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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.1 São Paulo June 2007

 

ARTIGOS

 

Possibilidades da FAP como método de supervisão de terapeutas com clientes boderlines1

 

Possibilities of FAP as a Supervision Method for Therapist with Borderline Clients

 

 

Ana Carolina Aquino de Sousa2; Luc Vandenberghe3

Universidade Católica de Goiás

 

 


RESUMO

O presente trabalho é um esforço por explorar algumas possibilidades de aplicação da FAP (Psicoterapia Analítico-Funcional) como metodologia de supervisão. Participaram deste trabalho quatro terapeutas comportamentais que atendiam clientes borderlines. As supervisões foram feitas mensalmente, com cada terapeuta individualmente. Cada uma delas foi gravada, transcrita e sujeita a uma análise qualitativa indutiva. Emergiram, desta análise, duas categorias de comportamentos de terapeutas que ocorreram nas interações entre supervisora e supervisonandas, e que eram diretamente relevantes para problemas que os terapeutas tinham na relação com os clientes: (1) Dar razões / esquiva experiencial e (2) desespero. Conclui-se que atenção particular para os padrões interpessoais durante a supervisão pode produzir oportunidades de aprendizagem ao vivo para terapeutas. Isto tornará a FAP uma abordagem viável para melhorar a supervisão de clientes borderlines.

Palavras-chave: Supervisão, Transtorno de personalidade borderline, Psicoterapia analítico funcional.


ABSTRACT

This paper is an effort to explore some possibilities of FAP (Functional Analytic Psychotherapy) as a method of supervision. Four behavior therapists treating borderline patients took part in this study. The supervison sessions were individual and monthly. They were recorded, transcribed and submitted to a qualitative inductive analysis. From this analysis, two categories of relevant therapist behavior emerged. Both occurred in the interactions between therapist and supervisor, but were directly relevant for problems that the therapists experienced in relation their borderline clients: (1) Reason giving / experiential avoidance and (2) despair. It is concluded that close attention to interpersonal patterns that occur during supervision can produce in-vivo learning opportunities for supervisees. This makes FAP a viable approach to enhance supervision for therapists with borderline clients.

Keywords: Supervision, Borderline Personality Disorder, Functional Analytic Psychotherapy.


 

 

A supervisão de terapeutas com clientes borderlines é particularmente problemática, porque o trabalho com os mesmos exige muito do terapeuta. Trata-se de um grupo de clientes que confrontam o terapeuta com suas limitações e deficiências não só como profissional, mas também como pessoa (Clementel-Jones, 1985; Gutheil, 1989; Kohlenberg & Tsai, 1991/2001; Kreisman & Straus,1989; Linehan et al, 2001). O impacto que o atendimento do cliente com transtorno de personalidade borderline tem, sobre a pessoa do terapeuta, torna particularmente aguda a necessidade de uma forma de supervisão que não se restrinja às habilidades terapêuticas e ao papel profissional, mas que permita trabalhar com o terapeuta (o supervisionado) como uma pessoa como um todo.

A Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) faz parte de uma onda de terapias comportamentais que entraram no palco internacional por volta do ano 1987. São quatro abordagens assim denominadas: Terapia Comportamental Dialética (Linehan, 1987), Psicoterapia Analítico-Fun-cional (Kohlenberg & Tsai, 1987), Terapia de Aceitação e Compromisso (Hayes, 1987) e Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Jacobson, 1990). Incorporaram as aquisições técnicas da terapia comportamental clássica e da terapia cognitivo-comportamental, mas entendem a mudança terapêutica que anteriormente foi atribuída a processos de condicionamento clássico (terapia comportamental clássica) ou a reestruturação de esquemas cognitivos (terapia cognitivo-comportamental), em termos behavioristas radicais, enfocando as contingências operantes interpessoais e o efeito alienador exercido por contextos socioverbais. Por isso, as terapias que integram a Análise Clínica do Comportamento são geralmente indicadas como terapias comportamentais de terceira geração. Esta “terceira onda” é caracterizada como “não-argumentativa” por colocar a experiência direta acima da compreensão racional, e por promover a aceitação (tolerar e entender sentimentos no seu contexto, ao invés de tentar controlá-los) e enfatizar as trocas espontâneas entre terapeuta e cliente (a relação interpessoal natural) como elementos-chave do processo terapêutico. Uma particularidade desta terceira geração que interessa ao presente estudo, é que os princípios norteadores da análise do comportamento do cliente também são aplicados ao comportamento do terapeuta. Nas abordagens pertencentes às duas ondas anteriores, não foi colocado sistemati-camente em questão o comportamento do terapeuta como pessoa, já que do profissional era exigido seguir uma direção racional, evitando deixar suas emoções e valores pessoais interferirem na relação com o cliente (Hayes, Folette & Linehan, 2004).

A FAP sistematizou o que acontece entre terapeuta e cliente durante a sessão. As trocas verbais entre terapeuta e cliente podem ser comportamentos que fazem parte dos problemas para os quais o cliente busca terapia (Comportamento Clinicamente Relevante do primeiro tipo, ou CCR1); podem ser progressos ao vivo (CCR2) e podem constituir momentos em que o controle verbal sobre os comportamentos se torna explícito (CCR3). Nestes termos, a análise do que ocorre entre terapeuta e cliente nestes termos, possibilita o resgate do potencial curativo da vivência interpessoal durante a própria sessão, transformando a terapia comportamental numa psicoterapia profunda. O terapeuta que consegue identificar CCRs enquanto estão ocorrendo, tem a possibilidade de influenciá-los diretamente pela sua maneira de reagir a elas. Assim, transforma os problemas no relacionamento terapêutico em oportunidades de aprendizagem ao vivo para o cliente.

No presente artigo, o exercício conceitual que os criadores da FAP fizeram para a terapia individual foi repetido para a situação de supervisão. O encontro de supervisão se assemelha funcionalmente com a situação terapêutica. Esta é uma observação que tem implicações importantes para a condução da supervisão, por possibilitar o uso de estratégias similares em ambas as situações (Vandenberghe, 1997). O supervisor que assume essa posição permite a transformação da situação de supervisão numa oportunidade de crescimento pessoal profundo, que vai muito além do ensino e aprimoramento de habilidades terapêuticas.

As trocas interpessoais que constituem a própria situação de supervisão são as principais fontes de comportamentos relevantes, que serão trabalhadas na relação entre supervisor e supervisando, valorizando a experiência em si mesma. Esta idéia não é totalmente nova. Follete e Batten (2000) decrevem como usam estratégias das terapias comportamentais da terceira onda para modelar, no relacionamento com a supervisora, repertórios dos terapeutas de observar, expressar e evocar emoções, como também a habilidade de estar plenamente em contato com suas próprias vivências emocionais.

A relação supervisor-supervisionando é um ambiente de vivência intensa em que os diferentes comportamentos que determinam o trabalho terapêutico do supervisionando podem ocorrer e assim podem ser influenciados ao vivo. Imagine-se, por exemplo, um terapeuta frio, que tem dificuldade de expressar seus sentimentos frente ao cliente, e assim acabe enfrentando impasses nos tratamentos que conduz. Este terapeuta terá as mesmas dificuldades em relação ao supervisor. Ao invés de discutir o problema com o supervisor de uma forma intelectual e fria, o que acarretaria numa compreensão intelectual pelo terapeuta do seu problema e, ao mesmo tempo, reforçar exatamente o comportamento problemático do mesmo, torna-se possível trabalhar a dificuldade em tempo real quando ocorre no seio da relação terapeuta-supervisor. Deste modo, repensar a supervisão em termos de FAP proporciona oportunidades de transformação profunda que vão além de discutir e ensinar sobre como agir na sessão terapêutica.

A supervisão, nesta perspectiva, contém alguns elementos necessários. Inicia-se com a discussão de ocorrências de CCRs do cliente do supervisionando. Em relação a estes, os sentimentos do terapeuta na sessão são discutidos. Verifica-se se são subprodutos dos CCRs do cliente ou são resultados idiossincráticos da própria história de vida do terapeuta. Em seguida, busca-se, junto com o terapeuta, elaborar diversas táticas, utilizando-se da relação terapêutica, que permitirão às contingências interpessoais fazer seu trabalho no seio desta relação.

O terapeuta que é iniciante no trabalho com pessoas com transtorno de personalidade borderline precisa de um acompanhamento altamente estruturado no início da supervisão. A relação entre supervisor e supervisionando deve ser monitorada pelo supervisor que pode usar as estratégias adotadas em seu próprio trabalho como o terapeuta usa no seu trabalho. Estas incluem: estabelecer relacionamento genuíno; uso estratégico de comunicação recíproca e irreverente; enfoque alternando nas habilidades que o terapeuta já tem, mas não usa, e nas que não possui; uso equilibrado de estratégias de validação do comportamento do supervisionando e de exigência de mudança.

A intenção do presente trabalho é refletir a partir da experiência concreta, sobre a aplicação dos princípios da FAP que foram originalmente elaborados para a prática terapêutica, na supervisão de terapeutas que tratam clientes com transtorno de personalidade borderline. Esta reflexão é justificada pelas similaridades funcionais entre terapia e supervisão.

 

Método

Quatro terapeutas do sexo feminino, com idades de 29 a 35 anos, com formação de dois a cinco anos, participaram de supervisão oferecida pela primeira autora deste artigo. Cada terapeuta atendeu um caso de paciente com transtorno de personalidade borderline, identificado de acordo com o DSM–IV–TR (APA, 2003). Três terapeutas (T1, T2 e T3) tinham uma formação básica em Análise Clínica do Comportamento, enquanto a Quarta (T4) se apoiava numa visão comportamental tradicional.

O procedimento envolveu uma entrevista inicial semi-estruturada com o intuito de levantar como as terapeutas se sentiam em relação aos CCRs dos clientes, bem como quais estratégias estavam sendo utilizadas para lidar com esses sentimentos. Em seguida, as terapeutas participavam de supervisões individuais mensais de uma a duas horas de duração, em que eram tratadas as dificuldades trazidas por elas. Todas as supervisões foram gravadas e transcritas. Desse material, foram selecionados trechos em que ocorreram oportunidades de aprendizagem ao vivo para a terapeuta. Duas terapeutas partici-param apenas de duas supervisões, porque seus clientes desistiram da terapia, sendo a coleta finalizada com a entrevista final. As outras duas terapeutas participaram de três supervisões e da entrevista final.

Na revisão das transcrições das sessões de supervisão, foram identificados os comportamentos das supervisionandas em relação à supervisora ou à situação de supervisão, os quais se mostraram relevantes na relação das mesmas com os seus clientes. Chamamos tais padrões de Com-portamentos Relevantes para a Terapia (CRTs). O termo CRT foi escolhido em analogia com o termo CCR que se refere aos comportamentos de clientes em relação ao terapeuta que pertencem a classes funcionais que são relevantes na relação dos mesmos com pessoas no seu cotidiano.

Os trechos nos quais estes CRTs eram evidentes foram sujeitos à categorização aberta, seguida por uma análise qualitativa indutiva (Charmaz, 2003), usando como conceitos sensibilizadores as noções funcionais provenientes da Análise Clínica do Comportamento. Neste artigo, as categorias mais importantes que emergiram desse trabalho são relatadas e ilustradas com exemplos escolhidos entre os trechos nos quais ocorreram.

 

Resultados

Os CRTs das supervisionandas na relação de supervisão:

1. “Dar Razões” e “Esquiva Experiencial”:

Dar boas razões para atitudes problemáticas é um comportamento que ocorre freqüentemente na relação entre terapeutas e clientes. Está ligado a um contexto sócio-verbal alienador que permite, às pessoas, manter atitudes apesar das conseqüências nefastas dos mesmos. Chamamos este contexto de alienador, porque está diretamente ligado à tentativa de esquiva da vivência de encobertos aversivos. Por isso, diminui a capacidade da pessoa de discriminar as contingências que estão em jogo no seu cotidiano (Hayes, 1987). Na relação com a supervisora, este padrão marcou o comportamento de três participantes: T1, T3 e T4.

1.1.Primeira terapeuta.

Exemplo 1. Em vários momentos, quando questionada sobre o que sentia, T1 mudava de assunto. Diante disso, a supervisora bloqueava a esquiva, recolocando a questão. Esta estratégia terapêutica visava enfraquecer um CRT1 – a própria esquiva – para dar espaço para um CRT2 emergir, como por exemplo, o contato direto com os sentimentos, o compartilhar dos mesmos.

Exemplo 2. A supervisionanda traz uma situação em que a mãe da sua cliente coagiu a terapeuta a abandonar o tratamento de outro familiar. Diante do questionamento da supervisora, a terapeuta afirmou:

T1 – Caí na chantagem dela conscientemente.”

Quando a supervisora sugeriu que a terapeuta pudesse se dispor a atender os dois, a terapeuta respondeu: “Tinha certeza que ela iria tirá-la, porque já tinha feito isto antes... Ficou muito tempo... acho que um mês sem vir à terapia. Se a mãe queria, obrigava-a a vir. Quando a falava: “Você não vai!”, não comparecia à sessão.”

S – “Então, se isso acontecesse?”

T1 – “Eu ficaria com um sentimento de frustração muito grande. Primeiro porque sei que este tratamento não é de curto prazo... ficaria com o sentimento de frustração... nem é por não ter conseguido, é por não ter tido a oportunidade de ter realizado um trabalho pelo menos até o meio, porque nós ainda estamos no início.”

S – “Entendi sua posição. Mas por outro lado, você não acha que quando age assim, não está realmente mostrando para a mãe que pode fazer o que quiser?”

T1 – “Com certeza! A mãe faz isso com todo mundo, não é só comigo. É o padrão de comportamento dela, manipular.”

A supervisora confronta as razões da participante para não intervir, mas ao mesmo tempo, valida os sentimentos da terapeuta, uma vez que a sua esquiva é produto de contingências aversivas na relação entre ela e a cliente. O uso desta estratégia terapêutica durante a supervisão visa quebrar o controle verbal que mantém comportamentos improdutivos da terapeuta e levar a terapeuta a detectar as conseqüên-cias da sua esquiva experiencial.

Exemplo 3. A supervisionanda se referia à falta de expressão de sentimentos pela cliente: “Eu me sinto vulnerável, fico a mercê de mim mesma, do meu próprio comportamento... penso que às vezes, posso despejar um sentimento... por exemplo, temo sentir muita raiva e me transformar nela...”

S – “É como se você tivesse medo de perder o controle sobre você?”

T1 – “Isso!”

S – “Por que é tão aversivo para você perder esse controle?”

T1 – “Eu não sei... porque nunca perdi, mas acredito que isso pode me controlar. Acho que vem da minha infância... tinha uma irmã que quando ficava com raiva, perdia o controle do próprio comportamento... explodia de pegar faca até contra minha própria irmã, e fora disso, era uma pessoa completamente meiga, ninguém nunca imaginaria que quando estava em ‘explosão’, seria capaz de fazer o que fazia. Então, acho que um pouco desse medo vem daí, de começar a falar, porque quando você fala, traz para o presente, seu comportamento é o próprio sentimento. Tenho medo de desandar e não ter mais o controle.”

S – “Mas você não acha que quando “engole”, você vai acumulando, e isto muito mais facilmente pode te levar a perder o controle?”

T1 – “Muito! Acho que também é a questão de colocar em prática e ver que não vou perder o controle!”

O dialogo de supervisão sobre a dificuldade da terapeuta de se expor era uma oportunidade de aprendizagem ao vivo para a terapeuta. A supervisora discute os sentimentos de T1 na tentativa de entender as contingências produtoras dos mesmos e, então, confronta as regras às quais T1 adere, visando criar uma disposição para se permitir ser mais vulnerável na relação de supervisão. A abertura que a terapeuta dá neste dialogo, expondo seus medos, é um novo comportamento que pode generalizar para a sua relação com a sua cliente.

1.2. Terceira terapeuta.

Exemplo 1. Quando a supervisora tenta confrontar a terapeuta com a necessidade de discutir um problema entre ela e a cliente na sessão terapêutica, a T3 responde: “Já pensei em conversar a respeito disso com ela, mas acho tão constrangedor falar sobre a forma como a pessoa te cumprimenta... parece que estarei insinuando que tem que fazer alguma coisa diferente no final da sessão... vai criar um clima meio artificial... Não sei se é alguma coisa que eu tenha que simplesmente respeitar...”

S – “Mas se você respeita, está permitido que não seja íntima...”

T3 – “Se você me perguntar: “isso provoca impacto em você, mexe com você de alguma forma?”, vou te dizer que mexe, que me sinto mal quando a gente encerra a sessão, e ela simplesmente vai embora.”

S – “Como você se sente?”

T3 – “Distante... Parece uma coisa fria.”

S – “Percebe a relevância de você tocar nesse assunto com ela?”

Aqui a supervisora levou a terapeuta a compartilhar seus sentimentos negativos na sessão de supervisão, sendo isto exatamente o comportamento que visa que a terapeuta emita na sessão de terapia com sua cliente.

Exemplo 2. A supervisora valida o medo de T3 de que sua cliente desista da terapia e aponta a necessidade de mudanças de atitude: “Quanto ao medo de perdê-la, considero que o mesmo seja real, uma vez que apresenta um padrão instável na terapia e no seu cotidiano. Contudo, com outras terapeutas que tenho trabalhado, percebi o seguinte... temia perder a cliente... que realmente dava sinais de que isto ocorreria, e deixou de fazer várias coisas que poderiam ser efetivas... esquivou-se de várias coisas para não perdê-la... Só que acabou perdendo, pois não trabalhou as dificuldades que deveriam ser trabalhadas... Então, é importante correr este risco, tocar no que tem que ser tocado... Porque se não falar, estará agindo exatamente como as outras pessoas do seu cotidiano: “pisando em ovos”, ou seja, reforçando as dificuldades dela. É necessário parar de “pisar em ovos”.

T3 continua dando razões: “Sempre fui assim... essa dificuldade quando envolve a minha relação com o cliente, porque acho que será aversivo para a pessoa. Não consigo abordar estas questões, como: “você está chegando atrasado!”, “não está vindo, isso não é legal!”, “não me pagou, ou está atrasado com o meu pagamento!”.

Parece estar respondendo a um contexto mais amplo. Por isto, S pergunta:

S – “E na sua vida, como pessoa?”

T3 – “Acho que tento ser franca na minha vida. Se uma pessoa faz alguma coisa que não gosto, deixo transparecer de alguma forma... posso falar ou apenas deixo transparecer de alguma forma, com meus comportamentos.”

Parece que T3 se expressa de modo muito indireto tanto na sua vida cotidiana, quanto na própria interação com a supervisora que lhe questiona. Possibilidades de atuação para a supervisora, a partir da FAP, incluem compartilhar com a terapeuta como a falta de comunicação direta limita o progresso na supervisão ou como a mesma dificulta a compreensão pela supervisora do que a terapeuta realmente pretende comunicar. A supervisora pode confrontar: “Você geralmente fala ou deixa transparecer?”, pode tentar evocar colocações mais diretas e deve principalmente reforçar todo progresso que a terapeuta faz na direção de comunicação espontânea com a supervisora.

1.3.Quarta terapeuta

Quando a supervisora pergunta se T4 acredita que sua cliente vai se opor a mudança, a terapeuta responde: “Exatamente. Ela vai se justificar.” A supervisora confronta: “Ela pioraria?” e T4 responde: “Não. Acho que eu seria mais uma com a qual brigaria, desentenderia e falaria mal por aí.”

S– “Reagindo como todo mundo, você não está reforçando um comportamento inadequado?”

T4 – “É... acho que sim.”

S – “Parece que não tem ninguém que faz diferente com ela... todo mundo, inclusive você, aceita tudo dela.”

T4 – “Penso que não vai adiantar... e se adianta, é só em algum momento... quando sair daqui...”

S valida: “É uma sensação muito coerente com o atendimento à transtorno de personalidade de qualquer natureza... É realmente um padrão muito cristalizado..” Mas sugere mudanças: “... Então, tem que insistir muito, muito... mas muito mesmo, para começar a ter algum tipo de melhora mais significativa [ ... ]”

S pergunta ainda se a terapeuta também evita dificuldades similares em sua vida pessoal, ao que a mesma responde:

S – “Isso acontece na sua vida pessoal?”

T4 – “Em toda... desisto, ‘largo de mão’.”

S – “Com ela, demora muito ter resultados... pesa para você esse desgaste...”

T4 – “Não é que estou assumindo uma posição confortável... mas se o custo fosse menor... não consigo, é um custo muito grande... Costumo jogar limpo, mas não parto para o embate. Vou deixando para lá... depois vejo o que faço... mas também não consigo fazer, não consigo resolver, não consigo fazer e ponto... se não estou a fim, depois a gente vê como que fica...”

S – “Então, este modo de agir acaba sendo um problema na sua vida...”

T4 – “Exatamente. E aqui, não preciso disso... então, não faço o que é custoso. O que às vezes prejudica minha vida, já não faço, imagina aqui... Meu padrão de funcionamento é assim... minha forma de responder é assim... acaba sendo assim, aqui também.”

Este diálogo ilustra como um problema que a terapeuta tem na sessão, pode ser tratado como uma dificuldade num contexto mais amplo: o da vida do cotidiano da terapeuta.

2. “Desespero”

Antes de apresentar os trechos identificados nesta categoria, faz-se necessária uma sucinta explicação da sua denominação. Utilizou-se o termo “desespero” para comportamentos caracterizados pela sua alta intensidade e que, por isto mesmo, mobilizam o outro que, por sua vez, não tem como liberar o reforço visado. Todavia, pela mobilização do outro, acaba por produzir outras conseqüências coincidentemente reforçadoras. O processo parece semelhante aos aumentos súbitos de freqüência que podem ocorrer durante a extinção de um comportamento operante.

2.1. Primeira terapeuta

Diante de vários problemas ocorridos com a cliente, T1 ligava para a supervisora, para pedir ajuda. A supervisora reforçou várias vezes este comportamento, discutindo prováveis soluções, antes de perceber que se tratava de um CRT1 da terapeuta e resolveu tentar enfraquecê-lo, primeiramente vulnerabilizando-se: “Quando você, por exemplo, me procura, me telefonando ou na faculdade, desesperada para falar do cliente... comecei a observar o impacto disso sobre mim. Quando está desesperada, sinto o mesmo na sua situação de desespero com a sua cliente. Você estava se sentindo muito responsável por ela... e eu me assustei porque comecei a me sentir responsável por você... e estou me sentindo tão responsável que parece que estou sendo sua tábua de salvação” Quando a supervisora mostra que estas interações são parecidas com certos padrões de interação de pessoas com transtorno de personalidade borderline, descritos na literatura, T1 concorda: “É igualzinho! Ontem, esqueci que você tinha marcado comigo... e ficava assim: ‘mas ela não pode fazer isso comigo, vou viajar... como será?’... Porque para mim, você tinha ficado de me ligar... eu pensei: ‘estou igualzinho à mãe dessa menina. Estou fazendo a mesma coisa com a S.’”

Depois de expor seus sentimentos em relação aos telefonemas e sua dificuldade de recusar a atendê-los, mesmo quando pareciam inadequados no contexto do trabalho que foi combinado, a supervisora disse: “Acho que essa dependência é uma coisa natural, porque você está tratando de uma paciente borderline, e é natural que você se sinta assim. Mas acho importante deixar claro que não vou continuar reforçando esse comportamento... Como você se sente quando eu digo isso?”

T1 – “Eu penso como fui indelicada com você, nem perguntei se tinha tempo de me ouvir e fui falando, nem perguntei se era uma hora adequada. Fico pensando também que dei conta até agora sozinha, não vai ser tão difícil e durante a supervisão, dá para me falar um monte de coisa boa, que vai dar para eu consertar muita coisa... mas fico com vergonha de ter agido assim.”

Esta colocação provocou sentimentos negativos na supervisora, que tentou explicar-se mais: “Não é uma questão de tempo ou que você está me atrapalhando, mas porque acabei reforçando um comportamento que não vai ser produtivo para o seu crescimento e o da cliente. Eu vi que estava agindo com você da mesma maneira que você age com a cliente em relação à superproteção. É como se eu visse seu desespero, porque é desesperador, então agia meio que como mãe também... pensava que tinha que fazer alguma coisa. Só que comecei a tomar consciência [de que] se eu reforçasse esse seu comportamento, vai ficar todo mundo borderline e nada vai ser produtivo, e a intenção é que seja produtivo por mais difícil que seja...”

S continua se explicando até que T1 diz: “Agora, eu vou te perguntar: Porque você está explicando isso tantas vezes assim?” e a supervisora volta a se vulnerabilizar: “Porque para mim é indelicado fazer essa coisas, é difícil... acho que é porque continuo sentindo que devo te super proteger... ainda me sinto responsável por você... então, são explicações que eu estou dando também para mim, porque para mim também é difícil não me responsabilizar por você e não te superproteger.” A supervisora, busca um desfecho, tentando impulsionar T1 para ação com sua cliente: “A responsabilidade desse trabalho não é só minha e também não é só sua, é nossa! E com sua cliente tem que ser parecido. Diga a ela que a responsabilidade não é só sua, mas dela também... O que você tem feito com ela é exatamente o oposto... é uma coisa difícil, eu sei que é difícil. Eu que estou fazendo esse trabalho, não estou fazendo com você a mesma coisa que você está fazendo com a sua cliente? O importante é fazer, ainda que seja difícil.”

Este trecho ilustra como a própria relação de supervisão pode servir como instrumento de mudança do repertório do terapeuta, pois a partir disto, T1 teve seu CRT1 enfraquecido (não emitiu mais este comportamento desesperado), e foi exposta a um contexto de intimidade. A forma direta com que lidava com a auto-revelação e a disposição da supervisora de se vulnerabilizar podem ser consideradas uma melhora ao vivo (CRT2) da terapeuta, porque era exatamente deste tipo de contexto interpessoal que tanto tinha se esquivado na relação com sua cliente. O contexto de supervisão tornou-se um momento de vivência, cujo objetivo foi modelar diretamente um repertório mais produtivo da terapeuta.

T1 fez uma sessão com a cliente e com sua mãe, para prepará-las para as férias, “deixei tudo organizado e equilibrado, mas quando voltei, desistiu da terapia”. Contudo, T1 apontou na entrevista final o impacto do trabalho realizado: “Eu já chorei muito por esse caso, muito, muito. Eu tinha uma vontade de falar, falar, falar. [ ... ] Você foi uma pessoa que senti que além de compreender, você não... eu vi que você entrou um pouco no meu desespero... acho que tem que chegar perto da pessoa, falar: ‘estou com você.’ Isso foi muito importante. Parece que naquele momento vi você meio que parecida comigo, então parece que me senti mais aceita, encontrei alguém que entende bem o que estou passando. Quando me relatou o que você estava sentindo que fui ter noção de como eu estava. Quando você me falou: “tal e tal coisa está acontecendo”... me sacudiu, me acordou. Isso foi muito importante. [ ... ] Foi muito bom pro meu processo, até de aceitação do caso, de o ter perdido.”

2.2. Segunda terapeuta

A terapeuta, ao encontrar com a supervisora depois da primeira sessão de supervisão, abordou-a num tom de voz alto, dizendo: “O cliente ligou para minha secretária dizendo que nunca mais voltará”. Outras vezes, quando o cliente fez isso, a terapeuta retornou a ligação pedindo para que ele fosse à sessão para que conversas-sem, e já que o motivo apresentado era a falta de dinheiro, apesar de que era de classe média, e pagava apenas uma taxa de seis reais de co-participação de seu convênio, a terapeuta, várias vezes, disse que não lhe iria cobrar o mês, reforçando este CCR1. A supervisora sugeriu que a terapeuta discutisse, com o cliente, a estratégia dele de mobilizá-la a procurá-lo. Percebe-se, assim, que a supervisora acabou reforçando o comportamento desesperado de T2 de procurá-la fora das sessões marcadas, comportamento que se repetiu pouco tempo depois.

 

Discussão

Além das conseqüências fornecidas pelos clientes, observou-se, em vários momentos, que os comportamentos das terapeutas estavam sob controle de um contexto mais amplo: suas próprias histórias, incluindo experiências com mentiras ou confrontos na família, episódios de brigas com faca entre seus irmãos (que deixavam a terapeuta ‘paralisada’). Assim, fica claro que cada terapeuta leva os efeitos da sua própria história de aprendizagem para dentro da relação terapêutica. A extrema exigência de uma terapeuta atrapalhava a observação de pequenas melhoras da cliente. A dificuldade em persistir em situações de grande desafio era relevante para outra terapeuta, que considerava que lidar com sua cliente exigia-lhe muito, e por isso, acabava reforçando seus CCRs1. Deste modo, fica evidente, conforme apontado por Linehan (1993) e Kohlenberg e Tsai (1991/2001), a importância de se considerar o estilo do terapeuta, decorrente de sua própria história de reforçamento, uma vez que em alguns momentos, esta história pode impedir o progresso do cliente.

Na relação de supervisão, a supervisora tentou enfraquecer comportamentos-problema das terapeutas, validar suas razões para agir e, ao mesmo tempo, modelar repertórios relevantes. Muitas vezes, notou-se que as terapeutas tentaram fazer o que havia sido sugerido. Contudo, houve o problema de os novos comportamentos não serem reforçados pelos clientes. Diante disso, tentou-se prepará-las para prováveis reações negativas de seus clientes, para que pudessem aproveitar mais do impacto do cliente sobre si. T2 não teve oportunidade de trabalhar o que foi sugerido. T3 e T4, continuavam “dando razões” para não mudar até o término da coleta de dados. T3 estava começando a tentar vulnerabilizar-se, mas todas as suas tentativas estavam sendo punidas pela cliente, o que mantinha, ainda mais, suas razões. T1 foi a que mais se expôs, mesmo com as reações negativas da cliente. Percebemos então, as limitações do controle instrucional em detrimento à modelagem pelas contingências como estratégia de supervisão.

Com relação a T3 e T4, notou-se que a supervisora poderia, durante a supervisão, ter observado seus próprios sentimentos em relação às participantes, quando estas davam razões para não agir diferente. Isto porque após o término da coleta, quando a análise dos dados estava sendo concluída, a supervisora observou um cansaço e/ou desânimo todas as vezes que lia as razões das terapeutas. Se tivesse observado o impacto deste comportamento sobre si no momento da supervisão, poderia agir exatamente como sugeria que fizessem com seus clientes: vulnerabilizando-se – fornecendo assim, um modelo de atuação.

No tocante ao comportamento “desesperado” apresentado por T1 e T2, observou-se como o atendimento ao cliente borderline pode desestruturar o terapeuta, tornando-o contraprodutivo na sua atuação. O mesmo comportamento, às vezes, faz com que o supervisor também fique perdido. Quando isto acontece, todos reforçam os comportamentos inadequados uns dos outros. Assim, a supervisora, ao identificar essas relações, compartilhou com as supervisionandas qual foi o impacto do “desespero” destas sobre si. Compartilhar seus sentimentos com as terapeutas possibilitou que estas entrassem em contato com os efeitos transtornadores que tinham sobre outras pessoas (a supervisora, de um lado, a terapeuta e sua cliente, do outro).

Com estas reflexões, ilustrou-se que as dificuldades que ocorreram no relacionamento entre supervisora e terapeutas, e que poderiam travar o processo de supervisão, puderam ser transformadas em oportunidades de aprendizagem ao vivo para as terapeutas, favorecendo repertórios mais produtivos. Portanto, a experiência apresentada sugere que a FAP é viável como metodologia de supervisão do terapeuta do cliente borderline. Talvez este trabalho seja um primeiro passo, que levará supervisores com formação em FAP, a se engajar em pesquisas sobre as possibilidades de tornar a supervisão mais intensa e produtiva através deste método.

 

 

Referências

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Recebido em: 09/02/2007
Primeira decisão editorial em: 06/04/2007
Versão final em: 17/04/2007
Aceito em: 05/10/2007

 

 

1Trabalho realizado no curso de Mestrado em Psicologia da Universidade Católica de Goiás, com apoio do CNPQ.
2 Mestre em Psicologia. E-mail: aquino_psy@yahoo.com.br
3 Doutor em Psicologia. E-mail: luc.m.vandenberghe@gmail.com