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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.10 no.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Equivalência de estímulos e uso de jogos para ensinar leitura e escrita 1

 

Stimulus equivalence and the use of games to teach writing and reading

 

 

Camila Harumi Sudo2 ; Paulo Guerra Soares3; Silvia Regina de Souza4; Verônica Bender Haydu5

Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

O estudo investigou se crianças que apresentaram erros de escrita de dissílabos simples aprenderiam a escrever corretamente por meio de jogos, que ensinassem relações entre palavra impressa/CRMTS, palavra impressa/figura, figura/CRMTS, palavra impressa/escrita manuscrita, palavra falada/figura, palavra impressa/palavra falada. Participaram três crianças com idade entre 6 e 8 anos. Inicialmente, realizou-se um ditado de 33 palavras, a partir do qual foram selecionadas, dentre as incorretamente escritas, 8 palavras para o treino. A intervenção consistiu de três jogos: tabuleiro, memória e cópia no quadro de giz. No final, realizou-se um ditado com as 8 palavras de treino e 10 de generalização. Os três participantes apresentaram aumento no número de palavras e sílabas de treino corretamente escritas e, com exceção de uma delas, também nas de generalização. Verificou-se que foi possível ensinar as relações condicionais programadas e que os jogos contribuíram para melhorar a escrita dos participantes. Discute-se a necessidade de futuras investigações.

Palavras-chave: Jogos, CRMTS, Leitura/escrita, Dificuldades de aprendizagem.


ABSTRACT

This study investigated if children with difficulties in writing two syllable words would learn do so through games that teach relations among written word and CRMTS, written word and figure, figure and CRMTS, written word and manuscript written word, spoken word and figure, written word and word spoken by the child. The participants were three 6 to 8 year old children. The intervention consisted of using a board game, a memory game and copying the word on a board. A dictation was initially conducted, in which 8 training words were selected among those incorrectly written by the children. After the intervention, a new dictation was conducted with 10 additional generalization words. All children, with the exception of one of them regarding the generalization words and syllables, emitted an increasing number of training words and correctly written syllables. The use of games helped to improve the children’s writing skills. Implications of these findings and the need of further investigations on this topic are discussed.

Keywords: Games; CRMTS, Reading/writing, Learning disabilities.


 

 

De uma perspectiva analítico-comportamental, os comportamentos de ler e de escrever envolvem várias habilidades integradas em uma rede relacional, na qual algumas relações diretamente ensinadas podem levar à emergência de outras, sem treino adicional. Esse modelo de análise denominado paradigma de equivalência de estímulos foi desenvolvido por Sidman e Tailby (1982, ver também Sidman 1986, 1994 e 2000), como um possível produto do treino de no mínimo duas discriminações condicionais com um elemento em comum. Um procedimento tradicionalmente utilizado para esse ensino tem sido o de escolha de acordo com o modelo (matching to sample - MTS). O MTS consiste na apresentação de um estímulo-modelo (estímulo condicional), de, no mínimo, dois estímulos-comparação diferentes (estímulos discriminativos) e do reforço das respostas de escolha do estímulo-comparação que estejam de acordo com o critério estabelecido pelo pesquisador. Por exemplo, se for apresentada como estímulo-modelo a palavra ditada “BOTA” (A1) e, como estímulos-comparação, a palavra impressa BOTA (B1) e a palavra impressa CHAPÉU (B2), escolher B1 é reforçado e escolher B2 não. Em seguida, a resposta que consiste na escolha da figura de uma BOTA (C1) e não da figura de um CHAPÉU (C2), na presença do B1, é reforçada. Dessa forma, serão estabelecidas as relações condicionais entre A1 e B1 e entre B1 e C1. O mesmo deve ser feito com A2 e B2, e com B2 e C2. Com isso, é provável que os estímulos envolvidos nessas discriminações passem a fazer parte de uma classe de estímulos equivalentes. Para averiguar se a classe foi formada, testam-se se as relações estabelecidas entre os estímulos A, B e C geram a emergência de outras relações que não tenham sido diretamente treinadas. Assim, depois de haver sido ensinada a relação entre B1 e C1, o aprendiz deverá ser capaz de selecionar C1, quando B1 for o modelo, o que é denominado de simetria. Da mesma forma, ele deverá ser capaz de, na presença de C1, escolher C1 e na presença de B1, escolher B1, o que caracteriza a reflexividade. Além dessas relações, existe a probabilidade de emergirem as relações entre A1 e C1 e entre C1 e A1, denominadas transitividade e transitividade simétrica (Sidman, 1986, 2000 e Green & Saunders, 1998).

O modelo da equivalência de estímulos foi utilizado na programação de estratégias de ensino de leitura a diversas populações, entre as quais, crianças em idade escolar (de Rose, Souza, Rossito, & de Rose, 1989), adultos não-letrados (Medeiros, Monteiro, & Zaccaron, 1997; Melchiori, Souza, de Rose, & Furlan, 1992), crianças com dificuldades de aprendizagem (Medeiros, Fernandes, Pimentel, & Simone, 2004; Medeiros & Silva, 2002) e indivíduos com necessidades educativas especiais (Goyos & Freire, 2000, Haydu & Tini, 2003; Sidman, 1971; Sidman & Cresson, 1973). Os resultados dessas pesquisas evidenciaram que as estratégias empregadas foram muito eficazes, inclusive nos casos em que outras estratégias haviam falhado. Isso é explicado com base no fato de que o modelo da equivalência de estímulos leva à programação de atividades que proporcionem a aprendizagem das relações condicionais mínimas necessárias para a emergência da leitura com compreensão. Além do ensino das relações que propiciam a emergência da leitura, Stromer, Mackay e Stoddard (1992) sugeriram acrescentar à rede de relações proposta por Sidman e Tailby (1982) a construção de anagramas, possibilitando-se, dessa forma, um pré-requisito para o ensino da escrita. A construção de anagrama incorporada à rede de relações permite, ao aprendiz, formar as palavras antes mesmo de aprender a escrevê-las. A construção do anagrama foi arranjada na forma de um MTS adaptado, passando este a ser designado CRMTS (do inglês constructed response matching to sample). O CRMTS consiste na apresentação de um estímulo-modelo que pode ser uma palavra impressa ou uma palavra falada ou ainda uma figura, e os estímulos-comparação são as letras ou as sílabas das palavras que devem ser selecionadas na ordem correta, para formar a palavra ou o nome da figura apresentada como estímulo-modelo. O procedimento de CRMTS tem-se mostrado bastante útil para o ensino, pois ele requer um comportamento específico com relação a cada letra da palavra a ser montada. Esse comportamento reduz a probabilidade de erros de leitura, porque aumenta a discriminação das partes que compõem as palavras (Stromer et al., 1992). Ainda, segundo Matos, Hübner, Serra, Basaglia e Avanzi (2002), a fragmentação de palavras em unidades menores e sua recombinação em novas palavras podem gerar leitura recombinativa. Esse aspecto é muito importante, porque palavras novas passam a ser lidas ou escritas por meio da recombinação das unidades menores que compõem as palavras, não havendo a necessidade de ensinar todas as palavras do vocabulário para que alguém venha a ser um leitor e escritor competente.

Alguns pesquisadores da área da Análise do Comportamento (e. g., de Rose, de Souza, & Hanna, 1996; Hanna, Souza, de Rose, & Fonseca, 2004; Mackay, 1985; Souza, Goyos, Silvares, & Saunders, 2007; Stromer & Mackay, 1992a e 1992b) aplicaram o procedimento de CRMTS com a finalidade de avaliar o desenvolvimento dos repertórios de leitura e de escrita, tendo demonstrado que ele foi eficaz para esse objetivo, em estudos com diferentes populações. Além disso, foi demonstrado que esse procedimento pode ser realizado com o uso de: softwares, como o Mestre® (e. g., Goyos & Almeida, 1994); materiais elaborados como cartões com sílabas, letras, palavras e figuras (e. g., Souza et al., 2007); cadernos com as tentativas impressas em folhas de papel (e. g., Bagaiolo & Micheletto, 2004); e jogos (e. g., Carmo & Galvão, 1999; Haydu, 2007; Monteiro & Medeiros, 2002).

No caso de serem usados jogos como estratégias de ensino de leitura, de escrita, e, também, de conceitos matemáticos, destaca-se o fato de que, além de se aprenderem discriminações condicionais e de se poderem formar classes de estímulos equivalentes, são arranjadas contingências para a aprendizagem de regras e para aumentar a participação do aprendiz nas atividades propostas pelo professor. Isso ocorre porque os jogos, de forma geral, têm alta função motivacional. Segundo Mascioli (2004), os jogos promovem um equilíbrio entre as diversas funções do ensino.

Um dos estudos que usou jogos combinados com o paradigma de equivalência de estímulos é o que foi desenvolvido por Monteiro e Medeiros (2002), no qual foi investigado o efeito da contagem oral sobre a aquisição do conceito de número por crianças. Nesse estudo, um jogo de dominó foi usado para testar a generalização do desempenho treinado. Participaram dois grupos de crianças, com idade entre 5 e 6 anos, que não sabiam contar. Aos dois grupos foram ensinadas relações condicionais entre números de 1 a 9 e as quantidades correspondentes, mas a contagem oral foi ensinada apenas ao Grupo Experimental. Os estímulos e as respostas envolvidas na rede de relações a ser estabelecida eram: números de 1 a 9 impressos (A), bolinhas impressas nas quantidades de 1 a 9 (B), numerais de 1 a 9 impressos (C), numerais de 1 a 9 ditados (D), quantidades de 1 a 9 de figuras de casas, borboletas, sapinhos e carrinhos impressas (E) e nomeação oral dos estímulos pelos participantes (F). Em cada sessão de ensino, as escolhas corretas dos participantes eram seguidas por elogios. Após o ensino de contagem para o Grupo Experimental, ambos os grupos foram submetidos a um pré-teste que incluiu o pareamento por identidade, as relações simbólicas, o pareamento auditivo-visual e a nomeação oral, envolvendo as relações: AA (números impressos), BB (bolinhas impressas) e CC (numerais impressos); números impressos e bolinhas impressas (AB); números impressos e numerais impressos (AC); bolinhas e números impressos (BA); palavra ditada pela experimentadora e números impressos (DA); palavra ditada e numerais impressos (DC); palavra ditada e bolinhas impressas (DB); números impressos e nomeação oral pelo participante (AF); bolinhas impressas e nomeação oral (BF); e numerais impressos e nomeação oral (CF). Se, no teste, o participante não apresentasse a relação entre A e B, esta era ensinada e, depois, a relação entre B e A era testada. Também foram ensinadas as relações entre A e C, e testadas as relações entre C e A. Depois, foram feitos os testes das relações entre B e C, e entre C e B; e foram ensinadas as relações entre D e A, e feito o teste DB e DC. Após essa etapa, foi feito um teste de nomeação dos estímulos A, B e C, ou seja, testaram-se as relações AF, BF e CF. Após uma revisão da linha de base, foi aplicado um teste de generalização, que incluiu novos estímulos (figuras de casas, borboletas, sapinhos e carrinhos impressas) e testadas as seguintes relações entre: números e quantidade de figuras (AE); quantidade de figuras e números (EA); quantidade de bolinhas e quantidade de figuras (BE); quantidades de figuras e quantidade de bolinhas (EB); numeral e quantidades de figuras (CE); quantidade de figuras e numeral (EC); palavra ditada e quantidade de figuras (DE), conjunto de figuras e nomeação oral (EF).

Em um segundo teste de generalização, foi utilizado um jogo de dominó, com estímulos semelhantes aos da classe de estímulos impressos (números, bolinhas, numerais e figuras em quantidades correspondentes aos numerais). O jogo continha 36 peças retangulares, em que cada metade de uma peça apresentava um valor de uma das classes e as duas metades nunca tinham o mesmo valor nem estímulos diferentes (e. g., a palavra cinco em uma metade e o dígito 5 na outra), nem o mesmo estímulo em quantidades diferentes (três bolinhas em uma metade e duas bolinhas na outra). Ao jogar, as peças deveriam ser justapostas de acordo com o valor das extremidades, independente do tipo de estímulo. Os resultados mostraram que os participantes do Grupo Experimental apresentaram porcentagens de acertos maiores do que os participantes do Grupo Controle em quase todos os testes realizados, sugerindo que a contagem oral consiste de um pré-requisito importante à aquisição do conceito de número.

No estudo de Monteiro e Medeiros (2002), o dominó foi utilizado apenas no segundo teste de generalização, assim como foi feito, anteriormente, no estudo de Carmo e Galvão (1999). Diante disso, questiona-se se jogos poderiam ser combinados com o modelo da equivalência de estímulos também no ensino de leitura e de escrita. Considerando-se que as atividades educativas na forma de jogos podem ser alternativas de ensino para crianças que apresentam dificuldades de aprendizagem, em razão do aspecto motivacional e de sua popularidade entre as crianças, o objetivo do presente estudo foi investigar se crianças que apresentaram erros de escrita de dissílabos simples aprenderiam a escrever corretamente por meio de jogos (jogo de tabuleiro, jogo da memória e cópia no quadro de giz) que ensinassem às crianças as relações entre: palavra impressa e CRMTS; palavra impressa e figura; figura e CRMTS; palavra impressa e escrita manuscrita; palavra falada e figura; e palavra impressa e palavra falada pela criança.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa três crianças da primeira série do ensino fundamental, com idade entre 6 e 8 anos, encaminhadas pela professora por apresentarem dificuldades na leitura e na escrita de palavras dissílabas simples - palavras compostas por duas sílabas, cada uma formada por uma consoante seguida por uma vogal. De acordo com o relato da professora, os participantes selecionados tinham desempenho inferior ao dos demais alunos da turma.

Local

O trabalho foi realizado em uma sala de aula localizada na escola onde os participantes estudavam. A sala tinha 20 m2 e era provida de carteiras de estudo, de um quadro de giz, de um armário e do alfabeto impresso em letras de aproximadamente 30 cm de altura e 10 cm de largura, em papéis coloridos fixados na parede. As sessões ocorreram em dias e horários agendados previamente com a direção da escola, três vezes por semana, durante três semanas, no horário da aula dos participantes.

Materiais

Para a realização deste estudo, foram usados papéis, lápis, quadro de giz, giz, um jogo de memória e um jogo de tabuleiro temático (desenvolvido por Souza, 2007).

O jogo de tabuleiro é formado por: tabuleiro, quatro peões, um dado, três conjuntos de cartões com sílabas impressas, medindo aproximadamente 2 x 2 cm, de todas as famílias silábicas selecionadas para o jogo, três conjuntos de cartões de 33 palavras impressas (passíveis de serem representadas por figuras), três conjuntos de cartões com as figuras correspondentes às palavras impressas e cartões com estrelas impressas. Os cartões com as palavras, figuras e estrelas mediam aproximadamente 3 x 3 cm. Esse jogo consiste de um conjunto seqüencial de atividades distribuídas em 56 casas, sendo:

1.34 casas com as sílabas de uma determinada família silábica - por exemplo, a família silábica do B (BA, BE, BI, BO e BU) aparecia em duas casas e o mesmo acontecia com as demais famílias silábicas. Foram excluídas do tabuleiro as sílabas compostas com as letras H, K, W e Y, as três últimas por não fazerem parte do vocabulário brasileiro e a primeira pelo fato de sua grafia não corresponder à sua pronúncia. Além disso, para as famílias silábicas do C e Q, foram excluídas as sílabas CE, CI e QUA, QUO;
2. sete Casas de Bônus, nas quais os jogadores podem pegar uma sílaba do monte ou uma sílaba do jogador adversário;
3. seis Casas de Figuras, nas quais os jogadores devem escolher, entre 33 figuras, aquela que correspondesse a uma de suas palavras;
4. cinco casas de tarefas, nas quais os jogadores podem pegar uma nova palavra do monte de palavras e buscar, durante o jogo, completar esta palavra ou pegar uma figura do monte de figuras e buscar, durante o jogo, construir o nome desta figura por meio de sílabas ganhas;
5. a Casa da Biblioteca, na qual o participante deve sortear uma palavra do monte de palavras e lê-la. A leitura correta da palavra dá o direito a uma estrela, caso contrário, o participante continua o jogo normalmente.
6. a Casa da Diretoria, na qual o jogador deve sortear uma palavra do monte de palavras e soletrá-la, recebendo uma estrela caso o faça corretamente; caso contrário, o jogo prossegue normalmente.
7. a Casa da Bruxa Que Não Sabe Ler e da Bruxa Que Não Sabe Escrever. Nessas duas casas, o jogador deve ler ou escrever uma palavra sorteada. Se ele não a ler ou escrever de forma correta, perde uma rodada.

De forma resumida, o tabuleiro possibilita trabalhar as seguintes relações entre: palavra impressa e CRMTS; palavra impressa e figura; figura e CRMTS; palavra impressa e escrita manuscrita; palavra falada pela criança e figura; palavra impressa e palavra falada pela criança; palavra impressa e soletração oral. Além destas relações, o pesquisador pode, ainda, trabalhar as relações entre: figura e palavra falada pela criança; sílaba impressa e sílaba falada pela criança; e palavra falada pelo pesquisador e palavra impressa.

Para o jogo de memória, foram usados os cartões do jogo de tabuleiro com as palavras e as figuras impressas. Nesse jogo, podem ser trabalhadas as relações entre palavras impressas e figuras.

Procedimento

Depois de ter sido feito o contato com a direção da escola, a diretora e os pais das crianças selecionadas assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram encaminhadas três crianças, que apresentavam, segundo relato da diretora da escola, dificuldades de leitura e de escrita de palavras simples. O estudo foi realizado no segundo semestre do ano letivo e foi composto por três fases, descritas a seguir.

 

Fase 1 (Pré-Teste)

Reconhecimento de figuras e teste de escrita manuscrita

Nesta fase, os participantes receberam uma folha de papel com 33 figuras que faziam parte do jogo de tabuleiro e cujos nomes eram palavras dissílabas simples formadas por consoantes seguidas de vogal (e.g., BOLO), passíveis de serem representadas por figuras. Os participantes foram instruídos a nomear as figuras (relação entre figura e palavra falada pela criança). As respostas corretas foram seguidas de elogio e a nomeação incorreta por correção. Em seguida, os pesquisadores pediam aos participantes que escrevessem os nomes das figuras em uma folha de papel (relação entre figura e palavra escrita pela criança). Nenhum feedback foi dado nessa fase do procedimento. Oito palavras, dentre aquelas escritas incorretamente por todos os participantes, foram selecionadas para serem usadas no jogo, compondo as palavras de treino. As palavras de treino selecionadas foram: CAJU, NEMO, LIRA, ZERO, ZEBU, XALE, JATO e LIXO.

Ditado das palavras de generalização

Após a seleção das oito palavras de treino, os pesquisadores fizeram recombinações das sílabas dessas palavras, formando dez novas palavras (palavras de generalização). As palavras de generalização formadas são: MOTO, CAJA, JUCA, ZECA, ROXO, LISO6, TORA, TOMO, LIXA e ZEMO. Em seguida, realizou-se um ditado com as palavras de generalização.

 

Fase 2 (Intervenção)

Foram realizadas, em média, sete sessões de intervenção: oito para o P1, sete para o P2 e seis para o P3. Foram trabalhadas, nesta fase, as relações entre: palavra ditada e palavra impressa; palavra ditada e conjunto de sílabas; palavra impressa e conjunto de sílabas; sílaba impressa e sílaba falada; palavra impressa e figura; palavra impressa e palavra falada pelo participante; palavra impressa e soletração; figura e palavra falada pelo participante; palavra impressa e palavra escrita pelo participante. A Figura 1 apresenta as relações ensinadas durante o procedimento.

 

 

O Jogo de tabuleiro

Na primeira sessão, um dos pesquisadores apresentou aos participantes o tabuleiro e as peças componentes e explicou as regras do jogo. Nas sessões seguintes, cada participante recebeu dois cartões com duas palavras impressas, selecionadas aleatoriamente entre as oito do pré-teste. Após a distribuição das palavras, pedia-se que os participantes lessem as suas palavras e as dos outros também (relação entre palavra impressa e palavra falada). Os pesquisadores auxiliavam os participantes a lerem as palavras de treino da sessão. Como exemplo, um dos pesquisadores verbalizava: “Quem sabe qual é a palavrinha do Joãozinho? _Vocês lembram? _ Quem brincou com ela ontem?” ; caso ninguém acertasse, a figura correspondente à palavra era apresentada a um dos participantes e perguntava-se: “Que figura é esta?_ Ela corresponde a sua palavra” . As verbalizações corretas eram elogiadas e as incorretas corrigidas.

Em seguida, os participantes foram instruídos a jogar o dado e quando seu peão chegava a uma casa de sílabas, os pesquisadores auxiliavam-nos a nomear todas as sílabas (relação entre sílabas impressas e sílabas faladas) e a escolher, naquela família, a sílaba que pudesse formar uma de suas palavras de treino (relação entre palavra impressa e CRMTS). Um dos pesquisadores dizia: “Quais são as sílabas desta casinha? _Você precisa de alguma destas daqui? _ Olhe aí no seu cartão” . Caso não precisasse de nenhuma sílaba daquela família, o participante era instruído a escolher qualquer sílaba, pois poderia formar outras palavras com ela. Quando os participantes não conseguiam nomear as sílabas corretamente, um dos pesquisadores lia a sílaba e auxiliava na escolha.

Nas Casas de Figuras, os pesquisadores auxiliavam os participantes a escolher uma figura, dentre as 33 do jogo, que fosse correspondente a uma de suas palavras de treino (relação entre palavra impressa e figura, relação palavra falada e figura). Um dos pesquisadores dizia: “Você lembra quais são suas palavrinhas? _ Você sabe qual dessas figuras tem esse nome?” . Caso um peão caísse em qualquer outra casa do tabuleiro, o participante era auxiliado a realizar a tarefa indicada. Todos os desempenhos corretos dos participantes eram elogiados pelos pesquisadores. Escolhas ou verbalizações incorretas eram corrigidas por meio de modelos e instruções.

Todas as sessões da intervenção foram conduzidas com o tabuleiro e duravam aproximadamente 50 minutos. Nesse intervalo, os participantes podiam ou não construir as duas palavras de treino programadas, dependendo do ritmo do jogo.

Jogo da Memória

Nas Sessões 3 e 4, os participantes brincaram o jogo da memória com os cartões do tabuleiro. Esse jogo consiste em espalhar, sobre uma mesa, pares iguais de cartões virados para baixo. Um dos jogadores deve virar um cartão e tentar encontrar o par correspondente ao primeiro cartão por ele virado. Quando o par correto é encontrado, ele é retirado da mesa. Se os cartões não forem pares correspondentes, eles devem ser virados novamente e o outro jogador faz a sua tentativa. O jogador que acertar um par poderá tentar encontrar outro par. A oportunidade deve ser alternada entre os jogadores de acordo com os acertos e erros, até que todos os pares tenham sido retirados.

Na terceira sessão, o jogo de memória envolveu todas as 33 figuras do tabuleiro. Os pesquisadores incentivaram os participantes a nomearem as figuras (relação entre palavra falada e figura) em cada jogada, corrigindo as verbalizações incorretas e elogiando pelas corretas. Na quarta sessão, além dos cartões com as figuras, foram usados os cartões com as palavras impressas (oito palavras de treino), estabelecendo-se pares entre as palavras e figuras (relação entre palavra impressa e figura). Assim, cada participante deveria emparelhar uma figura com seu nome impresso. Escolhas incorretas eram corrigidas e desempenhos corretos seguidos por elogios.

Teste de averiguação de escrita manuscrita (TAEM)

No final de cada sessão, realizou-se um teste para avaliar a escrita manuscrita que consistia do ditado das oito palavras de treino e das dez palavras de generalização. Nenhum feedback era fornecido pelos pesquisadores nesta fase. Cada palavra corretamente escrita pelo participante no TAEM era substituída por uma nova palavra a ser ensinada, na sessão seguinte. A palavra escrita incorretamente era mantida.

Procedimento de correção

A partir da quarta sessão, foi introduzido um procedimento de correção após o TAEM, que consistia em auxiliar os participantes a escrever corretamente as palavras que eles haviam escrito incorretamente. Um dos pesquisadores mostrava a palavra impressa ao participante e solicitava a ele que copiasse a palavra. O cartão com a palavra impressa era retirado assim que o participante começasse a escrevê-la (cópia com atraso).

Cópia no quadro de giz

A partir da quinta sessão, os pesquisadores combinaram novas regras para o jogo de tabuleiro, estabelecendo que alguns passes durante o jogo seriam seguidos pelo Cartão Estrela. Nas regras iniciais, este cartão era ganho apenas na Casa Biblioteca, mas depois ficou estabelecido que, quando o participante escolhesse uma figura correta nas Casas de Figura ele também ganharia uma estrela. A cada estrela ganha, o participante deveria ir ao quadro de giz e escrever suas palavras de treino (relação entre palavra impressa e palavra escrita). Este procedimento adicional foi adotado porque os pesquisadores observaram que, embora os participantes montassem corretamente as palavras, não conseguiam escrevê-las corretamente.

 

Resultados

Na sessão de pré-teste, o P1 foi capaz de escrever corretamente 17 das 33 palavras (51,5%), na presença das figuras correspondentes (reconhecimento de figura). O P2 e o P3 não foram capazes de escrever nenhuma palavra corretamente. Quanto à porcentagem de sílabas corretamente escritas, das 66 que compunham todas as palavras apresentadas no pré-teste, o P1 acertou 46 delas (69,7%), o P2 acertou cinco (7,57%) e o P3 errou todas.

A Tabela 1 apresenta as palavras do jogo distribuídas a cada participante, bem como as porcentagens de acertos na escrita dessas palavras ou na escrita das sílabas dessas palavras em cada sessão de intervenção. Verifica-se, nesta tabela, que o P1 jogou com sete palavras (XALE, ZEBU, LIXO, JATO, CAJU, LIRA e ZERO), o P2 jogou com três palavras (LIXO, NEMO e JATO) e o P3 jogou com quatro palavras (CAJU, ZERO, NEMO e XALE). O número menor de palavras com que o P2 e o P3 jogaram esteve relacionado ao desempenho e às faltas nas sessões. O P2 faltou uma vez e o P3 duas vezes. O P2 teve a palavra NEMO substituída por LIXO, na terceira sessão, porque a escrevera corretamente no TAEM da primeira sessão. Entretanto, a partir da quarta sessão, essa palavra voltou a ser treinada, porque ele errou sua escrita no TAEM da terceira sessão.

 

 

 

 

Além disso, a Tabela 1 permite visualizar quais as sílabas corretamente escritas pelos participantes em cada sessão. De modo geral, quando ocorria um erro de escrita, este se situava nas sílabas que apresentavam complexidades da língua. Por exemplo, o P1 escreveu corretamente as sílabas LE e BU, errando XA e ZE, nas Sessões 1 e 2, o P2 escreveu corretamente LI e não XO da palavra LIXO, na Sessão 3, e o P3 escreveu LE, mas não o XA da palavra XALE, nas Sessões 7 e 8.

Na Figura 2 estão reapresentadas as porcentagens de acertos na escrita das palavras e das sílabas de treino, e as porcentagens das palavras e sílabas de generalização escritas corretamente. Pelo fato de terem sido escolhidas como palavras de treino aquelas que os participantes não escreveram corretamente no pré-teste, para todos os participantes, a porcentagem de acertos de escrita das oito palavras especificada na figura é zero. Assim, verifica-se na Figura 2 que o P1 passou de 0% de acerto de escrita no pré-teste para 100% de acerto no último TAEM, ou seja, ele foi capaz de escrever corretamente as sete palavras com as quais jogou. Além disso, o P1 escreveu corretamente a palavra NEMO, mesmo não tendo jogado com ela. Em relação às sílabas de treino, também houve um aumento no número de acertos. Das 16 sílabas que compunham as palavras de treino, o P1 escreveu corretamente sete, no pré-teste (43,75%) e, no último TAEM, escreveu todas elas corretamente (100%). Quanto às palavras de generalização, verifica-se, na Figura 2, que houve um aumento no número de palavras e sílabas corretamente escritas ao longo das oito sessões, passando de duas (20%) no pré-teste para seis (66,6%) no último TAEM, e de 12 sílabas (60%) no pré-teste para 15 (83,3%) no último TAEM.

 

 

Alguns dos erros de escrita cometidos pelo P1 ao escrever palavras de treino eram de troca de letras, como, por exemplo, do X pelo S, do Z pelo S, do R pelo L, e do J pelo G. O mesmo ocorreu na escrita das palavras de generalização. Nos TAEMs, essas trocas não mais ocorreram na escrita das palavras de treino e na escrita de algumas palavras de generalização, conforme pode ser observado na Tabela 2, na qual são reproduzidos alguns exemplos da forma como os participantes escreveram as palavras nos TAEMs, realizados ao longo do procedimento de intervenção. Em relação às palavras de generalização que continham o “R” entre as vogais, constatou-se que as trocas de letra continuaram ocorrendo. Quando brincou com as palavras de treino LIRA e ZERO (Sessão 8), o P1 passou a escrevê-las corretamente (anteriormente escrevia LILA e ZELO); entretanto, a mudança não foi observada na escrita da palavra de generalização TORA. Ele escreveu TOLA.

Verifica-se na Tabela 1 que, após a primeira sessão de intervenção (TAEM 1), o P2 escreveu corretamente uma das palavras com as quais havia brincado (NEMO). Na sessão de TAEM 8, ele foi capaz de escrever corretamente as palavras NEMO e ZEBU (25% de acerto), embora ninguém tivesse brincado com a palavra ZEBU na Sessão 8 (ver Tabela 1). Nas Sessões 2, 3, 4, 5, 6 e 7, o P2 não escreveu nenhuma palavra corretamente, nem mesmo aquelas com as quais ele tinha jogado, ou seja, NEMO, LIXO e JATO (ver Tabela 1). É válido lembrar que o P2, apesar de ter substituído a palavra NEMO por LIXO na terceira sessão, a partir da quarta sessão, ele voltou a brincar com aquela palavra, uma vez que não conseguiu escrevê-la corretamente na terceira sessão de ditado. Ele escreveu corretamente a palavra NEMO apenas no TAEM 8.

Em relação às sílabas de treino escritas por P2, a Figura 2 mostra que os dados oscilaram entre 6,25% e 56,25% de sílabas corretamente escritas nos TAEMs. Esse participante conseguiu escrever corretamente algumas sílabas das palavras com as quais havia brincado somente após a adoção do procedimento de correção introduzido na quarta sessão; mesmo assim, ele o fez apenas imediatamente após cópia das palavras. Após ter jogado com determinadas palavras, o P2 relatava, em sessões posteriores, não se lembrar mais como escrever as palavras. Além disso, observou-se que algumas sílabas que ele escrevera corretamente no início do estudo, nos TAEMs subseqüentes, não mais o conseguiu. Uma análise mais cuidadosa do desempenho de P2 mostra que, embora o participante não tenha escrito as palavras de treino corretamente em cinco das sete sessões de intervenção das quais participou, ele foi capaz de escrever corretamente pelo menos uma sílaba de cada palavra com a qual brincou (ver Tabela 1).

No que se refere às palavras de generalização, o P2 não escreveu nenhuma delas corretamente no pré-teste. No TAEM 8, contudo, o índice de palavras escritas corretamente foi de 20% (duas palavras – MOTO e TOMO), as quais são compostas por sílabas das palavras de treino com as quais o P2 brincou durante o estudo (NEMO e JATO).

Quanto ao desempenho do P3, verificou-se no pré-teste que ele escrevia apenas vogais repetidas, como, por exemplo, AOAO. Raramente, ele incluía uma consoante entre as vogais, e, quando o fazia, a consoante se encontrava deslocada de sua posição correta (e.g., IOAX, para LIXO). No último TAEM, ele escreveu corretamente uma das palavras de treino e cinco sílabas dessas palavras (ver Figura 2 e Tabela 1). Ele jogou com quatro palavras e, após duas sessões, conseguiu escrever CAJU corretamente. Na Sessão 6, os pesquisadores avaliaram que a palavra XALE foi escrita corretamente, mas consideraram que o P3 poderia aperfeiçoar sua caligrafia e por isso optaram por manter esta palavra de treino no jogo, na Sessão 7. Nos TAEMs, ele também foi capaz de escrever corretamente as consoantes de algumas palavras de treino com as quais ele não brincou (e.g., NOAO para NEMO e LIXA para LIRA), mesmo que muitas vezes errasse na escrita da vogal acompanhante, errando, conseqüentemente, a escrita da sílaba. Além disso, após três sessões com a palavra de treino ZERO (Tabela 1 e Figura 2), no último TAEM, o P3 foi capaz de escrever as duas sílabas dessa palavra, ainda que ele tenha acrescentado uma terceira letra entre as sílabas, escrevendo ZELRO.

Em relação às palavras de generalização, a Figura 2 mostra que, no pré-teste, o P3 não escreveu nenhuma delas corretamente e, nas Sessões 6 e 7 do estudo, ele foi capaz de escrever a palavra CAJA (10% de acerto), que é composta por uma das sílabas (CA) da palavra de treino CAJU, palavra esta com a qual ele brincou por várias sessões. Quanto às sílabas das palavras de generalização, o P3 escreveu corretamente 5% delas, no pré-teste, e, no último TAEM, foi capaz de escrever corretamente 20% (quatro sílabas) dessas sílabas, visto que por três vezes escreveu corretamente a sílaba CA, nas palavras JUCA, CAJA e ZECA, e a sílaba JA, da palavra CAJA.

Além dos resultados obtidos com a escrita das palavras selecionadas para o presente estudo, observações não-sistemáticas mostraram que os participantes melhoraram na leitura de sílabas e palavras simples, principalmente daquelas com as quais tiveram mais contato durante as sessões. No início do estudo, o P1 soletrava as sílabas e depois as lia de forma escandida. Ao final do estudo, ele leu as palavras de forma escandida, mas sem a soletração inicial. O P2 também melhorou sua leitura, ao imitar a maneira como o P1 lia e, assim, passou a ler sílabas simples e a combiná-las para formar as palavras, o que não acontecia no início do estudo. Com referência ao P3, os pesquisadores observaram que ele conhecia apenas as vogais e que havia decorado o abecedário. Ao longo do estudo, ele leu as sílabas das famílias de algumas consoantes, como, por exemplo, J, Z, L, R, F e X, entre outras.

 

Discussão

Os resultados do presente estudo sugerem que os procedimentos empregados contribuíram para a melhora das habilidades de escrita das crianças que apresentavam, conforme informação da diretora da escola, dificuldade de aprendizagem. O procedimento desenvolvido por meio do jogo de tabuleiro requeria, entre outras atividades, a construção de palavras pela seleção de unidades silábicas. Assim, o procedimento de CRMTS estabeleceu comportamentos específicos com relação a cada letra ou sílaba da palavra a ser montada, aumentando a discriminação das partes que compõem as palavras e facilitando, conseqüentemente, sua escrita correta, conforme foi destacado por Stromer et al. (1992). Além disso, de acordo com Matos et al. (2002), a construção de novas palavras, por meio da recombinação de unidades das palavras anteriormente aprendidas, leva à generalização de leitura, podendo explicar, também, o aumento do número de palavras e sílabas das palavras de generalização escritas corretamente pelos participantes nos Testes de Avaliação da Escrita Manuscrita (TAEM) do presente estudo.

Resultados de pesquisas conduzidas por Matos, Peres, Hübner e Malheiros (1997) e Matos et al. (2002) indicam que habilidades de oralizar (repetindo ou lendo a palavra) e de copiar (compondo ou construindo a palavra), isoladamente, não garantem leitura generalizada recombinativa; contudo, o treino combinado de oralização e cópia, após o ensino das relações condicionais, mostrou-se eficaz. O procedimento empregado na fase de intervenção do presente estudo envolveu, além do jogo de tabuleiro, o jogo de memória, que permitia o emparelhamento da figura com a palavra impressa correspondente; a cópia das palavras de treino; e o participante devia ler em voz alta as palavras de treino da sessão e as sílabas do tabuleiro. Esse aspecto do procedimento permite concluir que foi essa combinação que contribuiu para as mudanças observadas na escrita manuscrita dos participantes e também para as melhoras observadas na leitura.

Sugere-se ainda que a interação estabelecida entre um número pequeno de participantes e os pesquisadores pode ter contribuído para a melhora no desempenho, uma vez que as interações individualizadas podem ter facilitado o aprendizado por observação e o reforço imediato das respostas pelos pesquisadores. Verificou-se que um dos participantes (P1) soletrava as sílabas e depois as lia de forma escandida, e que um outro participante (P2) passou a imitá-lo. Isso pode ter contribuído para melhorar a leitura e escrita manuscrita de P2. Matos et al. (2002) realizaram uma série de estudos e constataram que procedimentos de oralização fluente durante a aquisição das relações consideradas pré-requisitos e o procedimento de anagrama silábico com oralização escandida parecem ser os mais eficientes para gerar leitura recombinativa.

Além dos aspectos citados nos parágrafos anteriores, relatos dos próprios participantes e observações não-sistemáticas indicaram que as atividades de ensino com os jogos aumentaram a probabilidade de as crianças se envolverem nas tarefas e aprenderem o que estava sendo ensinado. Segundo de Rose e Gil (2003, p.375), “o brincar (...) fornece oportunidades para modelar, diferenciar e refinar habilidades, maximizando reforçadores positivos e minimizando conseqüências aversivas”. No presente estudo, os participantes perguntavam bastante, davam exemplos de outras palavras que não apenas aquelas com as quais estavam jogando e, algumas vezes, até treinavam a escrita de algumas palavras em casa. Eles traziam para mostrar aos pesquisadores o que tinham feito em casa, o que sugere que o procedimento contribuiu para aumentar a freqüência dos comportamentos de leitura e escrita em outras situações.

Como afirmam Gomes e Boruchovitch (2005), jogos e brincadeiras são recursos importantes no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que, além de contribuírem para o ensino de repertórios de leitura e de escrita, podem contribuir para desenvolver habilidades de cooperação e de resolução de problemas de forma inovadora e original. No presente estudo, poucas sessões foram suficientes para que crianças com quase dois anos de escolarização e que não escreviam corretamente palavras dissílabas simples pudessem aprender a escrever algumas palavras com essa característica. Porém, fazem-se necessárias algumas considerações, quanto à restrição na generalidade dos resultados obtidos. Este estudo foi conduzido com poucos participantes e foram usados diversos recursos de ensino nos procedimentos de intervenção, como o jogo de tabuleiro, o jogo de memória e a cópia no quadro de giz. Esse fato não permite estabelecer de forma precisa se todos esses recursos juntos possibilitaram a mudança observada no comportamento de escrever dos participantes ou se apenas um deles levou aos resultados obtidos.

Dos três participantes do estudo, o P1 foi o que apresentou melhor desempenho e maior ganho no que diz respeito à escrita manuscrita correta das palavras de treino e de generalização. Ele possuía um repertório de entrada bem maior que o dos demais participantes do estudo, o que provavelmente é muito importante para que possa emergir a generalização da escrita. Segundo D’Oliveira e Matos (1993), quando há aumento no repertório de leitura de palavras novas, há aumento no repertório de leitura de palavras de generalização. Por esse aspecto, os resultados do P1 em comparação aos demais participantes sugerem que isto também pode ser válido para o ensino da escrita.

O resultado do P1 nos TAEMs, aliado ao fato de que ele escreveu corretamente 17 das 33 palavras do pré-teste, indica que ele não apresentava dificuldades de aprendizagem. Os seus erros de escrita, nas palavras de treino, eram de troca de letras centradas em dificuldades da língua, como, por exemplo, o X pelo S, o Z pelo S, o R pelo L e o J pelo G. Palavras que contêm essas complexidades, em geral, não são trabalhadas na primeira série do ensino fundamental. Assim, pode-se concluir que a informação prestada pela direção da escola de que esse participante tinha dificuldades de aprendizagem não correspondia totalmente à realidade. Além disso, esses erros provavelmente poderiam ter sido reduzidos se o procedimento tivesse sido estendido, dando-se-lhe oportunidade para que ele aprendesse a fazer todas as discriminações simples e condicionais que fazem parte da complexa rede de relações que envolve a leitura e a escrita. Essa conclusão também é válida para os demais participantes, pois as dificuldades da língua presentes nas palavras de treino e nas palavras de generalização ficaram evidentes nos erros cometidos por eles, como, por exemplo, na escrita espelhada de P1 e P2 ao escreverem “S” em vez de “Z”, na palavra ZEBU.

Destacou-se também, quanto ao desempenho, o resultado do P3 que apresentou 20% de acerto na escrita de sílabas, no último TAEM. Ele escreveu três vezes a sílaba CA, nas palavras JUCA, CAJA e ZECA, e a sílaba JA, da palavra CAJA. Uma possível razão para explicar que esse participante tenha apresentado um desempenho inferior ao dos demais é o fato de que faltaram pré-requisitos comportamentais para que ele pudesse se beneficiar do procedimento de intervenção. Conforme foi constatado no pré-tese, ele tinha dificuldades de identificar as consoantes. Uma alternativa para esse caso seria um treino direto dessa habilidade, que poderia torná-lo apto a se beneficiar das contingências estabelecidas nos jogos do procedimento de intervenção.

Pesquisas conduzidas com um maior controle experimental são necessárias para que se possam fazer afirmações mais conclusivas sobre o uso de jogos no ensino da complexa rede de relações do comportamento de escrever, como a do presente estudo. Um dos aspectos a ser controlado em estudos subseqüentes, para garantir que as atividades com os jogos possam ser consideradas como instrumentos que promovem a aprendizagem, é o controle da variável “uso de jogo”. Nesse procedimento, os pesquisadores ensinariam a escrita para diferentes crianças distribuídas em dois grupos pequenos, um com o jogo e outro somente com um procedimento de ensino individualizado da rede de relações. Isso é necessário porque as atividades individualizadas, por si sós, podem facilitar a aprendizagem, conforme foi destacado com ênfase por Keller (1972). Além disso, a emergência de novos desempenhos, quando se ensinam relações condicionais de acordo com o modelo da equivalência de estímulos, mostra-se econômico e muito produtivo, podendo explicar a melhora no desempenho dos participantes do presente estudo (Sidman & Cresson, 1973 e Green & Saunders, 1998).

Outro aspecto a ser modificado para que se possam avaliar, de forma mais apropriada, as contingências estabelecidas pelo procedimento do presente estudo diz respeito à quantidade de sessões. Como foram realizadas apenas oito sessões, e o P2 faltou a uma delas e o P3 a duas, pode-se inferir que um número superior permitiria ampliar o repertório de escrita e, conseqüentemente, a generalização desse comportamento. Cabe destacar, no entanto, que o desempenho em atividades complexas como essas depende de diversas variáveis, algumas das quais poderão ser controladas em estudos posteriores.

Pesquisas futuras poderiam avaliar, também e de forma sistemática, a leitura com compreensão, pois essas condições podem perfeitamente ser arranjadas em contingências do jogo de tabuleiro usado no presente estudo. Além disso, novos estudos poderiam ser conduzidos com diferentes populações, como, por exemplo, com crianças que apresentam apenas trocas de letras ou crianças pré-alfabetizadas, mas que não apresentam dificuldades de aprendizagem. Enfim, embora este trabalho aponte direções, mais pesquisas são necessárias; no entanto, pode-se destacar que este estudo foi uma tentativa de tornar o ensino da rede de relações que envolve os comportamentos de ler e escrever em uma atividade passível de ser executada por professores que não tenham necessariamente estudado o modelo da equivalência de estímulos.

 

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Recebido em: 28/06/2007
Primeira decisão editorial em: 16/08/2007
Versão final em: 14/04/2008
Aceito em: 26/01/2008

 

 

1Os autores agradecem de forma especial aos consultores ad hoc, pelas inúmeras sugestões que puderam melhorar significativamente este artigo.
2Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina E-mail: camila.sudo@gmail.com
3Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Professor da Faculdade Pitágoras - Campus Metropolitano. E-mail: pauloquati@gmail.com
4Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento da UEL e do mestrado em Análise do Comportamento. Doutora em Psicologia Clínica pela USP. E-mail: ssouza@uel.br
5Docente do Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento e do mestrado em Análise do Comportamento da UEL. Doutora em Psicologia Experimental pela USP.
6A palavra LISO foi incluída entre as palavras de generalização devido a uma falha de procedimento, já que a sílaba SO não fazia parte das palavras de treino.