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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.1 São Paulo June 2007

 

REVISITANDO CLÁSSICOS

 

Seleção por conseqüências1, 2, 3

 

 

B. F. Skinner

 

 


RESUMO

A seleção por conseqüências é um modo causal encontrado unicamente em coisas vivas ou em máquinas feitas por elas. Foi primeiramente reconhecida na seleção natural, mas explica, também, a modelagem e a manutenção do comportamento do indivíduo e a evolução das culturas. Em todos esses três campos, substitui explicações baseadas nos modos causais da Mecânica Clássica. A substituição é fortemente resistida. A seleção natural é agora reconhecida, mas atrasos similares no reconhecimento do papel da seleção nos outros campos poderiam nos privar de um auxílio valioso na solução dos problemas com os quais somos confrontados.


 

 

A história do comportamento humano, caso possamos considerar que tem início com a origem da vida na Terra, é possivelmente excedida em amplitude apenas pela história do universo. Assim como o astrônomo e o cosmologista, o historiador avança apenas pela reconstrução do que pode ter acontecido ao invés de por meio de uma revisão de fatos registrados. A história presumivelmente iniciou-se, não com um big bang , mas com aquele momento extraordinário em que se deu o surgimento de uma molécula que era capaz de se reproduzir. Foi então que a seleção por conseqüências surgiu enquanto um modo causal. A reprodução foi, em si mesma, uma primeira comseqüência, e ela levou, por meio da seleção natural, à evolução de células, órgãos e organismos que se reproduziam sob condições cada vez mais diversas.

O que denominamos comportamento evoluiu como um conjunto de funções aprofundando o intercâmbio entre organismo e ambiente. Em um mundo relativamen-te estável, o comportamento poderia ser parte do patrimônio genético de uma espécie assim como a digestão, a respiração ou qualquer outra função biológica. O envolvimento com o ambiente, contudo, impôs limitações. O comportamento funcionava apropriadamente apenas sob condições relativamente similares àquelas sob as quais fora selecionado. A reprodução sob uma ampla gama de condições tornou-se possível com a evolução de dois processos por meio dos quais organismos individuais adquiriam comportamentos apropriados a novos ambientes. Por meio do condicionamento respondente (pavloviano), respostas previamente preparadas pela seleção natural poderiam ficar sob o controle de novos estímulos. Por meio do condicionamento operante, novas respostas poderiam ser fortalecidas (“reforçadas”) por eventos que imediatamente as seguissem.

 

Um segundo tipo de seleção

O condicionamento operante é um segundo tipo de seleção por conseqüências. Deve ter evoluído em paralelo a dois outros produtos das mesmas contingências de seleção natural – a susceptibilidade ao reforçamento por certos tipos de conseqüências e um conjunto de comportamentos menos especificamente relacionados a estímulos eliciadores ou liberadores. (A maior parte dos operantes é selecionada a partir de comportamentos que têm pouca ou nenhuma relação com esses estímulos).

Quando as conseqüências selecionadoras são as mesmas, o condicionamento operante e a seleção natural trabalham comjuntamente, de maneira redundante. Por exemplo, o comportamento de um pato recém-nascido ao seguir sua mãe é aparentemente não apenas o produto de seleção natural (patos recém-nascidos tendem a se mover em direção a objetos grandes em movimento), mas também de uma evoluída susceptibilidade ao reforçamento pela proximidade a esse objeto, como demonstrou Peterson4. A conseqüência comum é que o pato permanece próximo de sua mãe. (A estampagem é um processo diferente, próximo do condicionamento respondente).

Uma vez que uma espécie que rapidamente adquire comportamentos apropriados a ambientes específicos tem menor necessidade de um repertório inato, o condicionamento operante poderia não apenas suplementar a seleção natural do comporta-mento, mas também substituí-la. Houve vantagens que favoreceram esta mudança. Quando membros de uma espécie comem certo tipo de alimento simplesmente porque comê-lo teve valor de sobrevivência, o alimento não precisa ser, e presumivelmente não é, um reforçador. Da mesma forma, quando o comportamento sexual é simplesmente um produto da seleção natural, o contato sexual não precisa ser, e presumivelmente não é, um reforçador. Mas quando, por meio da evolução de susceptibilidades especiais, alimento e contato sexual tornam-se reforçadores, novas formas de comportamento podem ser estabelecidas. Novas maneiras de coletar, processar e, por fim, cultivar alimentos e novas formas de se comportar sexualmente, ou de se comportar de maneiras que apenas eventualmente ocasionem reforçamento sexual podem ser modeladas e mantidas. O comportamento assim condicionado não é necessariamente adaptativo; alimentos não saudáveis são ingeridos e comportamento sexual não relacionado à procriação é fortalecido.

Muito do comportamento estudado por etólogos – a corte, o acasalamento, o cuidado dos filhotes, a agressão intraespecífica, a defesa do território e assim por diante – é social. Está numa faixa próxima de ser atingida pela seleção natural, uma vez que os outros membros da mesma espécie são uma das características mais estáveis do ambiente de uma espécie. Repertórios sociais inatos são suplementados pela imitação. Ao correr quando outros correm, por exemplo, um animal responde a estímulos liberadores aos quais não foi anteriormente exposto. Um tipo diferente de imitação, com uma amplitude muito maior, resulta do fato de que contingências de reforçamento que induzem um organismo a se comportar de determinada maneira afetarão freqüentemente outro organismo quando ele se comporta da mesma forma. Um repertório imitativo que coloca o imitador sob controle de novas contingências é então adquirido.

A espécie humana presumivelmente tornou-se muito mais social quando sua musculatura vocal ficou sob controle operante. Vocalizações de alarme, chamados de acasalamento, ameaças de agressão, e outros tipos de comportamento vocal podem ser modificados por condicionamento ope-rante, mas aparentemente apenas com relação às ocasiões em que ocorrem ou à sua taxa de ocorrência5. A habilidade da espécie humana para adquirir novas formas por meio de seleção por conseqüências presumivelmente resultou da evolução de uma inervação especial da musculatura vocal, junto com um suprimento de comportamento vocal não fortemente sob o controle de estímulos ou de liberadores – o balbuciar de crianças a partir do qual são selecionados os operantes verbais. Nenhuma nova susceptibilidade ao reforçamento foi necessária, uma vez que as conseqüências do comportamento verbal distinguem-se apenas pelo fato de que são mediadas por outras pessoas6.

O desenvolvimento do controle ambiental sobre a musculatura vocal aumentou consideravelmente o auxílio que uma pessoa recebe de outras. Comportando-se verbalmente, as pessoas podem cooperar de maneira mais eficiente em atividades comuns. Ao receberem conselhos, ao atentarem para avisos, ao seguirem instruções, e ao observarem regras, as pessoas podem se beneficiar do que outros já aprenderam. Práticas éticas são fortalecidas ao serem codificadas em leis, e técnicas especiais de autogoverno ético e intelectual são desenvolvidas e ensinadas. O autoconhecimento ou consciência emergem quando uma pessoa pergunta a outra questões como “O que você vai fazer?” ou “Por quê você fez aquilo?”. A invenção do alfabeto propagou essas vantagens por grandes distâncias e períodos de tempo. Há muito tempo, diz-se que essas características conferem à espécie humana sua posição única, embora seja possível que tal singularidade seja simplesmente a extensão do controle operante à musculatura vocal.

 

Um terceiro tipo de seleção

O comportamento verbal aumentou consideravelmente a importância de um terceiro tipo de seleção por conseqüências: a evolução de ambientes sociais ou culturas. O processo presumivelmente se inicia no nível do indivíduo. Uma melhor maneira de fabricar uma ferramenta, de produzir alimentos ou de ensinar a uma criança é reforçada por suas conseqüências – respectivamente, a ferramenta, os alimentos ou um ajudante útil. A cultura evolui quando práticas que se originam dessa maneira contribuem para o sucesso de um grupo praticante em solucionar os seus problemas. É o efeito sobre o grupo e não as conseqüências reforçadoras para seus membros, o responsável pela evolução da cultura.

Em suma, então, o comportamento humano é o produto conjunto de a) contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção natural das espécies, e b) contingências de reforçamento responsáveis pelos repertórios adquiridos por seus membros, incluindo c) contingências especiais mantidas por um ambiente cultural evoluído. (Em última análise, obviamente, tudo isso é uma questão de seleção natural, uma vez que o condicionamento operante é um processo evoluído, do qual as práticas culturais são aplicações especiais).

 

Similaridades e diferenças

Cada um dos três níveis de variação e seleção tem sua própria disciplina – o primeiro, a Biologia; o segundo, a Psicologia; e o terceiro a Antropologia. Apenas o segundo, o condicionamento operante, ocorre em uma velocidade em que pode ser observado de momento a momento. Biólogos e antropólogos estudam os processos por meio dos quais variações surgem e são selecionadas, mas eles apenas reconstroem a evolução de uma espécie ou cultura. O condicionamento operante é a seleção ocorrendo. O processo se assemelha a cem milhões de anos de seleção natural ou a mil anos de evolução de uma cultura condensados em um período muito curto de tempo.

A imediaticidade do condicionamento operante tem certas vantagens práticas. Por exemplo, quando uma característica atualmente adaptativa é presumivelmente muito complexa para ter ocorrido em sua forma presente como uma única variação, ela é usualmente explicada como sendo o produto de uma seqüência de variações mais simples, cada qual tendo seu próprio valor de sobrevivência. É uma prática comum na teoria da evolução buscar tais seqüências, e antropólogos e historiadores têm reconstruído os estágios pelos quais códigos morais e éticos, arte, música, literatura, ciência, tecnologia, e assim por diante, têm provavelmente evoluído. Um operante complexo, contudo, pode, de fato, ser “modelado por aproximações sucessivas” arranjando-se uma série gradual de contingências de reforçamento7.

Uma questão atual em relação ao nível (a) tem paralelos em relação aos níveis (b) e (c). Se a seleção natural é um princípio válido, por que várias espécies permanecem não modificadas por milhares ou até milhões de anos? Presumivelmente a resposta é que, ou nenhuma variação ocorreu, ou aquelas que ocorreram não foram selecionadas pelas contingências em vigor. Questões similares podem ser feitas em relação aos níveis (b) e (c). Por que as pessoas continuam a fazer as coisas da mesma maneira por vários anos, e por que grupos de pessoas continuam a observar práticas antigas por séculos? As respostas são, presumivelmente, as mesmas: ou novas variações (novas formas de comportamento ou novas práticas) não surgiram ou aquelas que surgiram não foram selecionadas pelas contingências em vigor (de reforçamento ou de sobrevivência do grupo). Em todos os três níveis, uma mudança súbita, possivelmente ampla, é explicada como resultado da seleção de novas variações pelas contingências em vigor ou por novas contingências. A competição com outras espécies, pessoas ou culturas pode ou não estar envolvida. Limites estruturais também podem ter um papel em todos os três níveis.

Um outro ponto é a definição ou a identidade de uma espécie, de uma pessoa ou de uma cultura. Características numa espécie e práticas numa cultura são transmitidas de uma geração para a outra, mas o comportamento reforçado é “transmitido” somente no sentido de permanecer como parte do repertório de um indivíduo. Em-quanto espécies e culturas são definidas por restrições impostas sobre a transmissão – por genes e cromossomos e, digamos, isolamento geográfico, respectivamente – um problema de definição (ou identidade) surge em relação ao nível (b) somente quando contingências de reforçamento diferentes criam repertórios diferentes, como eus ou pessoas.

 

Sistemas explicativos tradicionais

Como um modo causal, a seleção por conseqüências foi descoberta muito tardiamente na História da Ciência – de fato, há menos de um século e meio – e não é ainda completamente reconhecida ou entendida, especialmente em relação aos níveis (b) e (c). Os fatos pelos quais é responsável têm sido forçados para dentro do padrão causal da Mecânica Clássica, e muitos sistemas explicativos elaborados nesse processo devem ser, agora, abandona-dos. Alguns deles têm grande prestígio e são fortemente defendidos em todos os três níveis. Consideram-se, aqui, quatro exemplos:

Um ato anterior de criação . (a) A seleção natural substitui um criador muito especial e ainda é questionada por causa disto. (b) O condicionamento operante oferece uma análise similarmente controversa do comportamento (“voluntário”) tradicionalmente atribuído a uma mente criativa. (c) A evolução de um ambiente social substitui a suposta origem de uma cultura como um contrato social, ou de práticas sociais como mandamentos.

Propósito ou intenção . Somente conse-qüências passadas têm um papel importante na seleção. (a) Uma espécie particular não tem olhos para que seus membros vejam de maneira mais eficiente; ela os tem porque certos membros, passando por vari-ação, puderam ver melhor e como conseqüência tiveram mais chance de transmitir a variação. (b) As conseqüências do comportamento operante não são a finalidade do comportamento atual; elas são simplesmente semelhantes às conseqüências que modelaram e mantiveram o comportamento. (c) As pessoas não exercem determinadas práticas para que o grupo tenha maiores chances de sobreviver; elas as exercem porque grupos que induziram seus membros a exercê-las sobreviveram e as transmitiram.

Certas essências . (a) Uma molécula que pudesse se reproduzir e evoluir para o estado de célula, órgão e organismo estava viva assim que teve início a sua existência sem o auxílio de um princípio vital denominado vida. (b) O comportamento operante é modelado e colocado sob o controle do ambiente sem que haja a intervenção de um princípio de mente. (Supor que o pensamento surgiu como uma variação, assim como uma característica morfológica na teoria genética, é invocar um saltum desnecessariamente longo.) (c) Ambientes sociais geram autoconhecimento (“consciência”) e autogoverno (“razão”) sem o auxílio de uma mente grupal ou um Zeitgeist .

Dizer isto não é reduzir a vida, a mente e o Zeitgeist ao físico; é simplesmente reconhecer que essências são desnecessárias. Os fatos são como sempre foram. Dizer que a seleção por conseqüências é um modo causal encontrado apenas em coisas vivas é unicamente dizer que a seleção (ou a “replicação com erro” que a tornou possível) define o “viver”. (Um computador pode ser programado para simular a seleção natural, o condicionamento operante, ou a evolução de uma cultura, mas unicamente quando construído e programado por uma coisa viva). A base física da seleção natural é, atualmente, razoavelmente clara; as bases correspondentes relativas ao condiciona-mento operante e, conseqüentemente, à evolução das culturas, estão ainda por ser descobertas.

Algumas definições de bem e de valor . (a) O que é bom para a espécie é qualquer coisa que promova a sobrevivência de seus membros até que sua prole tenha nascido e, possivelmente, sido criada. Boas caracterís-ticas são descritas como tendo valor de sobrevivência. Dentre elas encontram-se a susceptibilidade ao reforçamento por muitas das coisas que dizemos ter bom sabor, gerar boas sensações, e assim por diante. (b) O comportamento de uma pessoa é bom se é efetivo sob as contingências de reforça-mento em vigor. Nós valorizamos esse com-portamento e, de fato, o reforçamos dizendo “Bom!”. O comportamento em relação a outros indivíduos é bom se é bom para os outros nesses sentidos. (c) O que é bom para uma cultura é qualquer coisa que promova sua sobrevivência última, como manter um grupo coeso ou transmitir suas práticas. Essas não são, obviamente, definições tradicionais; elas não reconhecem um mundo de valores distinto de um mundo de fatos e, por outras razões a serem abordadas em breve, são questionadas.

 

Alternativas à seleção

Um exemplo das tentativas de assimilar a seleção por conseqüências à causa-lidade da Mecânica Clássica é o termo “pressão seletiva”, que parece converter a seleção em algo que força uma mudança. Um exemplo mais sério é a metáfora do armazenamento. As contingências de seleção estão necessariamente no passado; elas não estão agindo quando seu efeito é observado. Para que seja proposta uma causa presente, tem-se assumido que as mesmas são armazenadas (comumente como “informação”) e, mais tarde, recuperadas. Então, (a) afirma-se que genes e cromossomos “contêm a informação” necessária para que o ovo fertilizado se torne um organismo maduro. Mas uma célula não consulta um depósito de informações para que aprenda a mudar; ela muda em função de características que são o produto de uma história de variação e seleção, um produto que não é propriamente representado pela metáfora do armazenamento. (b) Afirma-se que as pessoas armazenam informações acerca das contingências de reforçamento e as recuperam para uso em ocasiões futuras. Mas elas não consultam cópias de contingências prévias para descobrir como se comportar; elas se comportam de determinadas maneiras por terem sido modificadas por aquelas contingências. As contingências podem, talvez, ser inferidas a partir das modificações que operaram, mas elas não mais existem. (c) Um possível uso legítimo para “armazenamento” na evolução das culturas pode ser responsável por esses erros. Partes do ambiente social mantidas e transmitidas por um grupo são literalmente armazenadas em documentos, artefatos, e outros produtos daquele comportamento.

Outras forças causais que serviriam como substitutas da seleção têm sido procuradas na estrutura de uma espécie, de uma pessoa ou de uma cultura. A organização é um exemplo. (a) Até recentemente, a maioria dos biólogos afirmava que a organização distinguia coisas vivas das não vivas. (b) De acordo com psicólogos da Gestalt e outros, percepções e atos ocorreriam de certas maneiras inevitáveis por causa de sua organização. (c) Muitos antropólogos e lingüistas apelam para a organização de práticas culturais e lingüísticas. É verdade que todas as espécies, pessoas e culturas são altamente organizadas, mas nenhum princípio de organização explica o fato de o serem. Ambos, organização e os efeitos a ela atribuídos, podem ser retraçados às respectivas contingências de seleção.

Outro exemplo é o crescimento. O desenvolvimentismo é o estruturalismo com o tempo ou a idade adicionados enquanto variável independente. (a) Havia evidência, antes de Darwin, que as espécies haviam se “desenvolvido”. (b) Psicólogos cognitivistas têm afirmado que conceitos se desenvolvem na criança em certas ordens fixas, e Freud disse o mesmo em relação às funções psicossexuais. (c) Alguns antropólogos têm sugerido que culturas devem evoluir por uma série prescrita de estágios, e Marx também o fez em sua insistência em relação ao determinismo histórico. Mas em todos os três níveis, as mudanças podem ser explicadas pelo “desenvolvimento” de contingências de seleção. Novas contingências de seleção natural passam a atuar enquanto uma espécie evolui; novas contingências de reforçamento começam a operar enquanto o comportamento torna-se mais complexo; e culturas cada vez mais eficientes lidam com novas contingências de sobrevivência.

 

A seleção negligenciada

A força causal atribuída à estrutura, enquanto uma substituta da seleção, ocasiona problemas quando se afirma que uma característica em um dos níveis explica uma característica similar em outro – a importância histórica da seleção natural conferindolhe, comumente, um lugar especial. A Sociobiologia oferece muitos exemplos. O comportamento descrito como defesa do território pode dever-se a (a) contingências de sobrevivência durante a evolução das espécies, provavelmente envolvendo o suprimento de alimento ou práticas reprodutivas; (b) contingências de reforçamento para o indivíduo, provavelmente envolvendo uma fração dos reforçadores disponíveis no território; ou (c) contingências mantidas pelas práticas culturais de um grupo, promovendo comportamentos que contribuem para a sobrevivência do mesmo. Similarmente, o comportamento altruístico (a) pode evoluir por meio, digamos, da seleção de parentesco; (b) pode ser modelado e mantido por contingências de reforçamento arranjadas por aqueles para quem o comportamento traz algum benefício; ou (c) pode ser gerado por culturas que, por exemplo, induzem indivíduos a sofrer ou a morrer como heróis ou mártires. As contingências de seleção nos três níveis são consideravelmente diferentes, e a similaridade estrutural não confirma um princípio iniciador comum.

Quando uma força causal é atribuída à estrutura, a seleção tende a ser ignorada. Muitas questões que surgem em relação à moral e à ética podem ser resolvidas especificando-se o nível de seleção. O que é bom para o indivíduo ou para a cultura pode ter conseqüências prejudiciais para a espécie, como quando o reforçamento sexual leva à superpopulação ou às comodidades reforçadoras estabelecidas pela civilização à exaustão dos recursos; o que é bom para a espécie ou para a cultura pode ser prejudicial para o indivíduo, como quando práticas planejadas para o controle reprodutivo ou a preservação de recursos restringem a liberdade individual, e assim por diante. Não há nada inconsistente ou contraditório sobre esses usos de “bom” ou “prejudicial”, ou sobre outros julgamentos de valor, desde que o nível de seleção seja especificado.

 

Um agente iniciador

Resiste-se particularmente ao papel da seleção por conseqüências porque não há um lugar para um agente iniciador como sugerido pela Mecânica Clássica. Nós tentamos identificar tal agente quando dizemos (a) que a espécie se adapta a um ambiente, ao invés de dizer que o ambiente seleciona as características adaptativas; (b) que um indivíduo se ajusta à determinada situação, ao invés de dizer que a situação modela e mantém comportamentos a ela apropriados; e (c) que um grupo de pessoas resolve um problema criado por certas circunstâncias, ao invés de dizer que as circunstâncias selecionam as práticas culturais que produzem uma solução.

A questão sobre um agente iniciador é levantada em sua forma mais aguda por nosso próprio lugar nessa história. Darwin e Spencer pensavam que a seleção levaria necessariamente à perfeição, mas espécies, pessoas e culturas perecem quando não podem lidar com mudanças rápidas, e parece que, atualmente, nossa espécie está ameaçada. Devemos esperar que a seleção resolva os problemas de superpopulação, exaustão de recursos, poluição do ambiente e um holocausto nuclear, ou podemos dar passos explícitos para tornar nosso futuro mais seguro? No último caso, não devemos, em algum sentido, transcender à seleção?

Pode-se dizer que intervimos no processo de seleção quando, como geneticistas, modificamos as características de uma espécie ou criamos novas espécies, ou como governantes, empregadores ou professores, modificamos o comportamento das pessoas; ou quando planejamos novas práticas culturais. Mas em nenhuma dessas maneiras, escapamos da seleção por conseqüências. Em primeiro lugar, podemos atuar apenas por meio de variação e seleção. No nível (a) podemos modificar genes e cromossomos ou contingências de sobrevivência, como na reprodução seletiva. No nível (b) podemos produzir novas formas de comportamento – por exemplo, mostrando ou dizendo às pessoas o que fazer com respeito às contingências relevantes – ou arranjar e manter novas contingências seletivas. No nível (c) podemos introduzir novas práticas culturais ou, raramente, arranjar contingências especiais de sobrevivência – por exemplo, para preservar uma prática tradicional. Mas tendo feito essas coisas, temos que esperar que a seleção ocorra. (Há uma razão especial pela qual essas limitações são significativas. É comumente dito que a espécie humana é agora capaz de controlar sua própria genética, seu próprio comportamento e seu próprio destino, mas ela não o faz no sentido em que o termo controle é empregado na Mecânica Clássica. Não o faz pelo simples fato de que coisas vivas não são máquinas: a seleção por conseqüências faz a diferença). Em segundo lugar, devemos considerar a possibilidade de que nosso comportamento de intervir é em si mêsmo um produto da seleção. Tendemos a nos considerar como agentes iniciadores somen-te porque nós sabemos ou lembramos pouco das nossas histórias genética e ambiental.

Apesar de agora podermos prever muitas das contingências de seleção às quais a espécie humana provavelmente será exposta em todos os três níveis e especificar comportamentos que satisfarão muitas delas, temos falhado em estabelecer práticas culturais sob as quais muitos desses comportamentos são selecionados e mantidos. É possível que nosso esforço para preservar o papel do indivíduo como um originador seja o responsável, e que um maior reconhecimento do papel da seleção por conseqüências fará uma importante diferença.

O cenário atual não é animador. A Psicologia é a disciplina de escolha no nível (b), mas poucos psicólogos prestam muita atenção à seleção. Os existencialistas, entre eles, preocupam-se particularmente com o aqui e agora, ao invés de com o passado e com o futuro. Os estruturalistas e desenvolvimentistas tendem a negligenciar contingências seletivas em sua busca por princípios causais tais como a organização ou o crescimento. A convicção de que contingências são armazenadas como informação é apenas uma das razões pelas quais o apelo a funções cognitivas não é útil. As três personae da teoria psicanalítica são, em muitos aspectos, próximas aos nossos três níveis de seleção; mas o id não representa adequadamente a enorme contribuição da história natural da espécie; o superego, mesmo com o auxílio de um ego ideal, não representa adequadamente as contribuições de um ambiente social para a linguagem, auto-conhecimento e autogoverno intelectual e ético; e o ego é apenas vagamente semelhante ao repertório pessoal adquirido sob as contingências práticas da vida diária. O campo conhecido como Análise Experimental do Comportamento tem explorado extensivamente a seleção por conseqüências, mas resiste-se à sua concepção do comportamento humano, e muitas de suas aplicações práticas são rejeitadas, precisamente pelo fato de que ela não tem um lugar para a pessoa enquanto um agente iniciador. As ciências comportamentais no nível (c) apresentam falhas similares. A Antropologia é consideravelmente estrutural, e cientistas políticos e economistas comumente tratam o indivíduo como um agente iniciador livre. A Filosofia e as Letras não oferecem pers-pectivas promissoras.

Um reconhecimento apropriado da ação seletiva do ambiente significa uma mudança em nossa concepção sobre as origens do comportamento que é possivelmente tão grande quanto aquela acerca da origem das espécies. Enquanto nos apegarmos à comcepção de que uma pessoa é um executor, um agente ou um causador inicial do comportamento, continuaremos provavelmente a negligenciar as condições que devem ser modificadas para que possamos resolver nossos problemas8.

 

 

1 Artigo originalmente publicado na Revista Science , [Skinner, B.F. (1981). Selection by consequences. Science, 213, 501-504]. A tradução para a língua portuguesa e a publicação na Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva foram permitidas pela American Association for the Advancement of Science e pela B.F.Skinner Foundation .
2 Esta versão não é uma tradução oficial para a língua portuguesa conduzida pelos membros da Revista Science e, portanto, não é tomada por ela como fiel. A tradução é inteiramente responsabilidade da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. Em questões centrais, consultar a versão oficial em língua inglesa, originalmente publicada na Revista Science .
3 Tradução de Carlos Renato Xavier Cançado, Paulo Guerra Soares e Sérgio Cirino. Os tradutores agradecem à Faculdade de Educação da UFMG, pelo financiamento que tornou esse trabalho possível. Agradecem, também, aos Drs. Ernst Vargas e Julie S. Vargas, da B.F.Skinner Foundation , assim como às representantes desta instituição no Brasil, Dras. Maria Martha Costa Hübner e Maria Teresa de Araújo Silva pelo incentivo. Igualmente, agradecem aos membros do corpo editorial da Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva e aos Drs. Alexandre Dittrich e Roberto Banaco pela colaboração no processo de tradução.
4 Peterson, N., Science, 132, 1395 (1960).
5 O comportamento imitativo vocal de certos pássaros pode ser uma exceção, mas se ele tem conseqüências seletivas comparáveis àquelas das vocalizações de alarme ou dos chamados de acasalamento, as mesmas são obscuras. O comportamento vocal do papagaio é modelado, na melhor das hipóteses, por uma conseqüência trivial, envolvendo a semelhança entre sons produzidos e sons ouvidos.
6 B.F.Skinner, Verbal Behavior (Appleton, New York, 1957).
7 Padrões de comportamento inato muito complexos para terem surgido como variações singulares podem ter sido modelados por mudanças geológicas resultantes do mo-vimento de placas tectônicas. [B.F.Skinner, Acta Neuro-biol.Exp., 35, 409, (1975); reimpresso em Reflections on Beha-viorism and Society (Prentice-Hall, Engelwood Cliffs, N.J., 1978)].
8 B.F.Skinner, Beyond Freedom and Dignity (Knopf, New York, 1971).