SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número1Terapia de Aceitação e Compromisso: modelo, dados e extensão para a prevenção do suicídioAtualidade das críticas ao Behaviorismo Radical: proposta de uma agenda de pesquisa índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.10 no.1 São Paulo jun. 2008

 

ARTIGOS

 

Subsídios da obra “Comportamento Verbal” de B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental1

 

Subsidies of B. F. Skinner’s book “Verbal Behavior” for behavior analytic therapy

 

 

Sonia Beatriz MeyerI, 2 ; Claudia OshiroI; Juliana C. DonadoneI; Rejane Coan Ferretti MayerI; Roosevelt StarlingI e II

I Departamento de Psicologia Clínica da USP
II Universidade Federal de São João Del-Rei

 

 


RESUMO

Os conceitos de causalidade múltipla, de autoclíticos e de edição podem auxiliar o terapeuta analítico-comportamental a conduzir avaliações funcionais e a intervir. Ao avaliar, ele leva em consideração que o conteúdo das falas de clientes tem múltipla determinação e presta atenção a sutilezas de autoclíticos e de edições. Usa autoclíticos para promover bom relacionamento e adesão à terapia e para ensinar o cliente a descrever seu comportamento e controles. Respaldado na noção de causalidade múltipla, pode trabalhar com metáforas, fantasias e alegorias, e pode fornecer estimulação suplementar para fortalecer respostas do cliente já existentes, porém fracas. Discute-se que a lógica do trabalho clínico é diferente do da análise experimental do comportamento e que diferentes análises de comportamento podem ser apropriadas para se alcançar objetivos terapêuticos.

Palavras-chave: Causalidade múltipla, Autoclíticos, Edição, Terapia analítico-comportamental.


ABSTRACT

Concepts of multiple causation, autoclitics and edition help behavior analytic therapists to conduct functional evaluations and to intervene. In evaluating the therapist takes into account that verbalization of clients have multiple determination and pays attention to subtleties of autoclitics and editions. He uses autoclitics to promote a good therapeutic relationship, adherence to treatment and to teach the client to describe his behavior and its controlling variables. Metaphors, fantasies and allegories are possible interventions based on multiple causation notion. Therapists can provide supplementary stimulation to strengthen existing but weak responses. The logic of clinical work being different from experimental analysis of behavior and that different contingencies analysis may be appropriate are discussed.

Keywords: Multiple causation, Autoclitics, Edition, Behavior analytic therapy.


 

 

O livro “Comportamento Verbal” de Skinner (1957) propõe um modelo explicativo para a compreensão de episódios comportamentais complexos e aponta sutilezas na identificação de variáveis controladoras. A condução da terapia analítico-comportamental poderá ser aprimorada se o terapeuta utilizar em seu trabalho a taxonomia e conceitos da proposta analítica de Skinner (1957). Selecionamos três dos conceitos de Skinner para uma análise das possibilidades que estes podem trazer para o desempenho terapêutico: 1) causalidade múltipla, 2) autoclíticos e 3) edição do comportamento verbal. Tais conceitos podem dar subsídios para as tarefas de (a) avaliação, e (b) intervenção terapêutica. Uma breve revisão dos conceitos é apresentada a seguir.

1) Causalidade múltipla: O comportamento verbal usualmente possui múltiplas fontes de controle. Uma única resposta pode ser função de mais de uma variável e uma única variável usualmente afeta mais de uma resposta.

2) Autoclíticos: O autoclítico é um comportamento verbal que depende de e modifica os efeitos de outro comportamento verbal. O autoclítico pode alterar a resposta do ouvinte aos operantes verbais que ele acompanha de diversas formas: a) descrevendo-os, b) como mandos, c) qualificando-os (negando ou afirmando), d) quantificando-os. Assim, a) autoclíticos descritivos descrevem o próprio comportamento verbal, podendo informar: o que determinou a resposta, como “estou vendoo trânsito carregado” ou “ouvi no rádio que o trânsito está péssimo”; um estado interno, como “senti muito medo”; ou as fontes daquele comportamento, como “fulano me disse que...”. A função de tais autoclíticos é simplesmente indicar ao ouvinte as condições sob as quais o comportamento está sendo emitido. b) Há autoclíticos que podem funcionar como mandos para o ouvinte como “preste bastante atenção!”. c) Os autoclíticos qualificadores mudam o valor de determinada resposta e assim a reação do ouvinte. Podemos negar algo que falamos em seguida, como “eu não estou preocupada com as notas do meu filho”, entretanto, o autoclítico de negação envolve a questão de que a resposta está forte por alguma razão. d) Autoclíticos podem quantificar, como “pode-se dizer sempreque...”.

A função autoclítica também pode ser exercida por um olhar malicioso ou certo tom de voz ou uma risada nervosa. O comportamento verbal bruto, sem ou com poucos autoclíticos, dificilmente é emitido, uma vez que a fala seria menos inteligível. Pode ocorrer na produção verbal de uma pessoa sob controle de alguma operação estabelecedora (por exemplo, pressão de tempo) ou em uma criança na qual o repertório verbal ainda é incipiente ou está comprometido, tal como nas falas de indivíduos com transtornos do desenvolvimento (p. ex. autismo) e nas falas de alguns esquizofrênicos. Ocorre também nos e-mails lacônicos. Entretanto, a comunidade verbal reforça composições completas, com autoclíticos que ampliem as possibilidades de obter reforçamento positivo liberado pelo ouvinte das mesmas. Portanto, o autoclítico pode ser compreendido como indicador de força e circunstâncias que controlam a produção do comportamento verbal. É uma categoria de comportamento verbal que traz informações ou pistas sobre as relações de controle e elementos de força do comportamento.

3) Edição: No processo de produção do comportamento verbal, respostas podem ser rejeitadas ou liberadas pelo falante, de acordo com os efeitos que esta manipulação já exerceu e, portanto, poderia exercer sobre o ouvinte, por meio da edição. Esta é uma atividade adicional do falante. O comportamento verbal escrito pode afetar o falante antes de chegar até o ouvinte e assim pode ser cortado, rasurado, cancelado, arrancado, editado. Já no comportamento verbal vocal a edição é mais efêmera e de difícil descrição. Podemos observá-la por meio de algum comportamento restritivo tal como morder os lábios, colocar a mão na boca, morder a língua, esconder o rosto com as mãos ou algum objeto (bolsa, caderno, agasalho) ou por meio da utilização de autoclíticos apropriados, que aumentam e modulam seu efeito sobre o ouvinte. Por exemplo, expressar um “riso nervoso” ou usar frases do tipo “Eu não sei se deveria falar isto”, “Não é bem isto que eu quis dizer”, “Não estou achando a melhor resposta”, na emissão de uma resposta, são indícios de que, possivelmente, deve ter ocorrido, encobertamente, uma revisão e/ou recapitulação.

Uma das razões para a rejeição de uma resposta pelo falante é o fato de ela ter sido anteriormente punida. A punição não enfraquece diretamente a resposta, ela fortalece formas incompatíveis de resposta. Rejeitar uma resposta reduz a estimulação aversiva condicionada gerada por ela e é reforçada por isso. Por exemplo, tapar a boca com a mão para prevenir uma resposta falada ou dizer algo em seu lugar pode ser entendido como uma esquiva.

 

1. Causalidade múltipla, autoclíticos e edição na avaliação do comportamento no contexto clínico

As tarefas do analista do comportamento, na clínica ou em qualquer outro ambiente de intervenção, são identificar uma resposta ou classe de respostas que, se mudada, produzirá efeitos considerados de importância e identificar as variáveis que controlam a resposta ou a classe de respostas selecionada para então derivar uma intervenção que produza tal mudança. Os instrumentos básicos dos analistas de comportamento são a observação direta do comportamento e de seus controles e a manipulação dessas variáveis de controle. Tais instrumentos não estão tão facilmente disponíveis ao terapeuta analítico-comportamental quando se encontra com seu cliente, geralmente apenas uma vez por semana, durante 50 minutos. As respostas ou classe de respostas com as quais ele vai trabalhar não estão necessariamente presentes na interação terapêutica, dificultando a alteração direta de suas contingências mantenedoras. Usualmente, o cliente relata suas queixas e as condições que parecem afetar esses e outros comportamentos investigados pelo clínico, mas nem sempre há precisão e correspondência entre o relato e as contingências que de fato controlam suas respostas.

Entretanto, terapias verbais têm ajudado por volta de 75% das pessoas que procuram psicoterapia (Lambert, 2001). Isso pode ser o resultado de modelagem, quando respostas, verbais ou não, da mesma classe que as da queixa ocorrem na interação terapêutica e são diretamente conseqüenciadas; outra possibilidade (não excludente) é a de que o terapeuta é capaz de identificar variáveis de controle relevantes no comportamento verbal do cliente. O terapeuta pode ser considerado um observador especialmente treinado para levantar hipóteses sobre o que controla o comportamento de seu cliente. O fato de a terapia verbal incidir sobre relatos verbais e não sobre a emissão do comportamento ao qual o relato se refere não é sempre ou necessariamente uma limitação. Em várias ocasiões, é justamente o exame dos prováveis controles do relato do cliente o dado mais importante a ser observado. Por exemplo, uma terapeuta perguntou para seu cliente adolescente sobre o relacionamento dele com o pai e ele não respondeu. A terapeuta voltou a perguntar e ao invés de resposta ouviu: “meus pais não consideram você como minha médica, acham que psicólogo não serve para nada”. Em vez de perguntar por que os pais dele tinham essa opinião, ela perguntou “Por que você está me dizendo isso agora?”. Após uma breve pausa ele começou a falar do pai. Num outro exemplo, uma mãe, ao ser informada que seu filho não seria mais atendido por causa de faltas excessivas após ela não ter cumprido combinações feitas para solucionar o problema das faltas, teve como primeira reação justificar-se: “A culpa não foi minha, paguei minha vizinha para trazê-lo, ela que não trouxe”. Após a resposta da terapeuta de que ela entendia, mas que agora não seria mais possível oferecer terapia ao filho, ela passou a suplicar: “Por favor, ele precisa muito do atendimento, por favor, me ajude”. Na seqüência da negativa a próxima resposta já foi em tom bastante diferente, foi agressiva: “Mas a diretora da escola disse que não estava adiantando, e que eu só estava gastando meu dinheiro com ônibus”. Ao examinar os prováveis controles do relato da mãe, verifica-se que a contradição entre pedir a continuação da terapia dizendo que o menino precisava de muita ajuda e afirmar que o tratamento não estava adiantando indica uma alta probabilidade de causalidade múltipla.

Na maior parte do tempo, em terapia, o cliente fala. O que é dito é considerado tato quando o cliente relata o que lhe aconteceu (Kohlenberg & Tsai, 2001) e está acontecendo sem que nenhuma variável distorça o relato. (A definição de tato proposta por Kohlenberg e Tsai (2001) está sendo adotada por sua maior aplicabilidade à situação clínica. Entretanto, ela difere daquela dada por Skinner (1957), de o tato ser controlado apenas “por um objeto particular ou um acontecimento ou propriedade do objeto ou acontecimento”, uma vez que o acontecimento já ficou no passado). Aquilo que é dito pode ter outras funções, como a de mando, conforme exemplificado adiante.

1.1. Causalidade múltipla na avaliação

O terapeuta pode aumentar suas possibilidades de sucesso na tarefa de avaliação se ele levar em conta a noção de causalidade múltipla apresentada por Skinner. Alguns terapeutas, especialmente os iniciantes, parecem ficar mais sob controle do conteúdo apresentado nas falas do cliente do que sob um conjunto maior de indicadores verbais e não-verbais. Mas a complexidade das interações possibilita que muitas variáveis influenciem o que é dito ao clínico e uma intervenção baseada apenas no conteúdo pode ser ineficiente, por não ter levado em conta as variáveis adicionais.

A ocorrência de lapsos, de ironia e de invenção poética são resultados da causalidade múltipla do comportamento verbal. A fala de uma cliente numa primeira sessão com uma nova terapeuta “hoje estou especialmente irritada e mal humorada, coloquei a bota justamente para dar um chute na canela de alguém” enquanto falava mal de médicos e de terapias, exemplifica uma ocorrência de verbalização que provavelmente indica a presença de uma variável de controle não explicitada, relacionada à mudança de terapeuta. Atentar-se ao fato de que respostas verbais do cliente possuem múltiplas fontes de controle, entender que diferentes respostas podem ter a mesma função e que qualquer amostra de comportamento verbal é função de muitas variáveis operando ao mesmo tempo pode ser o diferencial entre terapeutas3.

Exemplo de causalidade múltipla: Em um caso de uma mulher com queixas de pânico, o procedimento de exposição foi aplicado, com sucesso, para resolver o medo de levar o filho à escola. Após as férias da terapeuta, a cliente relatou que outros medos estavam muito intensos, com exceção daquele tratado. O relato estava em contradição com os resultados parciais obtidos no primeiro semestre, em que houve descrições de redução em freqüência e intensidade de diversos medos, como o de ir a shopping centers. Essa discrepância foi um indicador de que poderia haver outras variáveis controlando o relato, ou seja, um indicador de causalidade múltipla. A falta de melhora, após um mês de ausência da terapeuta, poderia ter sido tanto um tato descrevendo a ocorrência de medos intensos, como também um mando, indicando uma necessidade de continuação da terapia. O relato de melhora no comportamento trabalhado pela terapeuta poderia ser entendido também como outra forma do mesmo mando (necessidade de continuação da terapia) ao indicar que ela estava gostando do trabalho da terapeuta e queria continuar. A partir da observação de que mais de uma variável poderia estar controlando o comportamento da cliente, uma nova hipótese pode ser levantada, a de dependência. Essa hipótese ganhou força pelo fato de já terem aparecido, no semestre anterior, indicadores de dependência, ou seja, de respostas com aparente função de produzir cuidados especiais por parte de familiares e profissionais da saúde. Possivelmente a produção de cuidados especiais não foi a variável responsável pela instalação de respostas de pânico, mas esses cuidados poderiam estar contribuindo para sua manutenção.

A noção de causalidade múltipla pode ser empregada para entender o papel da estimulação suplementar na terapia. Quando as contingências são complexas, nem sempre o comportamento é afetado por todos os seus antecedentes e conseqüentes, por suas múltiplas causas. Propriedades específicas da condição estimuladora podem controlar com maior ou menor força o comportamento. O que é dito em terapia pode ter a propriedade de fornecer estimulação suplementar para que respostas já existentes no repertório do cliente aumentem sua probabilidade de ocorrer (Meyer, 2000).

Ao levar em conta a existência de respostas e causas múltiplas, o terapeuta estará necessariamente interpretando (assim como fez Skinner; seu livro “Comportamento Verbal” é considerado por ele mesmo um exercício de interpretação). Uma das formas de interpretação é a seleção que o terapeuta faz de comportamentos-alvo e das prováveis variáveis de controle, seleção que pode ser bastante idiossincrática. Wilson e Evans (1983) forneceram suporte empírico apresentando dados de que há falta de concordância entre terapeutas comportamentais ao realizarem análises de casos. Entretanto, há condições que favorecem a possível exatidão de uma interpretação: elas podem ser feitas imediatamente após a ocorrência dos relatos, o que permite que o terapeuta permaneça em contato com as circunstâncias que rodeiam o relato e, ao continuar interagindo com o cliente, pode obter informações adicionais que legitimem a interpretação. Ele pode conduzir “mini-experimentos” para adicionar força a uma hipótese (Sturmey, 1996). Mas o terapeuta não deve esquecer que interpretações são apenas hipóteses e que a validade delas é difícil de ser avaliada, já que, pela definição de causalidade múltipla, as variáveis de controle podem não podem ser isoláveis.

1.2. Autoclíticos na avaliação

Além de estar atento à existência de vários determinantes do conteúdo e da forma das verbalizações, o terapeuta (enquanto ouvinte na relação terapêutica) pode se beneficiar da análise dos autoclíticos presentes na fala de seus clientes. Por meio da análise dos autoclíticos empregados pelo cliente, o clínico pode: a) identificar o tipo de operante verbal que o acompanha. A ocorrência de um tato pode ser identificada a partir de autoclíticos presentes na fala do cliente como no exemplo: “Meu chefe não gosta de mim. Ele me disse4 isso ontem quando me despediu” . A ocorrência de provável tato distorcido, no sentido de que a fala é controlada por variáveis diferentes daquelas indicadas em seu conteúdo, pode ser identificada no exemplo: “Meu chefe não gosta de mim. Eu acho isso porque ele conversa mais com os outros funcionários e também porque eu sei que ninguém gosta de mim” . A ocorrência de um mando é indicada por autoclíticos como em: “Queria que essa fase passasse... Como faço? Me ajude!”; b) identificar quais variáveis podem estar exercendo controle sobre o comportamento do cliente quando ele faz relações entre eventos, como por exemplo: “Quero procurar meus antigos amigos, mas não vou... Tenho pensamentos contra minha mãe como se ela fosse culpada... Parece que eu uso esses pensamentos contra minha mãe como uma desculpa, porque, caso eu tenha conseqüências ruins por não procurar meus amigos, eu tenho em quem jogar a culpa e não preciso assumir a responsabilidade por essas conseqüências, entende?”; c) identificar o estado de força de uma resposta, como num exemplo de autoclítico de fraqueza: “Eu acho que ela estava falando mal da minha casa sim...” ; ou num exemplo de autoclítico de força: “Eu vou, mas eu tenho certeza absoluta que vai ser horrível pra mim...” ; d) identificar a existência de um fraco controle por regras e um forte controle por reforçamento negativo: “Eu concordo com você, eu sei que eu deveria fazer isso, mas pra mim é muito difícil sair com pessoas diferentes de mim” e, e) identificar a condição emocional ou estado motivacional do cliente: “Eu preciso muito continuar na terapia, com você ou com qualquer outro terapeuta” ; “Esses dias eu tô arrasada por causa das coisas que a minha irmã me disse, sabe?” Esse último exemplo, caso formulado de outra forma, poderia evocar uma resposta diferente do terapeuta: “Essa semana minha irmã me falou que ela pretende sair de casa.” A presença do autoclítico, no primeiro caso, direciona a atenção do terapeuta para o efeito que a fala da irmã teve.

1.2.1. Autoclíticos na avaliação da interação terapêutica

Os trechos de terapia transcritos a seguir indicam a possibilidade de o terapeuta observar diretamente a ocorrência de comportamentos, de evocá-los e de conseqüenciá-los. Esta é a forma de intervenção privilegiada pela Psicoterapia Analítica Funcional (PAF) proposta por Kohlenberg e Tsai (2001) que consideram que a modelagem direta dos comportamentos em sessão é, para alguns casos, a melhor forma de intervenção terapêutica. Além da modelagem, a relação estabelecida entre terapeuta-cliente pode ser uma das variáveis relevantes para facilitar mudanças comportamentais, uma vez que as análises verbais feitas na interação com o terapeuta podem controlar o responder do cliente fora da clínica (Ver, por exemplo, Amorim, 2001; Beckert, 2005; Donadone, 2004 para estudos sobre consistência ou não das relações falar/fazer/falar).

“Eu estou muito cansada hoje, quase que eu não vim aqui (terapia)” é uma frase típica que pode ter mais de uma função. Pode ser apenas uma descrição, um tato do seu estado físico ou um pedido, um mando disfarçado: “não quero falar hoje”, “não retome aquele tema da semana passada”. A qual das funções o terapeuta responde pode não ser irrelevante para o progresso da terapia.

O diálogo abaixo é de um terapeuta e seu cliente depressivo com dificuldades de se engajar em atividades que poderiam produzir reforços positivos. Nota-se que ele estava com dificuldades de falar dos acontecimentos da semana e falar de outros assuntos foi um operante forte, provavelmente uma tentativa de se esquivar de punições vindas da audiência (terapeuta). A resposta foi emitida embora recheada de autoclíticos.

T: Como foi sua semana?

C: Foi boa, eu estava vindo de carro, a A. é um saco, briga comigo a toda hora, porque eu sou assim, não gosto de ninguém me castrando, já chega a época da militância, eu deixei claro para ela que eu não gosto desse negócio de casamento, as pessoas foram criadas por Deus para serem livres, e você tem que ter sua individualidade, eu na verdade, queria morar com mais pessoas, não me importo de ajudar pessoas de rua, se quiserem morar comigo, sabe, uma coisa meio comunista, porque esse sistema que está vigorando é um absurdo, depois que eu vi o Lula de gravata, percebi que ele tinha se vendido (...).(comportamento verbal vocal forte, incompatível com o falar da semana).

T: R. perguntei como tinha sido sua semana. Foi tudo bem?

C: Então (voz baixa),... (silêncio). Acho que foi mais ou menos. Quer dizer, não foi tão boa. Dormi e assisti TV todos os dias (...) (resposta emitida depois de vários autoclíticos).

Em terapia, clientes que usam excessivamente os autoclíticos podem estar amenizando uma resposta que tem probabilidade de ser punida, indicando a presença de uma audiência potencialmente punitiva. O terapeuta pode ter se estabelecido como uma audiência aversiva, que sinaliza punição, ou, ainda, o terapeuta não conseguiu até o momento reverter ou diminuir os efeitos produzidos por uma história de aversividade.

O exemplo a seguir mostra o que parece ser um exercício do falante para evitar a punição. Embora a resposta em que conta que abandonou a faculdade tenha ocorrido, fica claro o uso de autoclíticos com a função provável de reduzir a ameaça de punição. O riso nervoso observado nessa fala indica para o ouvinte que o falante sentiu o efeito da punição, mas que, apesar disso, está emitindo a resposta.

C: Ai, eu preciso te contar uma coisa (autoclítico), acho que você vai ficar brava comigo. Vai até jogar o seu caderninho no chão (riso nervoso - autoclítico).

T: O que é? Pode contar, não estou aqui para te punir.

C: É que estava ficando muito puxado pra mim, eu estava muito cansada, não estava dando conta (riso nervoso - autoclítico).

T: Me diz, vai em frente.

C: Então vai, não vai jogar seu caderninho em mim (risos nervosos - autoclítico).

T: Tudo bem.

C: Eu decidi largar a faculdade... (silêncio).

A avaliação pode ser conduzida pela observação e registro da variação no número de autoclíticos de um mesmo cliente, quando fala de assuntos diferentes. Temas apresentados com muitos autoclíticos podem indicar história de punição ou punição apresentada, mesmo que inadvertidamente, pelo terapeuta. Um número pequeno de autoclíticos presentes nas falas de cliente e terapeuta pode indicar a estabilidade da relação. O relato do cliente a seguir sugere que a terapeuta se tornou uma audiência não-punitiva e que a suavização autoclítica pelo cliente não se faz mais necessária: “É, eu tenho percebido que eu gosto mesmo de ser o centro das atenções. Tenho percebido que sou invejoso em outras situações também. Acho horrível ter que admitir ser invejoso, eu que sempre me considerei tão altruísta!”.

1.3. Edição na avaliação

O desempenho do terapeuta pode se tornar mais eficaz se ele observar ocorrências de edição apresentadas pelo cliente. A fala presumidamente editada pode ser uma ‘dica’ importante para o terapeuta investigar que variável poderia ter controlado a edição, considerando que esta variável poderia também exercer controle sobre outros comportamentos do cliente. O terapeuta pode, a partir da observação de uma possível edição, levantar hipóteses sobre variáveis relacionadas à aversividade de certos eventos, ao perfeccionismo, autocrítica, história de punição ou auto-observação deficiente.

No exemplo a seguir, a edição indicada pela expressão “não foi bem isso o que eu quis dizer” propiciou ao terapeuta (T) investigar qual a variável relevante a ser considerada quando a cliente (C) relatou que não gostava de ficar sozinha. Uma interpretação possível seria a de que sua fala não era apenas sobre solidão, mas também sobre controlar o comportamento do namorado.

C: Eu amo ele, não quero ficar sem ele, é ele que não entende nada. Foi muito difícil quando ele estava na Alemanha; eu não consigo ficar sozinha.

T: E o que você pretende fazer?

C: Agora que ele chegou estamos bem, mas eu vou fazer de tudo para ficar um ano na Itália, e não entendo porque ele faz cara feia, é minha carreira, quero ir e ninguém vai me impedir.

T: (com uma expressão de dúvida) Você quer ficar um ano fora, longe de seu namorado?

C: Não foi bem isso que eu quis dizer, eu sinto falta dele sim, mas também preciso me desenvolver profissionalmente e ele faz cara feia.

T: Você mesma falou que não consegue ficar sozinha, que foi muito difícil quando ele estava fora, não entendi sua colocação...

C: Estou sendo confusa, já percebi que não falo coisa com coisa. Mas você entendeu errado, não era bem isso que eu queria dizer, tipo assim, que eu não consigo ficar longe dele, eu quis dizer que é difícil ficar longe, mas que eu consigo agora.

T: E se ele passar no mestrado e for morar em outra cidade?

C: Ah, isso é uma outra história. Você não está entendendo o que eu estou falando.

T: Me desculpa, só gostaria que você fosse mais clara.

C: Ah, meu, ele já viajou e agora é minha vez, mas ele tem que ficar quieto no canto dele me esperando (silêncio). Eu sei que estou sendo egoísta, mas é isso mesmo, agora é minha vez.

O episódio verbal a seguir exemplifica uma provável edição de uma criança:

C: “A professora falou que eu não tinha feito lição de casa e eu disse que tinha feito [resposta socialmente aceita]. Eu fiquei nervosa e saí da classe e então tomei uma advertência. Eu disse mais coisas (tom de voz baixo)” [Provável ocorrência de edição].

T: “Que mais você disse?” [O terapeuta insatisfeito com o relato anterior, procura fazer com que o cliente dê outra resposta mais precisa].

C: “Eu esqueci” [Tentativa de esquiva, possível edição].

T: “Você tinha feito lição de casa?” [Bloqueio de esquiva].

C: “Não tinha feito” [Resposta não editada].

No caso do cliente que, no contexto terapêutico, fala muito de um assunto, pode-se levantar a hipótese desta fala ser uma forma de edição ou esquiva. O falar muito de um assunto pode estar deslocando outras respostas que poderiam ser passíveis de punição, ou seja, falar muito de um assunto é incompatível com o falar de outro tema. Como exemplo, pode-se citar um caso de uma cliente com uma história de punições de comportamentos de intimidade e que apresentava dificuldades de estabelecer um relacionamento com a terapeuta. Passava boa parte da sessão teorizando sobre o mundo, o universo, a vida, a psicologia, falando praticamente sem interrupções. Foi com bastante dificuldade que a terapeuta conseguiu se estabelecer como interlocutora. Aparentemente, a cliente editava muito do que era relatado em terapia. Com o estabelecimento de uma boa relação terapêutica, a edição deixou de ser tão freqüente e ela passou a relatar dados relevantes relacionados a eventos aversivos. A edição, mas agora já anunciada, passou a acontecer apenas quando a cliente entrava em temas sobre episódios de possível despersonalização.

C: “Na quinta aconteceu uma coisa (tom de voz alterado), eu vou te contar hoje, mas vou omitir, porque eu não vou ficar na sua mão, vulnerável, porque você tem o poder de me internar e isso me matará por dentro”.

T: “Hum hum”.

C: “(respira fundo, silêncio). Aconteceu aquilo de novo comigo (voz trêmula). Aquelas sensações (...)”.

A falta de edição ocorre em lapsos, nas falas com tom excessivamente alto, ríspido, incompleto ou repetitivo e pode indicar ao terapeuta quais variáveis parecem ter força no controle do comportamento observado.

Em suma, se o terapeuta levar em consideração que as falas de seu cliente podem ter múltipla determinação e se ele estiver atento ao controle sutil dos autoclíticos, às indicações de edições e à sua eventual ausência, ele pode desenvolver um repertório discriminativo refinado para identificar as variáveis de controle das produções verbais do seu cliente. Os conceitos da obra “Comportamento Verbal” podem ser utilizados para auxiliar na avaliação funcional dos casos clínicos.

 

2. Comportamento Verbal como instrumento de intervenção

Grande parte da atividade do terapeuta consiste em elaborar intervenções que sejam bem sucedidas, ou seja, intervenções que favoreçam a adesão ao tratamento e gerem mudanças no comportamento do cliente. As intervenções que possuem baixo caráter aversivo têm maiores chances de ser aceitas pelos clientes e podem, então, produzir resultados. Essa afirmação está baseada no conhecimento dos princípios de aprendizagem e na literatura sobre a relação terapêutica que vem mostrando que o estabelecimento satisfatório da relação terapeuta-cliente durante o processo psicoterápico prediz bons resultados terapêuticos (Meyer & Vermes, 2001). Constituir-se como uma audiência não-punitiva é considerada uma tarefa terapêutica relevante, como sugere Skinner (1953), uma vez que uma história comportamental com ampla ação de contingências aversivas parece ser uma das causas da procura de terapia. Nestas circunstâncias, caberia ao terapeuta intervir procurando diminuir essa estimulação, tornando-se uma importante fonte reforçadora positiva para o cliente.

O emprego da edição e o uso de autoclíticos pelo terapeuta podem auxiliar na constituição de uma audiência não-punitiva. As intervenções propostas podem ser menos aversivas e mais facilmente aceitas. Por exemplo, a Psicoterapia Analítica Funcional (PAF) de Kohlenberg e Tsai (2001) tem muitas vezes um caráter aversivo e as falas PAF do terapeuta podem ser mais produtivas se o terapeuta usar autoclíticos e editar seu relato a fim de modular o efeito da sua intervenção sobre o ouvinte. E nesse sentido é que terapeutas às vezes dizem antes de uma intervenção: “Vou fazer o papel de advogado do diabo...”.

2.1. Causalidade múltipla na intervenção

A noção de causalidade múltipla fornece ao terapeuta analítico-comportamental respaldo teórico para trabalhar com metáforas, fantasias e alegorias (Banaco, 2001; Regra, 2001), na medida em que uma mesma variável pode produzir múltiplas respostas e as metáforas, fantasias, alegorias seriam uma das respostas múltiplas. A vantagem do recurso é diminuir o caráter aversivo de alguns temas e o cliente poder ter um primeiro contato com tópicos difíceis. Já o cliente que apenas se comunica por metáforas pode estar dando indícios de que está em contato com uma variável importante e intervenções que intensifiquem tal contato provavelmente produzirão resultados importantes para o processo terapêutico.

2.2. Autoclíticos na intervenção

Instalar autoclíticos descritivos, fornecer modelos, sinalizar prováveis funções do comportamento do cliente analisando os autoclíticos empregados, suavizar intervenções potencialmente aversivas são intervenções que se valem do conceito de autoclítico.

Segundo Skinner (1986), os autoclíticos podem funcionar como instruções ao ouvinte que o ajudam a se comportar de uma maneira que torna mais provável a obtenção de conseqüências reforçadoras e a promoção de conseqüências reforçadoras pelo falante.

Instalar autoclíticos descritivos pode ser uma intervenção útil, levando-se em conta que boa parte dos clientes não possui repertório autodescritivo refinado (e.g. Kohlenberg & Tsai, 2001), pois as contingências necessárias para o seu desenvolvimento só ocorrem quando a comunidade da qual o cliente participa faz perguntas do tipo: ‘O que foi que você disse?’, ‘Você disse isso?’, ‘Por que você disse isso?’, e essas perguntas nem sempre são feitas. Quando o terapeuta ensina o cliente a descrever o próprio comportamento ou o de terceiros, está, em última instância, instalando autoclíticos descritivos no repertório verbal do cliente. Este repertório, por sua vez, vai permitir ao terapeuta ter acesso às variáveis controladoras do comportamento do cliente, vai ampliar o repertório de auto-observação do cliente e, conseqüentemente, de suas respostas autodescritivas, o que pode facilitar a identificação das variáveis controladoras do próprio comportamento.

O emprego pelo terapeuta de alguns tipos de autoclíticos pode servir não só de modelo para o cliente analisar o seu próprio comportamento como ter ainda outra função: a de modelo para formas efetivas de relacionamento interpessoal.

O autoclítico emitido pelo cliente pode ser pontuado na sessão e ser uma intervenção sutil como no exemplo abaixo:

Ex: C: Eu quero emagrecer, mas é tão difícil. Eu poderia ir na ginástica, mas não tenho dinheiro. Talvez se eu procurasse um nutricionista. Ah, mas ela ia passar aquelas farinhas caras. Tem um médico endócrino muito bom, mas é tão careiro! E só atende particular.

T: Nossa! Quantos mas...

C: Risos. É, sempre tem um mas que me impede, né?

O autoclítico masé enfatizado pelo terapeuta e pode ter funcionado como estimulação suplementar. Anteriormente já havia sido feita uma intervenção mais direta ‘Parece que você sempre coloca empecilhos’, que mesmo com o uso do autoclítico Parece, foi rejeitada pela cliente.

A forma com que o terapeuta verbaliza suas análises pode ter um efeito importante. Empregar expressões autoclíticas do tipo “Não sei se eu estou sendo precipitado em falar isso...” “Tá parecendo, até agora, que você está me falando que...” “Será que o que você está me dizendo não é...” parecem diminuir possíveis impactos aversivos, aumentando a receptividade do cliente e provendo um espaço no qual ele pode concordar ou discordar. Por exemplo, em um caso em que uma cliente não admitia que precisasse “mudar”, a terapeuta passou a usar os termos “adicionar habilidades ao seu repertório” e encontrou aceitação por parte da cliente.

O uso de autoclíticos pelo terapeuta pode suavizar o caráter diretivo de orientações dadas que não são aceitas por alguns clientes. Para estes, o caráter aversivo de conselhos e tarefas pode impedir a adesão ao tratamento com possível abandono da terapia ou com resultados insatisfatórios (Bischoff & Tracey, 1995; Donadone, 2004). Por exemplo, quando um cliente tem dificuldade de enfrentamento e o terapeuta quer estimulá-lo a arriscar-se em situações novas, poderia emitir um mando direto, ‘Você deve convidá-la para ir ao cinema’. Mas essa forma de mando poderia eliciar respondentes indesejados e enfraquecer a probabilidade de vir a exercer controle sobre o comportamento do cliente. Então o mando pode ser dado de forma indireta, com o uso de autoclítico tal como: ‘Será que não seria interessante se você a convidasse para ir ao cinema? ’

2.3. Edição na intervenção

Ter conhecimento sobre processos de edição que podem estar ocorrendo na fala do cliente pode ajudar o terapeuta a elaborar intervenções que favoreçam a discriminação do cliente sobre as variáveis que controlam o seu comportamento. No exemplo abaixo, a palavra mãe é tão aversiva para a cliente que ela só consegue emitir a resposta ‘sirigaita’. O terapeuta aceita a resposta e dirige a atenção da cliente para a possível edição em andamento, deixando explícita a variável aversiva.

T: Como foi esta história da sua mãe sair de casa?

C: Sirigaita.

T: Tá, sua mãe-sirigaita.

C: Sirigaita, não chamo ela de mãe e... ai, eu não quero falar sobre isto, deixa eu continuar falando da tia. [edição].

T: Tá certo, vamos deixar a mãe de lado por enquanto...

C: Você vai chamar ela de mãe, né?

T: Você não suporta falar e nem ouvir a palavra mãe?

C: Não, não suporto nem ouvir falar nela...

T: Tá certo, então, por enquanto, vamos ficar com o ‘sirigaita’, mas uma hora vamos ter que voltar nisso.

C: Eu sei, eu sei, mas não agora.

O excesso de edição pode ser um problema para alguns clientes altamente controlados por reforçadores sociais e, portanto, alvo de intervenção do terapeuta; da mesma forma, a ausência de edição pode ser um problema para outros clientes, aqueles pouco controlados por reforçadores sociais ou que apresentam respostas agressivas. Assim, ocorrências de edição podem ser tanto instrumento de avaliação quanto alvo de intervenções. E o mesmo pode ser dito com relação ao controle múltiplo de respostas e quanto ao uso de autoclíticos.

 

3. Sugestões para terapeutas analítico-comportamentais

Algumas sugestões podem ser propostas para aprimorar a condução de uma terapia analítico-comportamental. Uma delas é a de que o terapeuta deve estar atento à topografia do comportamento e não só à sua função, pois a forma da resposta permite inferir e testar uma possível edição (fala reticente, silêncio repentino, fala com muitos autoclíticos explicativos, ou falas do tipo: “não é bem isto”, “não estou achando a melhor resposta”, riso nervoso). Outra sugestão é que o terapeuta poderia ter ganhos interpretativos ao atentar para relatos sob provável controle de reforçamento social. É bastante comum que o cliente diga o que o terapeuta (supostamente) quer ouvir. Seus relatos podem ser distorcidos na direção de comportamentos socialmente esperados. O cliente pode exagerar algum feito seu, descrever sentimentos positivos para uma situação que lhe foi aversiva, dizer que implementou alguma tarefa ou refletiu sobre algo trabalhado em terapia quando na verdade não o fez. Perguntas do tipo: “E o que mais?” podem levar o cliente a dar outras respostas, que não apenas aquela socialmente esperada, indicando também que o terapeuta não se “satisfez” com o que o cliente falou e que está percebendo haver outros fatos não relatados ou relatados incorretamente. Outro aspecto a ser sugerido é que o terapeuta esteja atento às suas próprias reações não-verbais que podem funcionar como fontes adicionais de controle. É bastante comum que clientes respondam a alterações até mesmo sutis do comportamento não-verbal do terapeuta. Um sorriso, um desvio de olhar, um olhar de estranhamento podem ter conseqüência poderosa para o comportamento do cliente na sessão e poderiam ser usados deliberadamente pelo terapeuta. Uma última sugestão é a de que o terapeuta poderia potencializar o efeito terapêutico da sessão ao descrever comportamentos não-verbais do cliente, como por exemplo; “Você reparou como você ficou irritado ao falar da sua mulher?”, “Você ficou emocionado ao falar sobre esse tema”, ajudando-o a discriminar respostas emocionais informativas da contingência (Cameschi & Abreu-Rodrigues, 2005). Analisar a produção verbal do cliente em termos de operantes verbais pode ajudar o terapeuta a analisar esta produção como função de variáveis óbvias e sutis, resultantes da história de vida do cliente, bem como da relação terapêutica. Dessa forma, seu comportamento pode ficar sob controle não só de variáveis óbvias, correspondentes à forma e ao conteúdo da resposta do cliente, mas também das variáveis adicionais, que são sutis por não corresponderem à forma e ao conteúdo da resposta do cliente.

 

4. Considerações teóricas e metodológicas da adoção da noção de causalidade múltipla na clínica analítico-comportamental

Uma das atividades fundamentais do clínico na terapia analítico-comportamental é a de identificar as relações indivíduo-ambiente decorrentes da história ambiental dos indivíduos para, a partir dessa identificação, propor intervenções. Para estabelecer estas relações, o terapeuta formula perguntas e conduz observações durante as sessões, sobre as ocasiões em que a resposta ocorre, sobre a própria resposta e sobre as conseqüências mantenedoras da resposta. Quando ele identifica que as relações são, possivelmente, de dependência entre eventos, ele produz análises comportamentais hipotéticas. Estas hipóteses funcionais ganham força se as intervenções nelas baseadas produzem as mudanças comportamentais previstas. Por ter que se basear maciçamente em relatos verbais para conduzir tal tarefa, o terapeuta deve levar em consideração que uma decorrência dos comportamentos verbais serem controlados por múltiplas variáveis é a de que nenhuma análise comportamental pode ser considerada correta ou incorreta, apenas mais ou menos completa. Diferentes analistas do comportamento ou o mesmo analista em diferentes momentos podem identificar diferentes contingências num mesmo caso clínico e todas as contingências poderiam, eventualmente, ser demonstradas. Não seria possível, então, afirmar que um determinado terapeuta, por ser, por exemplo, inexperiente, produziu uma análise de comportamento incorreta. O critério de acerto entre diferentes análises comportamentais é apenas pragmático, ou seja, a melhor análise seria aquela que gera procedimentos que produzem os melhores resultados. Possivelmente análises mais abrangentes produzem resultados melhores e mais duradouros, questão que deve ser investigada por pesquisas.

O diagrama apresentado na Figura 1 ilustra diferentes análises comportamentais que poderiam ser identificadas por diferentes terapeutas ou pelo mesmo terapeuta em diferentes momentos, como, por exemplo, após uma supervisão. Uma resposta sob análise pode ser função de mais de uma variável, o que está indicado, na figura, por quatro variáveis de controle. Um terapeuta pode identificar e trabalhar a relação entre a variável de controle 1 e a resposta selecionada e outro terapeuta pode identificar e trabalhar a relação entre a variável de controle 2 e a mesma resposta. Mesmo tendo produzido duas análises comportamentais diferentes, os dois terapeutas poderiam derivar procedimentos de suas análises e obter mudanças de comportamento. Ainda um terceiro terapeuta poderia identificar, no mesmo caso, que a variável de controle 4 está relacionada a outra resposta e procedimentos efetivos também podem ser derivados dessa análise. Essa relação no diagrama indica que uma única variável usualmente afeta mais de uma resposta.

 

 

Com relação à possibilidade de condução de análises de comportamento experimentais em situação clínica, a afirmação de Skinner (1957, p. 228) contribui para essa discussão:

“nem o fato de que uma única resposta pode ser controlada por mais de uma variável, nem o fato de que uma variável pode controlar mais do que uma resposta viola qualquer princípio do método científico. Daí não se segue que uma relação funcional específica não siga leis, nem que o comportamento que ocorre em qualquer dada situação não é totalmente determinado. Isto simplesmente significa que nós precisamos ter certeza de que levamos em conta todas as variáveis relevantes ao fazer uma previsão ou ao controlar o comportamento”.

Entretanto, duas perguntas se impõem: Conseguimos levar em conta todas as variáveis relevantes no trabalho clínico e na pesquisa clínica? E devemos isolar variáveis em trabalhos clínicos?

A resposta à primeira pergunta é que o número de variáveis iniciais do cliente (como sexo, idade, tipo de problema, severidade), do terapeuta e a interação que ocorre durante o processo terapêutico formam uma rede de relações que dificilmente se repete em diferentes casos. Isso dificulta a acumulação de estudos suficientes para a generalização dos resultados de procedimentos. E mesmo quando são feitas tentativas de se isolar variáveis em pesquisas experimentais clínicas, com delineamento de grupo, os resultados obtidos têm sido criticados pelos praticantes da psicoterapia por produzirem validade interna, conseguirem responder a pergunta de pesquisa, mas não validade externa. Ou seja, ao se isolar variáveis, os casos estudados diferem muito da prática clínica usual.

Isso não quer dizer que estudos experimentais, especialmente os com delineamento de caso único, não devam ser conduzidos sobre a prática clínica. A sistematização do que um clínico faz e o estabelecimento de quais práticas produz resultados considerados satisfatórios têm importância e utilidade. Mas essa tarefa não é de fácil execução, e mesmo quando o controle de variáveis é feito, a generalidade dos dados para a prática clínica é baixa, uma vez que o controle e manipulação de variáveis tendem a tornar o contexto da pesquisa clínica numa situação artificial. Neno (2005) discutiu essas questões ao analisar o movimento internacional de validação empírica das psicoterapias e o estudo da eficácia e efetividade dos tratamentos.

Além disso, e em resposta à segunda pergunta, na prática clínica o método de trabalho por excelência é o de trabalhar com múltiplas respostas e múltiplas causas. Ou seja, a lógica do trabalho clínico é diferente da análise experimental do comportamento. Num experimento, selecionamos uma variável independente e seus efeitos são observados em uma variável dependente. As outras múltiplas variáveis têm seu efeito neutralizado. Na clínica, dificilmente trabalhamos com uma única resposta e parece desejável que assim seja. Geralmente, observamos e investigamos múltiplas respostas para evidenciar uma classe ampla que será alvo da intervenção, com base na suposição de que o trabalho com uma classe ampla de respostas produzirá maior generalidade e manutenção de resultados terapêuticos. Também observamos e testamos o efeito de múltiplas variáveis.

Concluindo, a leitura do livro Verbal Behavior de Skinner (1957) nos parece extremamente relevante para levantar reflexões como essas e certamente muitas outras análises e reflexões podem e devem ser desenvolvidas.

 

Referências Bibliográficas

Amorim, C. F. R. B. (2001). O que se diz e o que se faz: um estudo sobre interações entre comportamento verbal e comportamento não verbal. Dissertação de mestrado não publicada. Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo-SP.         [ Links ]

Banaco, R. A. (2001). Fantasia como instrumento de diagnóstico: a visão de um behaviorista radical. In M. Delitti (Org.), Sobre comportamento e cognição: a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental 2, 111-115. Santo André, SP: ESETec.         [ Links ]

Beckert, M. E. (2005). Correspondência verbal/ não verbal: pesquisa básica e aplicações na clínica. In J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 229-244). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Bischoff, M. M., & Tracey, T. J. G. (1995). Client resistance as predicted by therapist behavior: A study of sequential dependence. Journal of counseling psychology, 42 (7), 487 – 495.         [ Links ]

Cameshi, C. E., & Abreu-Rodrigues, J. (2005). Contingências aversivas e comportamento emocional. In J. Abreu-Rodrigues & M. R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp. 113-137). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Donadone, J. (2004). O uso da orientação em intervenções clínicas por terapeutas comportamentais experientes e pouco experients. Dissertação de mestrado não-publicada.Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica. Universidade de São Paulo. São Paulo-SP.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas e curativas (R. R. Kerbauy, Trad). Santo André: ESETec, Editores Associados. (trabalho original publicado em 1991).         [ Links ]

Lambert, M. J. (2001). The effectiveness of psychotherapy: what has a century of research taught us about the effects of treatment. Recuperado em 11/10/2002 de http://www.dividionof psychotherapy.org/lambert.pdf         [ Links ]

Meyer, S. B. (2000). Mudamos, em terapia verbal, o controle de estímulos? Acta Comportamentalia, 8 (2), 215-225.         [ Links ]

Meyer, S. B., & Vermes, J. S. (2001). Relação terapêutica. In B. Rangé (Org.). Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais. Um diálogo com a psiquiatria (pp. 101-110). Porto Alegre: Artmed.         [ Links ]

Neno, S. (2005). Tratamento padronizado: Condicionantes históricos, status contemporâneo e (in)compatibilidade com a terapia analítico-comportamental. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Universidade Federal do Pará Belém-PA.         [ Links ]

Regra, J. A. G. (2001). Fantasia: instrumento de diagnóstico e tratamento. Em M. Delitti (Org.), Sobre comportamento e cognição: a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental, 2, 103-110. Santo André, SP: ESETec.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1953). Science and human behavior. New York: Macmillan.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1986). The evolution of verbal behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 45 (1), 115-122.         [ Links ]

Sturmey, P. (1996). Functional Analysis in Clinical Psychology. Londres: British Library.         [ Links ]

Wilson, F. E., & Evans, I. M. (1983). The reliability of target behavior selection in behavioral assessment. Behavioral Assessment, 5, 15-32.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 29/10/2007
Primeira decisão editorial em: 28/11/2007
Versão final em: 03/03/2008
Aceito em: 28/01/2008

 

 

1Texto desenvolvido a partir da disciplina Subsídios da Obra “Comportamento Verbal” de Skinner para Clínica Comportamental, ministrada pela Profa. Dra.Sonia Beatriz Meyer no Departamento de Psicologia Clínica da USP no 1º semestre de 2006. Além dos autores participaram Fernanda Libardi, Michele Oliveira-Silva e Robson Faggiani.
2E-mail: sbmeyer@usp.br
3O paradigma de equivalência de estímulos também é capaz de explicar que uma única resposta pode ser função de mais de uma variável e que uma única variável usualmente afeta mais de uma resposta.
4Os trechos sublinhados são os autoclíticos exemplificados.