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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.2 São Paulo dez. 2005

 

SOBRE LIVROS

 

Análise do Comportamento e desenvolvimento de uma tecnologia para o ensino: superação de preconceitos e perspectivas de avanços para o Século XXI

 

Resenha do livro "Análise do Comportamento para a Educação: contribuições recentes", organizado por Maria Martha Costa Hübner e Miriam Marinotti. Santo André: ESETec (2004).

 

 

Olga Mitsue Kubo1

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

No que o conhecimento produzido pelos analistas de comportamento, principalmente nos últimos 20 anos, contribui para com a Educação brasileira? Provavelmente uma pergunta como esta deve ter estado na gênese do que orientou Martha Hübner e Miriam Marinotti a organizarem uma obra, publicada em 2004, que reúne descobertas científicas e experiências de intervenção de 22 renomados pesquisadores e professores brasileiros e estrangeiros da área da Análise do Comportamento sobre processos e fenômenos psicológicos relacionados à Educação. O conjunto dos trabalhos apresentados nessa obra vale a pena ser conferido por analistas de comportamento, sejam professores, ou pesquisadores e psicólogos de maneira geral, não só para atualização do conhecimento científico sobre fenômenos específicos, como também e, principalmente, para avaliar essa contribuição na resolução de problemas crônicos da educação brasileira. Além disso, o livro permite a avaliação de possibilidades de avanços efetivos e erradicação desses problemas e de seus determinantes, por meio do desenvolvimento de tecnologia compatível com a qualidade do conhecimento produzido e com a efetividade para promover melhores condições para ensinar e para aprender comportamentos significativos.

Um exame do conjunto dos 15 capítulos que compõem a obra, a despeito da ordem em que estão apresentados, nos induz ao exercício de síntese do conhecimento produzido por meio da Análise do Comportamento no Brasil nesses últimos 45 anos, como forma de encontrar um fio condutor histórico a orientar a ordem de leitura de seus capítulos, embora as próprias organizadoras já nos dêem uma boa orientação apresentando os critérios organizativos da obra. Assim, sugerimos, como primeiro passo para desfrutar dessa leitura, a apreciação das contribuições daquela a quem essa obra é oferecida como tributo, um símbolo na história da Psicologia brasileira, em especial para comunidade de analistas de comportamento: Profa. Carolina M. Bori. As contribuições de Carolina à Psicologia e à Educação são apresentadas por Adélia Maria Teixeira, no capítulo 4.

No capítulo sobre “Ensino individualizado: educação efetiva para todos”, Adélia nos apresenta um histórico breve, mas suficiente para relembrar o início dos trabalhos da Análise do Comportamento no Brasil com uma contribuição inestimável à Educação. Um breve histórico das origens do ensino programado, desde Skinner, de Holland com as primeiras máquinas de ensinar, até Keller, Sherman, Carolina e Rodolfo Azzi, em 1960, com PSI, uma variação do ensino programado desenvolvido aqui no Brasil - já cumpre a função de situar o leitor sobre esse início. A autora relembra muito bem que a expansão do PSI no Brasil sempre esteve associada aos trabalhos de Carolina Bori que, em especial na década de 1970 e durante muitos anos seguidos, introduziu muitos alunos da pós-graduação na prática da programação de ensino. Argu-menta a autora que “inicialmente essa produção aglutinou-se numa maneira de ensinar denominada Curso Programado Individualizado, fundada no PSI. Gradativamente, evolui para uma proposição original que privilegiava a identificação de contingências de interesse para o ensino seguida de sua programação. Esse novo rumo do PSI no Brasil tem sido destacado como análise de contingência em programação de ensino, análise de contingências de ensino, análise de contingências programada para o ensino”. Embora a autora não destaque em sua apresentação, foi a partir do trabalho de Carolina Bori que se tornou possível ampliar o conceito de programar ensino e incluir, nesse processo de programar, o próprio comportamento de quem programa. Isto é, a partir do trabalho de Carolina, foi possível identificar a necessidade de considerar como parte do processo de descobrir contingências necessárias ao ensino, também o comportamento do programador como parte fundamental. Tal perspectiva pode ser vista em trabalhos que, conjuntamente com a preocupação de transformar o conhecimento que analistas de comportamento em laboratório possibilitaram explicitar - princípios largamente utilizados não só em contextos estritamente de ensino programado, ou de programas de ensino -, tinham ênfase na importância de o programador ser capaz de selecionar, definir e propor os comportamentos de interesse que seu aluno precisaria aprender. Essa contribuição inegável do trabalho de Carolina Bori ao longo desses 45 anos de desenvolvimento da programação de ensino no Brasil, tornou possível, durante os anos de 2003, construir uma proposta de diretrizes curriculares para orientar a formação de muitas gerações de novos psicólogos, com base numa perspectiva radicalmente diferente do antigo currículo mínimo: um projeto fundamentado em comportamentos profissionais a serem aprendidos e não mais em “conteúdos”. Por isso, e por muitas outras contribuições, a repercussão do trabalho de Carolina Bori talvez, mesmo hoje, seja difícil de avaliar do ponto de vista de sua importância e de sua extensão.

Nos capítulos subseqüentes, as organizadoras reúnem relatos de pesquisadores que se dedicam aos estudos de uma subárea da Análise do Comportamento conhecida como “controle de estímulos”. Notáveis progressos têm sido feitos no estudo sobre controle de estímulos nesses últimos 20 anos no Brasil. Sidman, com um experimento publicado em 1971, pode ser considerado um marco para os estudos mais intensivos feitos sobre fenômenos tradicionalmente estudados por psicólogos cognitivistas. No Brasil, pesquisadores constituíram núcleos bem definidos e fortes nessa subárea a partir dos primeiros experimentos conduzidos em diferentes universidades e instituições de pesquisa a partir da década de 1980. Os estudos conduzidos centraram-se principalmente na descrição dos comportamentos de ler e escrever. A descoberta dos processos subjacentes ao ler e escrever e, mais especificamente, a descoberta de que aprendemos por meio de formação de classes de estímulos que se tornam equivalentes, e que esse processo possibilita “acelerar” aprendizagens pela produção de novos comportamentos sem que esses tenham que ser ensinados diretamente, deu um novo impulso e possibilitou uma ampliação dos meios de intervenção, principalmente para o ensino da leitura e da escrita. Como as inter-relações entre essas duas classes de comportamentos (ler e escrever) se dão é objeto do capítulo 8, “Efeitos do treino de leitura nas escritas em crianças” de Valéria de Almeida Andréa e Nilza Micheletto. Deisy das G. de Souza, Julio de Rose, Elenice Hanna, Solange Calcagno e Olavo Galvão nos apresentam, no capítulo 9, um currículo suplementar para crianças “de risco” para o fracasso acadêmico, com experiências em curso em diferentes universidades para o ensino de ler e escrever utilizando meios computacionais e procedimento de escolha segundo modelo. Essas experiências não só cumprem papel social de inegável relevância como constituem núcleos de pesquisas permanentes.

No capítulo 9 da obra organizada por Martha e Miriam, está apresentado o único relato envolvendo pesquisadores estrangeiros e brasileiros: Serna, Lionello-DeNolf, Barros, Dube e McIlvane. A despeito dos muitos erros de ortografia no texto, que merece uma revisão futura cuidadosa, trata-se de relato de experiência da qual resulta tecnologia fundamentada em estudos avançados sobre controle de estímulo, mais especificamente na topografia de controle de estímulo. Essas descobertas têm possibilitado estabelecer e ampliar repertórios comportamentais de pessoas com necessidades especiais de maneira segura e fidedigna.

João Carmo e Paulo Prado, pesquisadores da Universidade da Amazônia e da Universidade de Marília, respectivamente, em dois capítulos (6 e 7) nos contam como têm estudado os comportamentos matemáticos e como têm, por meio do processo e dos procedimentos sobre formação de classe de estímulos equivalentes, ensinado pré-requisitos fundamentais para desenvolvimento do comportamento matemático em crianças.

Não poderia deixar de faltar às contribuições da Análise do Comportamentos em interação com outras áreas, como é o caso da apresentação do software “Mestre” pelo seu idealizador Celso Goyos, no capítulo 14 (Mestre: um recurso derivado da interface da análise comportamental com a informática para aplicações educacionais). Mais uma vez há aqui uma clara contribuição como tecnologia para o ensino de conhecimentos variados com base fundamentalmente no procedimento de es-colha segundo modelo e a facilitação dessas aprendizagens por meio do uso do computador e de um programa especialmente desenvolvido para isso.

Analisar comportamento de estudar e poder assim modificá-lo no sentido de aumentar a freqüência com que ele aparece no repertório de quem precisa são objetos do relato de Jaíde Regra e de Martha Hubner nos capítulos 11 e 12. Elas nos mostram como esses comportamentos dependem da instalação bem-feita de comportamentos específicos e de como o papel dos pais ou de cuidadores são essenciais para o sucesso e manutenção desses comportamentos, como aqueles responsáveis por criar contingências favoráveis a esses comportamentos pela criança ou pelo adolescente.

Por último, mas apresentado nos três primeiros capítulos da obra, a contribuição da Análise do Comportamento para a formação de professores. A tônica no capítulo 1, de autoria de Maria Eliza M.Pereira, Miriam Marinotti e Sergio de V.de Luna, é de apresentar um panorama mais amplo sobre as diferentes nuances do sistema educacional. A análise feita parte da apresentação do sistema como algo que tem problemas e que tem falhado em relação aos seus objetivos. O subsídio positivo é a consideração que fazem em relação às diferentes classes de variáveis presentes, examinando, ainda que não exaustivamente, todas elas, ou, pelo menos, aquelas que consideram importantes. As contribuições específicas da Análise do Comportamento como conhecimento para subsidiar a formação de profissionais mais bem qualificados se assemelham àquelas que Maria Amélia Matos (2001) apresenta em seu artigo “Análise de contingências no aprender e no ensinar”, ou seja, no formato de aspectos a observar para aumentar a eficácia e eficiência do ensinar.

Já Maria de Lourdes Zanotto, no capítulo 2, apresenta uma organização e exame das concepções sobre educação, de ensino, de professor e sobre alguns princípios do behaviorismo radical, extraídos de 20 obras de Skinner relacionadas à educação, como forma de identificar a função do professor nos processos de aprender e ensinar e assim, orientar a sua formação. Em certo grau, o exame feito por Maria de Lourdes complementa e, ao mesmo tempo, explicita, os princípios apresen-tados para o ensino indicados no capítulo 1.

Paula Gioia, no capítulo 3, examina, diferentemente dos autores dos dois capítulos anteriores, a qualidade, em termos de exatidão e coerência dos conceitos de Análise do Comportamento e sobre Behaviorismo Radical presentes nos livros em geral sobre diferentes abordagens em Psicologia da Educação, selecionados para uso em cursos de preparação de professores no ensino superior. O exame minucioso desse tipo de obra expõe a má qualidade dos conceitos apresentados sobre Análise do Comportamento e sobre Behaviorismo Radical, seja pela imprecisão, equívocos ou parcialidade com que são apresentados, indicando um claro despreparo dos autores que apresentam os princípios e conceitos da Análise do Comportamento relacionados à Educação. É alarmante a constatação, por exemplo, de obras nas quais conceitos estão claramente equivocados, serem 20 ou mais vezes reimpressas. Isto significa, considerando a menor das decorrências negativas, uma difusão de preconceitos contra a Análise do Comportamento.

Os autores dos três capítulos, dessa forma, examinam de distintas perspectivas, baseando-se em fontes diferenciadas (como estudos sobre condição educacional brasileira em geral, livros sobre Psicologia da Educação) e outras iguais (obras de Skinner, por exemplo), as principais contribuições da Análise do Comportamento para a formação de professores. Naturalmente, nenhum deles apresenta uma proposta “fechada”, todos indicam princípios, premissas importantes e mesmo fundamentais que precisariam nortear uma tarefa ao mesmo tempo tão difícil e tão complexa, tão cheia de problemas, dificuldades e, por isso, desafiadora. Sem desvalorizar as obras dos diferentes autores citados pelos autores dos capítulos, a grande contribuição ainda permanece sendo daquele que primeiro nos chamou a atenção para a função do professor e para a necessidade de aprendermos o ofício de ser professor: B.F.Skinner.

Em síntese, há que ressaltar o notável esforço de toda comunidade de analistas de comportamento que a partir do que aprenderam com nossos primeiros mestres (Carolina Bori, Maria Amélia Matos, João Cláudio Todorov, Isaias Pessotti, entre outros), difundiram não só os princípios descobertos pela Análise do Comportamento como também foram responsáveis pela formação de muitos outros analistas. Ao avaliar as contribuições que cada pesquisador nos torna acessíveis por meio de seus relatos, é possível ter um panorama dos avanços feitos, das perspectivas de aprimoramento do que está sendo feito, pelo compromisso que tradicionalmente caracteriza esta área de conhecimento: um lastro em dados produzidos com rigor científico. Certamente essa condição não garante derivação de tecnologia com absoluta eficácia, mas garante a condição de reavaliação constante e, por conseguinte, crescimento seguro. Essa avaliação também torna possível vislumbrar o quanto ainda falta para vermos sanados problemas que consideramos às vezes inaceitáveis de ainda ocorrerem, principalmente no contexto educacional. Por isso, as descobertas e as tecnologias delas decorrentes apresentadas nessa obra organizada por Maria Martha e Miriam Marinotti, sob a rubrica de “Análise do Comportamento para a Educação: contribuições recentes” constituem um importante patrimônio para a socie-dade e representam o esforço de integração de conhecimento produzido por diferentes pesquisadores nas diferentes áreas, não só da Psicologia e nem só da Análise do Comportamento. Carolina Bori certamente leria com prazer.

 

 

Referências

Matos, M.A. (2001). Análise de contingências no aprender e no ensinar. Em E.S. de Alencar (org) Novas contribuições da Psicologia aos processos de ensino e aprendizagem. São Paulo: Cortez Editora, 141-165.

Sidman, M. (1971). Reading and auditory-visual equivalences. Journal of Speech and Hearing Research, 14, 5-13.

 

 

1 E-mail: olgakubo@terra.com.br