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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.1 São Paulo June 2006

 

ARTIGOS

 

Tratamento da fobia social generalizada: comparação entre técnicas

 

Treatment of generalized social phobia: comparison between techniques

 

 

Gustavo J. Fonseca D'El Rey1; Douglas Cardoso Beidel; Carla Alessandra Pacini

Centro de Pesquisas e Tratamento de Transtornos de Ansiedade-SP

 

 


RESUMO

A fobia social (transtorno de ansiedade social) é um grave transtorno de ansiedade, que traz sofrimento e incapacitação. Neste estudo, 17 pacientes com diagnóstico de fobia social generalizada foram randomicamente distribuídos em dois grupos de tratamento. Um grupo recebeu treinamento de habilidades sociais isoladamente (THS) e o outro grupo recebeu a combinação de treinamento de habilidades sociais e reestruturação cognitiva (THS-RC). Ambos os tratamentos foram efetivos, porém a combinação de técnicas (THS-RC) provou ser significativamente mais efetiva do que o treinamento de habilidades sociais sozinho nos vários instrumentos de avaliação ao final do tratamento de 8 semanas e no follow-up de três meses.

Palavras-chave: Fobia social, Reestruturação cognitiva, Psicoterapia.


ABSTRACT

Social phobia (social anxiety disorder) is a severe anxiety disorder, that brings suffering and disabling. In this study, 17 patients with diagnosis of generalized social phobia were randomly allocated in two groups of treatments. One group received social skills training alone (SST) and the other group received the combination of social skills training and cognitive restructuring (SSTCR). Both treatments were effective, however the combination of techniques (SST-CR) proved to be significantly more effective than social skills training alone in the several measures instruments at the final of 8 weeks of treatment and at the 3-month follow-up.

Keywords: Social phobia, Cognitive restructuring, Psychotherapy.


 

 

A fobia social (transtorno de ansiedade social) é um dos transtornos mentais mais prevalentes na população geral (Magee, Eaton, Wittchen, McGonagle & Kessler, 1996); é considerada um transtorno crônico que não apresenta remissões espontâneas e traz perdas de oportunidades e sofrimento para seu portador (D'El Rey, 2001; Wittchen & Beloch, 1997).

O treinamento de habilidades sociais é considerado na prática clínica como um dos tratamentos não-farmacológicos mais eficazes para a fobia social (Heimberg, 2002; Lincoln et al., 2003). A reestruturação cognitiva mostrou-se como uma técnica importante no tratamento da fobia social, pois muitos pacientes apresentam diversas cognições negativas a respeito de suas habilidades e do julgamento que possam estar sofrendo por parte de outras pessoas (Hofmann, 2004; Taylor et al., 1997).

Infelizmente não existem muitos estudos comparando a eficácia do treinamento de habilidades sociais com e sem a reestruturação cognitiva na fobia social. Alguns estudos relatam que a associação destas técnicas traz bons resultados no tratamento da fobia social (Lincoln et al., 2003; Mersch, 1995; Mersch, Emmelkamp, Bögels & van Der Slenn, 1989), outros estudos descrevem que não existem vantagens para o paciente fóbico social na associação destas duas técnicas (Souza & Pereira, 1997; Van Dam-Baggen & Kraaimat, 2000).

Este estudo teve como objetivo comparar os efeitos do tratamento de pacientes com diagnóstico de fobia social generalizada utilizando-se treinamento de habilidades sociais com e sem a reestruturação cognitiva.

 

Método

Participantes

A amostra compreendeu 17 pessoas, sendo 10 homens e 7 mulheres, com a média de idade de 36,2 anos e com a média de anos de duração da fobia social de 15,9 anos (ver Tabela 1). Os pacientes foram recrutados por meio de anúncios em jornais do bairro. Vinte e seis pessoas responderam aos anúncios nos jornais. Nove pessoas não puderam ser incluídas no presente estudo, devido aos critérios estabelecidos para a inclusão, estes critérios foram: ter entre 18 e 60 anos; diagnóstico primário de fobia social segundo o DSM-IV (Associação de Psiquiatria Americana, 1995); não ter nenhum problema com álcool e drogas; não apresentar depressão grave; não apresentar agorafobia; não estar recebendo nenhuma forma de tratamento psicoterápico ou psicofarmacológico durante o estudo. Todas as pessoas incluídas neste estudo foram avaliadas para o diagnóstico de fobia social por meio da Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV - SCID-I/P 2.0 (Tavares, 1996), reportando altos níveis de ansiedade social e evitação de diversas situações sociais e de desempenho, com interferência nas rotinas diárias e sofrimento. A amostra compreendeu, em sua maioria, as seguintes situações: 76% medo de beber diante de outras pessoas; 71% medo de falar para um pequeno grupo de pessoas desconhecidas; 67% medo de conversar com pessoas do sexo oposto; 27% medo de escrever na presença de outras pessoas; 22% medo de usar o toalete fora de casa (todos homens); e 25% medo de outras situações, tais como medo de estar em lugares públicos, conversar com figuras de autoridade e medo de comer em público. Cabe ressaltar, que toda a amostra deste estudo recebeu o diagnóstico de fobia social generalizada, pois apresentavam diversos medos, descritos anteriormente.

Desenho experimental

As pessoas foram distribuídas randomicamente em dois grupos de tratamento. O primeiro grupo continha 8 pessoas e recebeu apenas treinamento de habilidades sociais (THS) e o outro grupo continha 9 pessoas e recebeu treinamento de habilidades sociais associado à reestruturação cognitiva (THS-RC).

Tratamento

A) Aspectos gerais: As pessoas foram tratadas em dois grupos por 2 horas e 30 minutos se-manais por 8 semanas. Dois psicoterapeutas com experiência (a época do estudo, 5 anos) em tratamento com técnicas cognitivas e comportamentais da fobia social (os dois primeiros autores) conduziram as sessões de tratamento. Durante o período do presente estudo, ambos os terapeutas não discutiram o andamento dos tratamentos de ambos os grupos, para que não ocorresse uma contaminação de informações.

B) Treinamento de habilidades sociais (THS): Esta forma de tratamento envolveu a discussão e a prática de situações sociais em que cada paciente treinou a habilidade necessária para a conclusão de determinada situação (conforme suas deficiências nas habilidades sociais), utilizou-se, no treinamento, o ensaio comportamental por meio do terapeuta e/ou de outros pacientes do grupo (Ca-ballo, 1996; Falloon, Lindley & McDonald, 1977). Durante a primeira sessão de tratamen-to, o objetivo da terapia e os procedimentos para as próximas 7 sessões foram explicados aos participantes. O tempo restante da primeira sessão foi utilizado para a estruturação dos exercícios. Nas sessões 2 a 7, metade do tempo foi utilizado para a estruturação da prática das situações sociais, tais como, conversar com pessoas do sexo oposto, falar para um pequeno grupo, escrever em público, etc. A outra metade do tempo dessas sessões foi utilizado para a prática real das situações, levando-se em conta o déficit de habilidades sociais de cada paciente. A última sessão (8ª sessão) foi usada para a avaliação das melho-ras obtidas na terapia. Era solicitado aos pacientes que se expusessem durante a semana (entre as sessões) como tarefa de casa às situações treinadas nas sessões de terapia. Os participantes mantiveram um diário, onde anotavam as situações sociais que lhes causavam desconforto; a ansiedade inicial a cada tarefa (numa escala de 0 a 100); e a ansiedade final após o término da tarefa (também numa escala de 0 a 100). Cabe ressaltar que neste grupo de tratamento, nenhuma intervenção cognitiva foi realizada, mesmo quando os pacientes apresentavam pensamentos negativos e distorcidos durante o treino de habilidades sociais. Em média, duas diferentes situações sociais eram praticadas em cada sessão de terapia.

C) Treinamento de habilidades sociais e reestruturação cognitiva (THS-RC): Ambas as técnicas foram utilizadas neste grupo de tratamento. O treinamento de habilidades sociais neste grupo seguiu o mesmo formato relatado anteriormente para o grupo que recebeu apenas THS. A reestruturação cognitiva utilizada neste estudo foi a descrita por Beck (1997). Nesta técnica cognitiva, os pacientes foram ensinados a identificar os pensamentos distorcidos que ocorriam nas situações sociais; a procurar evidências favoráveis e em contrário a seus pensamentos mal-adaptativos; e substituir estes pensamentos por outros mais positivos e adaptativos. Inicialmente, o terapeuta ajudou os pacientes nesta técnica, porém quando os pacientes aprenderam a usála, foram encorajados a praticá-la sozinhos. Também foram encorajados a discutirem entre os participantes do grupo estes pensamentos e a reavaliação dos mesmos (Taylor et al., 1997). Além do diário que continha informa-ções sobre a realização de tarefas sociais durante a semana (idêntico ao grupo que recebeu apenas THS), os pacientes deste grupo mantiveram um diário onde registravam a situação social que lhe causava desconforto; a ansiedade inicial a cada tarefa (numa escala de 0 a 100); pensamentos distorcidos e negativos que ocorriam na situação; a avaliação e correção desses pensamentos; e a ansiedade final após o término da tarefa (também de 0 a 100). A estrutura das sessões foi idêntica àquela usada no grupo que recebeu apenas THS.

Procedimento

Após os pacientes terem sido avaliados para a inclusão no estudo e distribuídos nos dois grupos de tratamento, foram avaliados numa segunda entrevista para o pré-tratamento por meio de diversas escalas de avaliação (descritas a seguir no texto). Ao final do trata-mento, os pacientes foram novamente avaliados pelas mesmas escalas. Foi solicitado, aos pacientes, ao final da última sessão, que continuassem a utilizar as técnicas apreendidas durante o tratamento até o follow-up. No follow-up de três meses, foi oferecido tratamento adicional aos pacientes que assim o desejaram.

Medidas de avaliação

A) Teste de Aproximação Comportamental: Individualmente foi construída uma hierarquia de situações sociais temidas, igualmente a usada no estudo de Biran, Augusto e Wilson (1981). A hierarquia foi usada como um procedimento de avaliação pré, pós-tratamento e no follow-up. Os escores do teste de aproximação variaram entre 0 a 100 pontos. Os pacientes foram instruídos a preencheram juntamente com o terapeuta este teste.

B) Escala de Problemas e Objetivos (Gelder & Marks, 1966, citado por Ito & Ramos, 1998): Em nosso estudo, foi utilizada para avaliação da esquiva fóbica a subescala de esquiva da Escala de Problemas e Objetivos. Situações fóbicas que o paciente evita são descritas como problemas principais a serem enfocados durante o tratamento. As situações são avaliadas em escala de 0 a 8, em relação ao grau de esquiva fóbica. A escala é preenchida pelo próprio paciente.

C) Inventário de Fobia SocialSPIN (Vilete, Coutinho & Figueira, 2004): O SPIN é um instrumento que consiste de 17 itens, abrangendo 3 critérios importantes que definem o quadro clínico da fobia social, ou seja, o medo, a evitação das situações e os sintomas somáticos. O inventário engloba tanto situações de interação social quanto de desempenho. Para cada item do questionário, solicita-se, ao indivíduo, que indique o quanto as situações o incomodaram, devendo marcar uma entre as cinco opções, que variam de "De forma alguma à Extremamente". A pontuação para cada uma das opções varia de 0 a 4, e a pontuação total do inventário varia de 0 a 68. Escores de 19 pontos, ou mais, indicam a presença de sintomas compatíveis com o diagnóstico de fobia social. O próprio paciente preenche esse instrumento.

D) Lista de Pesquisa de Medo (Hallan & Hafner, 1978): A ansiedade social foi mensurada por meio de uma subescala da Lista de Pesquisa de Medo. Esta subescala consiste de 10 itens relativos a situações sociais e são avaliadas cada uma em escores de 0 a 3. Quanto maior o escore, maior a ansiedade social. O escore total varia de 0 a 30. A subescala é preenchida pelo paciente.

E) Inventário de Cognições Sociais-SCI (van Kamp & Klip, 1981): Este questionário consiste de 35 itens que avaliam as cognições maladaptativas em situações sociais. O inventário apresenta duas sessões, uma que avalia a atitude do paciente em relação às outras pessoas (17 itens), e outra sessão que avalia a preocupação com a auto-imagem (18 itens). Os escores para cada item variam de 1 a 5, com um escore variando de 35 a 175. Este instrumento é de autopreenchimento.

F) Expectativas para o tratamento: Para medir as expectativas dos pacientes de ambos os grupos para os tratamentos propostos, as percepções em relação à terapia foram avaliadas em: a estrutura do tratamento parece lógica; acredita que o tratamento reduzira seus medos sociais; e eles recomendariam este tipo de tratamento para outras pessoas. Cada um dos três itens propostos para esta avaliação variaram entre 0 e 10, podendo alcançar um escore total de 30 pontos (Mattick & Peters, 1988).

Questões éticas

Todos os pacientes assinaram um termo de compromisso, em que estavam expressos os objetivos da pesquisa e que poderiam deixar o estudo em qualquer momento, sem prejuízo de continuarem o tratamento individualmente ou em grupo se assim o desejassem. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Pesquisas e Tratamento de Transtornos de Ansiedade - São Paulo-SP.

Análise estatística

Análises de variância múltipla (MANOVA) e de covariância (ANCOVA) foram utilizadas ao longo dos resultados deste estudo (McCall, 1990).

 

Resultados

Características da amostra no pré-tratamento

As características dos pacientes no pré-tratamento estão na Tabela 1. A análise de variância múltipla (MANOVA) mostrou que não existiram diferenças significativas entre os dois grupos no pré-tratamento (THS x THS-RC) em relação à idade, distribuição dos sexos, estado civil e duração do quadro fóbico (F < 1). A MANOVA também mostrou que não existiram diferenças significativas nos escores dos instrumentos de avaliação entre os dois grupos no início do tratamento (F < 1). Todos os 17 pacientes terminaram o estudo.

 

 

Comparação dos tratamentos (THS x THS-RC)

A) Expectativas da terapia: Os dois grupos não apresentaram diferenças significativas nos escores relativos à expectativa em relação aos tratamentos propostos (THS = média dos escores de 23, DP = 2,8 e THS-RC = média de 25, DP = 2,5). Estes resultados sugerem que os tratamentos foram apresentados para os pacientes com a mesma credibilidade por ambos os terapeutas.

B) Teste de Aproximação Comportamental: Os resultados deste teste estão representados na Figura 1 e mostram a média nos escores dos dois grupos de tratamento no pré, póstratamento e no follow-up de três meses. Como pode ser observado, ambos os grupos apresentaram melhoras substanciais neste item. Aanálise de covariância (ANCOVA) confirmou que existiu uma melhora global significativa em ambos os grupos. Entretanto, o grupo que recebeu a combinação de treinamento de habilidades sociais e reestruturação cognitiva (THS-RC) apresentou uma melhora superior, no pós-tratamento, ao grupo que recebeu apenas treinamento de habilidades sociais (THS). Ambos os grupos mantiveram a melhora conseguida ao final do tratamento no follow-up de três meses.

 

 

C) Escala de Problemas e Objetivos: A Figura 2 mostra as médias dos escores dos dois grupos obtidos na subescala de esquiva fóbica. Ambos os grupos apresentaram melhoras ao final do tratamento. A ANCOVA realizada neste item da avaliação mostrou que similarmente ao Teste de Aproximação Comportamental existiu uma melhora significativa em ambos os grupos. Mas como pode ser visto na Figura 2, o grupo que recebeu o tratamento com a combinação de técnicas (THS-RC) apresentou uma melhora superior ao grupo que recebeu apenas THS.

 

 

D) Inventário de Fobia Social (SPIN): O grupo que recebeu o tratamento combinado (TSH-RC) obteve uma melhora superior ao grupo que recebeu apenas o treinamento de habilidades sociais (TSH), embora ambos os grupos apresentassem melhoras segundo este instrumento de avaliação, como pode ser visto na Figura 3. A ANCOVA realizada para esta medida de avaliação mostrou que existiu uma melhora significativa nos dois grupos de tratamento. Como esse instrumento avalia o limite de sintomatologia fóbica social (19 pontos ou mais), no grupo que recebeu apenas THS, duas (24% da amostra de 8 pacientes e 12% da amostra total de 17 pacientes) pessoas obtiveram pontuação no pós-tratamento e no follow-up de três meses inferior a 19 pontos, ou seja, segundo este instrumento, não apresentavam mais sintomas compatíveis com o diagnóstico de fobia social. No grupo que recebeu o tratamento combinado (TSH-RC), quatro (33% da amostra de 9 pacientes e 24% da amostra total) pacientes obtiveram pontuação inferior a 19 pontos no pós-tratamento e no follow-up.

 

 

E) Lista de Pesquisa de Medo: A Figura 4 mostra as médias dos escores dos dois grupos obtidos na subescala que avalia ansiedade social neste instrumento. Os dois grupos apresentaram melhoras no pós-tratamento que foram mantidas no follow-up de três meses. A ANCOVA realizada neste item da avaliação mostrou que existiu uma melhora significativa em ambos os grupos. O grupo que recebeu THS-RC apresentou melhoras superiors ao grupo que recebeu apenas THS ao final do tratamento nesta medida de avaliação.

 

 

F) Inventário de Cognições Sociais (SCI): A Figura 5 apresenta os resultados obtidos neste instrumento em ambos os grupos de tratamento para uma melhor visualização dos dados encontrados. Ambos os grupos apresentaram melhoras nesta medida de avaliação. Porém, segundo o que a ANCOVA realizada neste item mostrou, o grupo que recebeu a combinação de técnicas (THS-RC) apresentou uma melhora significativamente superior nesta medida de avaliação em relação ao grupo que recebeu o treinamento de habilidades sociais isoladamente (THS), conforme pode ser visualizado claramente na Figura 5.

 

 

Tratamento adicional

No follow-up de três meses foi oferecido tratamento adicional aos pacientes que desejavam e sentiam necessidade de continuar com a terapia. Quatro (50% da amostra de 8 pessoas e 24% do total da amostra de 17 pessoas) pacientes do grupo que recebeu apenas THS solicitaram tratamento adicional, enquanto que apenas 1 (11% da amostra de 9 pessoas e 6% do total da amostra) paciente do grupo que recebeu THS-RC solicitou tratamento adicional após o follow-up.

 

Discussão

Até o presente momento e até onde sabemos, não existem, aqui no Brasil, estudos que comparem o treinamento de habilidades sociais usado em associação ou não com a técnica de reestruturação cognitiva no tratamento da fobia social.

A divisão dos pacientes nos dois grupos de tratamento (THS x THS-RC) foi similar em sua distribuição com relação ao sexo, idades e tempo de doença à de outros estudos com fobia social (Biran et al., 1981; Lincoln et al., 2003; Mersch, 1995; Mersch et al., 1989; Souza & Pereira, 1997; van Dam-Baggen & Kraaimat, 2000).

Comparando-se os instrumentos de avaliação antes e depois do tratamento, ambos os grupos apresentaram melhoras significativas. E observando-se estes mesmos instrumentos no follow-up de três meses, novamente ambos os grupos de tratamento mantiveram as melhoras conseguidas durante a terapia. Porém, no grupo que recebeu apenas treinamento de habilidades sociais (THS), embora tenha apresentado melhoras em relação ao Inventário de Cognições Sociais (SCI), estas foram significativamente inferiores às melhoras apresentadas no grupo que recebeu tratamento combinado. Este fato pode ser justificado pelo uso da técnica de reestruturação cognitiva, uma vez que com uma melhor avaliação das situações sociais e de desempenho (eliminando-se as distorções cognitivas tão freqüentes nos fóbicos sociais), o medo presente no enfrentamento destas mesmas tende a diminuir, como afirmam Falcone (2001); Hofmann (2004); Taylor et al. (1997).

Comparando-se os dois tratamentos, o grupo que recebeu a combinação de treinamento de habilidades sociais e reestruturação cognitiva (THS-RC) apresentou, em todas as medidas de avaliação, uma superioridade na melhora da fobia social em relação ao grupo que recebeu apenas o treinamento de habilidades sociais (THS), sugerindo que a combinação destas duas técnicas é um tratamento não-farmacológico efetivo para esta grave condição de ansiedade, apoiando os estudos de Lincoln et al. (2003); Mersch (1995); Mersch et al. (1989); Rodebaugh, Holaway e Heimberg (2004). Estes resultados também são refletidos no follow-up de três meses em que apenas uma pessoa do grupo que recebeu THS-RC solicitou tratamento adicional, enquanto que quatro pessoas do grupo que recebeu apenas THS solicitaram tratamento extra para a fobia.

Outro fator que apóia estes resultados relatados anteriormente, diz respeito ao Inventário de Fobia Social (SPIN) aplicado no follow-up de três meses. O dobro de pacientes (4 = THS-RC x 2 = THS) que receberam o tratamento combinado apresentaram escores inferiores a 19 pontos neste inventário, sendo esta uma pontuação que indica a não presença de sintomas compatíveis com o diagnóstico de fobia social.

Acreditamos que a modificação das cognições negativas e distorcidas apresentadas pelos pacientes com fobia social por meio de técnicas cognitivas (Clark & Wells, 1995), é um preditivo significativo para a manutenção da melhora conseguida no tratamento da fobia social (Hofmann, 2004; Lincoln et al., 2003; Taylor et al., 1997). O medo do fracasso e da ridicularização são aspectos importantes nas pessoas com ansiedade social, dificultando iniciativas de exposição (Oliveira & Duarte, 2004). Nos estudos de Butler (1985) e Stopa e Clark (1993), estes reportaram que a mudança cognitiva nos pacientes fóbicos sociais é essencial para o sucesso do tratamento, pois quando estas não ocorrem, geralmente o paciente deixa de continuar com o tratamento. Outro estudo (Hofmann, 2004) relatou que os pacientes fóbicos sociais que ao final do tratamento mantêm ainda diversas cognições negativas em relação a situações sociais e de desempenho têm uma maior chance de recaídas.

Alguns comentários são necessários, pois estes podem ajudar na direção de pesquisas futuras. Embora o grupo de THS-RC obtivesse um melhor resultado na melhora da fobia social em relação ao grupo de THS, a diferença mais marcante ocorreu no Inventário de Cognições Sociais (SCI). A melhora significativa nas cognições distorcidas e negativas em situações sociais apresentadas no grupo de THS-RC parece ser responsável também pela melhora superior nas outras medidas de avaliação em relação ao grupo de THS somente. Considerar a técnica de reestruturação cognitiva como somente um procedimento para alterar cognições mal-adaptativas, parece-nos impor um reducionismo à eficácia dessa técnica; ela é também reconhecida como um procedimento de gerência da ansiedade (Taylor et al., 1997). Os procedimentos de reestruturação cognitiva tentam reduzir o pensamento defeituoso, ensinando aos pacientes um procedimento sistemático para identificar e corrigir estes pensamentos distorcidos. Sem especificamente serem treinados em tais procedimentos, os pacientes fóbicos podem apresentar melhorias nos sintomas de ansiedade social, contudo não podem ser hábeis em usar técnicas cognitivas para controlar a ansiedade social (Hofmann, 2004) quando esta tem um aumento frente a situações ou na expectativa do enfrentamento de determinada situação temida (ansiedade antecipatória). Por isso, acreditamos que a reestruturação cognitiva deve estar presente em qualquer pacote de tratamento da fobia social.

Neste estudo, a terapia de grupo com treinamento de habilidades sociais e reestruturação cognitiva mostrou-se como um tratamento superior ao treinamento de habilidades sociais usado isoladamente no tratamento da fobia social generalizada. Pesquisas futuras devem ser dirigidas com um maior número de pacientes para uma melhor confirmação dos resultados encontrados.

 

 

Referências

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Recebido em: 21/06/2005
Primeira decisão editorial em: 28/05/2006
Versão final em: 28/05/2006
Aceito em: 05/06/2006

 

 

1 E-mail: g.delrey@bol.com.br