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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.10 no.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS

 

A presença de J. J. Rousseau em Tecnologia do ensino, de B. F. Skinner

 

The presence of J. J. Rousseau in The technology of teaching, by B. F. Skinner

 

 

Cláudio BrazI, 1 ; Maria Eliza Mazzilli PereiraII, 2

I Universidade de Rio Verde Goiás; Faculdade Objetivo de Rio Verde Goiás
II Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

 


RESUMO

Ao tratar de educação e ensino em The technology of teaching (1968), Skinner considera as idéias de vários pensadores, entre eles Rousseau, que menciona em mais da metade dos capítulos do livro. Neste artigo, buscou-se analisar em que contexto Skinner cita Rousseau, em relação a quais temas, qual o papel das citações e qual a sua posição em relação àquilo que cita de Rousseau. Com base na leitura completa da edição original da obra, foram identificadas as menções de Skinner a Rousseau, que foram, então, analisadas. Verificou-se que a posição de Skinner em relação ao que cita de Rousseau é negativa em cerca de metade dos casos, e positiva na outra metade. Os casos em que a posição de Skinner é negativa, com uma única exceção, referem-se ao uso de contingências de reforçamento arranjadas versus naturais. Os casos em que sua posição é positiva referem-se a uma maior variedade de temas.

Palavras-chave: B. F. Skinner, J. J. Rousseau, Tecnologia do ensino


ABSTRACT

When dealing with education and teaching in The technology of teaching (1968), Skinner considers the ideas of several authors, among which Rousseau, whom he mentions in more than half the chapters of the book. In this article, we analyse the context in which Skinner cites Rousseau, which themes is he dealing with when he does so, what is the role of the citations within the text, and what is Skinner’s position about what he cites of Rousseau. The reading of the complete original edition of the book allowed the identification of Skinner’s citations of Rousseau, which were, then, analysed. It was possible to verify that Skinner’s position on what he cites of Rousseau is negative in about half of the cases, and positive in the other half. The occurrences in which his position is negative refer, with only one exception, to the use of contrived versus natural contingencies of reinforcement. The occurrences in which his position is positive refer to a wider variety of themes.

Keywords: B. F. Skinner, J. J. Rousseau, The technology of teaching


 

 

O livro Tecnologia do ensino (1972) agrupa parte significativa da produção de Skinner sobre educação, um tema recorrente em sua obra. Ao desenvolver sua análise sobre educação e apresentar sua proposta para o ensino, Skinner considera as idéias de vários pensadores da educação, entre eles J. J. Rousseau, a quem dá especial destaque ao fazer 16 referências a Émile ou de l`éducation (1762). Nenhum outro pensador recebeu um número de menções próximo a esse.

Skinner (1974) afirma:

Uma pessoa (...) é um locus, um ponto no qual muitas condições genéticas e ambientais se agrupam em um efeito conjunto. Como tal, ela permanece inquestionavelmente única. Ninguém (a menos que ela tenha um gêmeo idêntico) tem seu dote genético e, sem exceção, ninguém tem sua história pessoal. (p.168)

Na formação dessa história pessoal, construída com base nas contingências mantidas pela comunidade em que vivemos, pelos diversos grupos ou indivíduos com que nos relacionamos, entram, também, os autores que lemos. Como afirma Bakhtin, lingüista russo: “(...) mas, de onde me vem esse ‘ponto de vista pessoal’, senão daqueles que me educaram, de meus companheiros de escola, dos autores dos livros e jornais que li, dos oradores que escutei nas reuniões e salas de aula?” (1981).

E Skinner certamente leu Émile ou de l’education, de Rousseau (1762). Assim, as inúmeras referências de Skinner a Rousseau parecem ser um “diálogo” com um interlocutor que tem algo a dizer sobre educação.

No presente artigo, busca-se analisar as condições sob as quais citar Rousseau, em Tecnologia do ensino (1972), é mais forte ou mais provável, em que contexto as citações 3 surgem, em relação a quais temas, qual o papel dessas citações na obra de Skinner e qual a posição de Skinner em relação à de Rousseau, conforme explicitada nas citações.

 

Método

Material

O material utilizado foi o livro The technology of teaching, de B. F. Skinner, em sua edição original, de 1968. Conforme observação do próprio autor nos “Agradecimentos”, quatro dos 11 capítulos do livro (capítulos II, III, IV e V) haviam já sido publicados anteriormente, em 1954, 1958, 1965 (tendo o texto sido apresentado em forma de conferência no ano anterior) e 1965, respectivamente. Três outros capítulos (VI, VII e VIII), embora não publicados previamente, foram preparados para ocasiões especiais, em que foram apresentados oralmente, todos em 1966. Apenas quatro capítulos (I, IX, X e XI) foram escritos especialmente para o livro.

Procedimento

Com base na leitura completa do livro, foram identificadas 21 referências ao nome de Rousseau. Quando o nome de Rousseau era mencionado mais de uma vez num mesmo parágrafo, era analisado como uma única referência, desde que as menções se relacionassem a um mesmo tema e não fossem possíveis análises diversas (ver, como exemplo, a citação 11, na Tabela 1). E era analisado como referências distintas, desde que se tratasse de temas diferentes e fossem possíveis análises diversas. Neste caso, as citações recebiam um mesmo número, seguido de letras distintas (ver, como exemplo, as citações 8a e 8b, na Tabela 1). Com base nesse critério, foram analisadas separadamente 16 referências a Rousseau. A definição relativa a se diferentes menções do nome do autor constituiriam uma única referência ou referências distintas foi feita independentemente pelos dois autores e, em dois casos em que houve discordância entre os autores, discutiu-se até que se chegasse a um consenso.

 

Resultados e discussão

Com a finalidade de situar as citações de Rousseau feitas por Skinner, a Tabela 1 apresenta o parágrafo completo em que a citação é feita, além de informações sobre capítulo, intertítulo, parágrafo do intertítulo e página em que ocorre cada uma das citações.

De acordo com a Tabela 1, verifica-se que as referências a Rousseau aparecem em 6 dos 11 capítulos de Tecnologia do ensino (1962), com especial concentração nos capítulos 5 (“Por que os professores fracassam”), em que ocorrem cinco citações, e 7 (“A motivação do estudante”), em que ocorrem quatro citações. No capítulo 4 (“A tecnologia do ensino”) aparecem três citações; no capítulo 11 (“O comportamento do sistema”), duas citações; e nos capítulos 9 (“Disciplina, comportamento ético e autocontrole”) e 10 (“Uma revisão do ensino”), uma citação cada. Nenhuma referência a Rousseau ocorre nos capítulos 1 (“A etimologia do ensino”), 2 (“A ciência da aprendizagem e a arte do ensino”), 3 (“Máquinas de ensinar”), 6 (“Ensinar a pensar”) e 8 (“O estudante criativo”).

A Tabela 2 apresenta o tema em relação ao qual é feita a referência a Rousseau, o papel da citação no texto de Skinner e a posição deste autor (positiva ou negativa) em relação àquilo que cita de Rousseau.

Como se pode verificar na Tabela 2, a posição de Skinner em relação ao que cita de Rousseau é negativa em sete casos (citações 1b, 6, 7, 8a, 9, 10 e 13), positiva em outros sete (citações 2, 3, 4, 5, 8b, 11 e 12), e parcialmente positiva e parcialmente negativa em um caso (citação 14). Em um dos casos (citação 1a), essa forma de análise não se aplica, visto que Skinner faz um comentário apreciativo sobre a obra Emílio – que considera um livro atraente – e não sobre uma afirmação específica feita na obra.

Dos sete casos em que Skinner tem uma posição negativa no tocante ao que cita de Rousseau, seis se referem a um mesmo tema: o uso de contingências de reforçamento arranjadas versus naturais (citações 1b, 6, 7, 8a, 9, 10).

A citação 1b ocorre no capítulo 4, quando Skinner trata da segunda de quatro objeções à tecnologia de ensino proposta por ele, objeção esta que se refere ao uso de contingências de reforçamento arranjadas, artificiais. Skinner menciona diferentes exemplos dessa objeção, entre eles o de Rousseau, que queria evitar os sistemas punitivos de sua sociedade, bem como os reforçadores sociais, uma vez que considerava que a sociedade corrompia o indivíduo. Pretendia fazer com que o estudante dependesse das coisas e não das pessoas.

Skinner afirma que o professor que se restringe aos reforçadores naturais é freqüentemente ineficaz, especialmente porque só algumas matérias podem ser ensinadas por meio deles. Além disso, segundo Skinner, isto equivaleria a deixar os estudantes aprenderem com a vida e a abandonar o papel de professor, que acelera a aprendizagem arranjando contingências de reforçamento. O importante para Skinner não é o professor se limitar ao uso de reforçadores naturais, mas sim preparar o estudante para os reforçadores naturais que prevalecem fora da escola. “O comportamento que é acelerado no processo de ensino seria inútil se não fosse eficaz no mundo como um todo, na ausência de contingências instrucionais” (p. 86).

A citação 6 é feita no capítulo 5. Skinner afirma que Rousseau foi o grande defensor da aprendizagem natural, ao propor que Emílio fosse ensinado pelo mundo das coisas. No entanto, segundo Skinner, Emílio era um estudante fictício, com processos de aprendizagem fictícios. E quando Pestalozzi, um discípulo de Rousseau, tentou aplicar, no ensino de seu filho, os métodos propostos por Rousseau, não teve bons resultados. Afirma Skinner: “Seu diário [de Pestalozzi] é um dos documentos mais patéticos da história da educação” (p.104).

A citação 7 também ocorre no capítulo 5. Nela, Skinner aponta um exemplo da inadequação dos princípios (da aprendizagem natural), propostos por Rousseau. Menciona o caso de Thomas Day, autor de um livro infantil, que teria morrido em conseqüência de um coice de um cavalo que buscava domesticar usando como base os princípios de Rousseau.

A citação 8 aparece no capítulo 7. Nela, o nome de Rousseau é mencionado duas vezes, cada uma delas salientando um aspecto diferente, de modo que foram consideradas duas citações diferentes (8a e 8b). Na citação 8a, Skinner menciona a defesa que Rousseau faz do uso de reforçadores naturais, de deixar o estudante ser ensinado pela natureza, pelas coisas, e não por conseqüências planejadas pelo homem. Skinner afirma que os reforçadores sociais não podem ser descartados, embora possam, pelo menos, ser genuínos.

A citação 8b será comentada mais adiante.

A citação 9 também ocorre no capítulo 7. Aqui, Skinner afirma que apesar de Rousseau ter tido discípulos, só um século e meio mais tarde é que idéias semelhantes às suas foram postas em prática, por John Dewey, que propôs que a criança, na escola, deveria aprender em contato com as coisas, como na vida. Segundo Skinner, nem todos os reforçadores naturais são úteis, e o professor que usa contingências naturais abandona seu papel de professor, deixa de ensinar.

Ainda no capítulo 7, surge a citação 10. Nela, referindo-se ao fato de Rousseau falar em educação negativa, Skinner afirma ser justificável o uso da expressão, uma vez que, ao usar contingências naturais – o que é advogado por Rousseau –, o professor, conforme mencionado na citação anterior, abandona seu papel de professor e deixa de ensinar.

Nos seis casos comentados, o papel da citação é exemplificar uma posição da qual Skinner discorda, exemplificar algo que considera inadequado no ensino – limitar-se ao uso de contingências de reforçamento naturais –, sendo dois deles exemplos de aplicações mal sucedidas – uma delas, por Pestalozzi, um discípulo, e outra por Thomas Day, um contemporâneo – dos princípios propostos por Rousseau. De fato, segundo Skinner, o professor que se limita ao uso de reforçadores naturais abdica do ensino. Embora considere imprescindível que o professor prepare o aluno para os reforçadores naturais que prevalecem fora da escola, julga que, no processo de ensino, não há como abrir mão de reforçadores arranjados, uma vez que nem todas as matérias podem ser ensinadas com base em reforçadores naturais e o professor tende a se voltar para algum tipo de punição.

O único caso em que Skinner tem uma posição negativa no tocante ao que cita de Rousseau que não se refere a esse tema trata da ausência de uma política explícita como determinante daquilo que se ensina (citação 13) e da determinação da instrução com base nos métodos, nos professores, nas condições e nos materiais didáticos disponíveis. A citação 13 é feita no capítulo 11, e a referência a Rousseau ocorre para ilustrar essa situação, uma vez que, segundo Skinner, a educação de Emílio é proposta para mostrar a viabilidade e o alcance dos métodos de Rousseau e não decorre de uma política explícita para o ensino. Assim, também nesse caso, o papel da citação é exemplificar uma posição da qual Skinner discorda: exemplificar algo que considera inadequado no ensino, uma vez que a definição do que é ensinado deveria estar a serviço da sobrevivência da cultura e não ao sabor da disponibilidade de profissionais e de métodos.

Os casos em que Skinner tem uma posição positiva no tocante ao que cita de Rousseau referem-se a uma maior variedade de temas. Três deles (citações 4, 5 e 8b) dizem respeito ao uso de controle aversivo no ensino.

A citação 4 é feita no capítulo 5. Skinner aborda os subprodutos indesejáveis do controle aversivo utilizado na escola em nome de benefícios futuros para os estudantes. E cita Rousseau, ao dizer que, em seu tempo, ainda se poderia acrescentar que provavelmente nem metade dos estudantes viveria o suficiente para usufruir os benefícios pelos quais “os prazeres de sua infância foram sacrificados” (1968, p. 99) – o que não é verdade hoje em dia, embora o sacrifício continue.

Também no capítulo 5, aparece a citação 5. Skinner se contrapõe àqueles que defendem o uso de contingências aversivas como forma de ensinar o aluno a se ajustar a eventos desagradáveis e dolorosos, a agir sob ameaça e a submeter-se à dor, argumentando que tais contingências geralmente não são bem planejadas para tal objetivo. E faz referência ao programa apontado por Rousseau para ensinar uma criança a se submeter a estímulos aversivos sem pânico, apresentado na citação 2 – a ser comentada mais à frente – , como forma de apoio a seu ponto de vista de que se se considera relevante ensinar uma criança a lidar com estimulação aversiva, deve-se elaborar um programa com esse objetivo específico e não buscar ensiná-lo enquanto se ensinam outras coisas.

Na citação 8b (capítulo 7), ao mencionar a condenação de Rousseau às contingências inventadas e sua defesa dos reforçadores naturais, Skinner menciona o fato de Rousseau ter se posicionado contra os castigos praticados pelo homem e afirma que esta foi sua grande contribuição.

Nessas três citações, Skinner se refere a Rousseau para apoiar sua crítica ao uso de controle aversivo na escola – no primeiro caso, lembrando um problema adicional do uso desse tipo de controle nos tempos de Rousseau; no segundo, utilizando um programa sugerido por Rousseau para ensinar uma criança a lidar com estimulação aversiva como exemplo de que, se se considera relevante ensinar uma criança a se ajustar a eventos desagradáveis, então isto deve ser feito por meio de um programa específico para tanto, e não do planejamento de contingências aversivas enquanto se ensinam outras coisas; no terceiro caso, citando Rousseau como um autor que se opôs ao uso de controle aversivo no ensino, sendo esta a sua grande contribuição.

Também em sua defesa de programas específicos para o ensino de habilidades gerais – em contraposição àqueles que defendem que essas habilidades podem ser subprodutos do ensino de conteúdo, segundo determinados métodos (de acordo com Skinner, subprodutos casuais de métodos que não ensinam) –, Skinner faz duas outras citações de Rousseau (2 e 11) – além da citação 5, já mencionada em relação ao uso de controle aversivo no ensino – em apoio à sua posição.

A citação 2 ocorre no capítulo 4, quando Skinner trata da terceira das quatro objeções à tecnologia de ensino proposta por ele, objeção segundo a qual tal tecnologia não ensina atividades que podem ser tão importantes como o próprio assunto que está sendo ensinado.

Skinner afirma que um programa planejado apenas para transmitir conhecimento de determinada matéria, de fato, não ensina o aluno a estudar, a pensar; mas não o faz porque não foi planejado para tanto. Para atingir esses objetivos, programas devem ser especialmente elaborados, mas, nesse caso, com esses objetivos específicos e não enquanto se ensinam outras coisas. E traça um paralelo com o uso da palmatória durante o ensino de latim ou matemática para fortalecer o caráter e ensinar os alunos a receberem punições e a se responsabilizarem por seus atos. Segundo Skinner, se se consideram esses objetivos relevantes, eles devem ser ensinados por um programa à parte, e não enquanto se ensina latim ou matemática. E cita como exemplo um programa sugerido por Rousseau para ensinar a criança a se submeter a estímulos aversivos sem alarme ou pânico.

A citação 11 ocorre no capítulo 9. Ao afirmar que o professor pode estar interessado em enfraquecer o comportamento respondente, Skinner menciona os exemplos de Rousseau para ensinar uma criança a mergulhar na água fria ou a resistir a experiências amedrontadoras. Menciona, também, que John Watson acrescentou à técnica de Rousseau um estímulo eliciador de reações incompatíveis.

Assim, Skinner por duas vezes cita Rousseau ao defender programas específicos para os diferentes objetivos propostos: a primeira, ao criticar aqueles que propõem o uso da palmatória para ensinar, por exemplo, latim ou matemática, a fim de fortalecer o caráter, de ensinar os estudantes a receberem punições e a aceitarem a responsabilidade por seus atos; a segunda, ao salientar a possibilidade de o professor estar interessado em enfraquecer comportamento respondente.

A mesma defesa de Rousseau de fazer com que os estudantes dependam das coisas, e não das pessoas, já mencionada várias vezes, em conexão com o uso exclusivo de reforçadores naturais no ensino, de que Skinner discorda, aparece na citação 12. Desta vez, porém, com uma conotação positiva, em apoio à sua posição de que, no ensino, deve-se preocupar não apenas com a topografia das respostas a serem instaladas, mas também com as variáveis controladoras dessas respostas.

A citação 12 ocorre no capítulo 10. Ao tratar da definição do comportamento terminal, Skinner aponta problemas relacionados ao uso do termo conhecimento, e afirma que a aprendizagem de uma determinada topografia de resposta não é, em geral, considerada conhecimento. Skinner (1968) afirma que “desconfiamos do ouvir dizer e da aprendizagem livresca e preferimos a prática ao preceito” (p.202). E diz que este era o ponto de vista de Rousseau quando dizia: “Odeio livros. Eles só ensinam a falar das coisas das quais nada se sabe” (Rousseau, 1762, citado por Skinner, (1968) p.202-203). Skinner relaciona a defesa de Rousseau de que o estudante dependa das coisas, à preocupação que atribui ao autor, de recuperar variáveis perdidas na transmissão quando se lida com um assunto a partir do que dele se escreveu. Assim, a objeção de Rousseau não seria a de que o comportamento estaria errado, pois o escritor original poderia estar respondendo adequadamente às variáveis em questão, mas sim de que o falar poderia estar meramente reproduzindo uma topografia, sem relação com as variáveis controladoras originais. Segundo Skinner, o problema está na definição de comportamento, pois o operante não se define em termos de topografia, mas sim das variáveis das quais o comportamento é função. “Transmitir conhecimento é colocar comportamento com uma dada topografia sob o controle de determinadas variáveis” (p. 203).

Ainda uma citação de Rousseau em relação à qual Skinner tem uma posição positiva é a de número 3, em que Skinner critica propostas educacionais que não levam em conta o método de ensino. Essa citação é feita no capítulo 5. Skinner afirma que talvez não se deva esperar uma preocupação com o ensino propriamente dito nas tentativas atuais de melhorar a educação porque a crítica à educação tem sido feita por consumidores dela – pais, empregadores, por exemplo –, que, então, se voltam para os seus aspectos mais conspícuos – local, pessoal, equipamento, diferentemente do que ocorreu com reformas educacionais anteriores, propostas por professores – Comênio, Rousseau, John Dewey – familiarizados com os métodos de ensino. Se, por um lado, Skinner considera que o método deve estar a serviço de uma determinada política de ensino, e não o contrário, por outro, considera que o método é o aspecto central a ser levado em conta quando se avaliam os resultados da educação. E cita Rousseau em apoio à sua posição, afirmando que, como professor que era, soube levar em conta o método de ensino ao propor uma reforma educacional.

Finalmente, a citação 14 ocorre no capítulo 11. Ao salientar a importância da educação para combater a catástrofe que se deve esperar caso a educação não desempenhe o seu papel, não gere uma alternativa, Skinner fala da resistência dos responsáveis pela educação a novas práticas, resistência essa que, segundo ele, advém do medo do poder, do medo de assumir que controlam o comportamento de seus estudantes. E cita uma passagem do Emílio, de Rousseau, em que este autor “se entrega a uma fantasia de poder” sobre seu aluno. Skinner afirma que “o poder absoluto em educação não é uma questão séria, hoje em dia, pois parece fora do alcance” (p. 260); não obstante, é importante uma tecnologia de ensino que permita, sim, o controle do comportamento se se pretende competir com a catástrofe; e, nesse caso, o contracontrole deverá ser exercido por uma política destinada a maximizar a contribuição que a educação dará ao fortalecimento da cultura.

Esse mesmo trecho de Rousseau é citado por Skinner em O mito da liberdade (1983). Ali, Skinner afirma que o autor, um dos grandes representantes da literatura da liberdade, “não temeu o poder do reforçamento positivo”. E afirma, em seguida, que Rousseau adotava essa posição “por ter uma fé ilimitada na benevolência dos mestres, que usariam seu controle absoluto para o bem de seus pupilos” (p.35). No entanto, segundo Skinner, “a benevolência não constitui nenhuma garantia contra o mau uso do poder” (p.35).

Assim, em relação a essa citação, Skinner tem uma posição em parte positiva, quando afirma que Rousseau não temeu o poder do reforçamento positivo; de outra parte, menciona a necessidade da possibilidade do contracontrole, enquanto Rousseau não considera essa necessidade.

Com base na análise das citações, verifica-se que citar Rousseau é mais forte ou mais provável quando Skinner trata do uso de reforçadores naturais versus arranjados no ensino – e aqui, sempre com uma posição negativa em relação ao que cita de Rousseau –; quando critica o uso de controle aversivo no ensino; e quando defende o uso de programas específicos para se ensinarem habilidades gerais (“a programação procura atingir um objetivo de cada vez”) – nesses dois últimos casos, com posição positiva em relação ao que cita de Rousseau.

Verifica-se, também, que citar Rousseau, quando com uma posição negativa em relação àquilo que cita, tem o papel de exemplificar algo de que Skinner discorda em relação ao ensino. E quando com uma posição positiva em relação àquilo que cita, tem o papel de apoiar posições defendidas por Skinner.

 

Referências Bibliográficas

Bakhtin, M. M. (1981). La structure de l’énoncé. In: T. Todorov. Mikhail Bakhtine. Le principe dialogique. Suivi de Écrits du cercle de Bakhtine (pp. 287-316). Paris: Éditions du Seuil.         [ Links ]

Rousseau, J. J. (1762). Émile ou de l’éducation. Lê Haye: Néaulme.         [ Links ]

Rousseau, J. J. (2004). Emílio, ou da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1762).         [ Links ]

Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1972). Tecnologia do ensino. Tradução de Rodolpho Azzi. São Paulo: EPU. (Trabalho original publicado em 1968).         [ Links ]

Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1983). O mito da liberdade. Tradução de E.R.B. Rebelo. São Paulo: Summus. (trabalho original publicado em1971)         [ Links ]

 

 

Recebido em: 27/02/2007
Primeira decisão editorial em: 25/07/2007
Versão final em: 17/02/2008
Aceito em: 28/01/2008

 

 

1E-mail: ccbraz@msn.com
2E-mail: memazzilli@pucsp.br
3O termo “citação” é aqui utilizado não no sentido de transcrição literal de um trecho, mas no de “mencionar o nome de; fazer referência a (...)”, conforme Buarque de Holanda Ferreira, A. (1986). Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.

 

ANEXO 1: Tabela 1

Tabela 1 – Citações de Rousseau feitas por Skinner em Tecnologia do Ensino e sua contextualização na obra

Nº da citação

Nº do capítulo

Título do capítulo

Do que trata o capítulo

Intertítulo

Do que trata o intertítulo

Parágrafo

Página

Citação

1

IV

A Tecnologia do Ensino

Importância da relação entre a tecnologia de ensino e a ciência básica que lhe dá sustentação - Quatro diferentes espécies de programas - Algumas objeções à tecnologia de ensino proposta por Skinner

Algumas objeções comuns

Objeções à tecnologia de ensino proposta por Skinner

3

84-85

Outra objeção diz respeito ao uso de contingências de reforçamento arranjadas. Na vida diária, não se usam óculos para obter comida nem se apontam círculos para receber chocolate. Tais reforçadores não são naturalmente contingentes ao comportamento e pode parecer que há algo de sintético, espúrio ou mesmo fraudulento neles. O ataque às contingências de reforçamento arranjadas pode remontar a Rousseau [a] e a seu surpreendente livro Émile. Rousseau [b] queria evitar os sistemas punitivos de sua época. Convencido que estava de que a civilização corrompe, ele também temia todos os reforçadores sociais. Seu plano era tornar o estudante dependente de coisas, não de pessoas. John Dewey reafirmou esse princípio ao enfatizar experiências da vida real na sala de aula. Argumenta-se freqüentemente, na educação americana, que não se deve ensinar nada a uma criança até que ela possa colher benefícios naturais por sabê-lo. Ela não deve aprender a escrever até que possa sentir satisfação ao escrever seu nome em seus livros ou bilhetes a seus amigos. Produzir uma linha cinza em vez de uma amarela é irrelevante para a caligrafia. Infelizmente, o professor que se limita aos reforçadores naturais é freqüentemente ineficaz, particularmente porque apenas algumas matérias podem ser ensinadas através de seu uso, e ele eventualmente se volta para algum tipo de punição. Mas controle aversivo é a mais vergonhosa das irrelevâncias: é apenas na escola que se analisa uma sentença em Latim para evitar a palmatória.

2

IV

A Tecnologia do Ensino

Idem 1

Algumas objeções comuns

Idem 1

6

87

O educador que designa matéria a ser estudada para um exame iminente fornece ao estudante uma oportunidade de aprender a examinar o material de um modo especial, que facilita a recordação, a trabalhar assiduamente em algo que não é reforçador no momento, e assim por diante. É verdade que um programa planejado para simplesmente transmitir conhecimento de uma matéria não faz nada disso. Não o faz porque não é planejado para fazê-lo. A programação busca atingir um objetivo de cada vez. Maneiras eficientes de estudar e de pensar são objetivos independentes. Um paralelo grosseiro é oferecido pelo argumento corrente a favor da palmatória ou de práticas aversivas relacionadas, com o pretexto de que elas constroem o caráter, ensinam um garoto a suportar punição e a aceitar responsabilidade por sua conduta. Estes são objetivos valiosos, mas não deveriam necessariamente ser ensinados ao mesmo tempo que, digamos, gramática latina ou matemática. Rousseau sugeriu uma maneira relevante de programação, através da qual uma criança pode ser ensinada a submeter-se a estímulos aversivos sem alarme ou pânico. Ele salientou que um bebê colocado em um banho frio provavelmente ficará com medo e chorará; porém se se começar com a água na temperatura do corpo e se a for esfriando um grau por dia, o bebê eventualmente não se incomodará com a água fria. O programa deve ser seguido cuidadosamente. (Em seu entusiasmo pela nova ciência, Rousseau exclamava: “Use um termômetro!”) Programas semelhantes podem ensinar tolerância a estímulos dolorosos, mas surrar um garoto por ociosidade, esquecimento ou má caligrafia é um programa improvável. Apenas ocasionalmente construirá o que o século dezoito chamava de “base”, assim como apenas ocasionalmente eliminará a ociosidade, o esquecimento ou a má caligrafia.

3

V

Por que os Professores Fracassam

- Negligência do método, da compreensão dos processos de aprender e de ensinar, nas tentativas de melhorar a educação - Negligência em relação às conseqüências do comportamento do aluno na escola

(Intro-dução)

- Negligência em melhorar o ensino como tal, nas tentativas de melhorar a educação

2

93-94

Talvez não devêssemos esperar que perguntas desse tipo fossem feitas naquilo que é essencialmente uma revolta de consumidores. Reformas educacionais anteriores foram propostas por professores – um Comenius, um Rousseau, um John Dewey – que estavam familiarizados com os métodos de ensino, sabiam de suas limitações e achavam que havia uma chance de melhorá-los. Hoje os insatisfeitos são pais, empregadores e outros que estão descontentes com os produtos da educação. Quando professores se queixam, fazem-no como consumidores de educação de níveis inferiores – autoridades de pós-graduação querem um ensino superior melhor, e professores de faculdade trabalham para melhorar o currículo do ensino secundário. Talvez seja natural que consumidores se voltem para falhas conspícuas de local, pessoal e equipamento, em vez do método.

4

V

Por que os Professores Fracassam

Idem 3

Controle aversivo

- Presença dos castigos corporais e não corporais (controle aversivo) na educação e seus subprodutos

10

99

Todas essas reações têm acompanhamentos emocionais. Medo e ansiedade são características de fuga e esquiva; raiva, de contra-ataque; e ressentimento, de inação taciturna. Esses são traços clássicos de delinqüência juvenil, de doença psicossomática e de outros desajustamentos conhecidos das administrações e dos serviços de saúde de instituições educacionais. Há outras desvantagens sérias do controle aversivo. O comportamento que satisfaz contingências aversivas pode ter características indesejáveis. Ele pode ser indevidamente compulsivo (“meticuloso” outrora significava receoso); ele exige esforço; ele é trabalho. O estudante desempenha um papel submisso que é cada vez menos útil à medida que as práticas culturais se afastam de padrões totalitários. Rousseau tinha um motivo a mais para se queixar, já que provavelmente nem metade dos alunos de seu tempo viveria o suficiente para usufruir os benefícios pelos quais os prazeres de sua infância foram sacrificados. Felizmente, isto não é mais verdade, mas o sacrifício continua.

5

V

Por que os Professores Fracassam

Idem 3

Controle aversivo

Idem 3

16

101- 102

Contingências aversivas proporcionam também uma oportunidade para o estudante aprender a ajustar-se ao desagradável e doloroso, para agir efetivamente quando ameaçado, para submeter-se a dor, mas tais contingências usualmente não são bem planejadas para esse propósito. Como Rousseau apontou (...), pode-se ensinar uma criança a lidar com estimulação aversiva, mas as contingências requeridas para tanto não combinam facilmente com contingências planejadas para ensinar outras coisas.

6

V

Por que os Professores Fracassam

Idem 3

Dizer e mostrar

- Dificuldades da proposta de dar ao estudante a oportunidade de aprender naturalmente na escola, sem a programação de conse- qüências

3

104

Rousseau foi o grande advogado da aprendizagem natural. Emílio deveria ser ensinado pelo mundo das coisas. Seu professor deveria chamar sua atenção para esse mundo; mas, fora isso, sua educação deveria ser negativa. Não deveria haver contingências arranjadas. Mas Emílio era um estudante imaginário, com processos de aprendizagem imaginários. Quando o discípulo de Rousseau, Pestalozzi, testou os métodos com seu próprio filho, teve dificuldades. Seu diário é um dos documentos mais patéticos da história da educação. Enquanto caminhava com seu jovem filho pelas margens de um riacho, Pestalozzi repetia várias vezes “A água corre morro abaixo”. Ele mostrava ao garoto que “a madeira flutua na água e... as pedras afundam”. Quer a criança estivesse aprendendo algo ou não, ela não estava infeliz, e Pestalozzi podia pelo menos acreditar que estava usando o método correto. Mas quando o mundo das coisas teve que ser deixado para trás, não foi mais possível esconder o fracasso. “Só com muita dificuldade eu conseguia fazer com que ele lesse; ele tem milhares de maneiras de escapar, e nunca perde a oportunidade de fazer alguma outra coisa.” Ele conseguia fazer com que o garoto se sentasse, durante suas aulas fazendo-o, antes, “correr e brincar fora de casa, no frio”, mas, então, o próprio Pestalozzi estava exausto. Inevitavelmente, é claro, ele retornou a medidas aversivas. “Ele logo se cansava de aprender a ler, mas como eu tinha decidido que ele deveria trabalhar regularmente nisso todos os dias, quer ele quisesse, quer não, decidi fazer com que ele, desde o início, sentisse a necessidade de fazê-lo, mostrando-lhe que não havia alternativa entre seu trabalho e meu desprazer, o que eu lhe fiz sentir mantendo-o dentro de casa

7

V

Por que os Professores Fracassam

Idem 3

Dizer e mostrar

Idem 6

Nota 1

104

Um contemporâneo de Pestalozzi, Thomas Day, autor de Sandford and Merton, um livro para crianças, “morreu em conseqüência de um coice de um cavalo que estava tentando domar baseado nos princípos de Rousseau, um mártir da Razão e da Natureza”.

8

VII

A Motivação do Estudante

- Importância das conseqüências do estudo para manter o aluno estudando - Ausência de reforçadores adequados na escola e deficiências no arranjo de contingências

Refor-çadores naturais

- Problemas que fazem com que os reforçadores naturais não sejam uma boa alternativa no ensino

1

152- 153

As dificuldades inerentes às contingências arranjadas chamaram a atenção para os reforçadores naturais. Rousseau [a] explicou detalhadamente como eles poderiam ser usados. Fora com punição estabelecida pelo homem e – e essa foi a contribuição especial de Rousseau [b] – fora com recompensas produzidas pelo homem! O homem é naturalmente feliz e bom; é a sociedade que o corrompe e o torna infeliz; portanto, deixe-o ser ensinado pela natureza. Torne o estudante independente dos homens; ensine-o a depender das coisas. Use apenas formas de coerção ou punição que se originam naturalmente de seu comportamento; se ele quebra uma janela, não a conserte, deixe que ele experiencie um quarto frio. Use apenas recompensas naturais. Reforçadores sociais infelizmente não podem ser negligenciados, mas podem pelo menos ser genuínos.

9

VII

A Motivação do Estudante

Idem 8

Refor-çadores naturais

Idem 8

2

153

Rousseau logo teve discípulos, mas só depois de um século e meio John Dewey pôs amplamente em prática idéias semelhantes. Dewey mostrou como se pode colocar uma criança em contato com o mundo sobre o qual ela deve aprender – um mundo que ela explorará, descobrirá, observará e do qual se lembrará porque ele é atraente, intrigante e naturalmente recompensador e punidor. Deixe que ele aprenda na escola como aprende em sua vida diária.

10

VII

A Motivação do Estudante

Idem 8

Refor-çadores naturais

Idem 8

3

153

Nem todos os reforçadores naturais são úteis. A maior parte daqueles que têm óbvio significado biológico, como comida e ferimento, não é naturalmente contingente a comportamento de um currículo padrão. Felizmente, entretanto, o organismo humano parece ser reforçado por outros tipos de efeitos. Um bebê balança um chocalho, uma criança corre com uma rodinha, um cientista opera um ciclotron – e todos são reforçados pelos resultados. Somos reforçados quando um barbante é desembaraçado, quando um objeto estranho é identificado, quando uma sentença que estamos lendo faz sentido. É bom para a espécie humana que seja assim, e afortunado para o professor. Não obstante, há problemas. O professor que usa contingências de reforçamento naturais de fato abandona seu papel de professor. Ele só tem que expor o estudante ao ambiente; o ambiente ensinará. Não era à toa que Rousseau falava em educação negativa.

11

IX

Disciplina, Comporta-mento Ético e Auto-controle

- Análise de diferentes maneiras de enfraquecer comportamentos indesejáveis dos estudantes – seus defeitos e qualidades

Com-porta-mento respon-dente

- Associação entre compor-tamento operante e comportamento respondente, entre senti-mentos e ações

5

195- 196

O professor pode também estar interessado em enfraquecer comportamento respondente. Como já vimos, Rousseau sugeriu ensinar um bebê a aceitar um mergulho em água fria, diminuindo gradualmente, a cada dia, a temperatura da água do banho. Algo desse tipo provavelmente ocorre quando estudantes aprendem a aceitar a monotonia de tarefas repetitivas ou o desconforto do trabalho árduo. Rousseau também propôs ensinar uma criança a suportar experiências amedrontadoras. O professor deveria usar uma série de máscaras, variando de agradável a grotesca, através de uma seqüência cuidadosamente planejada. Se as mudanças fossem adequadamente programadas, a criança presumivelmente não ficaria amedrontada pela máscara final grotesca. A psicoterapia por dessensibilização opera segundo o mesmo princípio: estímulos que eliciam respostas emocionais incondicionadas ou condicionadas são fornecidos em pequenas doses, e quando as respostas se adaptam ou se extinguem, respectivamente, doses maiores são fornecidas. John B. Watson aperfeiçoou a técnica de Rousseau, acrescentando um estímulo eliciador de reações incompatíveis. Um objeto que elicia respostas características de medo era apresentado a uma criança faminta, em combinação com alimento. Tanto na clínica quanto no laboratório, o que deve ser atenuado é, usualmente, comportamento operante (particularmente esquiva), em vez das respostas emocionais que são sentidas.

12

X

Uma Revisão do Ensino

- Importância de se especificar o comportamento terminal; formas de se produzir o comportamento desejado – suas qualidades e seus problemas

O com-porta-mento terminal

- Problemas na definição do comportamento terminal

8

202- 203

Suspeitamos da simples topografia. Comportamento verbal transmitido como simples forma de resposta parece deixar o conhecimento para trás. Um homem pode repetir corretamente o que alguém acabou de dizer, ou ler o que alguém escreveu, ou recitar o que aprendeu, sem saber o que está dizendo. Ele pode até mesmo fazê-lo em um idioma desconhecido. Até onde podemos dizer, tudo o que ele realmente sabe é ecoar, ler ou responder intraverbalmente. Desconfiamos dos boatos e da aprendizagem livresca, e preferimos a prática ao preceito. Este era o ponto enfatizado por Platão ao desacreditar a invenção do alfabeto: “Eles [que leram o que outros escreveram] parecerão oniscientes e, de modo geral, nada saberão.” Esse era o ponto salientado por Rousseau quando dizia: “Odeio livros. Eles apenas ensinam a falar sobre coisas das quais nada se sabe.” A objeção não é de que o comportamento esteja errado (o escritor original pode ter respondido de modo apropriado), mas de que aquilo sobre o que se fala não toma parte no comportamento. (Há sempre o perigo de que as variáveis originais tenham mudado e de que o que é transmitido esteja ultrapassado. Bacon instou seus contemporâneos a estudarem a natureza e não os livros, porque os livros de que ele falava já não eram mais as melhores descrições da natureza; pela mesma razão insistimos em que os livros didáticos se mantenham atualizados em relação às mudanças na matéria de que tratam. Mas voltar-se para a natureza ou, como queria Rousseau, tornar o estudante “dependente das coisas” é primariamente um esforço para trazer de volta algumas das variáveis perdidas na transmissão.)

13

XI

O Comporta-mento do Sistema

- Cinco classes de pessoas (“figuras no mundo da educação”) – além dos alunos – que estão envolvidas na educação e que estão sujeitas a contingências que precisam ser alteradas

Patrocínio e política

- Quais as contingências responsáveis pelo comportamen-to daqueles que mantêm o sistema edu-cacional e que, conseqüente-mente, deter- minam a polí- tica adotada

16

234- 235

Muito do que é ensinado atualmente não é assunto de uma política explícita. As escolas freqüentemente oferecem instrução em matérias que os professores disponíveis podem ensinar. Eles tendem a ensinar aquilo que pode ser ensinado com os métodos disponíveis, nas condições disponíveis, com os livros didáticos e outros materiais disponíveis. A educação de Emílio foi planejada para demonstrar a viabilidade e o escopo dos métodos de Rousseau. Quando os métodos mudam, como no caso da educação progressiva, mudanças substanciais são feitas naquilo que é ensinado. Um professor continua a ensinar as coisas que consegue ensinar efetivamente e tende a descartar outras, e, como resultado, o conteúdo do curso muda. Escritores de livros didáticos atuam sob contingências semelhantes: o livro didático é, freqüentemente, mais uma coleção de tópicos que podem ser facilmente ensinados do que um sumário equilibrado da área. Quando são livres para fazê-lo, os professores ensinam as matérias de que gostam e os especialistas que determinam a política também seguem suas próprias predileções. A nova matemática é a matemática dos matemáticos. Difíceis problemas motivacionais são resolvidos ensinando-se aquilo de que os estudantes gostam, e é muito mais provável que isto se dê por uma questão de reforçamento imediato do que por sua contribuição última. Sinais rápidos de progresso determinam a política. Ao aluno iniciante que está aprendendo a tocar um instrumento musical ensina-se a tocar uma peça acuradamente, como uma clara indicação de que ele está aprendendo a tocar, embora realizações menos óbvias pudessem ser mais importantes para a habilidade posterior e, sobretudo, para manter o interesse pela música. O que é ensinado freqüentemente tende a ser simplesmente o que pode ser mensurado por testes e exames. Comportamento que não é facilmente submetido a mensuração é negligenciado porque não causaria impressão em agências credenciadoras ou outras que julgam uma instituição.

14

XI

O Comporta-mento do Sistema

Idem 13

O poder de uma tecnolo-gia do ensino

- Urgência de uma tecnolo-gia de ensino e razões pelas quais a tecnologia proposta por Skinner é pouco conhecida ou é temida

3-4

259-260

Muitos dos responsáveis pela melhoria da educação não estão cientes de que existe disponível auxílio técnico comparável, e muitos o temem quando informados sobre sua existência. Eles resistem a qualquer prática nova, que não tenha o caráter familiar e tranqüilizador da comunicação do dia-a-dia. Eles continuam a discutir a aprendizagem e o ensino na linguagem do leigo. É quase como se aqueles responsáveis pela melhoria da medicina e da saúde pública falassem sobre a doença como uma falta de equilíbrio entre os humores. Muita dessa resistência a uma tecnologia de ensino pode ser atribuída a um medo geral de poder. Educadores raramente mostram-se propensos a admitir que estão empenhados no controle do comportamento humano. A própria palavra “controle” é evitada em favor de sinônimos menos ameaçadores, tais como “influenciar” ou “guiar”. Hesitação semelhante é observada quando professores se abstêm de ensinar eficientemente para não tirar parte do crédito que, então, seria do aluno. Reforçamento positivo é uma ameaça especial. Técnicas aversivas são toleradas, em parte porque eventualmente fracassam, e o fracasso assume a tranqüilizante forma de resistência ou revolta. Podemos justificar a coerção a um estudante porque ele tem o direito de recusar a coerção. Induzi-lo a estudar por meio de medidas positivas parece particularmente insidioso, porque é improvável que ele se revolte. O controle positivo está em questão em uma curiosa passagem de Emílio (...), na qual Rousseau se entrega a uma fantasia de poder: “Deixe [o estudante] acreditar que ele está sempre com o controle, embora seja sempre você [o professor] que de fato controla. Não há subjugação tão perfeita quanto aquela que mantém a aparência de liberdade, porque desse modo captura-se a própria volição. O pobre bebê, que nada sabe, que não é capaz de fazer nada, que não aprendeu coisa alguma, não está à sua mercê? Você não pode arranjar tudo no mundo que o circunda? Não pode influenciá-lo como desejar? Seu trabalho, sua brincadeira, seus prazeres, suas dores não estão todos em suas mãos sem que ele o saiba? Sem dúvida ele deve fazer apenas o que quiser; mas deve querer fazer apenas o que você quiser que ele faça. Ele não deve dar um passo que você não tenha previsto; não deve abrir a boca sem que você saiba o que ele vai dizer.”