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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo Dec. 2007

 

ARTIGOS

 

Uma aproximação entre Skinner e Bakhtin para o estudo da linguagem1

 

An approximation between Skinner and Bakhtin for the study of language

 

 

Maria Eliza Mazzilli Pereira2,3

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi fazer uma aproximação entre dois autores – M. M. Bakhtin e B. F. Skinner, filiados, respectivamente, às ciências da linguagem e à psicologia – no estudo da linguagem. Com base na leitura das principais obras de cada um relacionadas ao tema, foram definidos aspectos para comparação das propostas de ambos para o tratamento da linguagem. A identificação de aproximações entre os dois autores aponta a possibilidade de se considerar a contribuição de ambos na busca da compreensão do fenômeno da linguagem. E, com base em algumas das diferenças entre eles, podem-se vislumbrar caminhos para a ampliação dessa compreensão.

Palavras-chave: Linguagem, Comportamento verbal, Bakhtin, Skinner.


ABSTRACT

The goal of this paper was to accomplish an approximation between two authors – M.M.Bakhtin and B.F.Skinner – from two different fields of knowledge – the first of them from the sciences of language, the second, from psychology – for the study of language. Starting with the analysis of the most important texts related to the issue of language of each of the two authors, some aspects were selected for the comparison of the way they propose to deal with language. The identification of similarities between the two authors points out to the possibility of considering the contribution of both of them for the understanding of language. And based on some of the differences between them it is possible to devise ways to enlarge this understanding.

Keywords: Language, Verbal behavior, Bakhtin, Skinner.


 

 

Embora tenha escrito um extenso livro sobre fenômenos tradicionalmente incluídos sob o termo “linguagem”, Skinner e sua obra Verbal behavior (1957) têm estado singularmente ausentes dos debates da área que tradicionalmente se ocupa desses fenômenos – a lingüística.

A crítica de Chomsky (1959) à obra de Skinner tem sido considerada um fator importante para essa ausência, para a exclusão de autor e obra do debate lingüístico ou, como afirma uma lingüista (Andresen, 1990), para “bloquear a possibilidade de Skinner participar do comportamento intraverbal denominado ‘lingüística’” (p.154). Segundo essa autora, a abordagem de Skinner é promissora e poderia mudar a história do que tem sido considerado a disciplina da lingüística, bem como reconfigurar suas fronteiras. No seu entender, a crítica de Chomsky, bem como uma outra, escrita por Tikhomirov (1959), também em geral negativa, asseguraram a desconsideração de Skinner nos estudos de linguagem.

Considerando as possibilidades que a abordagem de Skinner sobre comportamento verbal abre para o estudo dos fenômenos compreendidos sob o rótulo de linguagem; considerando, também, que a aproximação entre áreas de conhecimento distintas no estudo de um mesmo objeto pode contribuir para ampliar a compreensão desse objeto; e, finalmente, considerando que a aproximação da obra de Skinner à de um autor ligado às ciências da linguagem poderia contribuir para a abertura de um diálogo com a lingüística, este texto faz uma aproximação entre as posições de Skinner – filiado à psicologia – e as de Bakhtin – filiado às ciências da linguagem – para o estudo da linguagem.

O interesse pela aproximação entre esses autores surgiu quando da leitura do livro Marxismo e filosofia da linguagem (1929/1988), de autoria de Bakhtin, tendo-se já tido amplo contato com a obra de Skinner Verbal behavior (1957), que levou à identificação de semelhanças entre as posições dos autores, em especial em relação a dois aspectos que pareciam aproximá-los: o primeiro, o fato de que ambos concebem a linguagem como ação do homem sobre o mundo, tratam da linguagem praticada, do fazer lingüístico dos sujeitos, em oposição ao estudo da língua como um sistema abstrato de normas. E mais – e aqui, o segundo aspecto: ambos os autores abordam a linguagem como socialmente determinada, como produto do meio, das condições em que ocorre, e não como produto do psiquismo individual dos sujeitos falantes.

Bakhtin, ao considerar a linguagem como o fazer verbal das pessoas, aproxima-se da psicologia, na medida em que trata de um objeto de estudo tradicionalmente de domínio dessa disciplina: o fazer das pessoas, sua ação ou, como diria Skinner, seu comportamento. Por outro lado, ao abordar o fazer verbal das pessoas, Skinner se apropria de um objeto de estudo tradicionalmente de domínio das ciências da linguagem. Assim, esses autores favorecem a aproximação entre as duas áreas de conhecimento que representam.

Skinner é um pensador americano, que viveu entre 1904 e 1990. Formou-se inicialmente em inglês e, em seguida, transferiu-se para a psicologia. Foi o fundador do behaviorismo radical. Bakhtin é um pensador russo, que viveu entre 1895 e 1975 (foi, portanto, contemporâneo de Skinner). Formou-se em filologia e história. É considerado um precursor da análise do discurso, abordagem bastante difundida na lingüística hoje em dia.

Para proceder à aproximação entre os dois autores, selecionou-se um conjunto de obras de sua autoria a serem lidas. A definição dessas obras teve como critério que abordassem problemas relativos ao estudo da linguagem – tais como a definição do objeto de estudo, a maneira de tratar esse objeto, os determinantes envolvidos – ou questões relacionadas. Nesse caso, a definição do que ler provinha das primeiras leituras que iam sendo feitas, que apontavam a importância do material, seja para a compreensão das idéias do próprio autor, seja para a comparação com o outro.

Os textos de Bakhtin e de Skinner selecionados para leitura constam do Anexo 1.

A partir da seleção de obras a serem analisadas, foi iniciada a leitura de textos dos dois autores. Ao longo da leitura, foram sendo selecionados trechos que contivessem qualquer colocação que explicitasse a posição do autor sobre a questão da linguagem ou que, de alguma forma, pudessem contribuir para sua compreensão na proposta do autor. Da posterior releitura dos trechos selecionados, de ambos os autores, e da indicação do tema/assunto/aspecto tratado no trecho, foram-se definindo aspectos para comparação das propostas de ambos para o tratamento da linguagem e comparações foram feitas, destacando-se semelhanças e diferenças entre eles. Os aspectos abordados foram: o objeto de estudo, a unidade de análise e os determinantes da ação verbal. Incluídos neste último aspecto – os determinantes da ação verbal – foram considerados: o efeito da ação verbal, o ouvinte, a história em uma comunidade verbal, as condições a que o locutor se encontra exposto, o locutor e o “objeto de que se fala”.

 

O objeto de estudo

Uma das principais semelhanças entre os autores refere-se àquilo que apontam como objeto de estudo daqueles que lidam com a linguagem. Para ambos, tal objeto é a linguagem praticada, a ação lingüística dos sujeitos, em oposição ao sistema formal da língua.

Outra importante semelhança é a concepção de linguagem como socialmente determinada – tanto na forma como no conteúdo – e não como produto do psiquismo individual do sujeito. Assim, tanto para Bakhtin como para Skinner, a linguagem individual – que, no entanto, é social –, e não a língua, é o objeto de estudo.

Bakhtin se refere a seu objeto de estudo como interação verbal e Skinner, como comportamento verbal, que é, tanto quanto para Bakhtin, interação, de acordo com a definição de Skinner. É interação com o ambiente como um todo, e, sobretudo, com o ouvinte, como a parte mais importante do ambiente. Bakhtin, ao se referir à ação verbal do sujeito, enfatiza a interação com o ouvinte, mas considera também outros aspectos do ambiente que influenciam (interagem com) a ação verbal.

Skinner salienta, conforme mencionado, o comportamento verbal como objeto de estudo, um comportamento como qualquer outro, com a singularidade de interferir sobre o meio físico apenas pela mediação de outro indivíduo; é o comportamento que é mantido pelos efeitos sobre o ouvinte, que foi condicionado a reforçar o comportamento do falante com base em uma história de reforçamento na mesma comunidade verbal – entre pessoas cujo comportamento verbal foi instalado por contingências semelhantes, pessoas que respondem de certa maneira por causa das práticas do grupo social ao qual pertencem.

E Bakhtin destaca como objeto de estudo a interação verbal, que se realiza por meio dos enunciados dos sujeitos. O autor aborda as enunciações efetivamente realizadas pelos indivíduos e que geram uma resposta dos ouvintes, seja na forma de uma ação concreta sobre o meio, seja na de uma “compreensão responsiva ativa”. A interação verbal é possível apenas entre indivíduos socialmente organizados, entre indivíduos que pertencem à mesma comunidade lingüística, isto é, que têm uma história comum de prática da língua.

A maneira como os autores definem seu objeto de estudo implica a noção de mudança contínua tanto da ação verbal dos sujeitos quanto da própria língua.

 

A unidade de análise

As unidades de análise propostas por ambos os autores – a enunciação individual, para Bakhtin, e o operante verbal, para Skinner – têm em comum o fato de serem unidades “vivas”, que se explicam com base na realidade em que se inserem, e não unidades formais. Para Skinner, o operante verbal é

uma resposta de forma identificável, funcionalmente relacionada a uma ou mais variáveis independentes. (...) Um operante especifica pelo menos uma relação com uma variável – o efeito que o comportamento caracteristicamente, embora talvez não inevitavelmente, tem sobre o ambiente – e, portanto, não é uma unidade puramente formal. (1957, pp.20-21)

Para Bakhtin, a enunciação é uma unidade real da cadeia verbal. O autor fala em unidade real em oposição a convencional, isto é, não se trata de unidade convencionalmente definida, com base no tamanho ou na composição, por exemplo, mas de unidade definida pela relação direta com a realidade (com o contexto transverbal) e com as enunciações de outros falantes; ela é delimitada pela alternância de sujeitos falantes, pela transferência da palavra ao outro. Já as fronteiras que delimitam as unidades da língua, as orações, as combinações de palavras, não são marcadas pela alternância de sujeitos falantes, são apenas relativas e convencionais.

Assim, para os dois autores, é a interação com o meio que delimita a unidade de análise, não sua forma ou tamanho. Entretanto, para Bakhtin, é a alternância de sujeitos falantes que delimita essa unidade, sendo que essa alternância envolve necessariamente mais de um sujeito. Para Skinner, entretanto, o sujeito pode ser seu próprio ouvinte, de modo que a alternância de sujeitos falantes pode se dar ainda que falante e ouvinte sejam uma única pessoa, sendo, pois, possível falar de mais de um operante verbal – mais de uma unidade de análise – ainda que haja um único sujeito envolvido na troca verbal.

 

Os determinantes da ação verbal

Tanto Bakhtin quanto Skinner consideram que a ação verbal dos sujeitos é multideterminada, e que para compreendê-la é necessário ter em conta a ação do conjunto de variáveis responsáveis por ela, bem como as relações entre tais variáveis. Mas, diferentemente de Skinner, Bakhtin não explica como essas variáveis agem, por meio de que processos elas influenciam a ação verbal.

O efeito da ação verbal

Uma das variáveis mais importantes apontada por ambos os autores é o efeito da ação verbal. Mas é distinta a maneira como entendem a influência do efeito. Para Skinner, o comportamento – o comportamento verbal incluído – tem um efeito sobre o meio, que, por sua vez, retroage sobre o sujeito; o efeito que uma resposta verbal produz em um certo membro da comunidade verbal age sobre o comportamento verbal de um falante afetando sua probabilidade futura de ocorrência. Bakhtin enfatiza a importância do efeito da produção verbal, a influência da reação presumida, das opiniões e avaliações presumidas dos membros do grupo ao qual o falante pertence sobre a sua enunciação; a enunciação é realizada a fim de gerar uma certa reação (o efeito funciona como uma antecipação da reação do outro, o que implica a noção de finalidade do discurso, de intenção). Mas, sobre que bases o locutor prevê a reação do seu ouvinte? Como a intenção funciona? Bakhtin não fornece respostas para essas questões, e, de todo modo, é possível que elas extrapolem os objetivos do autor, escapem ao escopo de seu trabalho. Mas Skinner, como estudioso do comportamento humano, buscou explicar a maneira como o efeito afeta o comportamento verbal pelo modelo de seleção por conseqüências. Segundo ele, é a história passada que nos permite compreender o comportamento verbal presente.

O ouvinte

A análise do efeito da ação verbal conduz diretamente a uma outra variável fundamental na determinação da ação verbal, para ambos os autores: o ouvinte. Afinal, é por meio dele que o falante atua sobre o mundo, conforme definição de Skinner, e é o efeito pretendido sobre o falante – a sua compreensão responsiva, o seu ato-resposta, as suas reações – que, segundo Bakhtin, determina todos os aspectos da enunciação.

De acordo com Skinner, o ouvinte reforça o comportamento do falante reagindo a ele: demonstrando compreensão, engajando-se numa ação determinada. E o faz seja porque freqüentemente o comportamento do falante funciona em seu benefício – como quando lhe informa sobre algo a que ele não tem acesso – seja para evitar as conseqüências negativas de não fazê-lo – como no caso de uma ordem, em que o ouvinte evita uma situação aversiva ao proporcionar a mediação entre o falante e o meio.

Também Bakhtin enfatiza esse papel do ouvinte quando afirma a importância do destinatário do enunciado, sua compreensão responsiva ativa, suas reações, seus atos-respostas presumidos para a realização mesma da enunciação. “(...) Todo enunciado (discurso, conferência, etc.) é concebido em função de um auditório, isto é, de sua compreensão e de sua resposta (...)” (1930/1981, p.292): de sua concordância ou discordância, de sua avaliação, da execução de uma ordem. “(...) Cedo ou tarde o que foi ouvido e compreendido de modo ativo encontrará um eco no discurso ou no comportamento subseqüente do ouvinte” (p.191).

Além dessa função do ouvinte, ambos os autores apontam o seu papel como audiência – embora Bakhtin não explicite a diferença entre os papéis de ouvinte e de audiência, como faz Skinner –, determinando a ocorrência ou não da ação verbal, suas características, o assunto, a escolha dos recursos lingüísticos. Mas Skinner aponta o ouvinte como um estímulo discriminativo, ele explica o controle do comportamento do falante pelo ouvinte como resultado de uma história de reforçamento que estabeleceu seu caráter como audiência. E Bakhtin destaca a “escolha de palavras, de recursos lingüísticos” como função da audiência. Por outro lado, Bakhtin analisa sempre o ouvinte de um ponto de vista “sociológico”, conforme será abordado mais à frente – o que Skinner não faz –, como alguém que pertence a um certo grupo social, que ocupa certa posição na hierarquia social, que tem um certo status social.

A história em uma comunidade verbal

Uma outra variável destacada pelos autores é a história comum de falante e ouvinte em uma mesma comunidade verbal ou comunidade lingüística. Para Skinner, isso significa uma história de reforçamento com um ouvinte, um lugar, um objeto, uma situação, que os transforma em estímulos discriminativos para a ocorrência ou não de comportamento verbal, para a ocorrência de comportamento verbal com determinadas características; e a história de reforçamento depende das práticas da comunidade verbal, das contingências de reforçamento mantidas por ela. De acordo com Bakhtin, “é indispensável que o locutor e o ouvinte pertençam à mesma comunidade lingüística, a uma sociedade claramente organizada” (1929/1988, p.70), mas o autor não explicita que aspectos da história da comunidade devem ser considerados. Ele, entretanto, afirma que “a língua materna (...) não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam” (1979/1992, p.301).

As condições a que o locutor se encontra exposto

Uma variável considerada por ambos os autores é a situação imediata na qual se dá a troca verbal, que inclui os participantes, o lugar, o horário em que tal troca ocorre.

Skinner menciona uma outra variável que também tem influência sobre o comportamento verbal e que se relaciona aos campos da motivação e da emoção. São as condições de privação do indivíduo, as situações aversivas ou os estímulos pré-aversivos a que ele se encontra exposto. Estes são particularmente relevantes no caso do operante verbal denominado mando, em que aumentam ou diminuem a probabilidade de ocorrência de respostas caracteristicamente seguidas por determinados reforçadores. Mas podem afetar também outros tipos de operantes verbais mantidos por reforçamento generalizado e relativamente independentes de condições específicas de privação ou estimulação aversiva.

É possível que Bakhtin esteja tratando de algo semelhante quando menciona, como um dos determinantes da interação verbal, a necessidade de expressividade do locutor ante o objeto de seu enunciado. De acordo com ele, a relação valorativa – que pode equivaler ao que Skinner identifica como condições de privação ou estimulação aversiva – que o locutor estabelece com o objeto do discurso influencia a escolha de recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado, além da entonação expressiva.

Uma outra variável apontada pelos autores: os estímulos verbais que precedem a ação verbal, ou os enunciados anteriores à ação verbal. Tanto para Bakhtin quanto para Skinner, esta é uma importante variável, seja porque a ação verbal ocorre em resposta a tais estímulos, seja porque o repertório lingüístico dos sujeitos se molda como conseqüência de sua inserção nas práticas de uma comunidade lingüística (na “corrente de comunicação verbal”, segundo Bakhtin), ou, em ocasiões especiais – para ambos os autores – orientado por ou em resposta a regras gramaticais, que são, também, produto de ações verbais anteriores.

Ainda um outro determinante apontado pelos dois autores: as condições sociais mais gerais em que ocorre a troca verbal. Para ambos, a adequada compreensão da ação verbal dos indivíduos envolve a consideração de aspectos que estão enraizados nas práticas mais gerais que a sociedade mantém, e é pela participação nessas práticas gerais que as práticas verbais dos sujeitos se estabelecem. Segundo Skinner, a generalidade da interação entre organismo e ambiente representada pelo conceito de contingências de reforçamento possibilita o estudo do comportamento dos indivíduos em diferentes áreas e mesmo a consideração do efeito do ambiente como um todo – não, porém, como uma determinação mecânica de sua ação. Mas, ainda que o autor afirme a importância das “contingências sociais verdadeiramente complexas a que chamamos culturas” (1989, p.24) para a compreensão do comportamento humano, ele por vezes considera, em sua análise, apenas variáveis mais imediatamente relacionadas ao comportamento, e não os “produtos agregados das contingências comportamentais entrelaçadas” (Glenn, 1991, p.63).

Por outro lado, Bakhtin afirma que a ação verbal dos sujeitos só pode ser compreendida como um momento no fluxo contínuo da vida social. De acordo com ele, a estrutura socioeconômica determina a estrutura sociopolítica, que determina as formas do discurso social, que, por sua vez, determinam os atos de fala – e o autor enfatiza que não se trata de uma determinação mecânica. Ao analisar a influência da organização social sobre a ação verbal, Bakhtin enfatiza o papel da estrutura de classes da sociedade na diferenciação do discurso. É nesse sentido que é possível afirmar que Bakhtin analisa sempre o ouvinte de um ponto de vista “sociológico”. E embora para Skinner a posição, a importância do ouvinte em relação ao locutor influencie o comportamento verbal, ele não chega a analisar a inscrição dessas contingências em uma estrutura social mais geral, na qual a organização sócio-político-cultural é determinada pela base econômica da sociedade, como faz Bakhtin. Além disso, Bakhtin menciona a luta entre interesses contraditórios das classes sociais como tendo importante influência sobre a interação verbal.

Enquanto Skinner faz afirmações genéricas sobre a influência do ambiente cultural como um todo sobre o comportamento dos indivíduos, sem priorizar claramente as variáveis econômicas na determinação do comportamento verbal; ele não utiliza categorias usadas por Bakhtin (como classe social); e, conseqüentemente, não discute a influência da contradição entre classes sociais na definição das práticas reforçadoras do comportamento verbal mantidas pela comunidade.

Essa distinção entre os autores é decorrência da diferença na postura epistemológico-metodológica entre eles. Bakhtin é um materialista dialético, enquanto Skinner, embora um materialista, não assume a dialética como modelo de desenvolvimento do real e do conhecimento. Ele adota o modelo das ciências naturais (inicialmente a física, posteriormente a biologia), defende a possibilidade de contribuição da ciência do comportamento para a solução dos problemas humanos e busca a predição e o controle do comportamento.

O locutor

Tanto Bakhtin quanto Skinner apontam uma outra variável como determinante da ação verbal: o próprio locutor. De acordo com Bakhtin, a enunciação expressa, em cada um de seus componentes estilísticos, a individualidade – socialmente estabelecida – do falante: a classe social à qual pertence, sua história, que é produto daqueles que o educaram, dos autores que leu, dos locutores que escutou. E, embora a análise proposta por Skinner pareça deixar de lado o locutor, que fica ameaçado como um agente causal responsável pelo comportamento verbal – pois, como ele próprio afirma, “sempre que demonstramos que uma variável exerce controle sobre uma resposta reduzimos a suposta contribuição de um agente interno” (1957, p.311) – o autor explicita a importância do locutor ao afirmar que “o falante é o organismo que se engaja em ou executa comportamento verbal. Ele é também um locus – um lugar em que um certo número de variáveis se junta em uma confluência única para gerar uma realização igualmente única” (1957, p.313). Como decorrência de sua história, o locutor é diferencialmente afetado pelas variáveis relevantes para a produção do comportamento verbal.

 

O “objeto de que se fala”

E aqui nos voltamos para uma outra variável que influencia a ação verbal dos sujeitos: o objeto de sentido, o objeto de que se fala, de acordo com Bakhtin – que ele, entretanto, não explicita como atua na determinação da interação verbal; os estímulos não verbais, as “coisas e acontecimentos do mundo físico” que controlam um dos operantes verbais – o tato – segundo Skinner. Para este autor, na presença desses estímulos, certas respostas foram reforçadas em uma comunidade verbal e, em conseqüência, a presença desses estímulos aumenta a probabilidade de emissão de tais respostas. De acordo com Bakhtin, o significado é uma propriedade relacional, produto da interação entre falante e ouvinte. De acordo com Skinner, o que usualmente se denomina significado não está na palavra, nem no ouvinte ou no locutor: é uma propriedade relacional – assim como para Bakhtin –, que está nas contingências de reforçamento mantidas por uma comunidade verbal e é produto de uma história comum entre falante e ouvinte.

As semelhanças encontradas entre os dois autores indica possibilidades de aproximação entre eles para uma compreensão mais abrangente dos fenômenos incluídos no que é tradicionalmente denominado linguagem. E, em algumas das diferenças entre eles, podem-se vislumbrar caminhos para a ampliação dessa compreensão.

Se Skinner enfatiza a relação indivíduo-ambiente – sendo possível tratar-se de qualquer aspecto do ambiente –, para a compreensão do comportamento verbal, Bakhtin enfatiza a ação verbal inserida nas relações sociais concretas de que toma parte. Este autor postula que essa ação só poderá ser compreendida se considerados os referenciais mais amplos em que tal fenômeno se inscreve, como a forma como a sociedade se organiza; e adota, para a análise desses referenciais, um recorte específico, um olhar sobre o ambiente que age sobre a produção lingüística dos indivíduos, com o qual o sujeito interage ao se comportar lingüisticamente, que considera a infra-estrutura econômica da sociedade, a estrutura sociopolítica, que tem a luta entre classes sociais como categoria fundamental para a explicação da interação verbal.

Esse recorte não aparece em Skinner, e mesmo a consideração desse referencial mais geral em que se dá o comportamento verbal não ocorre necessariamente em sua análise, ainda que ela permita fazê-lo. Skinner aborda, mais freqüentemente, variáveis do ambiente que agem mais direta e imediatamente sobre o comportamento verbal, embora, conforme afirma Rakos (1992), seu trabalho forneça “a abordagem conceitual básica e as ferramentas fundamentais para a análise e intervenção cultural” (p.1499). O recorte proposto por Bakhtin pode contribuir para uma análise das contingências culturais que produzem o ambiente comportamental em que os indivíduos atuam verbalmente.

Bakhtin, ao identificar os determinantes do fazer verbal dos sujeitos, não explicita a maneira como eles atuam sobre a produção verbal das pessoas. E aqui, Skinner, como estudioso do comportamento, preocupado com a identificação das variáveis do ambiente que o afetam e com a possibilidade de interferência sobre essas variáveis, tem uma importante contribuição a dar para o estudo da linguagem, no que pese o pouco interesse demonstrado pelos lingüistas por sua obra, até o momento. Retomando a lingüista anteriormente citada, ao tratar da obra de Skinner: “(...) sua abordagem é interessante, mesmo salutar, e (...) sua inscrição na área muda a história do que pensamos ser nossa disciplina e, assim, reconfigura as fronteiras disciplinares (...) (Andresen, 1990, p.155).

 

Referências Bibliográficas

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Recebido em: 27/10/2007
Primeira decisão editorial em: 12/11/2007
Versão final em: 10/03/2008
Aceito em: 08/04/2008

 

 

1 Este artigo foi elaborado com base na tese de doutorado da autora, O estudo da linguagem pela psicologia: a contribuição de uma aproximação entre B. F. Skinner e M. M. Bakhtin, defendida em 1999, no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia da Educação da PUC-SP, parcialmente financiada pelo CNPq e pelo Conselho de Ensino e Pesquisa da PUC-SP. A tese foi publicada como livro pela EDUC, em 2000, com o título O estudo da linguagem pela psicologia: uma aproximação entre B. F. Skinner e M. M. Bakhtin.
2 Professora Doutora da PUC-SP. E-mail: memazzilli@pucsp.br
3 Agradeço a cuidadosa leitura crítica do manuscrito e as valiosas sugestões feitas por Tereza Maria de Azevedo Pires Sério.

 

Anexo 1

Textos de Bakhtin e Skinner selecionados para leitura:

Bajtín, M. M. (1986). El gênero, el argumento y la estructura en las obras de Dostoievski. Problemas de la poética de Dostoievski. (T. Bubnova, Trad.),. México: Fondo de Cultura Econômica. (Trabalho original publicado em 1929).

Bajtín, M. M. (1986). La palabra en Dostoievski. Problemas de la poética de Dostoievski. (T. Bubnova, Trad.), México: Fondo de Cultura Econômica. (Trabalho original publicado em 1929).

Bajtín, M. M. (1986). Problemas de la poética de Dostoievski. (T. Bubnova, Trad.), México: Fondo de Cultura Econômica. (Trabalho original publicado em 1929).

Bakhtin, M. M. & Volochinov, V. N. (1981). “Le discours dans la vie et le discours dans la poésie. Contribution à une poétique sociologique”. In T. Todorov. (Org.), Mikhail Bakhtine. Le príncipe dialogique. Suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine, pp. 181-215. Paris: Éditions du Seuil. (Trabalho original publicado em 1926).

Bakhtin, M. M. & Volochinov, V. N. (1981). “Préface à Réssurection”. In T. Todorov (Org.), Mikhail Bakhtine. Le príncipe dialogique. Suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine, pp. 217-241. Paris: Éditions du Seuil, (Trabalho original publicado em 1929).

Bakhtin, M. M. & Volochinov, V. N. (1981). “Les frontières entre poétique et linguistique”. In T. Todorov (Org.), Mikhail Bakhtine. Le príncipe dialogique. Suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine, pp. 243-285. Paris: Éditions du Seuil. (Trabalho original publicado em 1930).

Bakhtin, M. M. & Volochinov, V. N. (1981). “La structure de l’énoncé”. In T. Todorov (Org), Mikhail Bakhtine. Le príncipe dialogique. Suivi de Écrits du Cercle de Bakhtine, pp. 287-316. Paris: Éditions du Seuil. (Trabalho original publicado em 1930).

Bakhtin, M. M. & Volochinov, V. N. (1988). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. (M. Lahud & Y. F. Vieira, Trads.), São Paulo: Hucitec. (Trabalho original publicado em 1929).

Bakhtin, M.M. (1992). O problema do autor. Estética da criação verbal. Tradução de M. E. G. G. Pereira, pp.201-220.São Paulo: Martins Fontes.(Trabalho original publicado em 1979.)

Bakhtin, M.M. (1992). Os gêneros do discurso. Estética da criação verbal. Tradução de M. E. G. G. Pereira, pp. 227-326.São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979.)

Bakhtin, M.M. (1992). O problema do texto. Estética da criação verbal. Tradução de M. E. G. G.Pereira, PP.327-358. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979.)

Bakhtin, M.M. (1992). Apontamentos 1970-1971. Estética da criação verbal. Tradução de M. E. G. G.Pereira, pp.369-397. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979.)

Bakhtin, M.M. (1992). Observações sobre a epistemologia das ciências humanas. Estética da criação verbal. Tradução de M. E. G. G.Pereira, pp.399-414. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1979.)

Bakhtin, M.M. (1993). O problema do conteúdo, do material e da forma na criação literária. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernadini e outros, pp.13-70. São Paulo: Hucitec. (Trabalho original publicado em 1975.)

Bakhtin, M.M. (1993). O discurso do romance. Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernadini e outros, pp.71-210. São Paulo: Hucitec. (Trabalho original publicado em 1975.)

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