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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.2 São Paulo dez. 2006

 

SEÇÃO ESPECIAL

 

Relações entre a Sociedade Brasileira de Psicologia e a Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental1

 

Relationships between Brazilian Psychology Association and the Brazilian Association of Behavioral Psychotherapy and Medicine

 

 

Maria Martha Costa Hübner2

Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O presente artigo apresenta um relato da autora da recente experiência como presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia, por dois biênios consecutivos, 2001-2002 e 2003-2004, das suas atuações junto à ABA (Association for Behavior Analysis) e da articulação para a criação da ABA Brasil, com foco nas relações estabelecidas com a ABPMC ao longo dessa recente história, no seu aprendizado e nas reflexões aí nascidas. O objetivo foi discutir, a partir desta experiência, as possibilidades de presença mais sistemática da ABPMC junto a entidades e fóruns da Psicologia no Brasil. Conclui-se que foi somente a partir do momento em que as relações foram oficializadas e em que as redes de comunicação se tornaram sistêmicas e institucionais é que conquistas foram conseguidas e portas foram abertas à maior difusão da Análise do Comportamento e inter-relação entre a ABPMC e sociedades científicas. Considera-se este caminho necessário para a difusão e fortalecimento da Análise do Comportamento no Brasil.

Palavras-chave: Sociedades científicas, Análise do comportamento, Política científica, Organização científica.


ABSTRACT

The present paper presents a report of the author´s recent experience as the president of the Brazilian Psychology Association, for four years (2001-2002-2003-2004), her participation at the Association for Behavior Analysis and the articulation for the creation of ABA Brazil, with the focus on the established relations with ABPMC throughout this recent history, on her process of learning during this experience and on reflections emerged. The objective was to discuss, based on this experience, the possibilities for a more systematic presence of ABPMC at the entities and national forums of Psychology in Brazil. The conclusion is that it was only after the relations among other scientific associations became official and the communication network became systemic and institutionalized that conquests were possible and doors were opened to a larger diffusion of Behavior Analysis and an interrelation among ABPMC and scientific associations. This organization is considered necessary for the diffusion and empowerment of Behavior Analysis in Brazil.

Keywords: Scientific associations, Behavior analysis, Scientific police, Scientific organization.


 

 

Agradeço, em primeiro lugar, ao professor Emmanuel Tourinho, pelo convite a mim feito, durante a reunião da ANPEPP, em Florianópolis, a partir de uma idéia elaborada pelo grupo de Analistas de Comportamento reunidos sob sua coordenação. Deduzi que o convite para participar da mesa redonda sobre as possibilidades de presença mais sistemática da ABPMC junto a entidades e fóruns da Psicologia no Brasil deu-se a partir de minha recente experiência como presidente da Sociedade Brasileira de Psicologia, por dois biênios consecutivos, 2001-2002/ 2003/2004, das minhas atuações junto à ABA – Association for Behavior Analysis e na articulação para a criação da ABA Brasil. Minha participação, portanto, partirá de um relato dessas experiências na SBP e na ABA e das relações estabelecidas com a ABPMC ao longo dessa recente história, do meu aprendizado e de reflexões aí nascidas.

 

ABPMC e a SBP

A SBP, sucessora da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, como muitos sabem, foi fundada por Analistas Experimentais do Comportamento em 1971- Ricardo Gorayeb, João Cláudio Todorov e sua organização conta, até hoje, com a colaboração dos analistas de comportamento, embora a característica atual e essencial da SBP seja a pluralidade de abordagens e tipos de pesquisa. Nestes quatro anos de presidência na SBP, minhas relações com a APMC foram, portanto, naturais, por esse histórico e pelas afinidades pessoais com a ABPMC. Em outras palavras, foi uma relação, salvo algum exagero de minha parte, informal e circunstancial, por eu estar ocupando a presidência.

Entretanto, faz parte dos objetivos da SBP um estreito contacto com as sociedades científicas, explicitado em seu estatuto; e mais do que isso: uma relação de articulação entre elas, mediada pela SBP. Tal objetivo foi explicitamente apresentado por presidentes anteriores a mim. A SBP se propôs a se constituir para as associações científicas em psicologia o que a SBPC se propõe para as sociedades científicas em geral: ser um guarda chuva, um porto acolhedor, mediador e articulador de participação das sociedades científicas em seus espaços e difusor de seus movimentos e desafios.

Nesse momento, faço um pequeno parêntesis: na gestão da professora Rachel Kerbauy, a ABPMC tornou-se uma sociedade científica afiliada à SBPC. Uma condição privilegiada, que a SBP também conquistou, que permite à ABPMC enviar diretamente atividades para as reuniões anuais da SBPC, além de ser convidada a participar de importantes reuniões em que questões nacionais são debatidas e encaminhadas.

Não me parece, salvo engano, que a ABPMC venha exercendo fortemente este privilégio junto à SBPC. A SBP, por sua vez, graças à vigilância constante de Carolina Bori, não perdeu uma reunião anual da SBPC, propondo sempre um conjunto de atividades que são divulgadas no programa com a chancela da SBPC e SBP - da sociedade científica proponente.

Voltando à experiência vivida na SBP de coordenar, articular e fomentar a interação entre sociedades científicas, o contexto histórico da psicologia brasileira, na época, construiu outra trajetória, à revelia da SBP, em congresso da SBP e sob seus veementes protestos: este papel passou a ser reivindicado pelos órgãos de classe, papel este que se distancia da idéia original de interação entre sociedades científicas e faz do Fórum de Entidades Nacionais em Psicologia uma associação centralizadora em relação à psicologia brasileira. A SBP se distancia deste movimento, afasta-se desta associação e continua a luta para o alcance de seus objetivos de colaborar para o desenvolvimento científico e técnico do País, de promover a pesquisa, o ensino e a aplicação da psicologia, visando o bem-estar humano e de promover e facilitar a cooperação entre pesquisadores, profissionais e estudantes de Psicologia e áreas afins.

A ABPMC, neste contexto, pelos meus registros durante a minha gestão como presidente da SBP (e talvez anteriormente), não participou oficialmente dessas discussões. Em conversa informal com a diretoria da ABPMC na época, sobre o Fórum de Entidades Nacionais em Psicologia, sobre a necessidade ou não da ABPMC participar, ficou claro para mim que a ABPMC não considerava necessária sua participação no referido fórum e, por razões diferentes da SBP, mas também por defender sua autonomia, permaneceu fora do Fórum de Entidades Nacionais em Psicologia.

Neste contexto, SBP E ABPMC caminhavam paralelas, independentes, mas afinadas.

A diferença, porém, estava, a meu ver, na disposição para o embate, para a resistência, para a luta e defesa de questões nacionais importantes para a Psicologia (como as Diretrizes Curriculares, por exemplo). Enquanto a SBP, mesmo independente de outras sociedades científicas, se manteve à frente na defesa de suas opiniões, a ABPMC se manteve, enquanto associação, mais à margem de acontecimentos políticos do cenário da psicologia no Brasil.

Nos biênios 2002/ 2003 e 2004/2005 há um convite oficial da ABPMC à SBP para a participação nos encontros anuais da ABPMC e vice- versa- convites oficiais da SBP para que a ABPMC participasse oficialmente de suas reuniões. Nas solenidades de abertura de ambas as sociedades, seus presidentes fazem-se representar e sua relações informais se oficializam e se tornam constantes.

Em final de 2003, chega a mim, enquanto presidente da SBP, o convite oficial vindo da ABA, para realizar a reunião internacional da ABA no Brasil. A SBP e seu conselho entenderam que esta seria uma atividade mais pertinente à ABPMC e inicia contatos e análises com a comunidade de analistas de comportamento e diretoria da ABPMC sobre as estratégias para tornar este empreendimento de grande envergadura viável e que atendesse a sonhos antigos dos pioneiros da área. Carolina Bori e Maria Amélia Matos participam ativamente deste momento e a SBP, juntamente com a APMC e a ABA, somam esforços e trabalham juntas na concepção, organização e execução do maior evento internacional em análise do comportamento já realizado no Brasil. Hélio Guilhardi, que não tinha planos para voltar à presidência da ABPMC naquele biênio (2004/2005) cede às pressões de Carolina Bori e Maria Amélia Matos, dentre outras, e lidera a concretização do megaevento.

Foi neste ponto que ocorreu, a meu ver, o momento de maior difusão da análise do comportamento brasileira no país e no mundo, na forma de encontro de trabalhos e pessoas da área. Produto de uma ação conjunta de três grandes sociedades científicas: duas nacionais e uma internacional. Das duas nacionais, uma geral, que abarca diferentes abordagens e métodos em psicologia e outra específica, de uma subárea do conhecimento, de um método, de uma abordagem.

Um modelo de funcionamento e de inter-relações que podemos ter como uma das bases para as nossas discussões na mesa de hoje. Em sua concepção e em seu funcionamento, pareceu-me um caminho promissor para tornarmos mais sistemáticas as relações da análise do comportamento com outras sociedades científicas em psicologia no Brasil e no mundo.

Hoje valorizo ainda mais a importância desse momento para a análise do comportamento no Brasil por uma atitude da professora Carolina Bori quando estávamos, no ano de 2004, na Universidade Federal de São Carlos, para a composição de uma banca de doutorado, a convite da professora Deisy da Graças de Sousa.

Estávamos próximos do evento da ABA/ABPMC no Brasil e às vésperas da reunião da comissão científica da SBP. Imaginávamos, Deisy e eu, que após quatro horas de banca a profª Carolina quisesse descansar. A profª Deisy a convida para um repouso em sua casa, para onde fomos, as três.

Para a nossa surpresa, Carolina não quis descansar. Propôs uma reunião. Com seu ar solene, do qual tenho muitas saudades, disse-nos que precisávamos discutir o programa científico da análise do comportamento e da psicologia para aquele ano, que ela considerava muito importante para a psicologia brasileira e para a análise do comportamento. Qual era o programa científico, perguntava ela, reiterada vezes.

Entendendo o olhar e pensamento visionários de Carolina Bori, que aprendi a acompanhar de perto enquanto presidente da SPB, hoje sei que ela falava do essencial: nunca podemos perder de vista, não importa nosso nível de organização e nosso poder de representação e de difusão, o nosso Programa Científico, ou seja, O QUE representamos, o QUE fazemos, em QUE direção estamos. Creio que o Sílvio Botomé desenvolverá melhor esse ponto em seu texto.

 

ABPMC E ABA

Paralelamente à organização da vinda da ABA para o Brasil, recebemos a proposta do conselho da ABA para constituirmos oficialmente uma divisão da ABA no Brasil (ABA chapter). Fundamos esta divisão em agosto de 2003, em São Paulo, em que uma parte dos líderes nacionais em análise do comportamento estava presente.

A vantagem, dizia-nos Maria Mallot, secretária executiva da ABA, é que a análise do comportamento no Brasil passaria a ter maior visibilidade nas publicações da ABA ( newsletter ), além de poder contar com a ABA para a divulgação de seus eventos, participação em reuniões durante os eventos da ABA – reuniões políticas e administrativas com outras divisões da ABA no mundo durante os congressos anuais e constante canal de comunicação com a ABA. Essa divisão da ABA no Brasil precisaria ter um nome – decidiu-se pelo nome de ABA Brasil - e estatuto. Este foi elaborado, pela diretoria de 2004/2005, à luz dos estatutos de outras divisões da ABA no mundo, e está em poder da ABPMC.

Durante o ano de 2005, a diretoria da ABPMC e alguns líderes da comunidade de analistas de comportamento amadureceram mais a idéia da criação de uma divisão da ABA no Brasil e após discussões aqui e acolá, entenderam que não seria adequado para o fortalecimento da área no Brasil, criarmos mais uma associação e, com a anuência da diretoria 2006/2007, a ABPMC definiu que a divisão da ABA no Brasil seria a própria ABPMC.

Neste mesmo ano de 2005, em congresso da ABA em Chicago e na China, ao sermos apresentados ao mundo, pela secretaria executiva da ABA, juntamente com outras divisões, nossos números eram completamente errôneos e minúsculos. A despeito dos esforços de João Cláudio Todorov em elegantemente protestar e corrigir os números, na oportunidade seguinte (ABA China), fomos novamente diminuídos erroneamente nos números e na importância oficial.

Decidimos, então, em consonância com a diretoria da ABPMC, indicar uma representação oficial da ABPMC na ABA e meu nome foi indicado.

A partir de então, passei a informar sistematicamente à ABA nossos números reais – sócios, sócios pagantes, presentes aos congressos, atividades, publicações etc..., dados estes fornecidos pelas diretorias atual e passada.

Em última reunião da ABA em Atlanta, foi com satisfação que vimos o Brasil ser apresentado como o maior grupo de análise do comportamento fora dos EUA e o maior da América Latina. Nesta mesma reunião, um painel foi apresentado em co-autoria com Gilberto Godoy sobre a ABPMC, seu histórico e dados atuais, na sessão internacional de divisões da ABA existentes no mundo.

Na reunião administrativa e política com o presidente eleito da ABA- Thomas Crithfield e Donald Greer, coordenador das divisões da ABA no mundo, pudemos discutir posições diante dos chamados “capítulos” ou divisões da ABA. Apontei a importância da articulação entre diferentes grupos do mundo, mas apontei uma certa insatisfação em sermos uma divisão ou capítulo, tendo em vista nossa história e tamanho. Argumentei que deveríamos ter uma relação de parceria e não de hierarquia em relação à ABA e propus que se poderiam estudar formas de incentivar nossas participações em congressos da ABA sob forma de descontos, ou da criação de espaços especiais para o grupo brasileiro.

Em suma, o que gostaria de dizer a partir dessas experiências vividas é que foi somente a partir do momento em que as relações foram oficializadas e em que as redes de comunicação se tornaram sistêmicas e institucionais, é que conquistas foram conseguidas e portas foram abertas à maior difusão e inter-relação entre a ABPMC e sociedades científicas.

Precisamos fortalecer a ABPMC como nossa condição privilegiada de difusão e inter-relação com outras associações científicas, mas entendo que isso deva sempre ser feito de um modo oficial, institucional. Sobretudo porque temos um corpo sólido de conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos, ou seja, temos um programa científico como base.

Finalmente, creio que, internamente, a própria ABPMC precisa se institucionalizar mais. Minha experiência na SBP mostrou-me que a salvação da SBP, sua força, tradição e respeito são garantidos ao longo de décadas por um conselho eleito e nato, atuante, formado pelos ex-presidentes. Este arranjo, difícil, sofrido às vezes, pelas diferenças naturais entre os conselheiros é, por outro lado, o que a mantém protegida de circunstâncias ameaçadoras à sua sobrevivência.

Por seu tamanho, sucesso e atmosfera agradabilíssima nos congressos, pela amplitude e variedade de trabalhos, por seu programa científico, a ABPMC está forte. Mas a ANÁLISE DO COMPORTAMENTO no Brasil precisa de maior difusão, a PSICOLOGIA precisa de nossa excelente capacidade analítica e a sociedade precisa do nosso impacto. A ABPMC já está com 15 anos e já pode sair de casa.

 

 

1 Texto apresentado na mesa redonda “Relações da ABPMC com Entidades na Área de Psicologia e a Difusão da Análise do Comportamento no Brasil”, durante o XV Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e Medicina Comportamental, Brasília, setembro de 2006.
2 Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia Experimental, Universidade de São Paulo. E-mail: martha@hubner.org.br . A elaboração do texto contou com o apoio do projeto FAPESP/PRONEX 2003/09928-4, 479436/2003-7.