SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Algumas considerações sobre o responder relacionalContribuições, participação, organização e representação da análise experimental do comportamento nos eventos e na organização da psicologia no Brasil: a ABPMC como condição e ponto de partida índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.2 São Paulo dez. 2006

 

RESENHA

 

A análise do comportamento e o planejamento de contingências de ensino

 

 

Ghoeber Morales dos SantosI,1; Manuela Gomes LopesII,2

ICentro Universitário Newton Paiva
IIUniversidade Federal de Minas Gerais

 

 

Resenha do livro “Análise de contingências em programação de ensino infantil”: liberdade e efetividade na educação, escrito por Adélia Maria Santos Teixeira. Santo André: ESETec (2006).

A leitura de duas obras, Psicoterapia centrada en el cliente (em português: A terapia centrada no paciente ), de Carl R. Rogers (1966) e Liberdade sem medo, de A.S. Neil (1968), na qual são descritos procedimentos pedagógicos praticados na Escola Summerhill, na Inglaterra, constitui a principal inspiração da autora deste livro em seus primeiros anos de vida profissional. Motivada pela educação centrada no aluno, apontada pela perspectiva rogeriana, e pela educação liberal, defendida por Neil, ela elabora um projeto pedagógico infantil baseado em duas proposições: ensino de qualidade e liberdade de ação dos alunos.

A história narrada no livro é a de uma escola infantil criada e desenvolvida em Belo Horizonte. Em 1970, duas jovens (sendo a própria autora uma delas) recém-formadas em Psicologia uniram-se para instituir uma escola de alta qualidade, dirigida para a classe média. Esta escola foi construída num espaço físico amplo e confortável e contava com professores qualificados e bem remunerados. A autora nos relata, com riqueza de detalhes, sobre as experiências pedagógicas vividas nessa instituição de ensino, no período compreendido entre 1970 e 1983.

O livro é destinado a uma ampla gama de leitores: professores, pedagogos, psicólogos, alunos de Psicologia e de Pedagogia, pessoas interessadas em educação e, primordialmente, analistas do comportamento. A narrativa é escrita por meio de linguagem simples e acessível, possibilitando uma fácil compreensão. Em determinados momentos, alguns termos técnicos são utilizados, por exigência estrita dos procedimentos descritos. Entretanto, a autora sempre os define e os explica de modo inteligível ao leitor.

Os objetivos gerais que nortearam o desenvolvimento do projeto pedagógico da referida escola foram:

1) Oferecer à classe média uma escola de alto nível;
2) Criar um grupo de trabalho altamente interessado em educação;
3) Criar um ambiente propício ao trabalho científico e ao desenvolvimento intelectual do quadro de pessoal;
4) Desenvolver pesquisas em Psicologia e oferecer possibilidade de estágio a alunos do curso de Psicologia e a interessados de outros cursos;
5) Participar da educação integral dos alunos, promovendo, então, um relacionamento íntimo entre escola e família;
6) Desenvolver, nos alunos, a sociabilidade, a criatividade, a espontaneidade, a iniciativa e as operações de raciocínio, assim como a habilidade de iniciar e transmitir informações, enfatizando o desenvolvimento das aptidões para a Matemática e para as Ciências Exatas.

O livro está dividido em três partes: a primeira, constituída pelos capítulos 1, 2 e 3, enfoca a tentativa das donas da escola em unir o modelo tradicional de ensino com uma filosofia liberal de educação. Na segunda parte, formada pelos capítulos 4, 5, 6 e 7, é descrita a introdução do modelo de análise de contingências naquela instituição, acompanhado pela individualização na programação do ensino. Finalmente, na terceira parte, composta pelo capítulo 8, a autora tece algumas reflexões sobre as experiências pedagógicas vividas e discute problemas relativos à qualidade e efetividade do ensino.

Mais especificamente, nos capítulos 1, 2 e 3, são narrados a criação da escola e seus primeiros anos de funcionamento. Destaca-se que, em princípio, o formato pedagógico que a direcionava estava calcado em um modelo tradicional de ensino. A autora ressalta que o trabalho conduzido começou a revelar problemas desde o início, o que apontava para mudanças necessárias. Dentre as principais dificuldades enfrentadas na instituição, estavam a heterogeneidade das turmas, o pouco conhecimento das diretoras em relação ao que acontecia concretamente dentro de sala, o manejo das classes e as fugas constantes de crianças de suas salas de aula.

Uma contradição importante do sistema pedagógico adotado pôde então ser vislumbrada: objetivava-se unir uma filosofia de educação permissiva, liberal e centrada nas diferenças individuais a um sistema de ensino dirigido e centrado na unidade grupal, característico do modelo educativo infantil tradicional. As donas e também diretoras da escola (a autora e sua sócia) oscilavam entre essas duas metas concorrentes, sendo que nenhuma delas era, de fato, atingida. Modificações tanto no planejamento como na execução das atividades pedagógicas da instituição mostraram-se urgentes.

Ainda em 1970, a autora e sua sócia iniciaram seus estudos sobre Análise Experimental do Comportamento. Em 1971, elas decidiram aplicar alguns princípios do comportamento às ações pedagógicas desenvolvidas, procurando alterar a conduta das crianças. No entanto, isso foi feito de forma limitada e pouco sistemática. Novas mudanças ocorridas na escola, entre elas mudanças administrativas, físicas e aquelas relacionadas às situações de ensino, culminaram na decisão da autora de se ocupar mais efetivamente daquilo que acontecia no espaço da sala de aula. Como conseqüência, ela resolveu atuar inclusive no planejamento das atividades diárias das crianças, na tentativa de retirar, das professoras, a função de determinar e distribuir os conteúdos a serem ensinados e de adquirir, em contrapartida, maior controle acerca do que estava sendo realizado em cada classe.

Porém, a dinâmica de funcionamento da instituição ainda apresentava problemas e dificuldades, algumas delas persistentes há muito tempo: a saída de alunos de suas salas de aula, o nível de ensino que deixava a desejar, além de uma variedade grande no padrão de aquisições das crianças. Ou seja, algumas aprendiam o conteúdo programado com facilidade e num curto período de tempo, enquanto outras apresentavam muitas dificuldades e precisavam de mais explicações para o compreenderem. Esses obstáculos eram enfrentados com alterações por sua vez insuficientes para realmente mudar os resultados do trabalho realizado e para cumprir a meta de qualidade de ensino. As contingências de reforçamento atuantes nas situações escolares diárias não eram identificadas. Gradativamente, a incompatibilidade entre o modelo do sistema tradicional de ensino e os propósitos de ensino efetivo e liberdade de ação para as crianças tornava-se mais nítida.

No capítulo 4, a autora descreve o Programa Escrita Manuscrita Cursiva, com o qual ela pretendeu estabelecer a seqüência de contingências necessárias para a instalação do repertório de leitura apoiado em um repertório de escrita. Essa descrição é feita de maneira minuciosa, com as especificações de cada passo realizado. O cumprimento do programa exigia a aplicação de vários procedimentos e princípios da Análise Experimental do Comportamento. Dentre estes, podem ser citados: modelagem; reforço diferencial; reforço positivo; discriminação de estímulos; generalização de estímulos; diferenciação de respostas e operantes encadeados.

No capítulo 5, a forma como se deu a implantação da programação de contingências e da individualização do ensino na escola é descrita, bem como as dificuldades encontradas para tal. De acordo com a autora, em 1974 o ensino individualizado foi implantado para todos os alunos acima de três anos de idade, nas áreas de Matemática e Linguagem. Com essa mudança na maneira de ensinar, os professores da escola não se encarregavam mais do planejamento da situação de ensino; esta função passou a ser da diretora técnica da escola (a autora do livro). O papel dos professores, a partir dessa mudança, era o de veicular os programas desenvolvidos, acompanhar a interação dos alunos com os mesmos e interagir socialmente com eles. Essa dicotomia entre planejamento e execução das tarefas foi fundamental para que a implantação da individualização do ensino programado ocorresse.

Duas características da nova situação pedagógica implantada também merecem destaque. Uma delas refere-se ao fato de que a programação do ensino requeria, por parte dos alunos, a demonstração de um domínio pleno do que lhes era ensinado (critério de 100% de acerto) para que eles pudessem dar continuidade às atividades propostas. Isto garantia que todos os alunos da escola chegassem ao final do período letivo tendo aprendido, de fato, tudo aquilo que havia sido estipulado. A outra característica aponta para o respeito ao ritmo próprio de aquisição do aluno, ou seja, este tinha a possibilidade de cumprir as atividades do programa de forma gradual, de acordo com suas necessidades e com seu ritmo de compreensão dos conteúdos ensinados.

Uma mudança tão grandiosa no método de ensino quanto a que estava sendo introduzida requereu um planejamento ambiental bastante amplo e implicou um período de adaptação importante tanto para os alunos quanto para os funcionários da escola. Mesmo assim, dificuldades e problemas durante a implantação da programação e da individualização do ensino certamente surgiram e estão descritas no final desse capítulo. A principal delas diz respeito ao não cumprimento da participação diária dos alunos nas áreas de Matemática e Linguagem. Nesse primeiro momento do processo de implantação da programação do ensino, estava previsto que cada aluno tivesse contato com as atividades de Matemática e Linguagem todos os dias. No entanto, o que se observou foi a participação por, no máximo, três vezes na semana.

Ainda no capítulo 5, é apresentada uma descrição dos programas “Sistema de Numeração I” e “Sistema de Numeração II”, referentes à programação do ensino na área de Matemática. Estes dois programas tiveram, como objetivo, estudar o sistema numérico com base em noções de teoria de conjunto.

No capítulo 6, são evidenciadas as modificações implementadas na proposta inicial do novo sistema de ensino a fim de sanar as dificuldades ressaltadas no capítulo 5. Uma dessas modificações foi a adoção de um treinamento mais sistemático dos professores no intuito de garantir um desempenho adequado na aplicação dos programas de ensino desenvolvidos. A aplicação dos programas de Matemática e Linguagem em grupos de dois ou três alunos foi outra alteração feita a partir de 1977, que se encontra descrita no final do capítulo.

No capítulo 7, são apresentados alguns dados derivados da ação pedagógica realizada antes e depois da implantação da programação do ensino de forma individualizada. Dois problemas presentes na escola antes da mudança no método de ensino que incomodavam bastante a autora eram o desconhecimento acerca do que ocorria dentro da sala de aula e na situação de ensino em geral e dúvidas em relação à eficácia do que era ensinado. Ambos diminuíram consideravelmente a partir da implantação da programação de ensino por ela desenvolvida, já que “o ensino programado embute, em sua formulação, um compromisso com registro de dados sistemáticos, que permitem analisar a natureza da produção do aluno e a efetividade do programa” (Teixeira, 2006, p.150). Grande parte deste capítulo, portanto, apresenta dados do desempenho de 30 crianças submetidas ao ensino programado individualizado nas áreas de Matemática e Linguagem. O maior grau de facilidade ou dificuldade demonstrado pelos alunos em cada tarefa dos programas foi obtido por meio do número de atendimentos requeridos pelas crianças para completar cada programa, isto é, pelo número de vezes em que eles tiveram contato com as atividades programadas.

A Parte III do livro é composta pelo capítulo 8, o último deles. É o momento no qual a autora reflete acerca da experiência pedagógica que vivenciou ao longo de 13 anos desafiadores. As considerações trazidas nesse capítulo são bastante enriquecedoras. Trata-se de temas como a parceria entre ciência e educação; as relações entre ensino programado, tecnologia de ensino e Análise Experimental do Comportamento (incluindo-se aí as principais diferenças entre a Instrução Programada e o Sistema de Ensino Personalizado, o PSI ( Personalized System of Instruction ); as possibilidades e limitações do atendimento coletivo em um sistema de ensino programado; os equívocos e falácias de leigos e mesmo de educadores sobre princípios comportamentais (tais como a idéia de que a aplicação de princípios comportamentais – ou de condicionamento – à educação reduz as diferenças individuais entre as pessoas tornando-as semelhantes, massificando-as, e também a suposição de que as pessoas, por serem diferentes, não são capazes de adquirir habilidades em padrões semelhantes de desempenho). Além disso, são descritas as relações estabelecidas entre máquina de ensinar, alunos e professores, bem como a nova função dos professores num sistema de ensino programado e individualizado; a discussão existente entre programação de contingências de ensino lineares e em rede; eficiência versus eficácia do ensino e, finalmente, a compatibilização entre crenças no ensino efetivo e na liberdade de atuação do aluno, idéias que nortearam, desde o início, a experiência pedagógica relatada nesta obra.

Acreditamos que todos terminarão a leitura desta obra com a mesma constatação: aquilo que a Educação necessita urgentemente é uma mudança no método de ensino. Teixeira (2006) é enfática neste ponto ao dizer:

Não adianta investir em treinamento de professores, em construção de mais escolas, em produção de material pedagógico. Tudo isso tem sua importância e está sendo feito por alguns governadores de alguns estados. A educação não mudará, porém, se não ocorrer uma intervenção no método de trabalho, o que implica a aplicação dos conhecimentos científicos da Análise Experimental do Comportamento no planejamento do ensino (p.203).

Tal forma de pensar é fruto de uma vida quase inteiramente dedicada ao estudo e ensino da Análise do Comportamento. Há mais de 30 anos, a autora tem se dedicado à Educação e, particularmente, às contribuições que a Análise do Comportamento pode trazer para essa área.

A Professora Dra. Carolina Bori plantou sementes que se tornaram frutos valiosos – analistas do comportamento cujas pesquisas e produções sobre Educação se destacam na comunidade behaviorista radical. A autora deste livro é, certamente, um desses frutos. A sistematização de sua experiência pedagógica, compilada nesta obra, é a semente que ela nos deixa. Como ela mesma costuma nos dizer, “o instrumental inicial já está disponível...”. Que novos frutos sejam colhidos!

 

 

Recebido em: 15/03/2007
Primeira decisão editorial em: 09/04/2007
Versão final em: 17/04/2007
Aceito em: 15/05/2007

 

 

1 Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento (PUC/SP). E-mail:ghoeber@yahoo.com
2 Mestra em Educação (Faculdade de Educação / UFMG). Pesquisadora associada ao Laboratório de Psicologia e Educação (LAPED / UFMG). E-mail: manuglopes@gmail.com