar que as mesmas seriam convergentes ou compatíveis, mesmo consi-derando profissionais da mesma abordagem. As divergências podem ocorrer entre terapeutas comportamentais e, mais especificamente falando, entre aqueles que trabalham dentro da Análise do Comportamento. Objetivos diferentes muitas vezes implicam em resultados diferentes e, por vezes, incompatíveis. Este artigo apresenta alguns aspectos que contribuem para haver divergências quanto ao estabelecimento de objetivos na prática clínica comportamental, especificamente dentro de um referencial analítico-comportamental, e propõe alguns critérios de análise que poderiam minimizá-las. Não se pretende com isso eliminar a tão necessária variabilidade no raciocínio clínico e nem indicar que diferenças não possam ser bem-vindas. A idéia principal é suscitar questionamentos sobre o direciona-mento terapêutico.

 

Análise comportamental clínica

A Análise Comportamental Clínica2, também freqüentemente nomeada como Terapia Analítico-Comportamental3, é um termo usado para se referir às propostas de intervenção clínica que são baseadas nos princípios provenientes da Análise Experimental do Comportamento e do Behaviorismo Radical de B. F. Skinner. Suas estratégias de intervenção estão voltadas para o setting terapêutico, em que há ênfase na análise operante do comportamento verbal, na relação terapeuta-cliente e na análise dos eventos privados sem, no entanto, perder o cunho externalista de causalidade. Entre alguns modelos clínicos baseados na Análise do Comportamento, destacam-se a Psicoterapia Analítica Funcional - FAP4 (Kohlenberg & Tsai, 1991/2001), a Terapia por Contingências de Reforçamento (Guilhardi, 2004), a Terapia de Casal Integrativa IBCT5 (Berns, Jacobson e Christensen, 2000), a Terapia da Aceitação e do Compromisso - ACT6 (Hayes, Strosahl e Wilson, 1999), a Terapia Comportamental Construcional (Vandenberghe, 2003) e a Terapia Comportamental Dialética (Vandenberghe, 2003).

No behaviorismo radical, o comportamento é determinado e definido como interação orga-nismo-ambiente, tem função biológica adaptativa, é entendido dentro de um contexto e a partir de relações funcionais - as contingências7 - e descreve um modelo selecionista de causalidade, abrangendo a história da espécie, do indivíduo e da cultura (Baum, 1999; Chiesa, 1994; Dougher & Hayes, 2000; Skinner, 1981; Todorov, 1981). Esta filosofia também está dentro de uma perspectiva monista naturalista e é antimentalista por enfatizar o con-trole externo do comportamento (Abib, 2004; O'Donahue & Ferguson, 2001). Desta forma, o analista do comportamento considera sentimentos, somatizações, atitudes, emoções, valores e pensamentos de um indivíduo como variáveis dependentes8, resultantes deste processo interativo denominado de contingências.

A busca por terapia em geral ocorre quando as pessoas estão sob efeitos de contingências aversivas (Skinner, 1953/1993). Para que estas condições mudem, é necessário interferir nestas contingências, caso contrário, o quadro permanecerá o mesmo. Por exemplo, embora o ambiente terapêutico seja predominantemente verbal, um cliente pode falar sobre um sentimento desagradável por um longo tempo (muitas sessões), e isto não produzir o menor efeito, pelo fato de não ter levado a mudanças nas contingências determinantes.

Saber que as contingências são o foco de intervenção implicaria em interpretações e intervenções convergentes por parte de terapeutas analítico-comportamentais? Poderiam estes estabelecer objetivos semelhantes a partir de um mesmo conjunto de dados ou queixas? A ênfase das análises estaria sobre comportamentos específicos ou em amplos padrões comportamentais? Na história de vida (desde a infância) ou nas condições atuais e recentes vividas pelo cliente? Baseada na queixa inicial ou em outros aspectos relacionados às quei-xas?

Embora a literatura clínica analítico-comportamental descreva interpretações como explanações de comportamento postuladas com base em princípios comportamentais estabelecidos, há uma tremenda variabilidade na forma, foco e escopo dessas interpretações (Perkins, Hackbert e Dougher, 2000). Não seria surpresa se, nesta variação, fossem encontrados resultados não apenas diferentes, mas incompatíveis.

 

Definindo objetivos clínicos

O estabelecimento de objetivos clínicos é um elemento indispensável no processo terapêutico. Exige uma boa interpretação dos processos comportamentais envolvidos, orienta o terapeuta no processo de intervenção, favorece a motivação do cliente para mudanças, fornece maior segurança ao terapeuta e ao cliente e oferece melhores parâmetros de avaliação da terapia. A definição dos objetivos pode ser reavaliada e modificada no decorrer das sessões.

Alguns fatores podem contribuir para o surgimento de dificuldades e divergências no estabelecimento de objetivos clínicos a partir de uma visão analítico-comportamental, entre os quais podem ser citados: a multideterminação do comportamento; a múltipla formação da terapia comportamental; o surgimento ainda recente da literatura clínica de base behaviorista radical; a análise a partir do sujeito único, desfavorecendo a criação de pacotes de tratamento; o fato de que o estabelecimento de objetivos é pouco explorado ou discutido na literatura.

 

Multideterminação do comportamento

Skinner (1953/1993), ao fazer a análise de casos complexos, descreve os efeitos múltiplos que uma única variável pode ter no comportamento ao mesmo tempo, assim como as múltiplas causas de um único comportamento. Pode-se analisar o exemplo de uma baixa freqüência no responder, comumente encontrada na depressão. Isto pode resultar de experiências em um único ambiente ou de vários; de situações passadas e/ou atuais; decorrer da ausência ou remoção de reforçamento social, da presença de eventos aversivos incontroláveis ou do reforçamento diferencial para o não agir (Ferster, 1973). Follette, Naugle e Linnerooth (2000) citam o exemplo da ocorrência do choro na sessão. Este pode ser eliciado por lembranças de eventos dolorosos, ser relacionado à tristeza atual (ausência ou perda de reforçadores), significar alívio (remoção de estímulos aversivos presentes ou sinalizados), ter função de esquiva (a postura do terapeuta ou o conteúdo investigado estão sendo aversivos) ou estar sob controle discriminativo de probabilidade de afeto ou simpatia (cliente tem história de reforçamento por demonstrar dor e sofrimento). Inúmeras interpretações podem levar a variadas intervenções.

Múltipla formação da terapia comportamental - Vandenberghe (2001) apresenta diferentes eixos formadores do que é chamado Terapia Comportamental, entre eles destacam-se: a) a Terapia Comportamental Clássica - que tem como objetivos terapêuticos promover mudanças em mecanismos internos do cliente, a partir do condicionamento pavloviano; b) a Análise Comportamental Aplicada ou Modificação do Comportamento - que tem por objetivo manipular contingências específicas relacionadas a mudanças em comportamentos-alvo, não considerando eventos privados; c) a Terapia Cognitiva Comportamental - cujos objetivos estão relacionados a mudanças em crenças distorcidas ou irracionais e d) a Análise Clínica do Comportamento9 - que tem como objetivo promover mudanças nas contingências a partir da relação terapêutica em um setting clínico. Como pode ser observado, estes modelos apresentam objetivos e propostas de mudanças diferentes e muitas vezes incompatíveis10. No entanto, muitos terapeutas comportamentais com formação clínica pautada em manuais das décadas de 70 e 80 (e.g. Rimm & Masters, 1983), receberam forte influência de estratégias clínicas variadas que incluíam, dentro de uma mesma ótica comportamental, técnicas pertencentes a estes diferentes modelos formadores do comportamentalismo. O efeito comparativo comumente encontrado era entre a terapia comportamental e terapias não comportamentais. Discussões de cunho epistemológico dentro da abordagem behaviorista eram pouco exploradas.

O surgimento recente da literatura clínica de base behaviorista radical - A literatura clínica de base behaviorista radical aplicada ao setting terapêutico é recente quando comparada a outros modelos clínicos de psicoterapia e também dentro de uma perspectiva histórica de desenvolvimento da Análise do Comportamento (Vandenberghe, 2001; Micheleto, 2001). Com isto, a difusão e implementação de modelos e técnicas comportamentais variadas influenciaram a postura clínica de muitos profissionais adeptos do comportamentalismo. Ainda é comum a imagem do terapeuta comportamental estar associada a um mero aplicador de técnicas relacionadas a problemas específicos, algo que não combina com a atual Análise Comportamental Clínica.

A análise a partir do sujeito único - A variabilidade também pode ocorrer em função do método indutivo praticado na análise experimental do comportamento, privilegiando os dados obtidos a partir da história de contingências de um único sujeito (Chiesa, 1994). Dougher e Hayes (2000), por exemplo, distinguem o modelo idiográfico11, adotado pela Análise do Comportamento, do modelo nomotético12, comum em abordagens baseadas em modelos diagnósticos estatísticos13. Isto significa que, apesar de os princípios de análise do comportamento estarem dentro das regularidades buscadas pela ciência, como afirma Chiesa (1994), a análise funcional dos comportamentos de cada cliente sempre será peculiar, devido à sua história única. Isto abre inúmeras possibilidades interpretativas e desfavorece pacotes generalizados de tratamento. Duas pessoas, com o mesmo quadro clínico podem necessitar de intervenções con-tingenciais bem diferenciadas. Como afirmou Dougher e Hayes (2000), o que é reforçador ou punidor varia de pessoa para pessoa, e ao longo do tempo para a mesma pessoa.

Estabelecimento de objetivos é pouco explorado ou discutido na literatura - Estas múltiplas possibilidades interpretativas podem ter contribuído para que o estabelecimento de objetivos na análise comportamental clínica fosse tratado de uma forma mais geral (mudar as contingências mantenedoras do quadro), ou apenas dentro de um modelo de raciocínio, como no caso da FAP (que busca criar condições dentro da sessão para que o terapeuta possa reforçar imediatamente, e de forma natural, os comportamentos apropriados do cliente que são pouco freqüentes - e também enfraquecer os chamados comportamentos-problema, considerados não adaptativos) e da ACT (que busca quebrar o controle verbal que impede o cliente de buscar novas experiências e assim produzir as mudanças comportamentais necessárias ao seu bem-estar e adaptabilidade). Não é comum se encontrarem estudos clínicos que explorem uma discussão generalizada acerca dos possíveis objetivos terapêuticos a serem tomados em cada caso e quais os prováveis resultados.

 

Desenvolvendo objetivos na Análise Comportamental Clínica

Existe a possibilidade de, no futuro, terapeutas analítico-comportamentais apresentarem objetivos clínicos convergentes ou mesmo semelhantes a partir dos dados de um mesmo caso? Esta é uma questão difícil de responder, em função das razões já descritas. A área está em pleno desenvolvimento. De qualquer forma, a estruturação de modelos em análise comportamental clínica e, principalmente, o desenvolvimento de pesquisas no setor, permitirão a construção de parâmetros mais fidedignos sobre a eficácia do método empregado e facilitarão congruências no raciocínio clínico. Os modelos já desenvolvidos são um grande passo neste sentido.

A seguir, serão analisadas algumas sugestões de aspectos básicos a serem considerados, a partir do que é apresentado pelo cliente na sessão. Estes tópicos buscam favorecer a definição de objetivos na terapia, são compatíveis com o que já foi apresentado por outros autores (e.g Berns, Jacobson e Cristensen, 2000; Guilhardi, 2004; Hayes, Strosahl e Wilson, 1999; Kohlenberg e Tsai, 1991/2001) e em conformidade com os princípios da análise experimental do comportamento e a filosofia behaviorista radical. Buscam identificar: a) temas relacionados a condições aversivas com base nas queixas, sentimentos do cliente; b) padrões comportamentais generalizados; c) contextos históricos que favoreceram o desenvolvimento desses padrões; d) efeitos que os comportamentos do cliente trazem para a sua vida e; e) variáveis motivacionais para a mudança.

Todas estas questões são aqui consideradas importantes para o estabelecimento de objetivos. Não cabe à proposta deste trabalho, discutir modelos ou formas de intervenção.

Identificação de temas gerais relacionados às condições aversivas presentes na vida do cliente.

Temas gerais relacionados aos sentimentos do cliente podem ser identificados pelo terapeuta, tais como: insatisfação no relacionamento familiar, sentimentos de rejeição em contatos interpessoais, sentimentos de angústia e incapacidade diante da vida, sofrimento por perda, ansiedade diante de desafios, insatisfação com o modo de agir, desânimo generalizado, medo de críticas, elevada tensão emocional, frustrações amorosas, etc. Berns, Jacobson e Christensen (2000) utilizam um recurso semelhante aplicado à terapia de casal e enfatizam as vantagens da definição de classes de respostas em termos funcionais, favorecendo a que uma mudança num comportamento resulte na mudança em outros. A similaridade funcional também é enfatizada por Kohlenberg e Tsai (1991/2001). Portanto, trabalhar com temas permite uma visão molar dos comportamentos do cliente, evita a necessidade de descrição e análise de cada e de todas as situações e também permite trabalhar com vários comportamentos simultaneamente. Follette, Naugle e Linnerooth (2000) também consideram importante colocar os temas em ordem hierárquica de importância clínica.

Junto à identificação dos temas devem ocorrer a análise das contingências aversivas relacionadas a estes, as situações gerais em que ocorrem, o início e as características dos processos comportamentais relacionados ao tema, etc.

Identificação de padrões comportamentais

Os comportamentos do cliente relacionados à queixa indicam um padrão (e.g. ocorre comumente em outros contextos) ou são exclusivos de uma dada situação? Identificar padrões comportamentais amplia o conhecimento sobre o cliente, favorece a investigação histórica e possibilita maior segurança quanto ao que pode e o que precisa ser mudado. Pode-se exemplificar com o caso de uma mulher que reclama da sua relação com o marido, relatando agir agressivamente com ele, quando este se comporta diferentemente do que ela gostaria. O clínico necessitaria saber mais sobre a questão antes de propor formas de resolução do conflito. Por exemplo, isto ocorre em qualquer frustração ou somente em situações específicas? Ela age agressivamente apenas com ele ou também o faz com outras pessoas? Isto acontece apenas em relações mais próximas?

Neste caso, alguns padrões comportamentais mais amplos poderão estar relacionados a essa queixa e deverão ser investigados, tais como saber o nível de exigência dos outros e de si, a resistência geral à frustração, se há características de impulsividade, se apresenta baixo autocontrole em outras situações, se há “egocentrismo”, se há o hábito de culpar os outros pelas coisas que não dão certo e assim por diante. A identificação desses padrões deverá ser feita junto à cliente, num ambiente de não-julgamento14. Esta é uma etapa inicial de autoconhecimento: saber que, e como se comporta. As outras etapas incluem o saber por que se comporta e quais os efeitos do seu comportamento no mundo. Outros padrões não relacionados diretamente às queixas iniciais podem ser identificados no decorrer das sessões. O terapeuta também pode formular hipóteses sobre prováveis comportamentos característicos do cliente e averiguar junto a este a sua pertinência. Por exemplo, ao ouvir os relatos de um cliente dizendo que é acomodado em várias situações, o terapeuta pode questionar se este também tem dificul-dades em tomar decisões importantes, de ter iniciativa, de sempre esperar as coisas acontecerem, de não ter persistência, ser dependente dos outros, ter baixa autoconfiança, etc. Isto pode indicar um “tronco” comum de experiências, tais como ter sido acostumado a receber muitas coisas na vida sem que tivesse que se esforçar para isso, como ocorre nos esquemas em tempo15.

Além da forma de agir, poderão ser identificados padrões relacionados a sentimentos, processos emocionais, regras e reforçadores característicos. Esta visão mais ampla de padrões comportamentais exige uma análise as mudanças atinjam efetivamente diversos contextos na vida do indivíduo e não apenas situações específicas. Isto evitaria a comentada substituição de sintomas, comum quando são feitas análises restritas de contingências na vida do cliente16. Carrara (1998, p.232 - 233) discute esta questão:

Skinner recomenda que a análise funcional deve abranger todas (na acepção da palavra, isso é inviável) as contingências possíveis que têm alguma função determinadora sobre o comportamento. Todavia, por comodidade ou negligência, ou mesmo por deficiência na formação ético-profissional, alguns psicólogos têm tornado essa análise funcional muito restrita aos eventos relatados pelo cliente e mais ainda restrita a contingências que o terapeuta suspeita terem efeito sobre o comportamento. Assim, a Análise Aplicada do Comportamento precisa, valendo-se de sua crítica interna e mesmo da crítica externa que pensa ser essa superficialidade decorrência de pressupostos da ciência do comportamento, fortalecer através dos cursos oferecidos a idéia de ampliação da análise de contingências. (Carrara, 1998, p. 232).

O problema fundamental desse tipo de enfoque está numa análise incompleta das relações funcionais entre comportamento e ambiente, que leva a resultados fictícios, aparentemente corretos, mas que em bom número de casos podem ser considerados próteses, correções provisórias e específicas de alguns padrões comportamentais. Portanto, se se pretende ... produzir mudanças duradouras, permanentes e generalizadas nos padrões do comportamento mudado, é de se supor que, se não todas, pelo menos a maior parte das variáveis relevantes deve ser investigada o que não se deve confundir com investigação de causas 'profundas' ou 'remotas' dos atuais comportamentos em foco. ... (Carrara, 1998, p. 233)

Contextos históricos que favoreceram o desenvolvimento destes padrões.

A partir do momento em que o cliente identifica sua forma de se comportar na vida, é fundamental saber por que este se comporta assim. A visão skinneriana de causalidade descarta modelos internalistas para explicar as ações, pensamentos e sentimentos humanos. A forma como alguém se apresenta está relacionada à sua história de vida, mais precisamente à história de contingências. Perkins, Hackbert e Dougher (2000) afirmam que interpretações baseadas apenas em contingências imediatas podem ser inadequadas, dependendo dos objetivos do tratamento e, no mínimo, deixariam inexplicáveis como as contingências atuais passaram a exercer controle. Conforme esses autores, o modelo causal de variação e seleção, característico do behaviorismo radical, está atento aos efeitos da experiência passada no comportamento atual, o que não ocorre em modelos de causalidade contígua. Também ressaltam que interpretações históricas do comportamento do cliente po-dem ter efeitos salutares como a redução na culpa ou vergonha de como se comporta, servir como operações estabelecedoras para funções comportamentais ou efeitos de eventos relevantes, e podem também dar assistência à formulação de intervenções efetivas.

Entre os níveis mais elevados de autoconhecimento adquiridos no processo terapêutico está o saber por que “eu sou do jeito que eu sou.” Normalmente, os clientes que estão dentro de uma cultura internalista têm explicações mentalistas para seu modo de ser (Oliveira, 2001). Nesta visão, as ações humanas são governadas e iniciadas por agentes internos, sejam eles fictícios ou não. Contribui para este raciocínio o fato de que as pessoas estão acostumadas a ver o resultado e não o processo. E o processo é histórico.

Relações familiares, sociais, conjugais, vida acadêmica e profissional, entre outras, necessitam ser investigadas. Quanto mais tempo uma pessoa viver em um contexto (e.g. experimentar certas contingências), mais este influenciará no seu modo de ser. Observa-se o exemplo de uma bailarina que passa muito tempo da vida treinando e dançando sob certas exigências. Ela adquire posturas e jeito de andar característicos, que vão ocorrer mesmo quando ela não estiver nesse ambiente, e talvez até muitos anos após deixar de ser bailarina. Sua maneira de se expressar, seus valores relacionados à aparência e outros hábitos também poderão ser especificamente modelados. Isto ocorre analogamente com todas as pessoas, envolvendo outros comportamentos e ambientes. Quanto maior o contato com uma contingência, maior a probabilidade de influência desta sobre os comportamentos. Daí o papel preponderante que as relações familiares têm na formação de uma pessoa, pois, em geral, poucos ambientes estão tão presentes na vida de alguém.

Em relação ao exemplo da mulher agressiva com o marido, suponha-se que tenha sido identificado que a mesma apresenta com freqüência os seguintes padrões comportamentais: muito exigente com os outros, baixa resistência à frustração nas relações mais próximas, quer que as coisas sejam sempre do seu jeito, culpa os outros quando as coisas não dão certo, etc. Qual seria então a relação entre estas formas de se comportar e sua história de vida? Seguindo um raciocínio básico, observa-se, de imediato, que a cliente parece não ter sido exposta a frustrações nas relações mais próximas e também ter sido muito reforçada nas suas exigências. Isto significa que pode ter passado muito tempo em ambientes em que detinha muito poder, com muitas pessoas preocupadas em agradá-la e poucas conseqüências sociais punitivas. A partir destas suposições, o terapeuta poderá, de forma não-julgadora, investigar relações históricas da sua cliente, como por exemplo, pedir para que descreva como foram as relações familiares, se houve contribuição dessas na sua forma de ser atual, etc. Poderá, também, em situações pertinentes, fazer questionamentos precisos baseados em suas interpretações, do tipo “você acha que foi acostumada a ter as coisas sempre ou quase sempre do seu jeito, quando junto à sua família?”.

Quanto mais a cliente entender a função dos ambientes históricos na determinação do seu jeito de ser atual, mais ela passará a raciocinar em termos de contingências17, uma condição fundamental para que se possa atuar efetivamente sobre as mesmas e um dos objetivos básicos na Análise Comportamental Clínica.

Identificação dos efeitos que os comportamentos trazem para a vida do cliente

Esta análise também é feita junto ao cliente, possibilitando-lhe saber quais os efeitos do seu agir imediatamente e quais os efeitos ao longo do tempo, em quais situações suas atitudes e regras são efetivas, e em quais são prejudiciais, quais reforçadores (positivos e negativos) são adquiridos, e quais removidos. Voltando ao exemplo anterior, a agressividade da esposa pode produzir reforçamento imediato (marido faz o que ela quer) e punição em longo prazo (reduz o sentimento de amor do marido, relação fica cada vez mais desgastada); pode ser efetiva em situações em que “ser cordial” não funciona (algumas formas de reivindicação) e pode ser contraproducente em outros contextos (reclamar com o seu chefe); pode remover coisas aversivas (marido deixa de fazer o que a incomoda), mas também remover coisas boas (carinho, afeto, compreensão dos outros), pode gerar respeito e obediência, mas também produzir respostas de contra-controle.

Entender estas funções comportamentais pode interferir na motivação da cliente em adotar uma nova postura, mesmo quando as contingências aversivas ainda não estiverem exercendo seu papel como operações estabelecedoras18. Esta análise também permite entender em que situações, quando e de que maneira a mudança deve ocorrer, algo normalmente não vislumbrado pelo cliente, que tem concepções mais rígidas em relação a mudanças de atitude e ao conceito de personalidade (Marçal, 2001).

Análise das variáveis motivacionais

Um terapeuta mais experiente sabe que quando um cliente se queixa de algo aversivo em sua vida, não significa que haja motivação suficiente para mudar essa condição. Uma pessoa pode se queixar de que gostaria de trabalhar e ser independente, mas não se dar conta de que o preço que teria de pagar (em esforço) para isto é muito alto em função dos reforçadores envolvidos (que podem ser adquiridos de outra maneira e com muito menos custo) e da sua pouca experiência em conseguir coisas (especificamente dinheiro e conforto) em longo prazo e com muito empenho. Conselhos, dicas ou soluções por parte do terapeuta podem apenas gerar concordância nas sessões ou até algumas mudanças, mas estas seriam apenas temporárias. É como se a terapia começasse a patinar.

A análise motivacional é, portanto, essencial para estabelecer os rumos da terapia. No caso anterior, o que seria mais importante: tentar levar o cliente a trabalhar ou fazê-lo entender sua real motivação? Caso se mostre necessária a mudança, como poderia o campo motivacional ser afetado? A partir de instruções, por meio de técnicas de autocontrole, por inserções em contextos que afetem o valor reforçador do trabalho e desenvolvam naturalmente repertórios mais efetivos ou de outras formas?

Alguns aspectos são comumente importantes para a avaliação do campo motivacional do cliente, como a identificação do nível de acesso a reforçadores na vida atual e pregressa, a relação custo-benefício para a mudança, a presença de contingências que reforcem comportamentos concorrentes, o nível de desenvolvimento do repertório requerido para a mudança, o nível de reforçamento envolvido nas opções ficar e mudar, etc.

 

Divergências de objetivos na prática clínica

A seguir serão apresentados alguns exemplos de como é comum terapeutas comportamentais apresentarem propostas diferentes no seu trabalho clínico. A idéia não é apresentar um modelo como sendo mais adequado que o outro, mas suscitar discussões sobre os rumos que uma terapia comportamental pode tomar. Serão citados quatro casos clínicos atendidos pelo autor, provenientes de outros tratamentos comportamentais. É importante ressaltar a influência de modelos clínicos analítico-comportamentais como a ACT, IBCT, FAP, etc, no raciocínio desenvolvido pelo autor.

 

Caso clínico 1

“Ausência de controle alimentar”

Dados: FS, sexo feminino, 29 anos, casada há 6 anos, 11 anos de relacionamento, tem uma filha de 2 anos e meio.

Queixas iniciais: ausência de controle alimentar, “falta de determinação” para emagrecer, desgaste com marido e família dele por isto. Tenta emagrecer há anos. Não apresenta obesidade excessiva e não corre risco de saúde. O comer excessivo está mais relacionado à ingestão de doces entre as refeições. Já houve quadro depressivo.

Objetivos em terapias anteriores: uso de técnicas de autocontrole para não comer os doces, isto é, registros de estímulos antecedentes e respostas, remoção gradativa do estímulo, tentativas de substituição de eventos reforçadores, etc. Resultados terapêuticos temporários e/ou insatisfatórios.

Terapia atual

Temas Gerais/Condições aversivas: pressão familiar para emagrecer, insatisfação com a aparência e por não conseguir emagrecer. Sensações de desânimo.

Características comportamentais: apresentação de bom nível de autocontrole e disciplina em outros contextos como o trabalho e responsabilidades em casa. Forte preocupação em ser polida (discreta).

História de vida: bom treino em ganhos de longo prazo, abrindo mão de reforçamento imediato (autocontrole). Foi bailarina durante muitos anos, num ambiente onde a obesidade era condenada. Foi criada pela mãe e principalmente por uma tia que a considerava como filha. A tia era exigente e tinha elevado nível sócio-econômico.

Efeitos dos seus comportamentos: comer fora de hora a mantinha acima do peso e, como conseqüência, recebia algumas cobranças, que não eram freqüentes (incluindo as do marido). Na realidade, estar acima do peso não comprometia o seu resultado profissional, não afetava a vida sexual (pouco freqüente), não a impedia de ser querida pelas pessoas, inclusive por familiares do marido. No entanto, comer fora de hora dava-lhe um prazer enorme.

Variáveis motivacionais: considerava o trabalho monótono, não havia lazer durante a semana. O final de semana era sempre o mesmo há anos, tendo uma interação repetitiva com o marido. O que havia de prazeroso na vida? Os poucos contatos com filha e... os doces que comia fora de hora!

Objetivos Clínicos estabelecidos

Conhecer suas características e processos históricos formadores, identificar variáveis motivacionais atuais e todos os fatores que a levaram a esse baixo nível de reforçadores e aumentar o nível de condições reforçadoras na vida!

 

Caso clínico 2

“Pavor de falar em público”

Dados: M.A.B., sexo feminino, 20 anos, universitária.

Queixa básica: pavor de falar em público (e.g. seminários na faculdade).

Objetivos em terapias anteriores: controle da ansiedade, desenvolver habilidades para falar em público.

Recursos utilizados: estratégias de exposição in vivo, dessensibilização sistemática 'encoberta', ensaio comportamental, relaxamento, “reestruturação cognitiva”, etc. Os resultados terapêuticos foram temporários ou insatisfatórios.

Terapia atual

Temas gerais/Condições aversivas: extrema ansiedade em dias que antecediam o falar em público. Pavor de falhar diante das pessoas ou de que outros soubessem das suas limitações.

Padrões comportamentais: muito autoexigente, controladora nas relações pessoais, esquiva-se de situações sociais que ponham em risco sua eficiência, age socialmente em função de uma imagem de super competente, fica mais calada diante de várias pessoas, forte preocupação com a aparência, controladora nas relações próximas e centralizadora de tarefas.

História de vida: filha mais velha e primeira neta, destaque e modelo (comportamentos, aparência, estilo, etc) de toda a família, sempre gerando fortes expectativas sobre ela. Teve alguns insucessos acadêmicos que foram ocultados aos outros. Acostumada a exercer liderança em casa, na escola, com amigas, etc.

Efeitos decorrentes de suas características: ser muito auto-exigente produzia eficiência e respeito. Também produzia tensão constante, problemas intestinais (prisão de ventre). A esquiva de exposição social mantinha o status histórico, mas a impedia de ter acesso a determinados reforçadores e desenvolver certas habilidades. As regras sobre si (supercompetente) eram funcionais em certos contextos, mas não eram em outros.

Muitas contingências aversivas presentes em sua vida decorrentes desse processo. Boa motivação para a mudança.

Objetivos clínicos estabelecidos.

1. Levar a cliente a identificar os processos históricos e correntes que a têm levado às con-dições comportamentais atuais, incluindo regras e sentimentos.

2. Aceitar as condições emocionais (ansiedade) como inevitáveis em função da história de contingências.

3. Entender que a dificuldade básica não é especificamente falar em público, mas vivenciar um insucesso, uma frustração social.

4. Entender as funções da esquiva, quando é e quando não é útil. Quais resultados futuros deste processo.

5. Objetivo principal: reduzir alta expectativa e cobrança sobre si em diversos contextos.

6. Recursos: vivenciar situações em que pode errar19, aprender gradativamente a assumir dificuldades, limitações, incertezas. Rejeitar responsabilidades desnecessárias, aumentar condições de lazer, expor-se quando convier, não tentar controlar ansiedade.

 

Caso clínico 3

“Um caso crônico de transtorno do pânico”

Dados: AJK, sexo feminino, 20 anos, apresenta, há nove anos, ataques periódicos de pânico e dois episódios de convulsão, sendo um mais recente. Apresenta pouca auto-confiança e insegurança generalizada.

Fato recente: amiga próxima sofreu um grave acidente e ficou na UTI algum tempo. AJK acompanhou-a no hospital durante esse tempo.

Objetivos em terapias anteriores: controle do pânico. Recursos: estratégias de exposição in vivo, dessensibilização sistemática encoberta, “reestruturação cognitiva”, etc.

Tratamento psiquiátrico: fazia uso de medicamentos desde os primeiros ataques de pânico. Neste momento, usava fluoxetina (antidepressivo), trileptal (anticonvulsivante) e Apraz (ansiolítico).

Esses tratamentos produziram controle temporário do quadro clínico. As condições gerais não foram modificadas.

Terapia atual

Temas gerais/condições aversivas: Sensação de pânico quando se encontra em qualquer situação de ameaça ou livre de proteção. Insegurança para resolver problemas; desânimo.

Padrões comportamentais: dependência generalizada da mãe, namorado e amigas; dificuldade em tomar decisões e ter iniciativa; conta tudo o que ocorre em sua vida para a mãe; costuma não dar seguimento a muitas atividades que inicia; considera-se acomodada; faz faculdade, mas não sabe o que quer da vida; sente-se insegura em muitos contextos; acha-se incapaz; espera as coisas acontecerem. Seu controle sobre o mundo é muito baseado nas queixas e manifestações de sofrimento e incapacidade. Entende o seu problema como decorrente de uma doença.

Análise histórica: forte história de super-proteção. Seus pais, especialmente a mãe, sempre muito preocupados e acostumados a fazer, tomar decisões, resolver por ela. Vive com o irmão e a mãe, que é separada do pai e sempre viveu em função dos filhos, tendo a filha como a grande companheira. A mãe estava sem trabalhar havia anos, esperando ser chamada em concurso para o qual tinha sido aprovada. Ambas passavam muito tempo juntas em casa. Pai, e família do mesmo, também tinham características superprotetoras. Uma irmã de AJK, nascida antes dela, morreu aos seis meses de idade, após uma gripe que virou pneumonia. AJK foi filha única até os sete anos. É como se tivesse sido criada em uma “bolha”, protegida por todos.

Efeitos dos seus comportamentos: AJK está num círculo vicioso. Sua história favoreceu o desenvolvimento de características que levam as pessoas a cuidarem dela, a e que, como resultado, a mantêm nessas condições. Estar na “bolha” não deixa de ser bastante reforçador às vezes; no entanto, produz efeitos colaterais adversos: não tem autonomia para escolher onde quer estar, sensações desagradáveis de pânico e ansiedade, sentimento de incapacidade diante da vida, poucas opções de escolha, dúvidas e incertezas constantes, etc.

Aspectos motivacionais: há uma condição conflitante. Existem condições reforçadoras e aversivas para a sua estrutura de vida. Isto pode implicar em algumas mudanças de um lado e permanência do quadro em outro (e.g. é difícil abrir mão de privilégios apenas por seguimento de regras “idealizadas”). Ainda assim, as fortes condições aversivas presentes valorizam processos de mudança.

Objetivos clínicos estabelecidos

1. Levar a cliente a identificar os processos históricos e atuais que foram/são responsáveis pelas condições atuais.

2. Entender que estas condições são inevitáveis como decorrência dos contextos os quais viveu, e que AJK não é doente.

3. Entender as variáveis motivacionais em questão (ficar na bolha é bom algumas vezes).

4. Avaliar os motivos pelos quais sua mãe age assim (não envolvendo julgamento) e as dificuldades em quebrar essa relação protetora.

5. Fazer uma análise motivacional para a mudança.

6. Objetivo principal: promover a autonomia em diversos contextos!

7. Recursos: inserção gradativa em contextos que favorecem uma autonomia.

 

Caso clínico 4

“Sou importante?”

Dados: B.M.N, sexo feminino, solteira, 35 anos, gerente de marketing.

Queixas iniciais: relacionamentos amorosos frustrados, relação ambígua com a mãe adotiva (tia) não consegue dizer não a esta, passado com vivências traumáticas, sensação de abandono, dificuldade nas relações muito próximas, vontade de morrer.

Objetivos terapêuticos anteriores: desenvolver assertividade com a mãe adotiva, refazer regras sobre si (autovalorização), ser assertiva com namorados e amigos, técnicas para controle da impulsividade nas relações afetivas.

Terapia Atual

Temas gerais/condições aversivas: sentimento de desvalorização e incompetência nas relações afetivas (baixa auto-estima), vontade de morrer, passado traumático.

Padrões comportamentais: produtiva e auto-confiante profissionalmente e em relações sociais superficiais, muito prestativa com os outros, competitiva (relações de inveja e disputa), acostumada a conquistar a apreciação das pessoas (menos em namoros), apresenta atitudes obsessivas generalizadas, é impulsiva nas relações amorosas, tende a “sufocar” os namorados com excesso de dedicação, conquista-os como loba e depois “quer colo”, agressiva quando frustrada, sente-se em débito com a mãe adotiva, é muito carente de afeto, acostumada a cobrar dos outros. Inassertiva com a mãe adotiva.

Análise histórica: abusos sexuais na infância, pouca atenção da mãe biológica, criada pela tia desde os 12 anos de idade (ajudou a cuidar dos primos menores), ótima história acadêmica e profissional, acostumada a conquistar as coisas (sucesso, reconhecimento), suas relações amorosas são desfeitas pelo outro, perdeu o pai adotivo com quem tinha bom relacionamento (provável suicídio), perdeu a filha um ano após (acidente) quando esta tinha um ano, atritos em relações profissionais. Forte história de apreço condicional e pouquíssimo amor incondicional.

Efeitos dos seus comportamentos: sua produtividade, determinação, presteza e obsessividade sempre lhe trouxeram muitos ganhos acadêmicos e sociais, tornando-a auto-confiante nesses contextos. Esses êxitos constantes deixaram-na com baixa resistência à frustração em condições semelhantes. Nos namoros, a dedicação intensa favoreceu o desgaste e afastamento da pessoa amada. A não-correspondência produzia atitudes de cobrança, que aumentavam a rejeição por parte do outro e contribuía para sentir-se menos valiosa. B.M.N. apenas vivenciou afetos conquistados, sentia-se insegura se não fizesse muito pelos outros. Isto mantinha sua baixa auto-estima.

Análise motivacional: baixo nível de reforçadores afetivos na intimidade, muitas condições aversivas em relações profissionais, levando-a a muito sofrimento.

Objetivos clínicos estabelecidos:

Identificar características atuais e processos históricos formadores.

Entender dificuldades e comportamentos de esquiva das relações de intimidade (namoro ou amizade) em que não faz muito pelos outros.

Vivenciar relações de afeto que não fossem “compradas” pela disponibilidade excessiva, produzindo efeitos reais sobre sua auto-estima, possibilitando-lhe o não depender afetivamente da mãe adotiva e tornando as relações menos ansiosas e dependentes.

 

Conclusão

Todos os quatro casos citados foram apresentados com dois conjuntos de objetivos terapêuticos: o conjunto de objetivos anteriores e o conjunto de objetivos atual, nesta ordem, e obtiveram êxito terapêutico a partir dos objetivos traçados no segundo modelo apresentado. Isto não significa que estas interpretações e direcionamentos sejam os melhores ou, muito menos, que sejam as únicas formas de abordar estes casos. Conforme foi discutido neste texto, as possibilidades são variadas. Também não seria pertinente afirmar que as formas diferenciadas de atuação nos casos citados estejam especificamente relacionadas a orientações teóricofilosóficas distintas. O uso de determinada metodologia clínica por parte de um terapeuta comportamental não implica que este o faça sempre a partir de uma orientação filosófica compatível, ou até mesmo que o faça dentro de algum aprofundamento teórico.

Conforme citado na introdução, a divulgação de técnicas comportamentais ocorreu independentemente de estas terem sido acompanhadas ou não de análises filosóficas ou epistemológicas. Por razões históricas, sabe-se que a múltipla formação da terapia comportamental também contribuiu para uma múltipla forma de atuação, tal como foram apresentadas em livros que englobavam as mais variadas das chamadas técnicas comportamentais. Assim, não é difícil encontrar terapeutas que utilizem estratégias comportamentais variadas, englobando referenciais teóricos por vezes incompatíveis. No entanto, observa-se que a influência de diferentes referenciais teóricos é apenas um dos fatores que contribuem para divergências no estabelecimento de objetivos na clínica. Muitos são os fatores que contribuem para que isto ocorra. De qualquer modo, o que se observa é que o direcionamento clínico ainda é um aspecto muito dependente da análise que cada clínico faz de um caso em particular, o que leva a infinitas variações. Avaliar os prós e os contras deste aspecto, pode muito contribuir para o aprimoramento da eficácia clínica. Outro fator a ser considerado é que não se sabe, na prática, até que ponto os terapeutas têm o hábito de se questionar acerca de onde querem chegar na terapia ou por que escolheram determinados caminhos. Talvez esses tópicos mereçam uma abordagem direta mais freqüente na literatura.

O objetivo básico deste trabalho foi questionar se há caminhos terapêuticos mais eficazes do que outros. As respostas a este questionamento sempre serão mais bem encontradas por meio de pesquisas. O que se tem observado, nos últimos anos, é um crescente movimento em busca da sistematização de modelos clínicos coerentes com os princípios da análise do comportamento e a filosofia behaviorista radical. Quanto maior o desenvolvimento neste setor, mais se saberá sobre os rumos a serem tomados na terapia. Um ponto a favor de uma discussão com base na Análise Comportamental Clínica é que esta se baseia fortemente em princípios derivados da análise experimental do comportamento, uma área com décadas de pesquisa e avanços consideráveis. Isto oferece uma boa margem de segurança para as interpretações feitas na clínica. No entanto, a estruturação de modelos e a metodologia de pesquisa na área clínica estão em pleno desenvolvimento e ainda têm muito a oferecer (Kerbauy, 1997).

 

 

Referências

Abib, J. A. D. (2004). O que é comportamentalismo. Em: M.Z.S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V. M. Silva & S.M. Oliane (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 13, (pp.52-61). Santo André, Esetec.         [ Links ]

American Psychiatric Association (1995). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. DSM-IV: 4.ed. Porto Alegre, Artes Médicas.         [ Links ]

Baum, W. M. (1999). Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Trad. M. T. A. Silva, M. A. Matos, G. Y. Tomanari e E. Z. Tourinho. Porto Alegre: Artes Médicas. (trabalho original publicado em 1994).         [ Links ]

Beckert, M. E. (2001). A partir da queixa, o que fazer? Correspondência verbal-não-verbal: um desafio para o terapeuta. Em: H. J. Guilhardi, M.B.B. Madi, P. P Queiroz. & Scoz, M. C. (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 7, (pp.179-188). Santo André: Esetec.         [ Links ]

Berns, S.; Jacobson, N. S. e Christensen, A. (2000). Marital Problems. Em: M. J. Dougher (Ed.). Clinical Behavior Analysis. Reno, Nevada: Context Press.         [ Links ]

Carrara, K. (1998). Behaviorismo Radical: crítica e metacrítica. Marília: Unesp Marília publicações. São Paulo: FAPESP.         [ Links ]

Catania, A. C. (1998). Learning. New Jersey: Prentice Hall.         [ Links ]

Chiesa, M. (1994). Radical Behaviorism: The philosophy and the science. Boston: Authors Cooperative.         [ Links ]

Costa, N. (2002). Terapia Analítico-Comportamental: dos fundamentos filosóficos à relação como o modelo cognitivista. Santo André: Esetec.         [ Links ]

Dougher, M. J. e Hayes, S. C. (2000). Clinical Behavior Analysis. Em: M. J. Dougher (Org.). Clinical Behavior Analysis. Reno, Nevada: Context Press.         [ Links ]

Ferster, C. B. (1973). A functional analysis of depression. American Psychologist, 28,10, 857-870.         [ Links ]

Follette, W. V., Naugle, A. E. e Linnerooth, P. J. (2000). Functional alternatives to traditional assessment and diagnosis. Em: M. J. Dougher (Org.). Clinical Behavior Analysis. Reno, Nevada: Context Press.         [ Links ]

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por contingências de reforçamento. Em: C. N. Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs.). Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental. Práticas clínicas. São Paulo: Roca.         [ Links ]

Hayes, S. C.; Strosahl, K. D. E Wilson, K. G. (1999). Acceptance and Commitment Therapy: An experiential approach to behavior change. New York: The Guilford Press.         [ Links ]

Kerbauy, R. R. (1997). Como fazer pesquisa em clínica? Em: R. A. Banaco (Org.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 1, (pp.338-347). Santo André: Arbytes.         [ Links ]

Kohlenberg, R. J. e Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Trad. coordenada por Rachel Rodrigues Kerbauy. SantoAndré: Esetec. (Trabalho originalmente publicado em 1991).         [ Links ]

Marçal, J. V. S. (2001). Variação do comportamento e personalidade: como a análise do comportamento explica? Revista Universitas - Psicologia, 2, 2. Brasília: UniCEUB.         [ Links ]

McGuigan, F. J. (1976). Psicologia Experimental: Uma abordagem metodológica. Trad. S. B. Cardoso São Paulo: EDUSP. (Trabalho originalmente publicado em 1960).         [ Links ]

Michael, J. (1993). Establishing operations. The Behavior Analyst, 16, 2, 191-206.         [ Links ]

Micheleto, N. (2001). A história da prática do analista do comportamento: esboço de uma trajetória. Em: H. J. Guilhardi, M.B.B. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 8, (pp. 172-189). Santo André: Esetec.         [ Links ]

Oliveira, W. (2001). Terapia por contingências: o terapeuta como comunidade verbal anti-internalista. Em: H. J. Guilhardi, M.B.B. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 8, (pp.297-312). Santo André: Esetec.         [ Links ]

O'Donahue, W. e Ferguson, K. E. (2001). The Psychology of B. F. Skinner. Thousand Oaks: Sage Publications.         [ Links ]

Perkins, D. R., Hackbert, L. e Dougher, M. J. (2000). Interpretation in clinical behavior analysis. Em: Dougher, M. J. (Org.). Clinical Behavior Analysis. Reno: Context Press.         [ Links ]

Rimm, D. C. e Masters, J. C. (1983). Terapia comportamental: técnicas e resultados experimentais. São Paulo: Manole.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1993). Ciência e comportamento humano. Trad. João Cláudio Todorov e Rodolpho Azzi. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho originalmente publicado em 1953).         [ Links ]

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-04, 3 July.         [ Links ]

Todorov, J. C. (1981). A psicologia como estudo de interações. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 3, 325-347.         [ Links ]

Tourinho, E. Z. e Cavalcante, S. N. (2001). Por que terapia Analítico-comportamental. ABPMC Contexto, 23, 10.         [ Links ]

Vandenberghe, L. (2001). As principais correntes dentro da Terapia Comportamental uma taxonomia. Em: H. J. Guilhardi, M.B.B. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 7, (pp.179-188). Santo André: Esetec.         [ Links ]

Vandenberghe, L. (2003). Terapia Comportamental Construcional do Borderline. Em: M.Z.S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V.M. Silva & S.M. Oliane (Org.). Sobre Comportamento e Cognição, vol. 12, (pp.92-96). Santo André: Esetec.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 07/10/2005
Primeira decisão editorial em: 06/12/2005
Versão final em: 08/12/2005
Aceito em: 10/12/2005

 

 

1 Mestre em Psicologia pela UnB/DF; E-mail: jvmarcal@ibac.com.br
2 Clinical Behavior Analysis. Esta expressão também tem sido traduzida como Análise Clínica do Comportamento (e.g. Vandenberghe, 2001).
3 Para saber mais sobre o assunto, sugiro o texto de Tourinho e Cavalcante (2001) intitulado Por que a terapia Analítico-Comportamental?
4 Functional Analytic Psychoterapy.
5 Integrative Behavioral Couple Therapy.
6 Acceptance and Commitment Therapy. Embora com alguns pressupostos que difiram do modelo skinneriano, como no caso da definição do que é comportamento verbal, a ACT desenvolveu-se a partir dos princípios da Análise Experimental do Comportamento, compatíveis com o Behaviorismo Radical.
7 Este termo, em psicologia, ressalta como a probabilidade de um evento pode ser afetada ou causada por outros eventos (Catania, 1998).
8 É a variável que muda em função da mudança em uma outra variável, chamada de independente, que é manipulada pelo experimentador (Mc Guigan, 1976). Embora os comportamentos privados possam entrar no controle de comportamentos públicos, eles também são comportamentos a serem explicados e dependem das suas relações com variáveis externas.
9 No presente artigo é denominada de Análise Comportamental Aplicada.
10 Ver também Costa (2002) para uma análise comparativa entre terapia analítico-comportamental e terapia cognitivo-comportamental
11 Idiográfico: método de conhecimento científico que trata de fatos considerados individualmente.
12 Nomotético: estatisticamente significativo, que trata de leis gerais. É o caso de enquadrar as características de uma pessoa dentro de um critério diagnóstico padrão. Surge em oposição ao idiográfico, que trata de fatos considerados individualmente.
13 Por exemplo, o DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico dos transtornos mentais (1995), publicado pela Associação Psiquiátrica Americana, no qual parâmetros diagnósticos são oferecidos para a classificação das patologias.
14 O não julgamento por parte do terapeuta favorece a correspondência verbal-não verbal (Beckert, 2001). Costumo dizer aos clientes que não existem comportamentos certos ou errados, bons ou maus, feios ou bonitos; o que existem são comportamentos, seus determinantes (ambiente histórico e atual) e os efeitos que estes trazem para a pessoa. Como será abordado a seguir, a análise dos efeitos pode deixar o cliente em melhores condições de avaliar funcionalmente seus comportamentos e atribuir valores mais adequados aos mesmos. No Behaviorismo Radical, a avaliação do certo e errado se baseia numa análise ampla das conseqüências do comportamento. Para se aprofundar um pouco mais no assunto, sugiro Baum (1999, cap. 12) e Kohlenberg e Tsai (1991/2001, cap. 8).
15 Nos esquemas em tempo, a conseqüência ocorre independentemente da resposta.
16 Isto não impede que o analista clínico focalize contingências específicas quando necessário.
17 Este raciocínio não precisa (e geralmente não deve) ocorrer na terminologia específica da análise do comportamento. A linguagem precisa ser acessível ao cliente.
18 São operações que alteram momentaneamente a efetividade reforçadora ou punidora de um evento e têm efeito evocativo ou supressivo de respostas que foram conseqüenciadas com reforçadores ou punidores (Michael, 1993).
19 Poder errar não significa provocar o erro.