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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Elementos fundamentais para a aquisição de operantes verbais por bebês: análise comportamental da “atenção compartilhada” 1

 

Fundamental elements for infant’s verbal operant acquisition: behavioral analysis of joint attention

 

 

Thais Porlan de OliveiraI, II 2 ; Maria Stella Coutinho de Alcântara GilII, 3

I Universidade Federal de Minas Gerais
II Universidade Federal de São Carlos

 

 


RESUMO

O estudo comportamental da linguagem pressupõe considerar as contingências operantes para a aquisição do repertório de responder à relação entre estímulos tal como se propõe para quaisquer outros comportamentos. Entretanto, um dos desafios para os avanços da proposta de Skinner sobre o comportamento verbal é a busca de explicações para a descrição dos componentes essenciais na aquisição e manutenção do repertório verbal pelas crianças pequenas. Superar tal desafio implica, entre outras coisas, investir na interlocução entre a concepção comportamental dos operantes verbais com outras áreas do conhecimento, como, por exemplo, a Psicologia do Desenvolvimento. O presente trabalho propõe que uma análise operante da “atenção compartilhada” desempenharia papel de elemento fundamental para a aquisição de operantes verbais, especificamente mandos e tatos, pelos bebês. Este exame parece frutífero tanto para a análise do impacto de aspectos do livro Verbal Behavior para a explicação teórica dos componentes essenciais da aquisição da linguagem, como para o progresso de investigações empíricas sobre o tema.

Palavras-chave: Tato, Mando, Atenção compartilhada, Crianças pequenas.


ABSTRACT

Language behavioral study presupposes to consider the operant contingencies for the responding repertoire acquisition to stimulus relation such as is proposed for any others behaviors. One of the challenges for the advancements of the verbal behavior Skinner’s proposal is the search of explanations for the description of the essential components in the acquisition and maintenance of the infants’ verbal repertoire. To surpass such a challenge teases, between other things, it is important to invest in the interphrase between verbal operant behavioral conception with other areas of the knowledge, like Developmental Psychology. The present work proposes that a joint attention operant analysis would fulfill paper of basic element for the infants’ verbal operant acquisition, specifically mands and tacts. This examination seems fruitful for the analysis of the impact of Verbal Behavior aspects in teorical explanation and for empirical investigations of the language acquisition essencial components.

Keywords: Tact, Mand, Joint attention, Infants.


 

 

As variáveis multideterminantes para a aquisição do repertório verbal vocal têm sido investigadas por um corpo significativo de pesquisas conduzidas por lingüistas, estudiosos do desenvolvimento e analistas do comportamento. Os estudiosos das diferentes abordagens concordam que um dos fenômenos mais representativos presente no início do uso da linguagem pelas crianças pequenas é a rápida aquisição de palavras relacionadas a objetos que ocorre entre os 18 e 24 meses de idade (Acredolo & Goodwyn, 1988; Bates, 1979; Goodwyn, Acredolo & Brown, 2000). Uma das perguntas subjacentes ao estudo deste fenômeno é descrever como as crianças aprendem a responder aos objetos e eventos de acordo com as normas específicas da comunidade verbal na qual estão inseridas.

Skinner, em seu livro sobre o comportamento verbal (1957), propôs que a análise da aquisição dos repertórios verbais pode ser realizada a partir da utilização dos princípios que a Análise do Comportamento preconizou para a compreensão dos demais comportamentos. Assim, a peculiaridade do comportamento verbal seria que ele é estabelecido e mantido por contingências mediadas pelo reforçamento de outros indivíduos pertencentes a uma mesma comunidade verbal. Nesta perspectiva, Skinner propôs uma classificação de classes de operantes verbais segundo as funções adquiridas por cada um deles, sempre considerando as variáveis sob controle para a determinação de um operante (por exemplo, mando, tato, intraverbais, entre outros).

A questão de como as crianças aprendem a responder aos objetos e eventos de acordo com as normas específicas da comunidade verbal na qual estão inseridas seria respondida, segundo a visão de Skinner, pelo estudo do operante verbal denominado tato. O tato é um tipo de operante verbal no qual uma resposta verbal oral é evocada ou fortalecida por um objeto, evento ou propriedade de um objeto ou evento específico (Skinner, 1957); assim, a presença de um estímulo estabelece a probabilidade de ocorrência de uma dada forma de resposta. Desta forma, por exemplo, a comunidade verbal ensina a criança pequena a emitir o tato “bola” na presença da bola ou de eventos relacionados à bola, tal como assistir a um jogo de futebol.

Brino e Souza (2005) discutiram as concepções do comportamento verbal de Skinner, Stemmer, Hays e Sidman e analisaram que os avanços propostos para o tratamento skinneriano do comportamento verbal enfrentam desafios referentes à identificação dos processos que atuam na aquisição e desenvolvimento do comportamento verbal enquanto pré-requisito para compreensão do comportamento simbólico. Estes autores analisaram que a questão geral para a qual os analistas do comportamento devem focalizar suas investigações com relação à aquisição do repertório verbal é: “quais propriedades de um evento podem adquirir, de fato, o controle de determinada resposta?”.

Skinner enfatizou o papel da comunidade verbal na tarefa de “instância mediadora” para que o controle de estímulos seja estabelecido no caso dos operantes verbais. Naquela ocasião, porém, Skinner (1957) não apresentou suporte empírico para a explicação de como ocorreria tal estabelecimento. As experiências pelas quais um bebê passa desde o seu nascimento provêm contingências nas quais os bebês aprendem por modelação e modelagem pelo contato direto com falantes da comunidade verbal na qual aquele bebê está inserido (Schlinger, 1992; Souza, 2003; Souza & Affonso, no prelo). Assim, para identificarmos as variáveis de controle de estímulos efetivas na aquisição de um tato, por exemplo, ao ensinarmos um bebê a nomear “bola” diante do objeto bola, devemos, necessariamente, identificar os componentes presentes na história de reforçamento (interação) entre o agente da comunidade verbal e o bebê até que o repertório tenha sido instalado.

Tendo por referência de análise a história de contingências entre uma díade adulto-bebê, tais componentes possivelmente envolvem variáveis topográficas e, principalmente, funcionais presentes nas ações de adulto e bebê desde o nascimento até a emissão de um repertório verbal vocal específico pelo bebê. O presente trabalho baseia-se na premissa de que a investigação teórica e empírica dos prováveis componentes para aquisição do repertório verbal, incluindo o conhecimento de quais contingências devem se estabelecer para que tal aquisição ocorra, aumentaria a compreensão da aquisição dos repertórios verbais e fortaleceria a investigação de algumas das possibilidades sobre o conhecimento empírico que o livro Verbal Behavior provê. Estes avanços contribuem para a análise do impacto do livro de Skinner sobre a compreensão da linguagem, em contrapartida à acusação de Chomsky (1959) de que, no texto, Skinner delineou alguns dos prováveis impactos empíricos do seu livro, mas não foi capaz de sustentar suas considerações com dados.

Para Skinner (1957), o estabelecimento dos operantes verbais ocorre ao longo de uma história de reforçamento em que: a) o organismo que aprende tenha a possibilidade de entrar em contato com muitos reforçadores diferentes e b) que estes reforçadores adquiram função de reforçadores generalizados. Pensemos no exemplo dos tatos: um repertório “normal” de tatos de um indivíduo não pode ser praticado ou mantido sem que as respostas dos ouvintes às emissões verbais do falante tenham função de reforçadores condicionados generalizados. Holth (2005) analisou que, para compreendermos o estabelecimento de reforçadores condicionados generalizados, devemos nos basear em observações naturalísticas dos componentes específicos que parecem constituir as reações dos ouvintes aos tatos emitidos na linguagem natural do falante. Somente assim podemos compreender, por exemplo, porque uma criança, diante de uma bola, aprende a emitir a resposta “bola” no Brasil e “ball” nos Estados Unidos.

A descrição de situações naturais nas quais seja possível caracterizar as contingências em vigor no estabelecimento de reforçadores generalizados condicionados para os bebês possivelmente nos levará a identificar elementos fundamentais para a aquisição de operantes verbais no início do uso da linguagem. Pensemos no exemplo em que a criança aprende a emitir o tato “bola”: a comunidade verbal do bebê é, em geral, seus pais. Em diversas situações de brincadeira entre mãe e bebê, bolas estão presentes e exercem função de estímulo antecedente para as interações entre a díade: o bebê, por exemplo, aponta e direciona seu olhar para uma bola; a mãe, então, direciona seu próprio olhar para a bola, olha em direção ao bebê e diz: “é, a bola, fala para a mamãe BOLA”. Em seguida, o bebê olha em direção à mãe e emite uma vocalização: “BO”; a mãe, então, sorri para o bebê e diz “isso mesmo!!! BOLA”.

Neste caso, as ações emitidas pelo bebê foram estímulos antecedentes para as respostas da mãe (olhar na mesma direção que o bebê e emitir as falas) e estas respostas da mãe possivelmente exerceram função de estímulo antecedente e reforçador para que o bebê respondesse com o olhar direcionado à mãe e emitisse uma vocalização; a emissão da vocalização pelo bebê, por sua vez, exerceu função de estímulo antecedente e reforçador para a emissão de respostas da mãe (“isso mesmo!!!”). Estas respostas sociais da mãe possivelmente terão função de reforço social para a emissão, pelo bebê, de uma classe de respostas verbais que, posteriormente, na medida em que outras situações similares acontecerem, constituirão o tato “bola”.

Este exemplo nos possibilita realizar a análise de alguns dos prováveis componentes específicos que constituem as reações dos ouvintes, no caso a mãe, às respostas que estabelecerão os tatos emitidos pelo falante (o bebê). A Psicologia do Desenvolvimento preconizou que os componentes específicos relevantes em termos da interação entre mãe e bebê constituem-se de variáveis sociais básicas como a direção do olhar, aproximação, tom da voz, expressões faciais (Seidl de Moura & Ribas, 2004 realizaram uma revisão abrangente a respeito do tema). O estabelecimento de respostas verbais anteriores à emissão de tatos pelo bebê, como pode ser avaliado no exemplo acima, depende fundamentalmente da presença de elementos críticos das respostas da mãe que exerçam função de estímulos antecedentes e reforçadores efetivos na construção do repertório do bebê. Analisando a situação, parece que o primeiro elemento que determina a seqüência de ações que constituem o episódio (e este é apenas um dentre muitos episódios) é o direcionamento simultâneo da direção do olhar de mãe e do bebê para um mesmo objeto do ambiente, no caso, a bola. Compartilhar a direção do olhar, ao lado de outros elementos tais como o direcionamento do olhar da mãe para o bebê, a emissão de falas, de sorrisos e demais ações da mãe direcionadas ao bebê constituirão os componentes das relações funcionais relevantes para o estabelecimento e manutenção do repertório verbal vocal.

A literatura tradicional da Psicologia do Desenvolvimento sobre atenção compartilhada (do inglês joint attention) parece particularmente relevante para compreendermos o estabelecimento dos reforçadores relevantes para a construção de operantes verbais. A atenção compartilhada entre duas pessoas, na forma de orientação visual, sorrisos e diferentes tipos de comentários do ouvinte sob controle de um mesmo objeto e/ou evento ambiental constituem a classe de reforçadores que caracterizará o operante tato (Holth, 2005).

 

Atenção compartilhada e a sua definição operante

A atenção compartilhada é um fenômeno bastante explorado na Psicologia do Desenvolvimento e é definida, de modo geral, como um fenômeno que envolve habilidades dos bebês de coordenar e direcionar sua atenção visual a objetos e/ou eventos para os quais adultos estejam dirigindo sua atenção. Os estudiosos do desenvolvimento acrescentam que a atenção compartilhada caracteriza-se pela existência de um foco atencional ao qual pelo menos dois indivíduos direcionam sua atenção com o objetivo de compartilhar uma experiência e, por esse motivo, o fenômeno teria uma função essencialmente comunicativa (Baumwell, Tamis LeMonda & Bornstein, 1997; Harris, Kasari & Sigman, 1996; Markus et al., 2000; Mundy & Gomes, 1998; Mundy, Sigman & Kasari, 1990; Paparella & Kasari, 2004; Tomasello & Farrar, 1986; Tomasello, 1988).

Os estudiosos do desenvolvimento frequentemente consideram que a atenção compartilhada é uma habilidade importante pela sua relação com outros aspectos do desenvolvimento. Embora haja certo consenso na definição, alguns estudos priorizam a relação da atenção compartilhada com o desenvolvimento de capacidades simbólicas (Mundy, Sigman & Kasari, 1990); outros, com as habilidades lingüísticas (Baldwin, 1995; Bruner, 1975; Tomasello & Farrar, 1986; Tomasello, 1988) e outros enfatizam a relação da atenção compartilhada com processos cognitivos e sociais gerais (Baron-Cohen, 1995; Bruner, 1975; Mundy, 1995; Tomasello, 1995).

Independente da ênfase de qual a relação da atenção compartilhada aos aspectos simbólicos, lingüísticos, cognitivos e/ou sociais, o fato é que os dados são robustos quanto à importância do fenômeno para a compreensão do desenvolvimento infantil, o que sustenta a necessidade de investimento da Análise do Comportamento no estudo das variáveis que interferem no estabelecimento e manutenção de comportamentos em episódios de atenção compartilhada (Holth, 2005). A maior parte dos trabalhos que investigam a atenção compartilhada partilha o pressuposto de que a “intenção comunicativa” dos parceiros da díade desempenha papel primordial na constituição do fenômeno (Lampreia, 2007; Tomasello & Farrar, 1986; Tomasello, 1995).

A intencionalidade comunicativa é considerada, na perspectiva desenvolvimentista, uma forma da criança construir significados e desenvolver a compreensão da intenção comunicativa do outro. Podemos supor que uma análise operante da finalidade intencional da atenção compartilhada, considerando a necessidade da mediação da comunidade verbal para a aprendizagem do repertório verbal, significa que os adultos que constituem a comunidade verbal do bebê estabelecem contingências de controle de estímulos para as respostas verbais do bebê. Podemos descrever comportamentalmente o aspecto da intencionalidade comunicativa em uma situação de interação entre mãe e bebê na qual o bebê direciona seu olhar para um objeto: um carrinho de brinquedo, por exemplo. Na seqüência de ações que caracterizariam a interação, a mãe, em seguida ao direcionamento do olhar do bebê ao carrinho, direciona seu olhar para o mesmo objeto e emite respostas direcionadas ao bebê, tais como as seguintes falas: “Ah, o carro! Já sei o que você quer...passear né? Mais tarde a mamãe te leva para passear de carro”. Esta situação descreve contingências de controle de estímulos verbais estabelecidas pela mãe que poderiam, sob perspectivas diferentes da comportamental, ser interpretadas como se o bebê emitisse a resposta de direcionar seu olhar em direção ao carrinho com a intenção ou vontade de dizer para a mãe “gosto de passear de carro” ou “me leve para passear de carro”. As ações da mãe, que inicialmente não possuem função comunicativa operante para o bebê, adquirem, na medida em que uma história de repertórios cada vez mais complexos vai sendo construída, funções operantes que seriam classificadas como operantes verbais mais sofisticados, tal qual nós adultos somos capazes de utilizar.

Para uma compreensão comportamental da atenção compartilhada, devemos considerá-la, portanto, um fenômeno que pode ser explicado pela identificação do controle de estímulos presente nas interações sociais. Segundo Holth (2005), uma definição operante da atenção compartilhada deve considerar que a orientação visual de uma pessoa está sob controle discriminativo de ações tais como o apontar ou a orientação visual de outra pessoa e que este controle deve ser condicional a outro estímulo (um objeto e/ou evento). O autor discutiu, também, que a extensão para qual alguém segue a orientação da outra pessoa e a função pela qual alguém opera para obter orientação visual do outro depende das conseqüências prévias àquele comportamento, ou seja, depende da aprendizagem e não de uma predisposição inata do organismo.

Tendo em vista as possibilidades oferecidas pelas análises propostas no livro Verbal Behavior para a compreensão de como a comunidade verbal estabelece controle de estímulos para adquirirmos os operantes verbais, podemos formular a hipótese que a atenção compartilhada seria um componente essencial para a aquisição e manutenção de operantes verbais (especialmente no caso de mandos e tatos). A investigação comportamental da atenção compartilhada, sob esta perspectiva, é relevante teórica e empiricamente por algumas razões, entre elas o fato de que uma extensa literatura mostra que, por exemplo, pessoas autistas não apresentam o repertório caracterizado como atenção compartilhada e apresentam déficit subseqüente na aquisição de tatos (Baron-Cohen, 1989; Lampreia, 2007; Lovaas, 1987; Mundy, 1995; Mundy & Crowson, 1997; Mundy et al., 1986).

A principal razão para a relevância de uma análise operante da atenção compartilhada é que o estudo do fenômeno parece ser particularmente importante para a compreensão da aquisição do comportamento verbal sob controle de estímulos específicos – os tatos - ou seja, quando as crianças seriam capazes de emitir respostas verbais vocais sob controle específico de objeto e/ou evento estabelecido por sua comunidade (Holth, 2005).

 

Análises empíricas iniciais sobre atenção compartilhada operante e sua relação com os operantes verbais de mando e tato

Alguns analistas do comportamento discutiram que as observações naturalísticas são eficazes e necessárias para a evolução da análise de processos de aquisição de repertórios comportamentais complexos (Gil, Oliveira, Sousa & Faleiros, 2006; Holth, 2005; Wilkinson & McIlvane, 2001).

Os resultados iniciais de um estudo empírico descritivo baseado em observações naturalísticas da atenção compartilhada na perspectiva comportamental (Oliveira, 2006) corroboram a hipótese de que a atenção compartilhada pode nos auxiliar na compreensão de como são estabelecidas relações de controle de estímulos determinantes para a aquisição e manutenção de tatos por um bebê em situações de brincadeira com sua mãe.

Neste estudo, várias situações da interação entre uma mãe e seu bebê foram analisadas sob o enfoque comportamental pelo registro em videoteipe realizado na casa dos participantes desde que o bebê tinha seis meses de idade até que completasse um ano. Os episódios comportamentais descritos em termos das relações funcionais em operação caracterizam a atenção compartilhada em uma perspectiva operante e nos permitem considerar aspectos que parecem relevantes para a compreensão do processo operante em evolução no caso da aquisição do repertório verbal vocal pelo bebê.

Vamos analisar um exemplo do que seria o processo envolvido na aquisição de um tato pelo bebê. Um dos objetos mais freqüentemente presentes na rotina do bebê, por motivos óbvios, foi a mamadeira. Sempre que a mãe referia-se à mamadeira ela utilizava o termo “tetê”; “tetê” será considerado, então, o tato referente ao estímulo específico mamadeira. Em uma situação, quando o bebê tinha seis meses de idade, a mamadeira estava sobre a mesa. O bebê, então, olhou em direção à mamadeira (estímulo discriminativo - Sd), a mãe olhou para a mesma direção – a mamadeira – e emitiu a fala: “Ah, o tetê, você quer tetê?”, levantou-se, pegou a mamadeira e trouxe até o bebê (resposta da mãe); o bebê sorriu, pegou a mamadeira e levou até sua boca (estímulo reforçador - Sr). Neste caso, a emissão da primeira resposta do bebê direcionada à mamadeira (olhar em direção a ela), que exerceu função de Sd para a mãe, seria classificada como um operante verbal do tipo “mando” uma vez que produziu um estímulo reforçador específico – pegar a mamadeira e mamar.

Nos registros seguintes, puderam ser observados vários exemplos nos quais a presença do objeto-foco (mamadeira) desencadeou classes de respostas similares às descritas acima. Neste sentido, o conjunto de exposições do bebê e da mãe às contingências da classe “mando” relacionado à mamadeira produziu a manutenção deste operante verbal no repertório do bebê. Em uma outra situação, quando o bebê tinha oito meses de idade, ele olha em direção à mamadeira (Sd), a mãe direciona seu olhar para a mamadeira, olha para o bebê e diz: “o que é aquilo? Fala para a mamãe, o que você quer?” (resposta); o bebê, então, olha para a mãe e vocaliza “te” (Sr); a mãe, em seguida, pega a mamadeira, leva até o bebê e fala: “Isso mesmo, tetê, a mamãe pega para você”. Este episódio exemplifica um tipo de contingência que pode, como no caso anterior, ser considerada uma contingência que mantém o operante mando relacionado à mamadeira. A diferença é que a classe de respostas emitidas pela mãe no contexto da atenção compartilhada ao objeto-foco foi seguida por uma resposta verbal do bebê mais próxima do operante verbal tato (que seria nomear a mamadeira), porém a função observada no episódio ainda caracteriza o operante mando.

Estas análises preliminares feitas no estudo de Oliveira (2006) demonstram que as relações de controle de estímulos presentes em episódios de atenção compartilhada parecem servir, inicialmente, para a compreensão funcional dos operantes que Skinner definiu por mandos. Podemos supor que a exposição a contingências deste tipo, que envolvam atenção compartilhada entre falante e ouvinte, é pré-requisito para que as respostas dos ouvintes (no caso, a mãe) adquiram função de reforçadores condicionados generalizados e, então, sejam emitidos tatos pelo falante (no caso, o bebê).

Descrever situações naturais viabiliza, assim, a identificação do processo envolvido em termos da construção de uma história de reforçamento na interação da díade capaz de explicar a emissão de um tato pelo bebê. Voltando ao exemplo da mamadeira, aos 12 meses, o bebê olha em direção à mamadeira que estava em cima de uma estante, olha para a mãe e diz: “tetê”; a mãe olha em direção ao objeto em cima da estante, olha em direção ao bebê, bate palmas e fala: “É, o seu tetê! O nenê sabe falar tetê!”; o bebê, então, olha para a mãe, sorri e repete: “tetê, tetê, tetê”. Nesta situação, relacionada ao mesmo objeto-foco das situações descritas anteriormente, o bebê emitiu a resposta verbal vocal “tetê” sob controle das propriedades específicas do estímulo (a mamadeira) e da presença da mãe. De acordo com a classificação de Skinner, este operante emitido pelo bebê seria um tato. É importante notarmos que as respostas sociais providas pela mãe parecem exercer função reforçadora mais conspícua para a emissão da resposta verbal vocal pelo bebê do que a conseqüência de pegar a mamadeira. Skinner provavelmente diria que, neste caso, as respostas do ouvinte (a mãe) adquiriram função de reforçador condicionado generalizado e que a aquisição de tal função possibilitou a emissão de um tato pelo falante (o bebê).

A análise das relações funcionais presentes nesta seqüência de episódios que têm como foco o objeto mamadeira (“tetê”) delineiam alguns aspectos relevantes para a tentativa de identificar quais as contingências efetivas na aquisição e manutenção do repertório verbal pelas crianças pequenas. Estes aspectos podem ser resumidos da seguinte forma: 1) A explicação para a aquisição e manutenção do repertório verbal pelas crianças pequenas depende da descrição funcional dos componentes essenciais presentes na história de contingências individual do bebê nas interações estabelecidas com os membros de sua comunidade verbal; 2) Fenômenos estudados pela Psicologia do Desenvolvimento, como, por exemplo, a atenção compartilhada, podem trazer indicadores importantes para o investimento da Análise do Comportamento na investigação das variáveis relevantes na aquisição e manutenção de operantes verbais; 3) A descrição dos componentes essenciais presentes na história de contingências individual do bebê possibilita a apreensão de que há uma construção dinâmica de relações entre classes de estímulos e classes de respostas de mãe e bebê; assim, na medida em que o repertório do bebê se expande e ele é capaz de emitir respostas mais complexas, o adulto passa a emitir respostas que adquirem controle necessário para a emissão respostas verbais vocais mais específicas pelo bebê.

 

Considerações finais

O presente trabalho buscou analisar um fenômeno tradicionalmente estudado pela Psicologia do Desenvolvimento - a atenção compartilhada – tendo por objetivo propiciar a identificação de prováveis elementos fundamentais para a aquisição e manutenção de operantes verbais pelos bebês. Tal análise parece frutífera para a apreciação de alguns aspectos do impacto que o livro Verbal Behavior deixou para a compreensão teórica e, principalmente, empírica da linguagem na abordagem comportamental.

As considerações de Skinner a respeito do provável desenvolvimento empírico proporcionado pelo seu livro deixou, sem dúvida, um caminho de pesquisa a ser seguido que envolve a investigação das relações funcionais estabelecidas em situações naturais de interação entre falante e ouvinte que desempenham papel efetivo no estabelecimento de contingências que produzirão repertórios verbais cada vez mais complexos ao longo do desenvolvimento de um indivíduo.

 

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Recebido em: 06/11/2007
Primeira decisão editorial em: 19/11/2007
Versão final em: 15/04/2008
Aceito em: 26/03/2008

 

 

1As autoras agradecem ao apoio concedido pelo CNPQ.
2Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Bolsista de PDJ do CNPQ (Processo 155474/2006-5). Email: porlan_tha@yahoo.com.br
3Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos. Email: mscagil@power.ufscar.br