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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

Categorização de verbalizações do processo terapêutico e o operante intraverbal1

 

Categorization of verbalizations of the therapeutic process and the intraverbal operant

 

 

Joene Vieira-Santos2 ; Carlos Barbosa Alves de Souza3

Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento
Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

A categorização do conteúdo verbal do processo terapêutico pode ser vista como um treino intraverbal. Assim, a avaliação das variáveis envolvidas neste treino pode fornecer informações sobre as variáveis relevantes na atividade de categorização. Este trabalho analisou os procedimentos e resultados de estudos que visavam ao treino de respostas intraverbais, buscando identificar variáveis relevantes no estabelecimento do comportamento intraverbal, e conseqüentemente da categorização. As seguintes variáveis foram identificadas: presença de dicas textuais; uso de exemplos, de forma especial a exposição a um procedimento de instruções de múltiplos exemplos; e, no contexto das relações instrucionais, exposição a tarefas de definição antes de iniciar tarefas de identificação de exemplos, bem como a identificação das características críticas e definidoras do conceito trabalhado. Estas variáveis parecem estar relacionadas diretamente com aquelas identificadas nas pesquisas da área de categorização do conteúdo do processo terapêutico, sugerindo que elas devem ser consideradas no desenvolvimento dos estudos relacionados com esta área.

Palavras-chave: Comportamento verbal, intraverbal, Verbalizações do processo terapêutico, Categorização.


ABSTRACT

Categorization of verbalizations of the therapeutic process can to be interpreted as intraverbal training. Thus, evaluation of the variables involved in this training would give us information about relevant variables of categorization activity. This work analyzed the procedures and results of the studies using the training of intravebal responses, aiming to identify relevant variables in intraverbal behavior acquisition, and therefore in categorization. The following variables were identified: presence of textual cues; use of examples (especially the exposure to a procedure of multiple examples instruction) and, in the context of the instructional relations, both exposure to definition tasks before starting example identification tasks and identification of the concept’s keys aspects. These variables seem to be related directly to those identified in the studies about categorization of verbalizations of the therapeutic process, suggesting that they must be taken into account in the development of studies about this subject.

Keywords: Verbal behavior, Intraverbal, Verbalizations of the therapeutic process, Categorization.


 

 

A partir do momento em que a terapia comportamental deixou de utilizar um modelo de investigação baseado na modificação do comportamento e passou a empregar, na prática clínica regular, a chamada terapia verbal face a face, a investigação da interação verbal terapeuta-cliente assumiu o centro das atenções das pesquisas sobre terapia comportamental (Tourinho, Carvalho Neto & Neno, 2004; Tourinho, Garcia & Souza, 2003). Dentro desse contexto, alguns estudos têm sido realizados (Batista, 2006; Brandão, 2002; Canaan, 2002; Chequer, 2002; Kovac, 2001; Lima, 2005; Oliveira-Silva & Tourinho, 2006) com o objetivo de desenvolver sistemas de categorias que permitam realizar uma análise metodológica do conteúdo verbal do processo terapêutico (verbalizações de terapeutas e clientes), possibilitando, por meio desses instrumentos, um reconhecimento mais preciso das funções das intervenções realizadas por terapeutas. Além disso, tais estudos preconizam que uma compreensão mais acurada das funções das intervenções do terapeuta sobre o cliente possa auxiliar no planejamento e condução do processo terapêutico.

Os estudos sobre categorização do conteúdo do processo terapêutico, a despeito das variações no procedimento de treino dos categorizadores e na análise dos dados, têm como atividade principal a leitura de transcrições de sessões terapêuticas e a categorização de trechos das mesmas com base em um sistema de categorias. Ou seja, diante de determinados estímulos verbais (transcrição das verbalizações), os participantes (categorizadores) devem responder verbalmente, atribuindo uma das categorias existentes no sistema de categorização. Esta atividade pode ser descrita, em termos dos operantes verbais propostos por Skinner4 (1957/1992), como uma resposta intraverbal, i.e., um comportamento verbal que é controlado por um estímulo verbal (ou seja, um estímulo que é produto do comportamento verbal de alguém), em que não há correspondência ponto-a-ponto nem similaridade formal5 entre o estímulo antecedente e a resposta. Outros exemplos de comportamento intraverbal podem ser: recitar um poema, derivar uma fórmula, falar o abecedário e responder perguntas.

Miguel, Petursdottir e Carr (2005) sugerem que uma das formas mais comuns de comportamento intraverbal é a habilidade de categorizar ou classificar verbalmente objetos no ambiente mediante a apresentação de um estímulo verbal anterior como, por exemplo, “o que é isso?”. Este tipo de atividade está presente nos primeiros anos escolares, quando as crianças são solicitadas a nomear brinquedos e outros objetos. A maior parte dos estudos sobre comportamento intraverbal refere-se ao treino deste operante em crianças que possuem alguma espécie de desenvolvimento atípico (Cihon, 2007).

Uma vez que pode haver semelhanças entre o treino de intraverbais e a atividade de categorização do conteúdo verbal do processo terapêutico (ou seja, verbalizações de terapeutas e clientes dentro do setting terapêutico), o presente trabalho possui dois objetivos centrais: (1) analisar os procedimentos e os resultados de treinos de intraverbais descritos na literatura, identificando as variáveis que provavelmente estão envolvidas, de uma forma geral, no estabelecimento e manutenção do comportamento intraverbal; e (2) avaliar se tais variáveis também estão presentes na atividade de categorização de verbalizações do processo terapêutico. Para tanto, inicialmente foi realizada uma pesquisa, por meio de um instrumento de busca de artigos acadêmicos, na qual foram identificados alguns textos que tratavam sobre o treino de intraverbais. Após a leitura e análise desses textos, foi possível identificar as variáveis de controle encontradas nessa literatura e compará-las com as variáveis identificadas na literatura de categorização do conteúdo do processo terapêutico.

 

Pesquisas envolvendo o treino de comportamento intraverbal

Algumas pesquisas sobre comportamento intraverbal são conduzidas com crianças com desenvolvimento atípico, pois estas precisam ser ensinadas a usar funcionalmente a linguagem. Nesta linha de estudos, Finkel e Williams (2001) buscaram comparar e avaliar os efeitos de dicas textuais e dicas ecóicas sobre a habilidade intraverbal de um menino de seis anos de idade com autismo, utilizando-se de um procedimento de esvanecimento (fading). Tal procedimento foi utilizado para estabelecer o repertório de intraverbal e para evitar que o participante, ao longo do processo de aprendizagem (treino), ficasse sob controle da forma da dica ao invés de ficar sob controle do estímulo verbal antecedente programado para controlar a resposta intraverbal desejada.

Foram mensuradas, durante o estudo, as seguintes respostas-alvo emitidas em resposta a questões diretas apresentadas pelos pesquisadores: (1) o número de sentenças completas e corretas, respostas-alvo para questões apresentadas; (2) o número de respostas parciais corretas que faziam sentido para as mesmas questões; e (3) o número de respostas que não faziam sentido ou ausência de respostas para as questões apresentadas. Estas variáveis foram medidas em quatro momentos distintos: (1) na fase de linha de base, por meio de testes aplicados antes da intervenção; (2) fase de intervenção ou treino, por meio dos resultados obtidos durante o procedimento de esvanecimento; (3) na fase de teste; e (4) nas sessões de acompanhamento (7 e 14 dias após as sessões de pós-esvanecimento). O procedimento de esvanecimento consistia em ensinar a criança a responder as questões usando dicas textuais escritas e/ou dicas ecóicas escritas (os autores denominam esse tipo de dica de “scripted echoic prompts”, uma vez que o pesquisador tem em mãos a resposta por escrito que deve ser dada, mas a criança só tem acesso à resposta falada, pois o mesmo não apresenta o que está escrito, apenas solicita que a criança repita o que ele diz). Quando eram empregadas dicas textuais (as quais eram apresentadas na forma escrita), as respostas para as questões eram apresentadas por escrito enquanto o pesquisador sinalizava oralmente “Leia isso”. De cada uma das respostas escritas, a cada nova apresentação, era sistematicamente retirada uma palavra (começando pela última palavra da frase). O mesmo procedimento era utilizado para dicas ecóicas escritas; a diferença é que o pesquisador, ao invés de solicitar que a criança lesse a resposta escrita, ele dizia “Diga” e depois fornecia oralmente a resposta correta que deveria ser dada. Da mesma forma que nas dicas textuais escritas, a cada nova apresentação de uma dica ecóica era retirada uma palavra da resposta correta, começando também pela última palavra da frase. Durante a fase de teste, denominada de pós-esvanecimento, todas as dicas textuais e ecóicas eram completamente retiradas para avaliar os efeitos do procedimento de ensino empregado. Além disso, passados 7 e 14 dias da realização do pós-esvanecimento, era feito um teste para avaliar a manutenção das respostas ensinadas por meio do procedimento esvanecimento.

Os dados coletados demonstraram que, apesar de ambas as dicas (textuais e ecóicas) mostrarem-se efetivas na aquisição de comportamento intraverbal, as dicas textuais parecem ser mais efetivas no estabelecimento de tal comportamento para algumas crianças com desenvolvimento atípico. Uma das razões às quais Finkel e Williams (2001) atribuem esse resultado é ao fato de que crianças com desenvolvimento atípico tipicamente têm dificuldades de interagir com pessoas, interação esta envolvida na utilização de dicas ecóicas. Além disso, os autores propõem que a criança que participou deste estudo provavelmente possuía uma longa história prévia de falhas com dicas ecóicas e ausência de uma história similar com dicas textuais, o que pode ter contribuído para que ela atentasse para as dicas textuais.

Uma das limitações do estudo conduzido por Finkel e Williams (2001), apontada pelos próprios autores, é que, comparando a efetividade das dicas textuais e das dicas ecóicas, outras variáveis – que não o tipo de dica – podem ter variado. Por exemplo, o fato de que, quando eram utilizadas dicas textuais, essas ficavam disponíveis enquanto o participante as lia, aumentando, dessa forma, o tempo de exposição à resposta que deveria ser adquirida. Contudo, quando eram utilizadas dicas ecóicas, isso não acontecia, pois a dica falada ocorria brevemente e então desaparecia. Essa limitação também pode ter contribuído para a maior efetividade das dicas textuais se comparadas às dicas ecóicas.

Skinner (1957/1992) propôs que cada um dos operantes verbais seria adquirido separadamente e que o fato de o indivíduo ter aprendido uma resposta em um determinado operante não garante que a mesma será usada em outro operante. Assim sendo, o fato de uma criança dizer “água” na presença de um copo de água (tato) não garante que a mesma será capaz de pedir água caso tenha sede (mando)6 . Partington e Bailey (1993) procuraram determinar se respostas de tatos e respostas intraverbais seriam operantes verbais separados para crianças com desenvolvimento típico. Esses autores também buscaram observar, caso essa distinção se confirmasse, se o procedimento de transferência de controle de estímulo desenvolvido para ser usado com crianças com desenvolvimento atípico seria efetivo para crianças com desenvolvimento típico. Além disso, os autores ainda avaliaram se uma modificação no procedimento de transferência facilitaria a transferência de controle de estímulo e o desenvolvimento de um repertório intraverbal generalizado. Para alcançar tais objetivos, foram realizados dois experimentos.

No primeiro experimento, quatro crianças em idade pré-escolar foram ensinadas a tatear um grupo de figuras (apresentadas em cartões padronizados), porém eram incapazes de emitir as mesmas respostas sob a condição intraverbal. Após o treino de respostas de tatos, essas crianças foram submetidas a um treino de respostas intraverbais, no qual cinco respostas intraverbais eram treinadas para cada um de três estímulos verbais. Durante esse procedimento de treino, era apresentado à criança, um estímulo verbal (como, por exemplo, “Quais são brinquedos?”) e após cada resposta correta, era liberado reforço social generalizado (como, por exemplo, “Está correto!”). Caso a criança não emitisse cinco respostas intraverbais corretas, outras dicas verbais eram liberadas pelo pesquisador, tais como “E...” ou “O que mais?”. Se a criança se mostrasse incapaz de emitir cinco respostas intraverbais corretas, o pesquisador sinalizava uma resposta específica pela apresentação de um cartão apropriado, para o qual a criança já havia aprendido a tatear anteriormente; desta forma, o cartão servia como uma dica não-verbal para uma resposta correta. Após a criança emitir o tato correspondente à figura apresentada, a figura era retirada da frente da criança e o estímulo verbal, por exemplo, “Quais são brinquedos?”, era novamente apresentado de tal forma que a resposta intraverbal correta, não sinalizada, poderia ser reforçada. Por fim, depois do treino de respostas intraverbais para três estímulos verbais, um quarto estímulo verbal, não treinado anteriormente, era apresentado para testar a generalização de respostas não-verbais.

Os resultados do Experimento 1 demonstraram que o procedimento de transferência de controle de estímulos foi efetivo no estabelecimento de comportamento verbal, apresentando um aumento considerável nas respostas intraverbais (se comparado às respostas de tato), para cada um dos três estímulos verbais treinados, que ocorreram após tal procedimento. Entretanto, não foi possível observar a ocorrência de generalização para o quarto estímulo verbal (não treinado) apresentado ao final do treino de respostas intraverbais, visto que as crianças não emitiram respostas verbais para o mesmo. Os resultados desse primeiro experimento sugeriram, ainda, que respostas de tatos e respostas intraverbais são operantes verbais independentes, e que o ensino de um repertório de tato para crianças pré-escolares não é suficiente para colocar tais respostas sobre o controle de estímulos verbais (resposta intraverbal).

O segundo experimento procurou avaliar outras maneiras que pudessem facilitar a transferência de controle de estímulos, uma vez que o Experimento 1 havia demonstrado que o ensino do repertório de tatos não era suficiente para estabelecer comportamento intraverbal. Ao invés de ensinar respostas intraverbais diretamente, uma abordagem comum é ensinar as crianças a tatearem não apenas a figura apresentada, mas também a tatear a classe à qual o estímulo não-verbal pertence. Assim sendo, no Experimento 2, os autores buscaram examinar o efeito deste tipo de ensino sobre a aquisição de respostas intraverbais. O procedimento empregado, nesse segundo experimento, foi semelhante ao utilizado no primeiro, com a exceção de que, durante o treino de tatos, os participantes eram ensinados primeiramente a tatear 20 figuras (apresentadas em cartões padronizados) e, posteriormente, ensinadas a tatear as classes às quais cada uma das figuras pertencia. Após cada tato correto, o experimentador então fornecia o tato para a classe à qual a figura pertencia (por exemplo, “e ele é uma fruta”) e sinalizava, à criança, para tatear a classe, então se esvanecia a dica. Tatos incorretos de figuras ou da classe à qual pertencia uma figura resultavam num procedimento de correção semelhante ao do experimento anterior. O experimentador então tateava a figura ou a classe da figura e solicitava que a criança emitisse uma resposta ecóica. Participaram deste experimento quatro crianças em idade pré-escolar, sendo que nenhuma delas participou do primeiro experimento.

Os resultados desse segundo experimento demonstraram que ensinando as crianças a tatearem tanto a figura como a classe à qual a figura pertence resultou em aumento nas respostas intraverbais para dois participantes, mas foi insuficiente para a aquisição de respostas intraverbais para outros dois participantes. Além disso, foi possível observar algumas generalizações de habilidades intraverbais nesse segundo experimento.

Enquanto os resultados do Experimento 1 confirmam a independência funcional de tatos e intraverbais e a efetividade do procedimento de transferência de controle de estímulo em crianças com desenvolvimento típico, as descobertas do Experimento 2 indicam que ensinar a criança a tatear tanto a figura como a classe à qual ela pertence pode facilitar a aquisição de repertórios intraverbais para alguns indivíduos. Além disso, o treino de tatos realizado durante o segundo experimento possivelmente envolvia um componente intraverbal. A criança emitia tatos em seqüência (por exemplo, “um carrinho… ele é um brinquedo”), o que pode ter resultado numa conexão intraverbal estabelecida entre os tatos, transformando a resposta-produto do primeiro tato num estímulo verbal para o segundo (resposta sob controle múltiplo, ou seja, sob controle de variáveis envolvidas na emissão do tato e sob controle de variáveis envolvidas na emissão de respostas intraverbais). Ainda assim, contudo, mesmo com a presença desse componente intraverbal no procedimento de treino, não foi possível obter um desempenho intraverbal consistente.

Greer, Yaun e Gautreaux (2005) também baseados na premissa skinneriana de que uma mesma palavra ou forma do comportamento verbal é muitas vezes um componente de diferentes operantes verbais, os quais são aprendidos separadamente, procuraram avaliar a aquisição de respostas intraverbais e ditado original como função de uma história de instrução de exemplos múltiplos. Instrução de exemplos múltiplos é uma operação instrucional associada a ensinar conceitos, em que exemplos de subgrupos de uma categoria de estímulos são ensinados por meio de apresentações que incluem uma cadeia de propriedades irrelevantes tal que o atributo essencial da classificação é identificado nas formas de respostas não diretamente ensinadas.

O objetivo do estudo conduzido por Greer et al (2005) foi testar se ensinar um conjunto de palavras por meio das formas de soletração falada e escrita, como uma classe de resposta comum para um exemplo ou subgrupo de palavras, usando táticas de instrução de exemplos múltiplos, resultaria na emissão de respostas topograficamente relacionadas para palavras originais. Caso os resultados demonstrassem a presença de função conjunta de controle de estímulo por meio das duas classes de operantes, então seria possível ensinar, aos estudantes, novas palavras em uma das formas de resposta (soletração falada ou escrita) e esperar que essas novas palavras fossem produzidas, sem instrução, na outra forma de resposta, como resultado da experiência de exemplos múltiplos comum com o grupo de palavras. Para alcançar tal objetivo, dois experimentos foram realizados.

O Experimento 1 foi realizado com quatro crianças em idade pré-escolar, que apresentavam repertórios iniciais de escrita e leitura e que foram ensinadas - foi composto por cinco etapas. Primeiramente, testes pré-experimentais foram realizados para assegurar que nenhum dos participantes era capaz de soletrar oralmente ou por escrito as palavras usadas no experimento. Na etapa seguinte, as crianças eram ensinadas a soletrar um grupo (G1) de palavras na forma escrita ou na forma oral e, em seguida, as respostas não ensinadas eram testadas. Na terceira etapa, as crianças foram ensinadas, por meio de instruções de exemplos múltiplos, a soletrar um segundo grupo (G2) de palavras, alternando a forma das respostas (ora escritas, ora faladas). A quarta etapa consistiu em testar novamente as respostas não treinadas do G1. Por fim, na última etapa, as crianças foram submetidas ao treino de um terceiro grupo de palavras (G3) em uma única resposta (soletração escrita ou falada) e, então, foram testadas nas novas palavras não ensinadas ao longo do estudo. Duas crianças não soletraram nenhuma das respostas não ensinadas do G1 antes da instrução de exemplos múltiplos, enquanto que as outras duas soletraram as palavras acuradamente; uma, 10% das palavras testadas e a outra, 60%. Contudo, após a instrução de exemplos múltiplos no G2, todos os estudantes soletraram respostas do G1 e do G3 não ensinadas. A instrução de múltiplos exemplos resultou em função conjunta de estímulo tal que respostas formalmente independentes ficaram sob o mesmo controle de estímulos.

No Experimento 2, foram utilizados os mesmos procedimentos empregados no Experimento 1; contudo, os participantes desse segundo experimento eram quatro crianças com diagnóstico de desenvolvimento atípico. Todas as crianças demonstraram respostas não ensinadas para as palavras do G1 e do G3 após a instrução de exemplos múltiplos no G2. Os dados obtidos foram semelhantes aos encontrados no Experimento 1, replicando as descobertas do primeiro experimento e estendendo os efeitos a crianças com desenvolvimento atípico.

Os resultados obtidos no estudo de Greer et al. (2005) não apenas confirmam a independência de aquisição dos operantes verbais propostos por Skinner (1957/1992), como também sugerem que, embora estes repertórios sejam independentes, os mecanismos para desenvolvimento de controle conjunto, os quais se desenvolvem rapidamente em crianças com desenvolvimento típico, estão relacionados a uma experiência de exemplos múltiplos. Entretanto, crianças com déficits no desenvolvimento parecem não adquirir esse controle de estímulo conjunto tão fácil e rapidamente. Tal função conjunta de estímulo exige que a criança tenha, em seu repertório, respostas de ouvinte – em outras palavras, seja capaz de responder adequadamente às respostas emitidas pelo falante, reforçando o comportamento deste – e de falante – ou seja, emita respostas verbais frente a determinados estímulos. São habilidades que parecem estar ausentes em parte das crianças com déficits de desenvolvimento. O procedimento de instrução de exemplos múltiplos, neste sentido, parece ser eficiente para conduzir essa transformação na função de controle de estímulo em crianças que não tenham tais habilidades. Além disso, os autores sugerem que o que eles caracterizaram como a aquisição de função conjunta de estímulos foi resultado do treino de exemplos múltiplos, no qual o participante era ensinado a responder por meio de duas formas de resposta (escrita e falada) para um determinado grupo de palavras. E mais, que tal treino produziu um responder correto para respostas não ensinadas, as quais os participantes não emitiam antes da instrução de exemplos múltiplos. Esse fenômeno é o que Catania (1998/2006) denomina comportamento de ordem superior.

Jonhson e Chase (1981, citado por Chase, Jonhson & Sulzer-Azafroff, 1985), ao buscarem categorizar tarefas verbais de acordo com o sistema de classificação funcional proposto por Skinner (1957/1992), observaram que o operante intraverbal podia ser dividido em três subclasses: ‘definições’, ‘provimento de exemplos originais’ e ‘identificação de exemplos escritos’. Estes resultados forneceram a base para a investigação conduzida por Chase et al. (1985) com o objetivo de avaliar se e como o operante intraverbal podia ser dividido em subclasses funcionais. As questões norteadoras do trabalho eram: (1) se classes diferentes de intraverbal tinham padrões de aquisição característicos e distintos, e (2) se a transferência de aprendizagem ocorria ao longo dessas classes. Assim, os autores buscaram verificar se havia diferenças suficientes entre as várias relações intraverbais para sustentar a subclassificação proposta. Os três tipos de intraverbal investigados foram: ‘tarefas de definição’, ‘tarefas de identificação de exemplo’ e ‘tarefas de exemplificação’.

Participaram deste experimento, seis estudantes universitários do curso de psicologia e dois assistentes de pesquisa. Os estudantes universitários – participantes diretos da pesquisa – tinham conhecimento introdutório a respeito de princípios básicos da aprendizagem e de metodologia experimental, e não responderam corretamente as questões do pré-teste (que avaliava seus conhecimentos sobre os conceitos ensinados durante o experimento). Os assistentes de pesquisa (graduados em psicologia) foram treinados pelo experimentador para aplicar o procedimento nos participantes diretos da pesquisa.

Chase et al. (1985) definiram, de forma geral, para efeito de operacionalização da resposta a ser observada, classe de resposta intraverbal como a apresentação de uma questão escrita e a conclusão de uma resposta escrita diferente da questão apresentada. O material usado no experimento era composto de três passagens escritas, cada uma definindo um conceito psicológico “esotérico” (esoteric psychological concept), a saber: ‘abulia’ (incapacidade relativa ou temporária de tomar decisões), ‘abordagem construcional’ e ‘efeito tau’ (fenômeno perceptual no qual a distância entre estímulos sucessivos é percebida como sendo maior quando o intervalo entre eles é maior). Para cada um desses conceitos, foi planejada uma tarefa de cópia, um conjunto de tarefas de identificação de exemplos, uma série de ‘tarefas de definição’, uma série de ‘tarefas de exemplificação’ e duas ‘tarefas combinadas’ (ver definição no parágrafo seguinte). Além disso, para controlar o nível de dificuldade dos conceitos, foram empregados os seguintes critérios de seleção: (1) cada conceito podia ser dividido em cinco características críticas e definidoras; (2) cada conceito podia ser definido em 125 a 150 palavras; (3) os experimentadores podiam gerar 25 ou mais exemplos diferentes para cada conceito; (4) um teste piloto (para detalhes, ver Chase et al., 1985) mostrou que havia um nível de dificuldade similar entre os conceitos selecionados.

As tarefas usadas no estudo também foram testadas por meio de um teste-piloto para eliminar aquelas que fossem muito difíceis ou muito fáceis, e também para auxiliar o experimentador a decidir como distribuir as tarefas ao longo das fases de treino e teste do experimento. Enquanto nas fases de treino o nível de dificuldade das tarefas aumentava progressivamente, nas fases de teste eram incluídas apenas as tarefas mais difíceis de cada tipo de tarefa. ‘Tarefas de identificação’ requeriam que o participante identificasse, dentro do exemplo, todas as cinco características críticas e definidoras. ‘Tarefas de exemplificação’ requeriam que o participante exemplificasse todas as cinco características críticas e definidoras. ‘Tarefas de definição’ requeriam que o participante descrevesse todas as cinco características críticas e definidoras. Nas ‘tarefas combinadas’, os participantes deviam descrever as características críticas e definidoras que estavam presentes no problema e ilustrar aquelas que estavam ausentes.

Cada participante foi exposto individualmente ao procedimento, que era composto por quatro sessões de uma hora cada. A primeira sessão consistia de um pré-teste que avaliava o repertório do participante em relação aos três conceitos que seriam usados ao longo do experimento (‘abulia’, ‘abordagem construcional’ e ‘efeito tau’). Nas demais sessões, primeiro ocorria o treino do conceito e em seguida o teste, o qual incluía questões novas similares àquelas usadas no treino (tarefas estendidas), e questões que não foram usadas no treino, mas que também eram consideradas relações intraverbais (tarefas combinadas). Em cada uma das sessões 2, 3 e 4, era trabalhado um dos conceitos, e elas diferiam entre si com respeito ao tipo de tarefa intraverbal usada no treino (se ‘tarefa de definição’, ‘tarefa de identificação de exemplos’ ou ‘tarefa de exemplificação’). Além disso, os participantes foram agrupados em pares, e cada par foi exposto a uma condição de seqüência de treino distinta, de tal forma que o efeito de ordem da apresentação das tarefas intraverbais fosse controlado.

Os resultados foram avaliados quanto a duas dimensões: (1) taxa de respostas (a quantidade de respostas corretas por unidade de tempo), de forma que a taxa poderia ser considerada rápida ou lenta; e (2) precisão da resposta, ou seja, se a resposta estava de acordo com as características críticas e definidoras do conceito e, desta forma, poderia ser avaliada como precisa ou imprecisa. O resultado dos treinos, com relação à taxa de respostas, demonstrou que todos os seis participantes responderam mais rápido a questões de identificação de exemplo quando comparadas com as outras questões. Porém, questões de identificação de exemplo eram respondidas com menor precisão que questões de definição e exemplificação. Além disso, observou-se, levando em consideração a ordem das tarefas apresentadas a cada sessão, que nas condições em que o treino de definição era realizado em sessão anterior a do treino de identificação de exemplo, o desempenho na ‘tarefa estendida’ após o treino da identificação de exemplos apresentou taxas superiores de respostas corretas se comparada à condição em que o treino da identificação de exemplos ocorria em uma sessão anterior ao treino de definição. Por outro lado, a análise de grupo sugere que variáveis tais como conceito, ordem de treino e interação entre ordem e conceito não afetaram significativamente os resultados obtidos durante a fase de aquisição do conceito (treino).

Com relação à taxa de respostas, o resultado dos testes revelou que para todos os participantes as taxas de ‘tarefas estendidas’ respondidas corretamente após treino de identificação de exemplo eram superiores às taxas de ‘tarefas estendidas’ respondidas corretamente após treino de definição e de exemplificação. Ou seja, eles respondiam mais rapidamente a ‘tarefas estendidas’ após treino de identificação de exemplo do que após treino de definição e de exemplificação.

Já em relação à precisão, os resultados dos testes apresentam três diferenças críticas entre as condições. O teste, independentemente da condição de treino que o antecedia, consistia de nove exemplos e não-exemplos, duas questões de definição, duas questões de exemplificação e duas questões combinadas. Nestes testes, um tipo de tarefa era a ‘tarefa estendida’ (por exemplo, quando o treino era na ‘tarefa de identificação de exemplo’, no teste a ‘tarefa estendida’ correspondia aos nove exemplos e não-exemplos). Outros dois tipos de tarefas (no caso do exemplo anterior, duas questões de definição e duas questões de exemplificação) avaliavam a transferência entre classes funcionais. Um último tipo de tarefa era a ‘combinada’ (a qual avaliava se novas relações intraverbais, não treinadas diretamente, emergiam). A primeira diferença crítica entre as condições foi que para a maioria dos participantes a precisão nas ‘tarefas estendidas’ foi superior à precisão nas tarefas que avaliaram a transferência. Uma segunda diferença diz respeito ao efeito de ordem de treino sobre a precisão nas ‘tarefas estendidas’. Para quatro participantes, a precisão nas ‘tarefas estendidas’ depois do treino de exemplificação foi superior que a precisão estendida após o treino de identificação de exemplos e de definição. Além disso, para quatro participantes, o desempenho nas ‘tarefas estendidas’ de identificação de exemplos foi mais preciso do que o desempenho nas ‘tarefas estendidas’ de definição. A terceira diferença crítica refere-se à precisão da transferência. Cinco participantes apresentaram grande precisão nas tarefas de transferência após treino de identificação de exemplo quando comparado aos resultados nas tarefas de transferência após treino de definição e de exemplificação.

Como só fazia sentido avaliar o desempenho sobre as ‘tarefas combinadas’ levando em consideração a ordem da seqüência de treino, os efeitos para cada condição de treino foram avaliados separadamente. Foram encontradas três diferenças entre as condições. Primeiro, a taxa de respostas corretas nas ‘tarefas combinadas’ foi diferencialmente afetada pelo treino. Quando comparado o efeito do treino de identificação de exemplos sobre a ‘tarefa combinada’ com o efeito do treino de exemplificação e do treino de definição, verificou-se que o primeiro resultou em taxas superiores de respostas; ou seja, a maioria dos participantes respondia a ‘tarefa combinada’ antecedida por treino de identificação de exemplo mais rápido do que aquela antecedida por treino de exemplificação e de definição. Segundo, a precisão era diferencialmente afetada pelo treino. Cinco participantes tiveram desempenho mais acurado após treino de definição do que após treino de exemplificação, e quatro participantes responderam mais precisamente após treino de identificação de exemplos do que após treino de exemplificação. Terceiro, comparações entre o desempenho nas ‘tarefas combinadas’ e o desempenho nas ‘tarefas estendidas’ demonstraram que a maioria dos participantes realizou mais efetivamente atividades estendidas.

Análises de grupo, avaliando o desempenho nos testes, revelaram um efeito significativo dos conceitos sobre a taxa de ‘tarefas estendidas’ respondidas corretamente. As análises da taxa demonstraram uma interação significativa entre ordem de treino e os conceitos. Entretanto, com relação às medidas de precisão, não foram identificadas nem efeitos de ordem nem efeitos de interação sobre as medidas de desempenho dos testes.

Segundo Chase et al. (1985), esses resultados têm três desdobramentos importantes para o estudo do comportamento verbal. Em primeiro lugar, confirmam a possibilidade do comportamento verbal ser classificado de acordo com critérios funcionais. Segundo, as diferenças funcionais entre tipos de tarefas e a similaridade funcional dentro de tipos de tarefas têm implicações práticas tanto para o estudo como para o ensino do comportamento verbal. Terceiro, os resultados sugerem ainda que existem diferenças significativas entre conceitos, o que indica a necessidade de refinamentos posteriores em um trabalho que envolva sistema de classificação funcional do comportamento verbal.

Com relação ao terceiro ponto mencionado acima, os dados obtidos ao longo da fase de aquisição de conceito (treino) demonstraram que a subclasse intraverbal ‘identificação de exemplos’ era substancialmente diferente das subclasses ‘definição’ e ‘exemplificação’. Já os resultados alcançados na fase de transferência e extensão (teste) revelaram transferência apenas parcial da aprendizagem ocorrida durante a fase da aquisição, visto que os participantes responderam com menor precisão às tarefas que não haviam sido treinadas (‘tarefas combinadas’), e que a maioria das diferenças encontradas nas medidas de taxa e precisão durante a fase de treino foram mantidas na fase de teste (o que indica que não é suficiente ensinar e testar um tipo de intraverbal se o objetivo é levar o participante a engajar-se em uma variedade de intraverbais). A partir destes resultados, Chase et al. (1985) sustentam que, em situações de aprendizagem verbal programada, pode ser útil que o comportamento intraverbal seja subdividido em classes funcionais distintas. De acordo com eles, isto poderia facilitar o processo de padronização de operantes usados em estudos de uma determinada área e a comunicação entre pesquisadores. Ao mesmo tempo, também poderia auxiliar instrutores a ensinar e avaliar classes diferentes de comportamento verbal.

 

Variáveis de controle que podem estar envolvidas em treinos de comportamento intraverbal

A Tabela 1 apresenta um resumo dos procedimentos e resultados dos estudos citados no tópico anterior.

 

 

Os resultados obtidos por Finkel e Williams (2001) parecem sugerir que a utilização de dicas textuais pode ser mais efetiva que o emprego de dicas ecóicas na aquisição de comportamento intraverbal, não apenas pela história prévia de falhas com dicas ecóicas, mas também pelo tempo de exposição envolvido nas dicas textuais – maior se comparado ao tempo de exposições envolvido nas dicas ecóicas. Baseado nesses resultados, uma variável de controle relevante presente no treino intraverbal envolvido na categorização de verbalizações de terapeuta e cliente talvez seja o tempo de exposição às definições das categorias – as quais poderiam ser entendidas como equivalente às dicas textuais do estudo de Finkel e Williams (2001). Desta forma, permitir que os categorizadores tenham acesso, durante toda a atividade de categorização, às definições das categorias pode contribuir para aumentar a quantidade de acertos com relação ao gabarito predefinido. É unânime entre os pesquisadores que trabalham com estudos que envolvem categorização de verbalizações que a definição das categorias é uma variável de controle de extrema importância para o sucesso dos resultados alcançados (e.g. Batista, 2006; Kovac, 2001; Oliveira-Silva & Tourinho, 2006).

A atividade de categorizar verbalizações de terapeutas e clientes envolve, além de uma espécie de resposta intraverbal, uma resposta textual, visto que o categorizador deve, inicialmente, ler a transcrição do conteúdo verbal da terapia para, apenas então, atribuir uma categoria ao trecho lido. Além disso, Matos (1991) sugeriu que, num certo sentido, respostas textuais podem ser consideradas tatos, pois o indivíduo está respondendo aos estímulos impressos no papel por meio da nomeação dos mesmos. As descobertas de Partington e Bailey (1993) apontam que ensinar o indivíduo a tatear tanto o item como a classe a qual o mesmo pertence pode facilitar a aquisição de repertórios intraverbais para alguns participantes. Neste sentido, o uso de vários exemplos em conjunto com as definições das categorias – como se tivéssemos os itens (exemplos) e a classe a qual eles pertencem (definição da categoria) – pode aumentar a probabilidade de que a categorização seja realizada de acordo com as definições elaboradas. Além disso, da mesma forma como figuras eram apresentadas no Experimento 1 de Partington e Bailey (1993) como dicas para a emissão de respostas intraverbais corretas quando as crianças eram incapazes de emitir novos intraverbais, o uso de exemplos juntamente com as definições das categorias pode funcionar como dicas para a categorização de novas verbalizações pertencentes a uma mesma categoria. Talvez o emprego abundante de exemplos pudesse ter a mesma função das figuras, para as quais as crianças já eram aptas a tatear, aumentando, desta forma, a probabilidade da emissão de respostas intraverbais corretas.

Oliveira-Silva e Tourinho (2006) sugerem que a familiaridade com o conteúdo das sessões a serem categorizadas é uma variável de controle relevante. Tal familiaridade pode ser produzida pela leitura prévia das sessões, categorização de sessões terapêuticas conduzidas pelo próprio terapeuta, exposição continuada à atividade de categorização, entre outras formas.

Uma outra variável apontada pela literatura, que pode contribuir para o sucesso do treino de comportamento intraverbal, é a utilização do procedimento de instruções de exemplos múltiplos. O emprego de tal procedimento, conforme demonstra a pesquisa conduzida por Greer et al. (2005), parece facilitar a emissão de respostas não ensinadas anteriormente. Desta forma, a categorização de novas verbalizações pode ser facilitada pela exposição a um treino baseado no procedimento de instruções de exemplos múltiplos, no qual o conceito de cada uma das categorias pertencentes ao sistema de categorias adotado pode ser aprendido por meio da exposição a vários exemplos de uma mesma categoria.

Além disso, o uso do procedimento de instrução de exemplos múltiplos, no qual o indivíduo é exposto a uma série de exemplos que permitem a caracterização de uma determinada categoria, possibilita ao mesmo responder de forma discriminada ao contexto no qual tal categoria se insere. Alguns estudos realizados na área de categorização do conteúdo do processo terapêutico sugerem que a compreensão do contexto – ou seja, informações sobre o caso ao qual correspondem as sessões a serem categorizadas – parece ser uma das variáveis de controle importante para o sucesso de tais estudos (Batista, 2006; Canaan, 2002; Chequer, 2002; Oliveira-Silva & Tourinho, 2006).

O estudo conduzido por Chase et al. (1985) propõe a divisão do operante intraverbal em três subclasses: ‘definição de conceito’, ‘exemplificação de conceito’ e ‘identificação de exemplos do conceito’. Dessas subclasses, apenas uma tem sido efetivamente usada e discutida ao longo dos estudos de categorização do conteúdo do processo verbal, a saber, a ‘identificação de exemplos do conceito’ - visto que a atividade de categorização consiste exatamente em requerer que o categorizador identifique qual a categoria (conceito) que deve ser atribuída a uma determinada verbalização (exemplo). Entretanto, os resultados apresentados por Chase et al. (1985) demonstram que apesar de a ‘tarefa de identificação de exemplos’ produzir altas taxas de repostas corretas, no sentido da tarefa ser respondida mais rapidamente, parece que as respostas fornecidas em tal tarefa têm menor precisão se comparadas aos dados obtidos nas ‘tarefas de definição’ e ‘exemplificação’, as quais caracterizam-se como lentas, porém mais precisas (no sentido de estarem de acordo com as características críticas e definidoras do conceito). Considerando que a precisão seja um atributo mais importante na atividade de categorização do que a taxa de respostas corretas, talvez fosse interessante iniciar o treino de categorização com tarefas do tipo ‘definição’, em que os participantes teriam que primeiro discriminar as características críticas e definidoras de cada categoria (conceito), para só então passar para o treino de tarefas do tipo ‘identificação de exemplos’ (categorização em si). Lembrando que, como apontam Chase et al. (1985), não basta ensinar o participante a discriminar as características críticas e definidoras e esperar que isso seja suficiente para que ocorra a transferência de controle para outro tipo de tarefa, como por exemplo, para a tarefa de identificação de exemplo. Faz-se necessário que contingências de reforço sejam arranjadas para proporcionar tal transferência.

Essa sugestão leva a um outro aspecto bastante citado na literatura sobre categorização do conteúdo verbal do processo terapêutico: a necessidade de refinamento e validação do sistema de categorias empregado (necessidade essa também citada no estudo de Chase et al., 1985, como relevante na padronização dos operantes utilizados e para facilitar a comunicação entre pesquisadores). Neste sentido, parece ser necessário que os estudos de categorização de verbalizações tenham como primeira etapa estudos que procurem identificar quais as características críticas e definidoras presentes em cada uma das definições das categorias adotadas, bem como o grau de dificuldade de cada definição (algo na mesma linha dos ‘testes pilotos’ realizados por Chase et al., 1985).

Além disso, as diferenças significativas entre conceitos reveladas no estudo de Chase et al. (1985) também parecem estar presentes na literatura da área de categorização do conteúdo verbal do processo terapêutico. Estudos têm apontado que a categoria Investigação7 é mais evidente ou, nas palavras de Chase et al. (1985), é um conceito que tem um grau menor de dificuldade se comparado aos demais utilizados. Tal afirmação parece ser sustentada pelo fato de ser essa a categoria com maior índice de concordância entre categorizadores (Batista, 2006; Brandão, 2002; Lima, 2005; Oliveira-Silva & Tourinho, 2006). Alguns desses estudos sugerem que quanto maior o número de ocorrências da categoria Investigação numa sessão terapêutica, menor a complexidade envolvida na mesma para a atividade de categorização e, portanto, tal variável pode afetar o desempenho do categorizador (Batista, 2006; Lima, 2005; Oliveira-Silva & Tourinho, 2006).

 

Considerações Finais

Como foi apresentado inicialmente, a atividade de categorização do conteúdo do processo terapêutico, numa análise mais macro, pode ser vista como um tipo de treino intraverbal, em que diante de estímulos verbais (transcrição de sessões terapêuticas) os participantes (categorizadores) são solicitados a emitir uma resposta verbal (atribuir uma categoria ao trecho lido da transcrição). Esse treino envolve uma série de variáveis de controle e a literatura da área de aquisição e manutenção de comportamento intraverbal permite identificar algumas delas.

Uma das variáveis identificadas foi a disponibilidade, durante toda a atividade de categorização, das definições das categorias adotadas, de tal forma que as mesmas funcionem como uma espécie de dica textual, facilitando a atividade de categorização.

O uso de exemplos também pode ser considerado uma variável de controle relevante, visto que exemplos desempenham o papel de dicas para a categorização de novas verbalizações, possibilitando um provável aumento da emissão de respostas corretas. Neste sentido, a exposição a um procedimento de instruções de exemplos múltiplos parece ser uma opção viável e proveitosa para facilitar a categorização de novas verbalizações.

Quando se avalia o operante intraverbal dentro das relações de instrução, parece ser possível subdividi-lo em três tipos de tarefas funcionalmente distintas, a saber: ‘definição de conceito’, ‘exemplificação e identificação de exemplo’. Neste contexto, uma variável de controle que pode vir a interferir na precisão da atividade de categorização é a exposição a tarefas de definição antes de iniciar tarefas de identificação de exemplos (categorização em si). Isto porque a discriminação das características críticas e definidoras do conceito parece ter algum efeito sobre a identificação de exemplos, desde que sejam arranjadas contingências para transferência de controle de uma tarefa para outra. Assim sendo, uma outra variável ligada a essa que também parece ser relevante para aquisição do responder intraverbal preciso nesse contexto instrucional é a identificação das características críticas e definidoras dos conceitos com os quais se está trabalhando (no caso do sistema de categorização, as definições das categorias em si).

De forma geral, neste artigo, verificou-se que as variáveis de controle identificadas nas pesquisas envolvendo a aquisição e manutenção de comportamentos intraverbais parecem estar relacionadas diretamente com as variáveis identificadas nas pesquisas da área de categorização do conteúdo do processo terapêutico. A análise dos procedimentos utilizados para o estabelecimento de repertórios intraverbais e dos resultados alcançados sugerem um conjunto de variáveis que devem ser consideradas no desenvolvimento dos estudos relacionados com a questão da categorização de verbalizações do processo terapêutico.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em: 31/10/2007
Primeira decisão editorial em: 08/11/2007
Versão final em: 02/07/2008
Aceito em: 18/06/2008

 

 

1Trabalho parcialmente financiado pela Capes (Bolsa de Mestrado para a primeira autora).
2Psicóloga e Mestranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento. E-mail: joenesantos@yahoo.com.br
3Doutor em Ciências do Comportamento. E-mail: carlos.souza@pesquisador.cnpq.br
4Ver Peterson (1978), Ribeiro (2004) e Passos (2004) para uma introdução à proposta de Skinner (1992).
5Há correspondência ponto-a-ponto entre um antecedente e uma resposta verbal quando ambos são compostos por mais de dois componentes e o primeiro componente do antecedente controla o primeiro componente da resposta, e assim por diante. Há similaridade formal entre um antecedente e uma resposta verbal quando ambos estão na mesma modalidade sensorial (Peterson, 1978).
6Mando é uma resposta verbal emitida sob controle de uma operação estabelecedora (Skinner, 1957; Peterson, 1978). Por exemplo, uma pessoa privada de água há alguns minutos ou horas provavelmente dirá “estou com sede” na presença de ouvinte. Já o tato é uma resposta verbal emitida sob controle de estímulo não-verbal, o qual é um objeto, um evento, a propriedade de um objeto ou a propriedade de um evento (Skinner, 1957; Peterson, 1978). Por exemplo, dado a presença de um cachorro, eu emito a palavra “cachorro”.
7Os sistemas de categorização do conteúdo verbal do processo terapêutico (ou seja, das verbalizações de terapeutas e clientes ocorridas dentro do setting terapêutico) são compostos por várias categorias. O sistema elaborado por Canaan (2002), por exemplo, é composto por cinco categorias: Informação, Interpretação, Investigação, Aconselhamento e Conseqüenciação. Em linhas gerais, a categoria Investigação é definida como verbalizações em que o terapeuta busca informações sobre eventos e relações entre eventos que estejam possivelmente associadas à queixa do cliente. Tais verbalizações podem ou não assumir a forma interrogativa.