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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.1 São Paulo June 2007

 

ARTIGOS

 

Efeitos dos procedimentos de videofeedback e modelação em vídeo na mudança de comportamentos maternos

 

Videofeedback and video modeling: effects of both procedures in mother’s behavior changes

 

 

Cynthia Borges de MouraI, 1; Edwiges Ferreira de Mattos SilvaresII, Fernanda Marques JacovozziI, Kamila Alves da SilvaI, Ligia Tristão CasanovaI

I Universidade da Amazônia
II Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

Este trabalho tem como objetivo comparar os resultados do uso dos procedimentos de videofeedback e modelação em vídeo na orientação de mães de crianças pré-escolares quanto à agilidade na produção de mudanças nos comportamentos relacionados ao uso do reforçamento diferencial (aumentar a atenção positiva para comportamentos apropriados e diminuir a atenção negativa e punição aos comportamentos inadequados). Participaram duas díades mãe e filho. As crianças tinham três e quatro anos, com problemas de comportamento externalizante e internalizante, respectivamente. O procedimento consistiu em orientar as mães, alternando os procedimentos de videofeedback e modelação em vídeo, tomando-se medidas observacionais repetidas entre as sessões. Nos dois casos, a modelação em vídeo apresentou resultados superiores. Os resultados demonstraram que assistir a um terapeuta proficiente dando modelo das habilidades-alvo à mãe é relevante para a percepção das mudanças imediatas no comportamento da criança, em função de alterações simples no padrão de interação.

Palavras-chave: Modelação em vídeo, Videofeedback, Orientação de pais.


ABSTRACT

The objective of this work is to compare results of the use of videofeedback and video modeling procedures in parent training of preschool children about the agility to produce changes in behaviors related to the use of the diferencial reinforcement (to increase the positive attention to appropriate behaviors and to decrease the negative attention and punishment to inadequate behaviors). Two dyad mother-child participated. The children had three and four years, with externalizing and internalizing behavior problems, respectively. The procedure consisted of training the mothers, alternating the procedure of videofeedback and video modeling, making repeated measured observations between the sessions. In the two cases, the video modeling presented superior results, which demonstrated that watching a proficient therapist giving model of the target-skills to the mother is relevant to perception the immediate changes in the child’s behavior in function of simple changes in the interaction patterns.

Keywords: Video modeling, Videofeedback, Parent training.


 

 

O reconhecimento de que os pais podem se tornar agentes efetivos para a promoção de mudanças comportamentais em seus filhos tem resultado no desenvolvimento e avaliação empírica de numerosos programas de treinamento para pais. (Berkowitz & Graziano, 1972; O’Dell, 1974; Pedd, Roberts & Forehand, 1977; Williams & Matos, 1984; Sanders & Dadds, 1993; Silvares, 1995; Webster-Stratton, 1989; Brinkmeyer & Eyberg, 2003, entre outros). Os vários treinamentos propostos pelos diferentes autores têm um ponto em comum: geralmente se referem a um conjunto de procedimentos nos quais os pais são ensinados a alterar o comportamento de seus filhos em casa, por meio do uso consistente do reforçamento positivo e punição/ extinção, e que tem como resultado a melhora do comportamento infantil desviante.

O treinamento de pais tem sido realizado em vários formatos: grupos educacionais, consulta individual e aprendizagem em ambientes controlados (O’Dell, 1974). Dentre as várias estratégias empregadas, Silvares (1995) cita o treino de pais em manejo de contingências, o contrato de contingências e o treino familiar em resolução de problemas como as freqüentemente utilizadas nas intervenções com famílias. Silvares aponta também a necessidade de incluir treino em autocontrole parental e treino em solução de problemas conjugais como estratégias adicionais para lidar com as variáveis de contexto que interferem na relação direta pais e filhos.

Extensa pesquisa tem indicado o treinamento de pais como uma abordagem efetiva no tratamento dos problemas externalizantes das crianças, como desordens de conduta, comportamento opositor e agres-sividade (Azar & Wolf, 1989; Kazdin, 1996; Brestan & Eyberg, 1998), embora também esteja ganhando reconhecimento no trata-mento dos problemas internalizantes, como ansiedades, depressão e isolamento social (Kendall & Treadwell, 1996; Lewinsohn, Clarke, Rohde, Hops & Seeley, 1996).

Avaliações sistemáticas da efetividade dos programas de treinamento para pais têm mostrado ótimos resultados, princi-palmente quanto à obtenção de mudanças significativas num curto espaço de tempo, manutenção a longo prazo dos efeitos do tratamento (Eyberg, Funderburk, Hembree-Kigin, McNeil, Querido & Hood, 2001) e generalização das mudanças comportamen-tais para outros contextos, principalmente o escolar (McNeil, Eyberg, Eisenstadt, Newcomb & Funderburk, 1991). Entretanto, mesmo os programas alcançando sucesso em relação a estes pontos, ainda existem dificuldades de implementação que justificam algumas preocupações adicionais de pes-quisa.

Cunningham, Davis, Bremner, Dunn & Rzasa (1993) apontam alguns problemas que ainda precisam ser examinados no processo de treinamento de pais, como as dificuldades motivacionais de aplicação cotidiana das novas habilidades e trans-ferência de tais habilidades para a solução de novos problemas não diretamente treinados. Outra questão refere-se à dificuldade em manter os ganhos obtidos quando os programas de treinamento terminam. Patterson & Forgatch (1985) demonstraram que as estratégias instrucionais usadas em muitos programas de treinamento de pais podem, em si mesmas, aumentar a resistência para a aprendizagem de novas habilidades. Eles concluíram que, quando novas habilidades são introduzidas de modo diretivo, os participantes mostram altos níveis de não seguimento do que quando os terapeutas adotam uma abordagem mais facilitadora.

Cunningham, Davis, Bremner, Dunn & Rzasa (1993), num estudo com atendentes que trabalhavam com crianças com necessidades especiais, sugerem que a modelação em vídeo pode apresentar a vantagem de promover o ensino de novas habilidades sem gerar resistência à aprendizagem. Estes autores afirmam que a modelação de enfrentamento – em que se apresen-tam modelos em vídeo confrontando-se com problemas e cometendo erros para que os clientes discutam as alternativas de solução – tem mostrado resultados superiores quando comparada à modelação de maestria – em que os modelos exibidos em vídeo apresentam, aos clientes, as habili-dades requeridas executadas corretamente.

Outro procedimento, o videofeedback, tem sido usado com sucesso na terapia breve familiar (Ray & Saxon, 1992). Neste procedimento, os pais são gravados em vídeo interagindo com seus filhos em situações naturais ou arranjadas, e posteriormente assistem a si mesmos junto com o terapeuta de quem recebem feedback sobre seu desempenho e sobre as mudanças necessárias. O videofeedback , segundo estes autores, permite que os pais visualizem seus próprios padrões interacionais, levan-do-os a compreender os modos pelos quais eles podem manejar o comportamento de seu filho de modo diferente e produtivo.

Assim, na orientação de pais, a modelação em vídeo consiste em realizar a orientação com o auxílio de um vídeo previamente gravado, em que um terapeuta proficiente demonstra as habilidades-meta, interagindo com própria criança, e o videofeedback consiste em realizar a orientação numa sessão em que a mãe assiste a si mesma interagindo com seu filho e recebe feedback do terapeuta quanto às mudanças que necessita efetuar em seu próprio comportamento para promoção de melhora dos problemas da criança.

O estudo com os dois casos aqui apresentados foi realizado com o objetivo de comparar os efeitos da modelação em vídeo e do videofeedback na produção de mudanças significativamente maiores ou mais rápidas, no comportamento dos pais orientados com o auxílio destes procedimentos introduzidos de forma alternada.

Ray e Saxon (1992) afirmam que as gravações em vídeo dos pais interagindo com seus filhos, em situações naturais ou arranjadas, permitem maior objetividade do terapeuta no feedback sobre o desempenho deles e as mudanças necessárias por promover a visão direta dos erros e reflexão sobre como corrigi-los. Por outro lado, a modelação em vídeo, da forma como proposta neste estudo, também pode ter efeitos interessantes, por mostrar, às mães, os efeitos imediatos da mudança na qualidade da interação sobre os comportamentos de seus filhos, os quais elas geralmente julgam difíceis de alterar. Por essa razão, os resultados obtidos em ambos os casos são apresentados e discutidos, à luz das contribuições que tais procedimentos podem oferecer à prática em orientação de pais.

 

Objetivo

Comparar os resultados do uso dos procedimentos de videofeedback e modelação em vídeo quanto à agilidade na produção de mudanças, nos seguintes comportamentos parentais:

a) Aumento na freqüência de comportamentos de interação positiva com a criança, (elogios descritivos, elogios genéricos);

b) Diminuição da freqüência de comporta-mentos punitivos dirigidos à criança e seu comportamento (críticas e comandos).

 

Método

Participantes: Foram selecionadas duas díades, mãe e filho, para participação na pesquisa, conforme Quadro 1. Ambas as mães estavam em orientação com a pesquisadora em função de seus problemas com seus filhos, quando foram convidadas a participar da pesquisa. As crianças não foram submetidas a tratamento psicoterápico anterior.

 

 

Procedimento

Para formalizar o aceite de participa-ção na pesquisa, as mães assinaram o Termo de Consentimento Esclarecido, que continha informações sobre o formato da pesquisa, autorização por parte da mesma para o registro das interações entre ela e seu filho em gravações de vídeo e a divulgação dos dados, respeitando-se o anonimato das mesmas e seus filhos. Havia, ainda, o compromisso de, encerrada a pesquisa, encaminhar as crianças para atendimento clínico se as mães assim o desejassem.

Etapa 1 – Avaliação Pré-Intervenção: Uma sessão livre, com jogos e brincadeiras, com 20 minutos de duração, foi gravada em vídeo com cada dupla mãe-criança. Os comportamentos parentais foram avaliados segundo a freqüência de ocorrência de quatro categorias previamente definidas (Eyberg, Bessmer, Newcomb, Edwards & Robinson, 1994 - Anexo A), por dois observadores, e o índice de concordância adotado foi de 85%.

Etapa 2 – Intervenção 1: Às mães, em sessão individual, foram explicadas detalhadamente as habilidades-alvo da intervenção (Anexo B) e estas receberam feedback do seu desempenho na sessão de avaliação e orientação quanto às habilidades específicas que cada uma deveria praticar (objetivos de mudança de cada mãe estão descritos detalhadamente na sessão de resultados). Em seguida, foram aleatoriamente designadas para um dos dois procedimentos:

 

 

Etapa 3 – Avaliação Intermediária: As mães realizaram nova sessão em situação de jogo livre com seu filho, nos moldes da Etapa 1, uma semana após a orientação.

Etapa 4 - Intervenção 2: Novamente, em sessão individual, as mães receberam feedback do seu desempenho na segunda avaliação e orientação quanto às habilidades que cada uma ainda precisava melhorar. Em seguida, os procedimentos de intervenção foram invertidos:

 

 

Etapa 5 – Avaliação Pós-Intervenção: Novamente, uma semana depois, as mães realizaram nova sessão em situação de jogo livre com seu filho, nos moldes da Etapa 1.

Etapa 6 – Seguimento de um ano: As mães foram chamadas um ano após o término da intervenção, para nova avaliação, que foi realizada nos moldes da Etapa 1.

 

Resultados

Os comportamentos da mãe durante a interação lúdica com seu filho foram avaliados segundo a freqüência de ocorrência das quatro categorias de interesse: elogios descritivos, elogios genéricos, críticas e ordens/direcionamentos e analisados quanto à significância clínica, adotando-se os seguintes critérios: a) implemento na freqüência das categorias comportamentais a serem fortalecidas, de ao menos 30% em relação à linha de base; b) redução na freqüência das categorias com-portamentais a serem enfraquecidas, de ao menos 30% em relação à linha de base para cada díade (avaliação intra-sujeitos).

Abaixo, estão apresentadas uma síntese da hipótese funcional dos problemas apresentados e os objetivos do treinamento de cada mãe, assim como os resultados alcançados por cada uma delas, nas medidas observacionais.

Mãe 1 – Paula

Hipótese Funcional :

Após a análise da interação inicial de Paula e José (AV1), levantaram-se vários fatores que poderiam estar contribuindo para a manutenção dos problemas de birra e comportamento opositor apresentado por José: 1) a mãe excedia-se nas ordens dadas à criança: mais de duas por minuto; 2) a freqüência de elogios encontrava-se desproporcionalmente menor em relação número de mandos dados à criança: quatro ordens para cada elogio, o que leva a supor que mesmo que as ordens fossem cumpridas, não produziam reforçamento compatível por parte da mãe; e 3) o número de críticas ao comportamento da criança era proporcional ao número de elogios, praticamente um elogio para cada crítica, o que poderia dificultar a discriminação por parte da criança, uma vez que ambos os comportamentos, adequados e inadequados, recebiam taxas similares de atenção materna.

Objetivos de mudança :

Paula foi então orientada a: 1) diminuir a freqüência dos direcionamentos/ ordens que dava a seu filho, esperando um pouco mais para emitir outra ordem, dando tempo para a criança aceder; 2) aumentar a freqüência de elogios descritivos ao comportamento adequado, principalmente comtingente ao cumprimento dos mandos maternos; e 3) diminuir o número de críticas/ restrições, dando alternativas que pudessem ser reforçadas (ensinar à criança o que fazer, ao invés de apenas apontar o que não fazer).

Resultados :

Observa-se na Tabela 1, que a sessão de modelação em vídeo foi efetiva para alterar significativamente as quatro categorias comportamentais, alvos da intervenção. Todas as categorias obtiveram uma alteração acima de 56% na avaliação realizada após a sessão de modelação em vídeo (AV2), em comparação com os dados da avaliação pré-intervenção (AV1), ficando, assim, bem acima da faixa de mudança considerada clinicamente significativa.

 

 

Como resultado da segunda intervenção, o videofeedback , observou-se apenas manutenção dos ganhos adquiridos. Embora uma redução um pouco maior que 30% tenha sido observada nas categorias “elogios genéricos” e “ordens” da segunda para a terceira avaliação, ainda assim não parece ter impacto importante no alcance das metas propostas, uma vez que a porcentagem final, na terceira avaliação (AV3), ficou acima de 100% da avaliação inicial (AV1) para elogios genéricos e 39% abaixo, para ordens.

 

 

Pode-se considerar que, ao final da intervenção, Paula atingiu os objetivos de mudança propostos, e que seu perfil de interação com o filho mudou consideravelmente, conforme se pode constatar pela avaliação de seguimento realizada um ano após o término da orientação, apresentada na Figura 1. Houve redução clinicamente significativa nas categorias de elogios, em comparação com a terceira avaliação, mas em comparação com o perfil inicial, percebe-se implemento importante na categoria elogios descritivos: de 0,5 para 7,0 respostas em 20 minutos e manutenção do padrão de respostas para elogios genéricos.

Paula também passou a emitir menor número de ordens à criança, esperando um tempo maior para a realização da instrução por parte da criança, antes de repeti-la ou emitir outra ordem, o que fez com que terminasse a orientação emitindo um pouco mais de uma ordem por minuto (1,3 R/min), e decrescer ainda mais no seguimento (0,6 R/min); a proporção de elogios em relação às ordens se inverteu (1,6 elogios para cada ordem no seguimento de 1 ano), assim como a proporção de críticas em relação aos elogios (1 crítica para cada 10 elogios no seguimento de um ano).

Mãe 2 - Edna

Hipótese Funcional :

Após a análise da interação inicial de Edna e Alex (AV1), hipotetizou-se que o problema internalizante de Alex poderia estar ocorrendo em função do isolamento a que estava submetido em relação à mãe. A mãe falou muito pouco com a criança durante a interação; cada um brincou separadamente, a mãe não respondia às verbalizações da criança, não elogiava suas atividades. Embora tenha criticado menos que Paula, a relação crítica versus elogio era de 5,25 críticas para cada elogio, ou seja, Alex recebia pouca atenção materna, e quando a recebia, era do tipo atenção negativa. Alex estava apresentando comportamentos de insegurança e ansiedade generalizadas, provavelmente em função da inconsistência na conseqüenciação de seus comportamentos. A mãe não sinalizava claramente qual comportamento era esperado da criança, e nas poucas vezes em o fez, pareceu não perceber o seguimento da ins-trução pela criança, deixando os compor-tamentos de obediência sem qualquer com-seqüência.

Objetivos de mudança :

Edna foi orientada a: 1) Aumentar o número total de verbalizações dirigidas à criança; 2) Brincar mais junto, interagir mais, responder mais às verbalizações da criança; 3) Elogiar mais (tanto descritiva, quanto genericamente); 4) Diminuir as críticas.

Resultados :

Pode-se observar na Tabela 2 que a Intervenção 1, videofeedback , foi efetiva para alterar três das quatro categorias comportamentais de interesse: os elogios genéricos aumentaram significativamente (325%); as críticas diminuíram 33,3%; houve um aumento nas ordens (37,2%), talvez em função do objetivo de aumentar o número total de verbalizações dirigidas à criança. Apenas o elogio descritivo permaneceu inalterado, isto é, o videofeedback não foi efetivo para ensinar um comportamento que não existia no repertório da mãe.

A segunda intervenção, modelação em vídeo , proporcionou melhoras acentuadas: os elogios descritivos começaram a ocorrer, embora em baixa freqüência (0,25 R/min); os elogios genéricos também aumentaram em 58,8% em relação a AV2; as críticas sofreram redução de 57,1%, maior que a alcançada com o videofeedback ; e a redução nas ordens, embora significativa (33,9%), não se diferenciou do padrão inicial (diferença de 9%).

 

 

 

Assim como Paula, Edna também atingiu os objetivos de mudança propostos, e seu perfil comportamental de interação com o filho mudou consideravelmente e se manteve, conforme se pode constatar pela avaliação de seguimento realizada um ano após o término da orientação, apresentada na Figura 2. Embora o número total de verbalizações da mãe à criança tenha tido apenas um aumento discreto (15%), Edna passou a tecer seus comentários durante a brincadeira, de forma mais contingente aos comportamentos adequados de seu filho, e a se envolver mais nas atividades de interesse da criança. A proporção de críticas em relação aos elogios se inverteu (6,2 elogios para cada crítica na AV3 e 3,5 elogios por crítica no seguimento de 1 ano). E embora tenha havido redução no seguimento, não se observa retorno do padrão de interação da mãe com a criança ao observado no início da orientação.

 

Discussão

Observando-se o desempenho das duas mães nas Intervenções, podem-se observar algumas ocorrências interessantes.

A mãe 1 (Paula) melhorou consideravelmente seu desempenho logo na primeira Intervenção – modelação em vídeo, tendo praticamente mantido seus ganhos após a segunda intervenção – videofeedback . Para Paula, a modelação em vídeo parece ter sido o procedimento mais relevante para mudança, embora se possa acrescentar o efeito das instruções e discussão sobre os comportamentos a serem alterados, que foram realizados concomitantemente com a Intervenção 1 para ambas as mães.

No entanto, Edna também apresentou melhores resultados após a modelação em vídeo (vide Tabela 2). Suas melhoras da segunda para a terceira avaliação ficaram em torno de 50%, inclusive com a ocorrência do elogio descritivo, que não ocorreu após o videofeedback, enquanto que da primeira para a segunda ficaram em torno de 30%, com exceção apenas do elogio genérico. A mudança de 30% também é considerada clinicamente significativa, e disso se pode levantar a hipótese de que o videofeedback tem efeitos positivos na produção de mudanças no comportamento parental, embora a modelação em vídeo pareça produzir mudanças de maior magnitude.

Outro fator que deve ser considerado na diferença de desempenho entre as mães, é a diferença na natureza das queixas apresentadas pelas crianças. O fato de José (filho de Paula) apresentar queixa externalizante pode ter possibilitado, à mãe, uma observação mais clara da mudança de comportamento da criança na interação com a terapeuta-modelo, durante a sessão de modelação em vídeo. José apresentou menos comportamento opositor, colaborou bastante, sorriu e até elogiou a terapeuta, comportamentos que surpreenderam a mãe devido à baixíssima ocorrência na interação com ela em casa.

Já Alex (filho de Edna), que apresentava queixa internalizante, apresentou mudanças mais sutis de comportamento na interação com a terapeuta-modelo. Basicamente, Alex apresentou os mesmos comportamentos que com a mãe, porém em maior freqüência. A interação com a terapeuta-modelo permitiu, à criança, expressar-se mais verbalmente, possivelmente em função deste comportamento estar sendo reforçado quase que em esquema de reforço contínuo; porém; os comportamentos que apresentou não foram incompatíveis com os que já apresentava. Assim, os estímulos discriminativos provenientes do comportamento da criança parecem ter sido mais sutis para Edna do que para Paula durante a sessão de modelação.

É interessante notar que Edna mantém os ganhos após um ano do tratamento, enquanto Paula parece declinar gradualmente da aprendizagem ocorrida. A diferença na ordem de introdução dos procedimentos pode ter tido algum impacto sobre esse resultado. Talvez Edna tivesse aproveitamento maior tendo assistido ao modelo em primeiro lugar, e talvez Paula tivesse alguns ganhos com o videofeedback que poderiam ter sido fortalecidos com a modelação, como ocorreu com Edna durante a orientação. Porém, um ano após o emcerramento da intervenção, Edna, que adquiriu repertório mais gradualmente, está sendo capaz de mantê-lo, enquanto Paula, que adquiriu repertório abruptamente, está decrescendo na sua curva de seguimento.

 

Conclusão

Pesquisas mais recentes com orientação de pais têm destacado a importância de se entender melhor o efeito de alguns dos procedimentos componentes dos pacotes de tratamento (Nixon, 2002). Este tipo de investigação poderia trazer respostas que otimizassem a relação custo/ benefício das intervenções oferecidas, principalmente no âmbito do atendimento público e em clínicas-escola, reduzindo o tempo e mantendo a qualidade do tratamento, assim como a magnitude dos resultados alcançados.

Embora conclusões comparativas sobre os efeitos do uso dos procedimentos não possam ser feitas em função do baixo número de sujeitos, para as mães analisadas no presente estudo, a modelação em vídeo foi o procedimento que trouxe resultados mais significativos para as mudanças apresentadas por elas na interação com suas crianças. Assistir a um terapeuta proficiente dando modelo à mãe das habilidades-alvo, interagindo com seu próprio filho, parece ser relevante para que as mães percebam o efeito imediato no comportamento da criança em função da alteração no padrão de interação (Zelenko & Benham, 2000), no caso, o uso do reforçamento diferencial – “elogiar mais e criticar menos” – que foi o objetivo deste estudo.

A análise do comportamento das crianças foi propositadamente excluída, pois o interesse residiu em estudar os procedimentos que podem acelerar a aprendizagem das habilidades parentais, uma vez que estudos com crianças pré-escolares (Wood-Shuman e Cone, 1986) têm mostrado que as crianças obedecem a suas mães mais do que elas observam e valorizam. Griest, Forehand, Wells a McMahon (1980) num estudo com 20 mães e suas crianças pré-escolares encontraram porcen-tagem média 33,2% de obediência às ordens maternas em crianças não-clínicas, e média de 26,9% nas crianças clínicas. Moura (2007), num estudo com 20 mães e suas crianças pré-escolares que apresentavam comportamento opositor, encontrou responsividade média das crianças de 50%, enquanto que a das mães era de 10%. Isso mostra uma dificuldade que as mães de crianças clínicas apresentam em discriminar o comportamento adequado que suas crianças emitem. Por essa razão, este estudo focalizou apenas a análise do comportamen-to das mães.

Wood-Shuman e Cone (1986) sugerem que a intervenção deveria focalizar não apenas no ensino de respostas apropriadas às mães, mas também de respostas de observação, descrição e classificação apropriada do comportamento da criança (neutro, mau ou bom) e que o uso do vídeo poderia auxiliar nesta tarefa. Dessa forma, no presente estudo, ao usar o vídeo para ensinar as mães a discriminar o comportamento apropriado das crianças, para então conseqüenciar positivamente, pode-se supor que elas tenham tido oportunidade de aprender tais habilidades, mesmo que a intervenção não tenha tido esse objetivo direto.

Aprendendo a observar, classificar como adequado ou não, para então reforçar os comportamentos infantis desejáveis, a orientação por meio da modelação em vídeo pareceu ter proporcionado uma alteração mais precisa nas propriedades dos estímulos antecedentes que estavam controlando discriminativamente o responder das mães, em comparação com o videofeedback (Skinner, 1989; Meyer, 2000).

Embora mais sujeitos precisem ser analisados para que conclusões possam ser tiradas quanto à superioridade de um procedimento sobre o outro, no presente estudo, os resultados vão no sentido contrário aos apresentados por Cunningham, Davis, Bremner, Dunn & Rzasa (1993), cujo estudo mostrou que a modelação de maestria (similar a modelação usada neste estudo) produziu resultados inferiores em compara-ção com a modelação de enfrentamento (modelos comportando-se de forma inadequada). Porém, é importante ressaltar que, no presente estudo, as mães viam modelos interagindo com seu filho e poderiam estar mais sensíveis a esta condição do que as atendentes do estudo de Cunningham, que viam outras atendentes-modelo interagindo com clientes desconhecidos.

Outra questão para ser respondida, a partir do aumento na amostra estudada, é o efeito da combinação dos procedimentos. Talvez um procedimento possa mostrar superioridade quanto aos resultados produzidos apenas em combinação com o outro, como ocorreu neste estudo. Talvez ainda possam mostrar resultados similares e, então, o terapeuta poderá decidir qual procedimento usar, dados os recursos de que dispõe (Moura, 2007). De qualquer modo, comparar o uso isolado dos procedimentos com o uso combinado também pode trazer contribuições significativas ao tipo de auxílio que se oferece aos pais em orientação, para a mudança comportamental de seus filhos.

Em suma, o uso do vídeo, seja qual for o procedimento adotado, precisa ser melhor entendido, pois trabalhar com recursos simples, dentro do modelo de orientação a pais, pode ser vantajoso às famílias. Segundo McDonough (1995), ensinar, aos pais, estratégias básicas de manejo comportamental de seus filhos pequenos, por meio de intervenções rápidas e focais, além de evitar que a criança seja estigmatizada como o “problema” da famí-lia e colocada prematuramente em trata-mento, pode trazer respostas rápidas para as dificuldades atuais e prevenir problemas comportamentais mais sérios no futuro.

 

 

Referências

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Recebido em: 02/04/2006
Primeira decisão editorial em: 11/07/2006
Versão final em: 10/10/2007
Aceito em: 01/11/2007

 

 

1 E-mail: cmoura@uel.br

 

Apêndice A:

Categorias de comportamento parental – Definições

Elogios descritivos: verbalizações parentais dirigidas à criança que expressam apreciação/ aprovação e descrevem especificamente a resposta que a criança emitiu, por exemplo: “gostei que você fez bolinhas bem redondinhas”; “estou achando legal que você está brincando junto comigo”. Elogios direcionados à criança ou agradecimentos são considerados descritivos quando especificam o comportamento a que se referem, por exemplo, “obrigada por espe-rar a minha vez!”; “Como você é esperto! Separou todas as peças azuis”.

Elogios genéricos: verbalizações parentais dirigidas à criança que expressam apreciação/ aprovação, mas são inespecíficos quanto à resposta a que se referem, por exemplo: “Muito bem!”, “Parabéns!”, “Legal!”, “Isso”, “Aí!”. Elogios direcionados à criança ou agradecimentos que não descrevem o comportamento também são considerados genéricos, por exemplo, “Bom menino!”, “Como você é esperto!”; “Ah! Obrigado!”.

Críticas/restrição: verbalização que salienta erro numa atividade ou característica da criança, por exemplo: “Você não sabe brincar!”; “você está sendo mal-educado”; “esse desenho ficou mal feito”; “Ê lerdeza!”. Quando os pais limitam, de alguma forma, o comportamento da criança, apontando algo que foi feito e não deve ser feito novamente, por exemplo: “tire o pé daí”; “não segure a cabeça do boneco”; “não mexa nisso”.

Ordens/direcionamento: ordem, pedido ou sugestão, que indica qual comportamento é esperado da criança direta ou indiretamente (pais mandam a criança a fazer aquilo que eles querem que seja feito, direcionam a brincadeira ou dão ordens sobre o quê e como fazer). Por exemplo, quando os pais dizem “Coloque todas as peças aqui neste canto!”,”Vamos brincar com as espadas vermelhas que é melhor”. “Pegue esse primeiro”.

Fonte: Eyberg, S. M.; Bessmer, J.; Newcomb, K.; Edwards, D. & Robinson, E. (1994). Manual for the Dyadic Parent-Child Interaction Coding System-II. Social and Behavioral Sciences Documents. San Rafael: Select Press.

 

Apêndice B:

Habilidades-meta da intervenção

 

 

Adaptado de:

Brinkmeyer, M.Y. & Eyberg, S.M. (2003). Parent-Child Interaction Therapy for Oppositional Children. In: Kazdin, A. E. & Weisz, J.R. (Eds). Evidence-based psychotherapies for children and adolescents . New York: Guilford.