SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.9 número2Uma aproximação entre Skinner e Bakhtin para o estudo da linguagemSignificado e definição de comportamento verbal: a abordagem skinneriana dez anos antes do Verbal Behavior índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS

 

O conceito de audiência e os múltiplos controles do comportamento verbal

 

The concept of audience and verbal behavior’s multiple control

 

 

Ana Carolina Vieira FonaiI, II, 1 ; Tereza Maria de Azevedo Pires SérioI, 2

I PUC-SP
II CeAC – Centro de Análise do Comportamento

 

 


RESUMO

A análise skinneriana do comportamento verbal envolveu a produção de um sistema classificatório das relações entre respostas e ambiente que seriam sua unidade de análise – os operantes verbais. A partir da caracterização da relação de controle denominada audiência feita por Skinner no livro Verbal Behavior (1957), foram identificados dois aspectos básicos necessários para a compreensão desse conceito: a) a consideração de audiência como um outro operante verbal e b) a consideração de audiência como uma relação de controle adicional (estimulação condicional ou operação estabelecedora) para outras relações – mando tato, ecóico, intraverbal e textual. Procura-se, em cada um dos casos, destacar possíveis implicações que o reconhecimento da relação especificada pode acarretar em termos de elaboração conceitual e a importância do reconhecimento dessas relações.

Palavras-chave: Audiência, Comportamento verbal, Operante verbal, Estímulo condicional, Estímulo discriminativo não verbal


ABSTRACT

The Skinnerian analysis of verbal behavior involved the production of a classificatory scheme of the relations between responses and environment that would be its unit of analysis – the verbal operants. From the characterization of the control relation called audience by Skinner in Verbal Behavior (1957), two basic aspects, necessary to comprehend this concept, were identified: a) the consideration of audience as another verbal operant and b) the consideration of audience as a relation of additional control (conditional stimulation or establishing operation) for other relations ¬– mand , tact, echoic, intraverbal and textual. In both situations, it is intended to enlighten the possible implications that the recognition of the specified relation could mean in terms of conceptual elaboration and the importance to recognize theses relations.

Keywords: Audience, verbal behavior, Verbal operant, Conditional stimulus, Non-verbal discriminative stimulus


 

 

No livro Verbal Behavior, publicado em 1957, Skinner define comportamento verbal como comportamento operante reforçado por meio da mediação de um ouvinte especialmente preparado por uma comunidade verbal para agir como mediador e faz uma proposta de tratamento comportamental para o estudo dos fenômenos que são, de uma maneira geral, denominados de linguagem. Essa proposta é completamente incompatível com o tratamento dado até então pelo senso comum e por profissionais da área (Michael, 1993). Podemos dizer que tal incompatibilidade tem suas raízes no fundamento básico da proposta de Skinner: comportamento verbal é comportamento operante e, como tal, opera sobre o meio e é alterado pelas conseqüências produzidas; assim, o conhecimento já produzido no estudo do comportamento operante será a base a partir da qual o comportamento verbal será compreendido. O detalhamento da proposta apresentada por Skinner, então, abrangeria tanto a identificação e descrição de processos básicos comuns a todo comportamento operante como a identificação e descrição de processos próprios do comportamento verbal (Sério & Andery, 2002).

Como no caso de qualquer comportamento operante, o traço característico dessa proposta é a unidade de análise. Segundo Skinner (1957/1992), para realizar a análise do comportamento verbal é necessária “uma unidade de comportamento composta por uma resposta com forma identificável e funcionalmente relacionada a uma ou mais variáveis independentes. Em termos tradicionais, podemos dizer que precisamos de uma unidade de comportamento definida em termos de ‘forma e significado’” (p. 20). Temos como unidade de análise, então, não uma resposta, mas um operante, pois, como destaca Skinner (1957/1992), a unidade de análise inclui, ao menos, a relação de uma resposta com uma outra variável; a variável que já vem indicada na definição de comportamento verbal é o efeito que o comportamento tem sobre o ambiente. Portanto, como ponto de partida, sabemos que a unidade de análise não é formal ou topográfica. Um operante não será identificado e singularizado a partir da forma de sua resposta (por exemplo, uma determinada palavra), mas a partir das relações estabelecidas entre essa resposta e, como veremos a seguir, variáveis que a antecedem e que a sucedem. Uma unidade de análise assim caracterizada “permite-nos fazer a distinção entre uma instância de comportamento (...) e um tipo de comportamento (...). A descrição de uma instância de comportamento não requer a descrição de variáveis relacionadas ou de uma relação funcional. O termo operante, por outro lado, está preocupado com a predição e o controle de um tipo de comportamento. Embora observemos apenas instâncias, estamos preocupados com leis que especificam tipos” (Skinner, 1957/1992, p. 20).

Dois comentários que o autor faz, nesse mesmo trecho, podem ser bastante esclarecedores sobre a importância de estabelecermos claramente as características da unidade de análise. Um primeiro comentário se refere à terminologia empregada. Skinner afirma que, na maioria dos casos, os termos “operante” e “resposta” são intercambiáveis, mas que podemos recorrer a eles para fazer a distinção proposta entre instância (falando em resposta) e tipo (falando em operante); afirma, ainda, que nossa prática verbal tem sido recorrer ao termo resposta para falar de instâncias e de tipos, mas que esse termo não conduz “facilmente ao significado” do termo operante. O termo operante tem maior abrangência: envolve sempre a relação entre formas de respostas e variáveis ambientais. E aqui chegamos ao segundo comentário. A delimitação de unidades de análise não prescinde da especificação de formas, mas não se reduz a isso: “Uma especificação formal não pode ser evitada, já que apenas por meio de identificação objetiva uma resposta pode ser considerada como uma instância de um operante. Mas, identificação não é suficiente. Como uma instância de um operante verbal, a resposta deve ocorrer como uma função de certas variáveis” (Skinner, 1957/1992, p. 21). A descrição das relações estabelecidas entre formas de respostas e variáveis das quais estas são função permitirá a elaboração de um sistema de classificação no qual uma resposta com uma mesma forma (por exemplo, uma mesma palavra) poderá tomar parte em vários operantes, em qualquer dos operantes verbais. Considerando o tratamento dado ao comportamento operante, podemos dizer que a contingência de reforçamento será a unidade de análise do comportamento verbal.

 

Um sistema classificatório para o comportamento verbal

Tendo estabelecido a contingência de reforçamento, ou o operante, como sua unidade de análise, Skinner (1957/1992) propõe um sistema classificatório dessas relações, considerando aspectos que especificam, que diferenciam, um determinado conjunto de contingências de reforçamento de outros (o que permite falar em tipos de contingências que habitualmente chamamos de ‘os operantes verbais’) e apresenta vários argumentos em defesa do sistema proposto.

Skinner inicia a defesa de seu sistema especificando os critérios que utiliza para avaliar qualquer sistema de classificação e, portanto, também aquele que propõe. O que um sistema de classificação deve permitir? No caso do sistema proposto, o que conseguimos ao separar os vários tipos de relações? De acordo com o autor (Skinner, 1957), “a ‘compreensão’ do comportamento verbal exige mais do que o uso de um vocabulário consistente com o qual instâncias específicas possam ser descritas”. Para ele, “a extensão na qual compreendemos comportamento verbal em uma análise ‘causal’ deve ser avaliada a partir da extensão na qual podemos predizer a ocorrência de instâncias específicas e, finalmente, a partir da extensão na qual conseguimos produzir ou controlar tal comportamento ao alterar as condições nas quais ele ocorre” (Skinner, 1957/1992, p. 3). Para compreendermos qual é essa extensão, talvez seja necessário recorrer aos exemplos que o próprio autor oferece para ilustrar o que ele pretende dizer com predição e controle, nesse caso. O sistema proposto deve permitir a produção de informações que possibilitem responder, por exemplo, as seguintes questões:

Como o professor pode estabelecer os repertórios verbais específicos que são os principais produtos finais da educação? Como o terapeuta pode descobrir o conteúdo verbal latente, em uma entrevista terapêutica? Como o escritor pode evocar seu próprio comportamento verbal, no ato de composição? Como o cientista, o matemático ou o lógico podem manipular seu comportamento verbal, no pensamento produtivo? (Skinner, 1957/1992, p. 3).

Colocadas as metas, vamos às características que diferenciariam o sistema proposto.

Em primeiro lugar, os diferentes tipos de contingências identificados – os diferentes operantes verbais – “são úteis, antes de tudo, como um mero esquema classificatório, funcionando, nesse sentido, de forma semelhante aos esquemas classificatórios da gramática” (Skinner, 1957/1992, p. 186). Entretanto, como já foi apresentado, diferentemente dos sistemas classificatórios tradicionais construídos sobre o esforço de destacar a forma da resposta, o sistema proposto foi construído sobre o esforço de destacar relações nas quais a resposta está envolvida: “ele não é uma classificação de formas de resposta, já que não podemos dizer, a partir apenas da forma, em qual classe uma resposta se inclui. (...) Para classificar efetivamente o comportamento, devemos conhecer as circunstâncias nas quais é emitido” (Skinner, 1957/1992, p. 186). A identificação dessas circunstâncias não pode ser feita apenas a partir da observação da ocorrência de uma instância específica, pois tal instância é produto de e ganha significado a partir das relações nas quais está imersa e tais relações são identificadas a partir de suas histórias. Assim, para classificar apropriadamente um comportamento, torna-se necessário conhecer a história particular das relações estabelecidas entre a forma de resposta eleita e o maior número possível de variáveis que adquiriram controle sobre ela e que determinam, portanto, sua probabilidade.

No entanto, a “classificação não é um fim em si mesmo” (Skinner, 1957/1992, p. 187). O estudo do comportamento verbal não se encerra com a demonstração da relação entre uma determinada forma de resposta e as variáveis das quais ela é função, isto é, com a identificação de operantes verbais: “há outros aspectos a serem tratados” (Skinner, 1957/1992, p. 187). Esses outros aspectos são exatamente os processos comportamentais aos quais qualquer comportamento operante está submetido (reforçamento, extinção, motivação e emoção são alguns dos citados); trata-se, então, de descrever esses processos gerais e identificar as eventuais peculiaridades que apresentam quando aplicados ao comportamento verbal. E, segundo Skinner (1957/1992), a possibilidade desta tarefa está estreitamente vinculada às características do sistema classificatório proposto: “tal formulação permite-nos aplicar ao comportamento verbal conceitos e leis que emergem de uma análise mais geral” (p. 187). Ao fazer isso, estamos dando conta das propriedades dinâmicas do comportamento verbal: “podemos, agora, passar de uma classificação de operantes verbais, na qual nosso principal interesse é similar ao da teoria semântica ou da gramática, para processos mais complexos que tradicionalmente seriam descritos como ‘o uso da linguagem’” (Skinner, 1957/1992, p. 199). Talvez não seja demais enfatizar que na base dessa possibilidade está o sistema classificatório proposto: “ao reconhecer a natureza comportamental das relações [operantes] (...) preparamos terreno para estes fenômenos mais complicados e podemos lidar com eles com os mesmos princípios e leis” (Skinner, 1957/1991, p. 199).

Finalmente, ao assumir os operantes verbais como instrumentos de análise do comportamento verbal, podemos superar alguns dos dilemas encontrados quando essa análise é feita, tomando como base sistemas classificatórios tradicionais, que enfatizam a forma da resposta. São exemplos disso, a dificuldade encontrada para compreender como, por exemplo, alguém pode saber ler uma língua estrangeira, mas não saber conversar em tal língua ou como alguém pode não conseguir dizer o nome de um determinado objeto, estando diante dele, mas conseguir pedir esse objeto, quando precisa dele. Esses aparentes dilemas são esclarecidos quando lidamos com operantes verbais e reconhecemos a peculiaridade de cada uma dessas relações e, principalmente, a necessidade de uma história específica de reforçamento para gerar cada uma delas.

Tudo que foi dito até aqui indica a importância de compreendermos bem as bases do sistema classificatório e cada um dos diferentes conjuntos de contingências – os operantes verbais – identificados: o que singulariza cada um deles e as possíveis relações entre eles. É nesse âmbito que este artigo se insere.

 

A audiência no sistema classificatório para o comportamento verbal

Se acompanharmos a apresentação dos capítulos que compõem a Parte II de Verbal Behavior (Skinner, 1957/1992), parte na qual é apresentada “a topografia do comportamento verbal em relação a suas variáveis controladoras” (p. 11), identificamos, apresentados nos capítulos 3 a 6, seis tipos de contingências ou operantes verbais principais: mando, ecóico, textual, transcrição, intraverbal e tato. O capítulo 7 – A Audiência – coloca um problema para o leitor: vindo como seqüência dos demais e estando dentro da parte do livro que aparentemente apresentaria o sistema classificatório, poderia sugerir a pergunta: estaria sendo apresentada, neste capítulo, uma relação de controle que caracterizaria mais um operante verbal?

O capítulo 8 – O Operante Verbal como uma Unidade de Análise – encerra a Parte II e é um capítulo central para o entendimento da concepção apresentada e defendida no livro; sua leitura fortalece a pergunta sugerida. Skinner (1957/1992) inicia o capítulo 8 com a seguinte frase: “Os seis tipos de relações funcionais no comportamento verbal até aqui definidos podem ser sumarizados como se segue ...” (p. 185) e as seis relações listadas a seguir são: mando, ecóico, textual, intraverbal, tato e audiência. Audiência é apresentada, assim, como um tipo específico de relação funcional, que por alguma razão se diferencia de relações que caracteristicamente singularizam diferentes contingências ou operantes verbais. Isso já seria suficiente para considerar essa nova relação como um operante verbal distinto dos demais? A ausência do operante transcrição nessa lista e a inclusão de audiência como a sexta relação (e não como uma sétima relação, como seria de se esperar se, simplesmente, mais um operante tivesse sido acrescentado à lista dos seis abordados nos capítulos anteriores) podem ser um complicador a mais na compreensão do papel da relação audiência no sistema classificatório proposto por Skinner. Podemos concluir, a partir destes trechos do capítulo 8, que a relação descrita pelo conceito audiência é um tipo diferente de relação funcional, se comparada às relações envolvidas nos demais operantes; mas, não sabemos, pelo menos neste contexto, se ser um tipo diferente de relação funcional sempre corresponde a ser um operante verbal diferente.

A identificação de um operante verbal singular tem como ponto de partida um aspecto básico: se a definição de comportamento verbal tem como base a relação da resposta com suas conseqüências (comportamento verbal é comportamento operante reforçado pela mediação de um ouvinte especialmente preparado para reagir como mediador), a classificação de um operante verbal tem, como base, as relações estabelecidas com as condições que antecedem a resposta verbal (é importante esclarecer que a expressão condição antecedente inclui tanto os estímulos com função discriminativa como as operações com funções motivacionais, mais comumente chamadas de operações estabelecedoras). Em outras palavras, uma vez estabelecido que os operantes verbais distinguem-se de outros operantes pelo tipo específico de conseqüência que é produzida pela resposta, a distinção e classificação de eventuais tipos diferentes de operantes verbais tem como base a estimulação que antecede a resposta verbal e adquire controle evocativo sobre ela. Para caracterizar um operante verbal como mando, a condição antecedente que determina a forma da resposta deve ser uma condição de operação estabelecedora. Para caracterizar um operante verbal como ecóico, a resposta deveria estar sob controle de estímulos antecedentes verbais e apresentar similaridade formal com tais estímulos. Um operante verbal será caracterizado como textual quando a resposta vocal estiver sob controle de estímulos verbais antecedentes escritos e apresentar correspondência ponto a ponto com tais estímulos. Para caracterizar um operante como um intraverbal, a resposta (vocal ou escrita) deve estar sob controle de estímulos antecedentes verbais (vocais ou escritos), sem que haja a exigência de correspondência ponto-a-ponto entre estímulo verbal e resposta verbal. Finalmente, um operante poderá ser caracterizado como um tato quando a resposta estiver sob controle de estímulos antecedentes não verbais. Assim sendo, para lidar com a audiência como um operante verbal, deveríamos destacar relações entre a resposta e condições antecedentes específicas, diferentes das que caracterizam os demais operantes verbais.

Entretanto, poderíamos argumentar que a distinção de seis relações funcionais distintas apresentadas no início do capítulo 8 de Verbal Behavior (Skinner, 1957) tem como base alguma especificidade da condição antecedente que evoca a resposta verbal. Considerando isso, podemos ter uma primeira grande divisão em dois grupos: condições antecedentes com funções motivacionais (que singularizam relações chamadas de mando) e condições antecedentes com funções discriminativas (que singularizariam relações chamadas de ecóico, textual, tato e audiência). Este segundo grupo pode, por sua vez, ser subdividido em dois outros grupos: as relações que envolvem estímulos discriminativos verbais (ecóico, textual e intraverbal) e as que envolvem estímulos discriminativos não verbais (tato e audiência). Finalmente, cada um desses dois grupos pode ser subdividido, se considerarmos, no caso dos estímulos verbais, peculiaridades da relação entre estímulo verbal e resposta verbal (distinguindo, então, ecóico de textual e ambos de intraverbal) ou, no caso de estímulos não verbais, o tipo de estímulo (distinguindo tato de audiência). Assim, podemos supor que tal especificidade pode ser insuficiente para caracterizar um operante verbal.

A consulta a alguns artigos que apresentam o sistema classificatório de Skinner (1957/1992) fortalece esta suposição.

Encontramos em Sundberg e Michael (2001), por exemplo, as seguintes afirmações:

Nos capítulos 3 a 7 de Verbal Behavior, Skinner (1957) distingue vários tipos diferentes de operantes verbais (ver Tabela 1). Além da relação audiência, as seguintes relações verbais elementares são descritas: mando, tato, ecóico (...), intraverbal, textual, transcritivo e copiar um texto. (...) Estes [após especificar as relações entre resposta verbal e condição antecedente no caso do operante verbal mando, do operante ecóico, intraverbal, textual, copiar um texto e transcritivo e do operante tato] são os elementos das quais formas mais complexas de comportamento verbal são compostas; todas consistem de relações entre variáveis motivativas, estímulos discriminativos e formas de respostas, e todas são desenvolvidas por meio da ocorrência conseqüências contingentes a respostas. (p. 702)

Apesar de inicialmente indicada como uma relação singular, a relação de audiência não aparece entre as especificações do que os autores chamam, logo a seguir, de “elementos”, a partir dos quais “formas mais complexas de comportamento verbal são compostas”, não aparece na tabela indicada pelos autores que tem o título de “Definições Técnicas dos Operantes Verbais Elementares de Skinner (1957)”, o que podemos ler como operantes verbais básicos.

Outro exemplo pode ser encontrado no artigo de MacCorquodale (1969). Ao analisar o que chama de variáveis controladoras, o autor as divide em dois grandes grupos: variáveis motivacionais e estímulos discriminativos. Inicia a apresentação desse segundo grupo, afirmando: “Uma parte maior da fala é controlada por estímulos discriminativos (SDs). Ela inclui o caso do tato genérico, (...) e também a fala envolvida em ler, ecoar, responder intraverbalmente e certos efeitos de audiência” (p. 836). E, ao especificar cada um desses casos, referindo-se à audiência afirma: “A audiência ganha controle como SD cujos efeitos sobre a fala são sempre suplementares, de acordo com um processo a ser discutido abaixo” (p. 838). Não deixando dúvidas sobre a especificidade do tipo de controle envolvido na relação audiência, o autor afirma: “Esses cinco tipos de controle de estímulo [tato, ecóico, intraverbal, textual e audiência], mais motivação, constituem todas as variáveis que Skinner oferece para explicar a emissão da fala (...)” (p. 838) e, um pouco mais adiante lista mandos, tatos, audiência e respostas ecóicas, textuais e intraverbais como “material bruto da fala” (p. 839). Estamos, novamente, diante da especificidade da relação de audiência e, no caso do artigo de MacCorquodale (1969), uma dupla especificidade: do tipo de controle de estímulo e dos efeitos evocativos de tais estímulos, que segundo o autor, são sempre “suplementares”, isto é (e se nossa interpretação 3 estiver correta), agem sempre em conjunto com outra variável; mas, continuamos sem claras indicações de se tais especificidades continuem um operante verbal distinto.

Vamos tentar detalhar as especificidades da relação audiência tal como elas foram construídas. O episódio verbal, como definido por Skinner, usualmente conta com duas pessoas: aquela cujo comportamento é de nosso interesse primário (o falante) e aquela que cumpre o papel de ambiente (o ouvinte). Fruto da definição de comportamento verbal, caracterizamos o ouvinte como mediador de reforço, colocando-o, portanto, como ambiente que segue a emissão da resposta verbal. Entretanto, pelo menos como decorrência da noção de audiência, sabemos que o ouvinte tem um duplo papel – ele pode também ser caracterizado como ambiente que antecede a emissão da resposta verbal. Como? O segredo está no processo de discriminação de estímulos. O ouvinte, ao mediar sistematicamente o reforço, torna-se uma ocasião na qual a resposta, se emitida, poderá produzir reforço e adquire, além da função de estímulo reforçador condicionado generalizado, uma função evocativa.

O ouvinte é parte da ocasião – da condição antecedente – que controla o comportamento verbal, porque é parte da ocasião na qual ele foi reforçado. E aqui é importante destacar a forma sistemática com que isso é apresentado no livro de Skinner (1957/1992): ao apresentar cada um dos operantes verbais, a audiência aparece sempre entre as condições antecedentes relacionadas com a emissão da resposta que constitui o operante em questão; por exemplo, em todos as figuras que apresenta para descrever as relações que constituem os operantes verbais (Figuras 1, 2 e 3, para o operante verbal mando; Figura 4, para o operante verbal ecóico; Figuras 5 e 6, para o operante verbal audiência) a audiência aparece como um ou um dos estímulos discriminativos responsáveis pela emissão da resposta. Mas, deve ser destacado também que esta função do ouvinte é diferente da função que ocupa, nesses mesmos operantes verbais, como parte dos eventos reforçadores das respostas do falante. A caracterização do ‘ouvinte’ como audiência (e não como mediador de reforço) depende do ‘ouvinte’ estimular o falante antes da emissão do comportamento. De acordo com Skinner (1957/1992), “enquanto o ouvinte estimular o falante antes da emissão do comportamento verbal, podemos nos referir a ele como a audiência” (p. 172). Assim, Skinner recorre ao termo ouvinte quando a participação do outro no episódio verbal tem a função de conseqüência e recorre ao termo audiência quando essa participação tem função evocativa: “uma audiência é, então, um estímulo discriminativo na presença do qual o comportamento é caracteristicamente reforçado e, portanto, na presença do qual é caracteristicamente forte” (Skinner, 1957/1992, p. 172). (Rigorosamente, segundo Michael (n.d.), deveríamos dizer que uma audiência é um estímulo discriminativo na presença do qual o comportamento foi caracteristicamente reforçado). Temos, assim, destacado com o termo audiência uma relação condição antecedente e resposta, aspecto necessário para singularizar um operante verbal.

A leitura de todo o capítulo 7 do livro Verbal Behavior nos encaminha nessa direção de tal singularização. O termo audiência, mais do que destacar uma relação entre condições antecedentes e resposta, como Skinner (1957/1992) ressalta, destaca que estamos diante de uma relação singular, diferente das e não redutível às relações descritas nos capítulos anteriores:

Em contraste com os estímulos discriminativos que controlam os operantes verbais tatos e ecóicos, textuais e intraverbais, uma audiência é, usualmente, condição para o reforçamento de um amplo grupo de respostas e, portanto, passa a afetar a força desse grupo. Diferentes audiências controlam diferentes subdivisões do repertório do falante. (Este controle sempre é exercido em conjunto com estímulos que determinam formas mais específicas de resposta. (...)) (p. 173).

A relação operante descrita poderia ser assim caracterizada: estímulos discriminativos não verbais, usualmente a presença de outros homens, evocam grupos amplos de respostas com determinadas formas; a evocação da resposta com uma forma específica dentro desse grupo amplo dependeria de outras variáveis presentes; esses estímulos discriminativos sempre exerceriam seu efeito evocativo em conjunto com outras variáveis também com função evocativa (encontramos, aqui, a dupla especificidade que identificamos no artigo de MacCorquodale (1969), com um aspecto adicional: a função evocativa não é específica, não se refere a classes específicas de respostas, como no caso de estímulos discriminativos em geral, mas sim a “um amplo grupo de respostas).

Encontramos, no capítulo 7, três possíveis especificações desse grupo grande de respostas ou três possíveis efeitos evocativos desses estímulos discriminativos:

1. O outro como condição que antecede a resposta verbal determina a ocorrência ou não do comportamento verbal. Assim, de uma maneira geral, o comportamento verbal cessa na ausência de um ‘ouvinte’. Podemos encontrar duas exceções a essa regra: a) quando o falante funciona como seu próprio ouvinte, ou seja, quando responde ao seu próprio comportamento verbal, ou b) sob condições de operações estabelecedoras muito fortes, quando ocorrem mandos estendidos. Segundo Skinner (1957/1992), essa determinação ocorre simultaneamente com a seleção do idioma no qual o falante emitirá a resposta. Essa maior subdivisão do comportamento verbal do falante – o idioma – é controlada pela comunidade que estabelece as contingências de reforçamento.

2. O outro como condição que antecede a resposta verbal evoca, dentre as respostas possíveis, um conjunto de respostas em detrimento de outros conjuntos. Ao considerar esse efeito, subentende-se que há pelo menos duas alternativas de resposta disponíveis no repertório do falante, ambas sob controle do mesmo estímulo; a presença do outro evoca uma delas. São exemplos desse tipo de controle, o vocabulário que empregamos em determinadas ocasiões, o recurso a termos técnicos ou a gíria.

3. O outro como condição que antecede a resposta verbal evoca determinados tipos de operantes verbais em detrimento de outros e, dentro de um tipo, qual operante específico ocorrerá; por exemplo, diante de um conjunto de estímulos (ou de múltiplas dimensões de um mesmo estímulo) qual estímulo (ou qual dimensão) exercerá controle discriminativo (no caso de operantes verbais do tipo tato) ou diante de um mesmo estímulo verbal, qual dentre as várias respostas será evocada (no caso de operantes verbais intraverbais).

Como já foi destacado, a presença do outro como condição que antecede a resposta verbal sempre atua em conjunto com pelo menos uma outra variável, que determina mais especificamente a forma da resposta. Por exemplo, uma pessoa diante de uma obra de arte terá a emissão de uma resposta verbal, o idioma e os jargões utilizados, e até o assunto sobre a “obra de arte” sob controle da presença do outro; no entanto, a forma específica da resposta será determinada simultaneamente pelas propriedades físicas da obra. Enquanto a descrição da obra de arte for um tato, está limitada pelas propriedades do estímulo discriminativo; seu comportamento verbal neste episódio é, no entanto, multideterminado pelas relações antecedentes estabelecidas com aquela audiência específica.

Essa atuação em conjunto com outra variável pode caracterizar um tipo diferente de relação funcional sem, entretanto, caracterizar um novo operante.

Esse aspecto da atuação conjunta de duas condições de estímulo antecedentes (o estímulo em questão – no exemplo, a obra de arte – e a audiência), em especial, o primeiro e o terceiro efeitos destacados por Skinner (1957/1992), sugere que o estímulo audiência funciona como modulador dos efeitos evocativos de outras variáveis antecedentes; em outras palavras, a audiência teria função de estímulo condicional. E, neste caso, de uma forma geral, seria parte constitutiva das contingências que descrevem tais operantes; essas contingências deveriam, então, incluir sempre este ‘quarto’ termo. Essa seria uma das conseqüências do reconhecimento da audiência como uma relação diferente das demais e traria, além da exigência conceitual de incluir tal relação na caracterização dos demais operantes, uma implicação na interpretação de episódios verbais. Como sugere Pasquinelli (2007), as próprias situações nas quais repertórios verbais são descritos e avaliados são, elas mesmas, fonte de controle dessas respostas, o que deveria ser considerado ao planejar as situações de avaliação ou ao considerar os resultados obtidos; isso ganha maior importância se, considerando os resultados que a autora produziu, verificamos que a audiência não só controla “o que se fala” diante de um estímulo, mas também que com pouco reforçamento diferencial diante de audiências diferentes, ocorre a extensão do controle de audiência para respostas verbais emitidas diante de novos estímulos.

Essa possibilidade de reconhecermos na relação de audiência uma fonte adicional de controle antecedente recebe apoio de, pelo menos, um artigo posterior de Skinner (1989) no qual a distinção entre instância e operante merece atenção especial. No texto intitulado O ouvinte, ao identificar os tipos de operantes verbais, Skinner (1989) lista cinco tipos: mando, tato, intraverbal, ecóico e textual (não colocando entre eles, portanto, a audiência). Mais do que isso, faz referência à audiência quando fala de instâncias de comportamento, que, como vimos, diferenciam-se de operantes porque não exigem para sua descrição a identificação de relações entre a forma da resposta e variáveis ambientais: “O comportamento verbal que observamos e estudamos é composto por instâncias, com relação às quais o ouvinte tem seu segundo papel como parte da ocasião na qual o comportamento ocorre” (Skinner, 1989, p. 37). 4

Porém, essa possibilidade de considerar a audiência como estímulo condicional parece não se aplicar bem ao segundo efeito evocativo descrito em Verbal Behavior (nos casos em que há pelo menos duas alternativas de resposta diante de determinadas condições antecedentes e a audiência aumenta a probabilidade de uma delas), incluindo aí algo que, segundo Skinner, ocorre junto com a determinação da emissão de uma determinada resposta verbal: a seleção do idioma no qual o falante emitirá a resposta; nesse caso, o estímulo audiência não está modulando a função evocativa de estímulos antecedentes; no segundo caso descrito por Skinner (1957), um estímulo presente tem função evocativa para várias formas de respostas e a presença de uma determinada audiência como condição antecedente modula diretamente a força das respostas, acabando por evocar uma delas. Nos dois casos inicialmente abordados (o primeiro e o terceiro efeitos evocativos da audiência), a audiência modula a função dos estímulos e, desta forma, altera indiretamente a força de determinadas respostas; no outro caso (no segundo efeito evocativo), modula diretamente a força das respostas; o estímulo audiência participaria, assim, de uma relação funcional diferente das anteriores, já que ele atuaria diretamente sobre a resposta, aumentando a probabilidade de respostas de uma determinada forma. Apresentando, assim, as características dos demais operantes verbais: uma relação de controle que evoca respostas de forma específica; se esta interpretação estiver correta, o termo audiência está, também, de fato destacando a existência de um operante independente, singular, unitário.

Não terminam por aqui as dificuldades em delimitar as relações de controle contidas no termo audiência. Outro aspecto que é fonte de dificuldade surge quando Skinner (1957/1992) trata do que chama de audiência negativa (pp. 178-179). O primeiro sentido do termo não acarreta problemas especiais, pois se consideramos o outro como estimulação que evoca respostas verbais como resultado de uma história em que foi parte da ocasião na qual respostas verbais foram reforçadas, não teremos dificuldade alguma em considerar a possibilidade de que respostas emitidas, porém, sistematicamente não reforçadas na presença de determinada pessoa resultam na “perda” das características evocativas adquiridas através de generalização de ouvintes que foram fonte de reforçamento. A probabilidade de respostas verbais serem emitidas torna-se tão baixa na presença dessa pessoa quanto o seria na ausência de qualquer pessoa.

É o segundo sentido do termo audiência negativa que coloca problemas especiais. Segundo Skinner (1957/1992), o ouvinte pode punir respostas verbais e, nesse caso, ele adquiriria a função de audiência negativa. Na presença de tal audiência negativa: a) o falante pode emitir poucas respostas verbais (ou até não emiti-las), b) suas respostas verbais podem ter pouca energia, c) a presença de determinados estímulos que evocariam tais respostas passa a ser insuficiente para evocá-las, d) o falante pode não apresentar determinados tipos de operantes verbais. Se esses efeitos sobre as respostas verbais são frutos de uma história de punição na presença de determinada audiência, todos esses efeitos podem ser considerados como respostas de fuga ou de esquiva. Se isso estiver correto, a função evocativa do outro como condição antecedente de respostas verbais está mais relacionada com a função de operações estabelecedoras ou motivadoras (no caso, operação estabelecedora condicionada reflexiva 5) do que com a função de estímulos discriminativos, o que aproximaria muito a eventual relação de audiência do operante verbal mando. Teríamos, então, três relações de controle descritas pelo termo audiência: estímulo condicional, modulando a função evocativa de outros estímulos; estímulo discriminativo, evocando respostas com determinadas formas e operação estabelecedora.

Dois outros aspectos abordados no capítulo 7 de Verbal Behavior indicam as dificuldades envolvidas na consideração da extensão do controle e dos tipos de controle que o termo audiência pretende destacar. Um deles é tratado por Skinner (1957/1992) sob o rótulo dimensões físicas de uma audiência.

Segundo Skinner, no caso da audiência, as dimensões físicas dos estímulos envolvidos são mais difíceis de serem identificadas do que as dimensões dos estímulos que constituem outros operantes verbais. Podemos identificar com certa facilidade as propriedades dos estímulos verbais que controlam respostas ecóicas, textuais e intraverbais, assim como as propriedades físicas dos objetos que controlam tatos; porém, o mesmo não acontece no caso da audiência. Em primeiro lugar, o processo de generalização de estímulos torna possível que uma grande amplitude de estímulos possa ser efetiva na evocação dos efeitos característicos do controle da audiência: “falamos com estranhos, com pessoas dormindo ou mortas, possivelmente com manequins de loja em condições de pouca iluminação, com animais (...)” (Skinner, 1957/1992, p. 176). Em segundo lugar, um conjunto grande de variáveis modula o efeito da presença de outros como condição antecedente de respostas verbais, de forma que a simples presença ou ausência de uma pessoa não é suficiente para caracterizarmos uma situação de estimulação efetiva. A efetividade da estimulação não pode ser identificada a partir de seus aspectos físicos, pois estes não indicam se a pessoa presente tem a possibilidade orgânica de ouvir, se está prestando atenção, se compartilha do mesmo idioma etc. Este aspecto inclui e se complica se considerarmos o que Skinner (1957/1992) chama de “audiência distante” (p. 177). Em terceiro lugar, outros estímulos, que não pessoas, podem adquirir a função evocativa característica de audiência. Um local em que o comportamento verbal foi sistematicamente reforçado pode adquirir o controle evocativo da resposta. O próprio comportamento verbal pode tornar-se uma variável com efeito de audiência, conquanto os primeiros segmentos do comportamento evoquem emissões posteriores. Tudo isso indica a dificuldade em identificar as variáveis envolvidas, seja qual for a relação de controle.

Há, ainda, mais uma dificuldade relacionada com a identificação da variável controladora. Como o próprio Skinner (1957/1992) reconhece, há um conjunto de dificuldades para demonstrarmos que o falante pode desempenhar função de audiência para si mesmo. Devemos lidar com o fato de que esta possibilidade existe, já que assumimos que o falante pode ser seu próprio ouvinte. Parece não haver nenhuma razão para que o processo discriminativo que constitui a função de audiência a partir do papel do ouvinte como mediador do reforço não ocorra apenas porque o falante é seu próprio ouvinte. A dificuldade está em demonstrar esse controle: “à primeira vista, parecemos não ser capazes de demonstrar o efeito de tal audiência da maneira usual – isto é, removendo-a ou apresentando-a, enquanto observamos diferenças na quantidade de comportamento verbal, no repertório exibido, nos assuntos especiais selecionados, e assim por diante” (Skinner, 1957/1992, p. 180). Entretanto, essa dificuldade pode ser superada: segundo Skinner (1957/1992), há condições nas quais “o falante pode ser efetivamente removido como sua própria audiência” (p. 180), a condição citada pelo autor é a “escrita automática”; e há condições que indicam fortemente a presença do falante como sua própria audiência, como seria o caso do indivíduo falando consigo mesmo e de eventuais insensibilidades a outras audiências.

Pesadas todas essas considerações, temos a proposta de um conceito – audiência – que está envolto em dois tipos de dificuldade: a identificação da variável controladora e a identificação das relações de controle que estão sendo destacadas. Nessa segunda dificuldade, duas possibilidades iniciais parecem se colocar: 1) a audiência tem função de estímulo antecedente ‘adicional’ em uma contingência tríplice, que já caracteriza algum dos operantes verbais primários (mando, ecóico, textual, transcrição, intraverbal, tato); como tal estímulo ‘adicional’ poderia ter função de estímulo condicional ou de operação estabelecedora; 2) a relação de audiência caracteriza um operante, com unidade e independência em relações aos demais operantes já identificados, já que estímulos com determinadas características evocariam diretamente respostas de determinada forma. Esta última possibilidade coloca, aparentemente, um desafio adicional: deveríamos lidar com a noção de que os operantes se sobrepõem; isto é, uma mesma forma de resposta poderia estar participando, ao mesmo tempo, de duas relações operantes distintas.

A identificação dessas duas possibilidades foi feita inteiramente a partir das proposições apresentadas sobre o conceito por Skinner (1957/1992). Sua análise quanto à participação do outro na função de condição antecedente, apesar de não estar organizada da forma aqui proposta, forneceu os elementos para a identificação das múltiplas relações descritas pelo termo, relações essas tão pouco discutidas pela comunidade de analistas do comportamento6. A apresentação do conceito de audiência feita por Skinner (assim como toda a sua proposta para a compreensão do comportamento verbal) não tinha por objetivo esgotar o assunto, mas sim, apresentar uma proposta para a investigação do estudo do comportamento verbal com todos os desafios que isso pode envolver, incluindo a consideração de variáveis que agem simultaneamente na determinação do comportamento. Poderia ser o caso, então, destas duas possibilidades agirem simultaneamente na determinação do comportamento verbal de um determinado falante: a audiência, ao determinar os conjuntos de estímulos que exercerão controle discriminativo sobre a resposta e, assim, aumentando a probabilidade de ocorrência de uma resposta verbal estaria exercendo a função de estímulo condicional ou de operação estabelecedora; simultaneamente, ao determinar a forma da resposta (idioma, jargões), estaria exercendo um controle que poderia ser considerado típico de um operante verbal.

Tudo isso indica a complexidade envolvida na análise do comportamento verbal. A insistência de Skinner (1957/1992) na multideterminação do comportamento verbal não foi exagerada e, dentro dessa perspectiva, a identificação de operantes verbais é um passo básico; nela estão os fundamentos da análise posterior. E sua demora em completar e refinar a definição de comportamento verbal (apenas no oitavo capítulo do livro) parece ser justificada; na discussão do termo audiência e de sua inserção na proposta de Skinner, parece que voltamos ao “ponto crucial do problema”: o condicionamento especial do ouvinte. O comportamento verbal apresenta-se como um campo especial de estudo exatamente por causa dessa preparação. Os indivíduos são especialmente preparados por sua comunidade para agirem enquanto ambiente, especificamente para agirem enquanto ambiente que sucede respostas verbais. Sua função enquanto ambiente que antecede a resposta é gradualmente adquirida a partir de sua primeira função (reforçadora). O parágrafo que encerra o oitavo capítulo do Verbal Behavior (Skinner, 1957/1992) é bastante claro: as práticas que constituem o ambiente verbal (pessoas que respondem a determinadas respostas de determinadas maneiras porque foram preparadas pelo grupo do qual são membros para agir assim) “e a interação resultante de um falante e um ouvinte produzem o fenômeno que está sendo considerado, aqui, sob a rubrica de comportamento verbal” (p. 226).

 

 

Referências Bibliográficas

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Donahoe, J. W. & Palmer, D. C. (1994). Learning and Complex Behavior. Boston, MA: Allyn and Bacon.         [ Links ]

Ferster, C. B.; Culbertson, S. & Boren, M. C. P. (1977). Princípios do Comportamento. São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Keller, F. S. & Schoenfeld, W. N. (1968). Princípios de Psicologia. São Paulo: Herder.         [ Links ]

MacCorquodale, K. (1969). B. F. Skinner`s Verbal Behavior: A retrospective appreciation. Journal of Experimental Analisys of Behavior, 12, 831-841.         [ Links ]

Michael, J. (n.d.). Psychology 674: Study Guide for Verbal Behavior. Versão apostilada.         [ Links ]

Pasquinelli, R. de S. H. (2007). Um Estudo sobre o Estabelecimento do Controle e da Generalização da Audiência sobre o Comportamento Verbal. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo-SP.         [ Links ]

Pear, J. J. (2001). The Science of Learning. Philadelphia, PA: Taylor & Francis.         [ Links ]

Sério, T. M. A. P. & Andery, M. A. (2002). Comportamento verbal. In T. M.A. P. Sério; M. A. Andery; P. S. Gioia & N. Micheletto. Controle de Estímulos e Comportamento Operante – uma (nova) introdução São Paulo: EDUC.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1989). Recent Issues in the Analysis of Behavior. Columbus: Merrill.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1992). Verbal Behavior. Acton MA: Copley. (Trabalho original publicado em 1957).         [ Links ]

Spradlin, J. F. (1985). Studying the Effects of the Audience on Verbal Behavior. The Analysis of Verbal Behavior, 3, 5-9.         [ Links ]

Sudberg, M. L. & Michael, J. (2001). The benefits of Skinner’s analysis of verbal behavior for children with autism. Behavior Modification, 25, 698-724.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 06/11/2007
Primeira decisão editorial em: 26/03/2008
Versão final em: 26/04/2008
Aceito em: 26/04/2008

 

 

1 Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PUC-SP E-mail: afonai@yahoo.com.br
2 Doutora em Psicologia Social e professora da PUC-SP
3 Considerando a continuidade do artigo de MacCorquodale (1969), é possível que o autor esteja se referindo à analise que Skinner (1957) apresenta da causação múltipla no caso do comportamento verbal.
4 Uma consulta assistemática a alguns manuais que tratam dos conceitos básicos que compõem o sistema explicativo da análise do comportamento e que introduzem comportamento verbal entre os tópicos abordados (e.g., Catania, 1999; Donahoe & Palmer, 1994; Ferster, Culbertson & Boren, 1977; Keller & Schoenfeld, 1968; Pear, 2001) chama a atenção pela diversidade no destaque e na ênfase dos operantes verbais que são apresentados. Porém, um traço é comum: a relação audiência, em geral, não aparece e quando aparece não é apresentada como um operante verbal.
5 Pois a sua apresentação estabelece sua própria retirada como reforçadora.
6 Em uma consulta ao periódico “The Analysis of Verbal Behavior” com a palavra “audience” no título foi encontrado 1 resultado (Spradlin, 1985), e com a mesma palavra no resumo, nenhum resultado foi encontrado.