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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.9 no.2 São Paulo Dec. 2007

 

RESENHA

 

Língua e comportamento verbal: diálogos entre a lingüística e a análise do comportamento

 

 

Rodrigo Lopes Miranda1; Sérgio Dias Cirino2

Universidade Federal de Minas Gerais

 

 

Resenha do Livro “Bloomfield e Skinner: língua e comportamento verbal. Maria de Lourdes Passos (2004). Rio de Janeiro: NAU. 320p”.

O fenômeno da linguagem constitui-se como um objeto de estudo científico interdisciplinar. Skinner, em 1957, ao publicar o livro Verbal Behavior, aparentemente estava ciente dessa configuração, uma vez que aponta que o tratamento dado ao comportamento verbal já era um campo de estudos preenchido por outras teorias da linguagem extremamente sofisticadas. No decorrer dessa mesma obra, salienta que seu intuito não era o de suprimir os demais estudos existentes, mas fornecer outros instrumentos de análise ao campo de estudos lingüísticos.

Parece ser esse também o intuito da autora ao escrever a obra aqui resenhada. Ela se debruça sobre o objeto de estudo da lingüística, ou seja, a língua em si mesma ou por si mesma – e o faz a partir de Leonard Bloomfield e Burrhus Frederic Skinner, estudiosos da área da lingüística e da psicologia, respectivamente.

Ao escolher tal objeto, ela empreende aquilo que o próprio Bloomfield (19333) indicou como sendo uma das interseções produzidas no campo da linguagem, o diálogo entre a lingüística e a psicologia. Segundo a professora Terezinha Bittencourt, na apresentação da obra em questão, pesquisas interdisciplinares são imprescindíveis, uma vez que permitem, a um público cada vez mais amplo, tomar conhecimento de arcabouços teóricos e metodológicos diversificados. Talvez mais do que isso, possibilita a própria sofisticação dos campos e dos olhares sobre o objeto estudado.

Nesse sentido, um dos objetivos do livro “Bloomfield e Skinner” é marcar as fontes a que Skinner recorreu para elaborar os fundamentos da confecção de Verbal Behavior, livro que o próprio autor indicou com sua principal obra (Skinner, 1976). Em acréscimo, objetiva trazer para o contato do leitor o pensamento de um dos mais importantes lingüistas do século XX que, infelizmente, ainda não teve suas obras traduzidas para o português brasileiro; também, expor alguns conceitos elementares da lingüística; e confrontar a análise estruturalista da língua proposta por Bloomfield e a análise funcional skinneriana do comportamento verbal.

Ainda, pode-se indicar que esse diálogo permite uma melhor elucidação do que seja a análise estrutural da lingüística para o público analítico-comportamental e, por fim, talvez criar condições para uma elaboração mais sofisticada da relação análise funcional x topográfica das respostas verbais, criando condições para que não sejam mais vistas como antagônicas, mas como práticas complementares para a compreensão das relações entre linguagem, língua e ação verbal.

Para estabelecer o eixo de aproximação entre o pensamento skinneriano e o bloomfieldiano, a autora definiu oito tópicos de análise, a saber: (1) ciência e método de estudo científico; (2) ato de fala; (3) comportamento e condicionamento; (4) significado; (5) unidades de análise; (6) objeto de estudo; (7) comunidade verbal e (8) funções do comportamento verbal. A partir desses tópicos, são analisadas as obras Verbal Behavior (1957) e Science and Human Behavior (1953) de Skinner e, no que tange às obras de Bloomfield, foram selecionadas aquelas que Skinner fez referência ao longo do primeiro livro: Linguistics as a Science (1930), Language (1933) e Language or Ideas? (1936).

Considerando-se a amplitude do tema do livro, assim como a complexidade do pensamento dos autores em questão, a autora divide a obra em duas partes, acrescidas de introdução e conclusão. A primeira trata de Bloomfield e a segunda, além de expor o pensamento de Skinner, estabelece o paralelo entre os dois autores. Essa divisão do texto permite ao leitor, por um lado, conhecer um pouco sobre o trabalho em linguagem de cada uma das teorias utilizadas, de uma forma mais compacta, para, então, entrar em contato com o texto de aproximação. Por outro, possibilita a visualização de como duas diferentes áreas do saber vislumbram o fenômeno lingüístico.

Na primeira parte do livro, verifica-se que para Bloomfield, as ciências humanas de uma maneira geral ainda não teriam alcançado a compreensão científica de seus objetos de estudo (as ações humanas) como as demais ciências já haviam feito com seus respectivos objetos. Isso se devia ao fato de aquelas ainda não terem abandonado as pseudo-explicações teleológicas que acompanham o desenvolvimento de qualquer ciência. Para ele, as ciências humanas continuavam a buscar as explicações dos fenômenos estudados em elementos “causais” que fazem parte dos próprios objetos. Nas palavras de Bloomfield (1930, p. 228): “(...) [é] apenas quando lidamos com o homem que ficamos satisfeitos com fórmulas teleológicas: os homens fazem coisas porque eles ‘querem’ ou ‘escolhem’ ou ‘têm uma tendência’ a fazê-las”.

Para modificar tal quadro, ele pontua que a lingüística deveria se fundamentar em uma visão monista do mundo, concebendo as ações humanas, dentre elas a fala, como parte de seqüências de causas e efeitos. Dessa forma, ao invés de utilizar-se de termos mentalistas como fontes explicativas, a lingüística deveria compreender que eles se referem a fenômenos lingüísticos.

Mesmo com essa concepção, Bloomfield aponta que a lingüística não poderia estar submetida à psicologia. Primeiro, porque as explicações das ações verbais por meio de fenômenos mentais pouco auxiliam no processo, obscurecendo-o mais do que clareando as análises. Em segundo lugar, pelo fato de que, afastando-se de tais explicações, a lingüística começaria a tornar possível o desenvolvimento de uma ciência cujo objeto é uma atividade caracteristicamente humana e intrinsecamente dependente da cultura. Nesse sentido, o lingüista estuda uma parte do fazer humano, as ações verbais e, para tanto, deve ater-se a observações do fazer lingüístico de várias pessoas.

Ao definir tal método de estudo, Bloomfield salienta que a fala é o dado primário do trabalho do lingüista. Em paralelo, estabelece que embora a escrita seja de suma importância para o desenvolvimento da cultura, ela situa-se como secundária em relação à fala. Com isso, o estudo da língua falada é priorizado, sendo imperativo notar que ela ocorre em relação a acontecimentos verbais e não-verbais que lhes antecedem e sucedem. Bloomfield define que as ações tanto do falante quanto do ouvinte podem ser práticas (ações diretas sobre o mundo físico) ou substitutivas (ações verbais), sendo que, nesse segundo tipo, a nomenclatura visa indicar que a ação verbal substitui a ação prática sobre o mundo.

Para o empreendimento de tal análise, parte-se do pressuposto de que a “linguagem capacita uma pessoa a fazer uma reação (...) quando outra pessoa tem o estímulo” (Bloomfield, 1933, p. 24). Ou seja, para Bloomfield, as ações verbais estão sujeitas à mesma causalidade que rege os fenômenos naturais. Assim, o falante fornece estímulos práticos ou substitutivos para a reação do ouvinte que, por sua vez, pode agir prática ou substitutivamente. Para a ocorrência dessas ações, existem diversos fatores predisponentes que foram estabelecidos ao longo da história de vida de cada um dos sujeitos envolvidos na relação verbal.

É a conexão entre os estímulos e as respostas que é salientada pela autora como o elemento primordial sobre o qual o olhar do lingüista deveria recair na concepção bloomfieldiana. O significado das palavras, nesse contexto, passa a não estar atrelado à própria palavra ou mesmo à concepção da existência de um processo não-físico, como um pensamento ou ato de vontade, mas situa-se nos eventos práticos que antecedem ou sucedem ao responder verbal.

Nesse sentido, torna-se importante o tratamento dos significados atribuídos às palavras e sentenças por uma comunidade de fala. A comunidade de falantes é importante para a língua, e esta segunda é indispensável para a cultura e para cada indivíduo. Bloomfield indica, primeiramente, que essa importância pode ser atribuída ao poder que a língua tem de potencializar a cooperação entre as pessoas, coordenando suas forças e partilhando de suas habilidades. Em segundo lugar, porque pela língua, o sujeito pode: (1) enunciar estados corpóreos que apenas ele tem acesso; (2) “ensaiar” de forma abstrata ações antes de realizá-las, minimizando a ocorrência de erros na vida cotidiana; e (3) pensar, que para Bloomfield é falar consigo mesmo.

Na segunda parte do livro, a autora apresenta uma discussão sobre o comportamento verbal de Skinner, colocando-o em paralelo ao pensamento bloomfieldiano. O primeiro ponto abordado é a definição do comportamento verbal como um operante, ou seja, é uma resposta emitida pelo indivíduo que implica em mudanças sobre o ambiente e que está sujeita às conseqüências que produziu. Todavia, as respostas verbais possuem uma particularidade: caracterizam-se como um fazer que, antes de ocasionar mudanças sobre o ambiente físico, implica em conseqüências no ambiente social.

A partir dessa definição, verifica-se que o comportamento verbal torna imperativa, para seu estudo, uma análise relacional entre falante e ouvinte. Em princípio, porque aquele que ouve é ambiente para que o falante comporte-se verbalmente e quem provê conseqüências às respostas verbais dele. Em acréscimo, pelo fato de o comportamento verbal ser aprendido e mantido em cultura, ou seja, por meio de relações interindividuais.

Observa-se, com isso, que o objeto de estudo skinneriano é diferente daquele apontado pela lingüística estrutural de Bloomfield. Skinner, ao estudar o comportamento verbal, interessa-se pelo fazer, necessariamente mediacional, daquele que opera verbalmente. A análise bloomfieldiana, por sua vez, interessa-se por unidades estruturais da língua. Para Skinner, a análise a ser realizada é funcional, ou seja, busca as variáveis das quais a resposta verbal é função. Isso não quer dizer, porém, que um estudo mais sofisticado da linguagem prescinda da análise formal; aponta, sim, pela marca da dissonância, a complementaridade dessas análises.

A partir de similaridade das contingências de reforço que mantêm e criam condições para a emissão das respostas verbais é que elas podem ser agrupadas como classes de respostas. A autora descreve minuciosamente, e já em aproximação com as categorias de análise lingüística (e.g.: morfemas, sememas, etc), as classes de operantes verbais, tais como o tato, o mando, o intraverbal, etc.

Com a visualização desse conjunto de modalidades de respostas verbais, verifica-se que o estudo do comportamento verbal torna indispensável o entendimento dos processos comportamentais que circunscrevem o condicionamento operante. Estes são os mesmos para os operantes não verbais, ou seja: condicionamento operante, comportamento imitativo, causação múltipla, operação estabelecedora, emoção, punição e extinção. Na observação de tais processos, foca-se a ação do falante e parte do fazer do ouvinte que envolve uma parcela das contingências de reforço ao qual o responder do falante é contingente. Delimita-se, assim, que as respostas verbais são aprendidas por condicionamento operante, com a particularidade de que as relações entre o fazer e suas conseqüências são mantidas em decorrência das interações estabelecidas pela comunidade verbal.

A comunidade verbal, imperativa para a existência do comportamento verbal, pode ser definida como um conjunto de falantes e ouvintes que agem verbalmente graças a contingências de reforço relativamente homogêneas. O estudo do comportamento verbal, ao debruçar-se sobre a relação falante-ouvinte, deve atentar-se não só para aquilo que o falante faz, mas também para o que ouvinte faz ao estabelecer ocasião para as respostas verbais do falante. Em outras palavras, a explicação do comportamento verbal depende da compreensão das práticas da comunidade verbal que cria e mantém as respostas do ouvinte. Aqui reside mais um ponto de complementaridade entre o pensamento dos dois autores: enquanto a análise estruturalista de Bloomfield se ocuparia do tratamento dado à relação linguagem x língua, a análise skinneriana enfocaria aquilo que o sujeito, inserido nessa relação, faz verbalmente.

Para atingir tais fins, tanto Skinner quanto Bloomfield notificam a necessidade do desenvolvimento de um método científico por parte das ciências humanas que se ocupam do tratamento feito à relação “língua”, “linguagem” e “ação verbal”. A autora da obra aqui resenhada indica que, para Skinner, a psicologia, como ciência do comportamento, precisaria adotar a noção de determinismo, ou seja, compreender que os fenômenos psicológicos estabelecem relação com outros elementos e que, assim, a explicação da ocorrência desses fenômenos situa-se justamente nessas relações. A adoção dessa perspectiva leva ao estabelecimento de relações entre variáveis dependentes (respostas) e independentes (antecedentes e conseqüentes). Sendo importante ressaltar que as variáveis independentes não são aquelas que se encontram fora do organismo, mas sim, situam-se necessariamente fora da variável dependente, ou seja, da resposta emitida pelo sujeito. Partindo-se dessa configuração, o estudo do comportamento verbal buscará nas variáveis independentes os elementos que forneçam explicações sobre os constituintes das respostas verbais. A partir de uma pequena generalização desse aspecto, pode-se indicar outro ponto de consonância entre os autores: ambos são partidários do desenvolvimento de ciências humanas que teriam forte influência do modelo e dos métodos das ciências naturais.

Nesse sentido, encontra-se o estudo do significado, um dos pontos por excelência da atividade lingüística e talvez o ponto indicado por Bloomfield como aquele ao qual a psicologia deveria se ater. Para Skinner, acentua-se o fato de que o significado resulta, em detrimento de práticas relativamente homogêneas da comunidade verbal, das experiências únicas vividas por falante e por ouvinte, ou seja, ele está situado no uso das respostas verbais pelos membros de um grupo. E aqui, embora se possa notar uma similaridade entre os autores no que tange ao tratamento dado ao significado dos enunciados, salienta-se novamente a diferença de objeto de estudo. Ou seja, enquanto Bloomfield estuda a relativa homogeneidade das práticas verbais de uma comunidade de fala, Skinner elege o estudo das idiossincrasias do comportamento verbal de cada membro da comunidade.

A partir da leitura da obra, verifica-se que o trabalho de Bloomfield e o de Skinner possuem dissonâncias, sendo que algumas delas vinculam-se ao fato de que possuem objetos de estudos diferentes. Contudo, seus pensamentos não são excludentes, mas complementares, pois: (1) a análise skinneriana do comportamento verbal pressupõe a compreensão das contingências de reforço do comportamento verbal vigentes em uma comunidade verbal, sendo que, em grande medida, este é um dos objetivos da lingüística na definição bloomfieldiana; (2) a língua, enquanto uma prática cultural, sofre conseqüências da apropriação individualizada de cada membro da comunidade verbal. Assim, de forma complementar ao trabalho do lingüista, encontra-se a explicação do fazer verbal de cada constituinte dessa comunidade, objeto de estudo da psicologia.

 

 

Referências Bibliográficas

Skinner, B. F.(1957) Verbal Behavior. New York: Appleton Century Crofts.

Skinner, B. F. (1976). Particulars of my Life. New York: Knopf.

 

 

Recebido em: 05/12/2007
Primeira decisão editorial em: 10/12/2008
Versão final em: 03/05/2008
Aceito em: 03/05/2008

 

 

1 Psicólogo. Aluno do Programa de Pós-graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social da Faculdade de Educação da UFMG. Professor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Membro do LAPED-FaE/UFMG. E-mail: dingoh@gmail.com
2 Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo.Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UFMG. Coordenador do LAPED-FaE/UFMG. E-mail: sergiocirino99@yahoo.com