SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número1Controle de estímulos, modelagem do comportamento verbal e correspondência no “Otelo” de ShakespeareAlterações ambientais independentes da reposta e sua interação com o relato verbal índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versión impresa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.11 no.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Uma análise etimológico-funcional de nomes de sentimentos1,2

 

An etymological-functional analysis of feelings names

 

 

Elizeu Borloti3; Karina de Andrade Fonseca4; Carina Paiva Charpinel4; Karyne Mariano Lira4

Universidade Federal do Espírito Santo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A tese skinneriana de que todas as palavras usadas para designar sentimentos começaram como metáforas foi considera uma “teoria funcional da metáfora”. O objetivo deste artigo é descrever a etimologia de nomes de sentimentos na Língua Portuguesa por meio de uma análise etimológicofuncional na qual foram inferidas as possíveis contingências originais que poderiam ter controlado a emissão desses nomes. Os dados foram cinco nomes de sentimentos analisados por uma combinação da análise de sua etimologia e de sua função. Os resultados confirmam a tese skinneriana revelando a contingência original que deu o sentido radical ao radical das palavras. Revelam, ainda, a possibilidade de análise funcional de elementos gramaticais adicionais que compõem a morfologia das palavras.

Palavras-chave: Etimologia, Análise funcional, Metáfora, Autoclítico.


ABSTRACT

Skinner’s thesis, that all words used to describe feelings started out as metaphors, was considered to be a “functional theory of metaphor”. The aim of this paper is to describe the etymology of the names of feelings in Portuguese by means of an etymological-functional analysis in which the possible, original contingencies that might have controlled the emergence of these names were abstracted. The data comprised the names of five feelings analyzed through a combination of etymological and functional analysis. The results corroborate the Skinnerian thesis and they conclude with the original contingency that gave the radical meaning to the roots of words. The results point to the possibility of a functional analysis of additional elements of grammar that form the morphology of the words.

Keywords: Etymology, Functional analysis, Metaphor, Autoclitic.


 

 

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (Houaiss & Villar, 2001), considerado um dos mais completos, contém cerca de 228.500 verbetes de palavras das quais a origem se sabe pouco. Como ocorre no estudo do surgimento das palavras nas demais línguas, o estudo histórico do Português emprega teorias lingüísticas hipotéticas que explicam o aparecimento das palavras. Segundo Berlitz (1988), algumas das hipóteses teóricas propostas pelos lingüistas postulam que o surgimento das primeiras palavras teria ocorrido a partir 1) de gritos de alerta para os outros ou de exclamações de desagrado, fome, dor ou prazer; 2) de sons produzidos por certos animais; 3) de objetos, ações e fenômenos com um som distintivo; e 4) de cantos ritmados que acompanhavam um trabalho sendo executado.

Neste contexto da lingüística tradicional, a origem das palavras utilizadas para descrever emoções e sentimentos é, provavelmente, explicada pela teoria “interjeitiva”, que diz respeito à atribuição de sons às emoções, mas isto continua uma conjectura. De fato, os etimologistas sempre buscaram o significado etymom da palavra, ou seja, o seu significado íntimo. Ao elencar alguns desses sentidos íntimos para nomes dos sentimentos, os etimologistas sempre descrevem uma circunstância que teria sido contexto para o “uso” da palavra que designa um sentimento. Entretanto, segundo os analistas do comportamento, o contexto para qualquer comportamento verbal é a circunstância de estímulo (ou propriedades do estímulo) somada ao controle pela audiência (Catania, 1998; Skinner, 1957). O contexto para a nomeação de um sentimento é composto pelo conjunto de estímulos e propriedades de estímulo de um acontecimento, incluindo as condições corporais eliciadas pelo acontecimento.

Ao discutir o lugar do sentimento na análise comportamental, Skinner (1989/2006) lança o que se poderia chamar de “teoria funcional metafórica” sobre a origem dos nomes de sentimentos, pois, segundo ele, “todas as palavras usadas para designar sentimentos começaram como metáforas” (p. 20). Questionando a noção tradicional de linguagem como “instrumento de uso”, a teoria funcional do significado continua sendo pragmática ao apontar a função do contexto ambiental físico e social (audiência) no controle da emissão (e não do “uso”) de qualquer operante verbal, incluindo os nomes de sentimentos. Isto foi reconhecido pela Lingüística no início da década de 90, quando Andresen (1990) afirmou que o livro Verbal Behavior (Skinner, 1957) foi um precursor da pragmática, a área da lingüística que estuda o “uso” das palavras.

Neste artigo, esta é a concepção pragmática adotada para a compreensão da emissão de palavras. O estudo que deu origem a este artigo pode ser considerado empírico, na medida em que seus dados são registros escritos de comportamentos verbais vocais. De acordo com Skinner (1957), esta deveria ser a concepção quando se estudam certos tipos de registros verbais, uma vez que há uma relação direta entre o produto registrado e o processo que o derivou. Isto é válido para qualquer dado comportamental. De fato, analistas do comportamento (e, por extensão, os psicólogos em geral) sempre estudam produtos registrados; e não diretamente o processo que os geraram (Parrot & Hake, 1983).

Tomando como base os preceitos da Análise do Comportamento e, em especial, a teoria funcional da metáfora, de Skinner (1989/2006), o objetivo deste artigo é descrever a etimologia de nomes de sentimentos na Língua Portuguesa por meio de uma análise etimológico-funcional. Assim, como parte desta descrição, são inferidas as possíveis contingências originais que poderiam ter controlado a emissão desses nomes. Defende-se aqui que descrever a evolução do significado de uma palavra desde sua origem significa, em muitos casos, descobrir seu sentido etymom (íntimo) na contingência original.

A seção seguinte apresenta a análise funcional do comportamento verbal; depois é descrito como esta análise é aplicada aos nomes de sentimentos; em seguida apresenta-se o método; por fim são discutidos os resultados e apresentada a conclusão.

 

A Análise Funcional do Comportamento Verbal

O comportamento operante não verbal opera o ambiente produzindo seu reforçador de um modo mecânico e direto. Por outro lado, o comportamento operante verbal produz seu reforçador ao afetar outras pessoas, mediadoras (audiências, consequenciadores ou ouvintes, que podem ser constituídos pelo próprio falante) da relação entre o comportamento verbal e o ambiente físico. Portanto, o comportamento verbal, não importa se topograficamente escrito, vocal ou gestual, é função das contingências de reforçamento. A explicação de quaisquer de suas instâncias é a descrição dessa função.

Esta análise funcional diferencia a abordagem de Skinner das demais abordagens da linguagem. Por exemplo, a análise funcional conflita com a suposição de que o falante “usa” a palavra para expressar um significado; ou de que o significado (ou semântica) da linguagem estaria formulado anteriormente numa idéia ou numa mente do falante; ou de que a gramática (ou sintaxe) é uma propriedade verbal inata ou mental. Em oposição, a análise funcional da linguagem conceitua os fenômenos lingüísticos como uma relação entre o comportamento verbal e os seus estímulos contextuais, antecedentes e conseqüentes. No caso dos repertórios verbais vocais, a unidade funcional dessa análise pode ser uma palavra, uma frase, uma sentença, um parágrafo ou quaisquer de suas partes (tal como o prefixo ou o tempo ou modo de um verbo) ou propriedades (tal como a tonicidade ou a velocidade). O significado dessa relação está na contingência que a determina. Assim, é esse controle de estímulo que diz o significado do comportamento verbal do falante (por exemplo, o controle do dizer “formiga” na presença do tipo de inseto que se convencionou chamar assim, da pergunta “qual o inseto comumente encontrado no açúcar?” ou das condições corporais que definem uma perna dormente). Se o ouvinte estiver sob esse mesmo controle de estímulo, diz-se que ele “compreende” o significado daquilo que o falante diz. Portanto, a análise funcional do comportamento verbal é uma análise das contingências de reforçamento em um dado contexto de controle de estímulo.

As contingências de reforçamento do comportamento verbal envolvem estímulos discriminativos e reforçadores presentes em quaisquer outras contingências não verbais. Porém, dada a forma como esses estímulos controlam “propriedades topográficas e dinâmicas distintas”, Skinner (1957, p. 2) tratou-as de modo especial, denominando-as de relações verbais. Os estímulos discriminativos dizem respeito à própria audiência, aos estímulos não verbais (incluindo propriedades desses e operações estabelecedoras) e aos estímulos verbais (públicos ou privados). Os estímulos reforçadores são intermitentes e múltiplos, advindos de mais de uma contingência, e, em geral, são condicionados de forma generalizada (por exemplo, “aprovação” por parte do ouvinte), pois a maior parte das relações verbais é controlada por “uma grande variedade de reforços, cada um dos quais relevante para um estado de privação ou estimulação aversiva” (Skinner, 1957, p.53).

Foi com estes elementos que Skinner (1957) classificou as relações verbais; cada relação define uma função. Segundo ele, essas funções definem duas ordens de relações verbais: relações verbais de primeira e de segunda ordem. Há seis relações de primeira ordem, que são diferenciadas pela ênfase no controle exercido pelo estímulo (discriminativo ou reforçador) que participa da relação, definindo-a pela função: mando, tato, intraverbal, ecóico, transcritivo (copiar e tomar ditado) e textual. O que define um operante verbal é a relação de controle; portanto, uma mesma resposta verbal, “formiga”, por exemplo, pode ser um tato ou um intraverbal.

 

Tato: Uma Primeira Ordem na Nomeação de Sentimentos

O tato é um comportamento verbal tão importante que constitui a base de muitas teorias do significado, pois está sob controle de tudo o que “se fala a respeito” (Skinner, 1957, p. 81). A relação de tato, diferente da relação envolvendo operações estabelecedoras (mando) e das relações envolvendo estímulos antecedentes verbais (ecóico, intraverbal, textual e transcritivo), desenvolve-se de um modo peculiar, permitindo aos outros o “acesso ao mundo” (público e privado) que controla o comportamento verbal do falante.

Para situar as diferenças básicas entre o tato e os demais operantes, é suficiente saber que o mando enfatiza uma conexão entre a resposta verbal e um reforçador específico; e é emitido na presença de um ouvinte e de uma operação estabelecedora que torna reforçador um objeto ou acontecimento particular.

Intraverbais, ecóicos, transcritivos e textuais enfatizam uma relação arbitrária (e mantida pela comunidade verbal por reforço tipicamente generalizado) entre a resposta verbal e estímulos discriminativos verbais. Suas diferenças funcionais se devem ao tipo de estímulo discriminativo verbal (se escrito ou vocal, por exemplo), à presença ou ausência de similaridade formal entre os discriminativos e as respostas verbais (por exemplo, se um som ouvido tem similaridade com o som falado) ou à correspondência ou não entre pontos desses discriminativos e respostas (por exemplo, se partes de um estímulo escrito correspondem a partes copiadas ou lidas).

O tato enfatiza a relação de controle entre estímulos discriminativos não verbais e a resposta verbal. Esses estímulos podem ser objetos (por exemplo, o fogo), eventos, acontecimentos (a dor do contato da pele com o fogo) ou alguma de suas propriedades (o movimento ou o calor do fogo). O falante pode tatear qualquer tipo de estímulo ou propriedade de estímulo do ambiente, incluindo o comportamento verbal dos outros e de si mesmo ou suas propriedades. A correspondência entre o estímulo e a resposta pode ser convencional ou não e é sempre reforçada de modo generalizado.

Uma relação de controle com correspondência convencional e única define o tato puro (por exemplo, a relação entre o dizer “fogo” na presença de fogo e de uma audiência que pergunta, apontando para as chamas, “o que é isto?”). Uma relação de correspondência (que pode ou não ser convencional) define a abstração, um tipo especial de tato (por exemplo, dizer “calor” na presença da audiência e de uma propriedade do fogo).

Uma relação de correspondência menos convencional, e com controles advindos de outras fontes, define o tato impuro (por exemplo, uma relação de mando se funde à relação de tato quando “fogo” é dito diante de uma audiência, de uma lareira acesa e quando se quer acender um cigarro).

Tatos estendidos são relações menos convencionais entre a resposta e o estímulo discriminativo: se a resposta estiver sob controle de uma propriedade colateral tida como “correta”, aceitável e útil à comunidade tem-se um tato genérico (por exemplo, dizer “fogo” diante de uma audiência e de um novo tipo de fogo, com chamas azuladas ou transparentes, ou até mesmo de um processo de combustão sem chamas); se a resposta estiver sob controle de uma propriedade adventícia e for tida como “incorreta”, porém útil, de alguma maneira, à comunidade, tem-se um tato metafórico (por exemplo, dizer “fogo” diante de uma audiência amada); se a resposta estiver sob controle de um estímulo contíguo temse um tato metonímico (por exemplo, dizer “com muito suor o fogo está sendo apagado” diante de uma audiência e diante do trabalho árduo dos bombeiros lançando água sobre as chamas); se a resposta estiver sob controle de um estímulo relacionado a ela de modo distante e, por isto, caracterizando desvios ou impropriedades, tem-se um tato solecista (por exemplo, dizer “folgo” [verbo folgar] diante de uma audiência e do fogo). Metáforas, metonímias e solecismos são “licenciados” para emissão em poemas, por exemplo. No dia-a-dia, entretanto, uma mesma relação de tato controla a audiência a reforçar o tato como “correto” ou “incorreto”.

 

Autoclítico: Uma Segunda Ordem na Nomeação de Sentimentos

Autoclíticos são unidades verbais concorrentes e dependentes das relações verbais de primeira ordem, modificando os efeitos dessas relações sobre a audiência (Catania, 1998). “São centrais na abordagem do comportamento verbal” (Catania, 1980, p. 175), pois elas alteram a efetividade do comportamento verbal primário ou a ação do ouvinte diante do comportamento verbal primário (por exemplo, num dado contexto, “o fogo” é mais efetivo do que “aquele fogo” e o e aquele não são emitidos isolados).

Concorrência e dependência foram propriedades que levaram Skinner (1957) a nomear de autoclíticas essas relações: o termo diz respeito ao fato do falante ficar sob controle de algum aspecto do seu próprio comportamento a partir das condições que o controlam em uma relação verbal de primeira ordem e isto evocar respostas verbais adicionais ou de segunda ordem. Assim, elas podem ser compreendidas como respostas verbais sobre respostas verbais primárias, tornando mais efetivas as funções primárias. Dado que uma resposta verbal é emitida a partir da discriminação de um estímulo, pode-se afirmar que o autoclítico é “a discriminação dessa discriminação”. Segundo Skinner (1986), ele evoluiu no processo de exigência da audiência por informações mais precisas sobre o que se diz ou sobre o que foi discriminado.

A partir dessa precisão, pode-se afirmar que as relações de primeira ordem constituem a matéria-prima verbal bruta (Skinner, 1957) e as de segunda ordem, a sua lapidação. Como lembrou Chandra (1976), a compreensão dos autoclíticos é facilitada na comparação entre eles e um processo não verbal. No exemplo do andar, pernas seriam elementos primários e coordenação de pernas – um elemento concorrente e dependente dos elementos primários – é elemento secundário. Isto permite compreender a etimologia da palavra autoclítico: deriva dos termos gregos autos (eu) e klit- (inclinar-se sobre) (Epting & Critchfield, 2006; Catania, 1980).

Como relações de segunda ordem, funções autoclíticas aparecem em palavras inteiras (que, gramaticalmente, poderiam ser verbos, pronomes ou adjetivos), fragmentos de palavras (que, gramaticalmente, poderiam ser prefixos, sufixos ou, tipologicamente, letras maiúsculas ou itálicas) ou propriedades de palavras ou de seus fragmentos que podem ser representadas por sinais tipológicos (pontuações, por exemplo) ou não (a ironia, por exemplo).

Uma divisão funcional das unidades autoclíticas inclui-nas em duas grandes categorias: autoclíticos “de tato” e autoclíticos “de mando”. Os “de tato” são descrições das condições sob as quais a resposta é emitida pelo falante ou das propriedades dessa resposta. Os “de mando” são controlados por operações estabelecedoras advindas do comportamento do ouvinte.

As funções dos autoclíticos se dão no fato deles: 1)“tatearem” o tipo, a força, o estilo da resposta, que ela está sendo ou que será emitida, que é incomum e/ou o como ela se relaciona com outras respostas ou com aspectos do evento ou acontecimento; ou 2) “mandarem” uma ação específica ao ouvinte e/ou uma nova construção verbal, uma parada, um começo ou uma mudança de rumo das respostas dele. Tais funções permitem descrever seis subcategorias, dadas pelas propriedades das relações de primeira ordem que participam do controle dos autoclíticos: descritivos, quantificadores, qualificadores, manipulativos, relacionais e de composição (Borloti, 2004; Skinner, 1957).

Autoclíticos descritivos são “de tato” por serem discriminações das condições sob as quais uma resposta primária está sendo emitida. A relação de controle se dá entre as unidades autoclíticas e essas condições. Portanto, elas tornam mais precisas à audiência as propriedades dos controles antecedentes dessa resposta e, portanto, que tipo de operante ela é. Skinner (1957) descreveu seis tipos de descritivos de acordo com o que estão tornando mais preciso: 1) o operante verbal primário em si mesmo e suas variáveis controladoras (“vejo que vai pegar fogo”), 2) o estado de força do operante primário (“acho que este fogo não vai durar”), 3) as relações entre o operante primário e outros operantes verbais do repertório do falante ou da audiência ou outras circunstâncias relacionadas à emissão do operante primário (“eu admito que você acende o meu fogo”), 4) a condição emocional ou motivacional do falante ao emitir o operante primário (“sinto muito informar que não conseguimos apagar o fogo da sua casa”), 5) a qualificação ou o cancelamento do operante primário (“eu não diria que é impossível controlar o fogo”) ou 6) uma relação de subordinação entre um operante primário a ser dito e um outro já dito (“ou seja, não conseguimos salvar sua casa”).

Os autoclíticos quantificadores também são “de tato” por afetarem a audiência ao tornarem mais precisas as propriedades relativas à quantidade do operante básico ou as circunstâncias que controlam essas propriedades (por exemplo, “todos os livros foram queimados”). A relação de controle é entre as unidades autoclíticas e essas propriedades relativas à quantidade.

Os qualificadores, por sua vez, são “de mando” porque, ao qualificarem o operante verbal primário, modificam a direção ou a intensidade do comportamento da audiência em relação a esse operante (por exemplo, “isto não é um incêndio de verdade” contém um qualificador de negação). A relação de controle é entre as unidades autoclíticas e a propriedade qualidade do operante primário.

Os manipulativos também são “de mando” no mesmo sentido em que são os qualificadores, porém a função “de mando” é mais direta. Segundo Skinner (1957), eles são abreviações de mandos remotos que instruem a audiência a arranjar e relacionar mais adequadamente (de acordo com o que o falante julga adequado) o modo como reage ao operante primário (por exemplo, “o fogo destruiu tudo, mas conseguimos salvar o bebê”). A relação de controle é entre as unidades autoclíticas e as propriedades do comportamento do ouvinte advindas de operações estabelecedoras (no exemplo acima, o mas “instrui” no ouvinte uma outra reação ao estímulo “o fogo destruiu tudo”, diferente, por exemplo, do pensar que o bebê foi morto pelo incêndio).

Os relacionais são unidades “de tato” controladas por relações entre operantes primários e são emitidos de um modo particular e de acordo com essas relações (“o bebê está longe das chamas, no quarto dos fundos”). Pode-se dizer, portanto, que a relação de controle dessas unidades relacionais se dá entre as unidades e propriedades da relação entre os operantes primários.

Os autoclíticos de composição, também “de mando”, precisam propriedades específicas de combinação entre operantes primários e instruem a audiência a produzir um comportamento verbal dotado com essas propriedades. Por exemplo, ao dizer “os moradores ajudaram os bombeiros a apagar o fogo e vice-versa”, o falante obriga o ouvinte a produzir uma resposta verbal combinando os operantes pela propriedade reversibilidade: “os bombeiros ajudaram os moradores” e “os moradores ajudaram os bombeiros”. A relação de controle é entre a unidade autoclítica e a propriedade específica da composição esperada na resposta do ouvinte.

Importante para a análise dos elementos constituintes de uma palavranome de algo, em especial os nomes de sentimentos, são os prefixos e sufixos. Como elementos adicionais ao nome, são colaterais, secundários ao operante primário que se chama “o nome de algo”. Portanto, são unidades autoclíticas e não podem ser emitidas isoladas do nome. Em geral, elas são autoclíticos “de tato” da condição controladora da relação verbal de ordem primária (ou de alguma de suas propriedades) e que caracteriza a sua emissão como a parte principal do nome, aquilo que os gramáticos chamam de radical. Segundo Catania (1980), esses elementos adicionais podem ser vistos como a “estrutura” do nome de algo, transformando, combinando e rearranjando a relação primária que controlou a emissão do radical como parte da estrutura. O autor alerta que uma análise deste tipo não é uma valorização dos elementos morfológicos da palavra: “Talvez, então, a característica crítica da linguagem humana não é a sua gramática, mas, ao invés disto, o modo como ela funciona em nossas discriminações de nosso próprio comportamento” (p. 186).

Esta função é evidente na substantivação de um verbo. Neste caso, em geral, ocorre uma combinação de várias estruturas (ou formas) com funções diversas na discriminação de propriedades do comportamento emitido como tato primário (ou radical). Por exemplo, deterioração é a substantivação do verbo deteriorar (que quer dizer piorar gradualmente a qualidade ou o aspecto de algo). O prefixo latino de- é um autoclítico “de tato” do movimento com direção “de cima para baixo” e -ção é um autoclítico “de tato” da discriminação do movimento em si mesmo. Isto é importante na análise etimológico-funcional de nomes de sentimentos, que são, em geral, tatos de acontecimentos e de propriedades desses, tais como seu movimento ou direção, e tatos das condições corporais e do comportamento verbal sob controle desses acontecimentos.

 

Nomes de Sentimentos

Os nomes de sentimentos são, em geral, substantivos com função de tato (tristeza, raiva, prazer). O estímulo não verbal que compõe a relação de tato (aquilo que é sentido) é definido como um estado (ou condição) corporal experimentado sob o controle das contingências do contexto. Esse estado é descrito sob controle das contingências verbais definindo, assim, o sentimento (Cunha & Borloti, 2005). O que é sentido é um evento privado, de natureza física, acessível apenas à própria pessoa que o sente, e observado via introspecção (Skinner, 1974/1982).

Sentidos e sentimentos são conceitos empregados para descrever processos respondentes ou operantes e, freqüentemente, interações entre ambos (Darwich & Tourinho, 2005). Esta interação controla uma tendência a confundir o nome da contingência (o nome de um sentimento dado a um sentido) como a “causa” da condição sentida e nomeada, ou seja, como a própria contingência. Isto ocorre porque “Os sentimentos ocorrem no momento exato para funcionarem como causas do comportamento e têm sido referidos como tais durante séculos” (Skinner, 1974/1982, p. 13). Na análise desse “momento exato”, portanto, é importante distinguir diferentes produtos de uma mesma contingência, e que ocorrem ao mesmo tempo, ou um pouco antes do comportamento operante (Cunha & Borloti, 2005). “No final, encontramo-nos lidando com dois eventos – o comportamento emocional e as condições manipuláveis das quais esse comportamento é função – que constituem o objeto próprio do estudo da emoção” (Skinner, 1953/2003, p. 184).

Com o reconhecimento das interações entre o comportamento e essas condições, de acordo com Darwich e Tourinho (2005, p. 113), houve “[...] uma valorização de componentes operantes para a definição [do sentimento] e de componentes respondentes para a manipulação do que é sentido”. Um mesmo evento que caracteriza uma contingência provê tanto o estímulo antecedente à emissão da resposta operante (que funciona como estímulo discriminativo) quanto o estímulo eliciador das condições corporais que caracterizam as respostas emocionais. As alterações nas condições corporais, por sua vez, podem adquirir a função de estímulo discriminativo quando sinalizam a ocasião para uma nomeação apropriada do que está sendo sentido e também quando sinalizam que se está diante de uma alta (ou baixa) probabilidade de emitir uma resposta que será reforçada (Darwich & Tourinho, 2005). Do mesmo modo, propriedades dessas condições corporais (por exemplo, força, direção, intensidade, movimento), bem como propriedades do comportamento do falante ou da contingência se combinam no controle de respostas colaterais (autoclíticas ou secundárias) que participam da nomeação completa que parte do tato de ordem primária.

Entretanto, dar nome ao que é sentido não é tarefa fácil. Condições corporais sentidas, além de serem inacessíveis à observação por membros da comunidade verbal, nem sempre coincidem com os eventos públicos dos quais são funções e isto constitui um problema para o ensino da nomeação do sentido (sentimento). Como resultado, “palavras que designam sentimentos não são ensinadas com tanto sucesso quanto palavras que designam objetos” (Skinner, 1989/2006, p. 14).

Para lidar com esse problema de ensino, a comunidade verbal emprega três procedimentos (Skinner, 1957): 1) uso de um acompanhamento público do sentido (por exemplo, se alguém escreve “socorro” num contexto propício, a comunidade reforçaria o “Estou com medo”); 2) uso de uma resposta colateral pública relacionada ao sentido (por exemplo, se alguém está cabisbaixo, também num contexto propício, isto poderia controlar funcionalmente o dizer “Estou com medo”); 3) reforço do uso de uma resposta em conexão com um estímulo discriminativo público de modo a “transferir” o seu controle ao sentido em virtude de propriedades comuns (por exemplo, se o falante pode dizer que “sente um nó na garganta” diante de um contexto propício difícil, pode dizer que sente medo).

Segundo Skinner (1957), metáforas são úteis na nomeação de sentimentos porque ampliam o controle que o sentido tem sobre a fala e, consequentemente, sobre a audiência. O falante, tendo sido reforçado a tatear objetos ou acontecimentos públicos, fala do sentido (privado) emitindo palavras que tateiam esses objetos ou acontecimentos públicos e que têm alguma propriedade compartilhada com as propriedades do sentido. Por exemplo, tateia-se como “pontiaguda” a dor com propriedades lancinantes (ou, literalmente, como lança). Assim, a comunidade verbal ensina o sujeito não só a conhecer os seus sentimentos, como também a nomeá-los. Na sintetização de Darwich e Tourinho (2005, p. 112): “[...] a definição ou nomeação de uma resposta emocional advém da discriminação verbal das condições corporais presentes no momento e da relação de contingência entre a presença de tais estímulos (públicos e privados) e a emissão de operantes anteriormente selecionados”. A falta de acesso ao evento ou acontecimento privado (ou às suas propriedades) faz com que a comunidade sempre recorra a um correlato público para ensinar a nomeação. O objeto lança, do exemplo anterior, se presta à formação da metáfora: a nomeação evocada pelo novo estímulo privado compartilha alguma, mas não todas, as propriedades relevantes da lança, o estímulo público que compôs uma contingência original, também pública, de inserção de uma lança no organismo.

Devido a este fato inexorável, Skinner (1974/1982, p. 26) aponta que “quase todos os termos que descrevem emoções e que fazem referência direta a condições estimuladoras foram originalmente metáforas”. Para ensinar a nomeação de sentidos, a comunidade verbal freqüentemente recorre a termos que remontam à contingência que origina esses eventos privados, como estímulo eliciador, “[...] e a palavra usada para descrevê-lo quase sempre provém da palavra usada para designar a causa da condição sentida. A evidência pode ser encontrada na história da linguagem – na etimologia das palavras referentes a sentimentos” (Skinner, 1989/2006, p.25).

Portanto, esta é a justificativa para que analistas do comportamento recorram à Etimologia para analisar o tato de condições corporais (sentimentos). De acordo com o Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa (Larousse, 1999, p. 405), a palavra etimologia vem do grego etymologia, pelo latim etymologia, e é a junção dos termos etymon (íntimo, verdadeiro significado da voz) e logos (tratado, estudo, ciência). Significa a “ciência que tem por objetivo a busca da origem das palavras de língua dada e a reconstituição da ascendência dessas palavras”. Assim, considerando o objetivo deste artigo e a função múltipla dos nomes de sentimentos, o que se segue é uma análise etimológico-funcional de alguns desses nomes. Considera-se que o significado “verdadeiro” ou “íntimo” (etymon) de um nome de sentimento está nas contingências que controlam o sentido, o que é dito (relação de tato) sobre esse sentido e o como é precisado “autocliticamente” o que é dito sobre o sentido, de modo a afetar melhor a audiência.

 

Método

Procedimento de escolha dos dados (nomes de sentimentos)

A freqüência de emissão de um nome de sentimento pelas pessoas em geral e por pessoas em contextos clínicos foi considerada um critério de seleção dos nomes a serem analisados. Inicialmente, pediu-se a 559 pessoas que dissessem nomes de sentimentos, totalizando 521 nomes, sendo que foram agrupados em uma mesma categoria os que apresentavam o mesmo radical ou operantes de primeira ordem (por exemplo, alegria, alegre, alegrável) e os que foram modificados por autoclíticos (por exemplo, muito alegre). Feito isto, restaram 346 nomes. Foram selecionados os 48 nomes de sentimentos mais citados. Em seguida, solicitou-se a 22 psicólogos atuantes na área clínica que indicassem, dentre os 48, os mais relatados por pessoas em processo de psicoterapia. Por último, foram selecionados, para fins desta pesquisa, os 5 (cinco) nomes de sentimentos mais indicados pelos psicólogos: ansiedade, culpa, depressão, indecisão e insegurança.

Materiais e procedimento para a análise dos dados

Cada nome de sentimento selecionado foi submetido a uma análise de sua etimologia combinada ao método de análise funcional. Consideraram-se, na análise etimológico-funcional, os elementos formais (ou mórficos) e funcionais do nome: radical (ou operante de primeira ordem), prefixos (unidades funcionais autoclíticas, ou operantes de segunda ordem, que se agregam ao início do operante primário), sufixos (unidades funcionais autoclíticas que se agregam ao final do operante de primeira ordem), afixo (unidades funcionais autoclíticas agregadas aos prefixos e sufixos) e desinências (ou variações autoclíticas pospostas ao operante de primeira ordem). Falando de um modo apenas funcional, esta análise consistiu em descrever uma possível origem dos nomes de sentimentos decompondo-os em seus operantes primários e secundários e inferindo-lhes os respectivos e concomitantes controles.

Segundo Dias e Malheiros (sem data), o radical fornece a significação à palavra, e a relaciona a uma mesma família, transmitindo uma base comum de significação, que supostamente estaria no radical. Os elementos mórficos adicionais ao radical (prefixos, sufixos e afixos) modificam, de forma precisa, o sentido da palavra. Entretanto, diferente da análise etimológica tradicional, a análise etimológico-funcional é uma análise não estática do nome. A diferença entre esta forma de análise e a análise etimológica tradicional está na compreensão do que é o significado do comportamento verbal. A junção das duas formas de analisar, focalizando a função, considera o comportamento verbal como uma relação; a palavra ou seus fragmentos (processos verbais de primeira e de segunda ordem) têm, ao mesmo tempo, uma forma e uma função nessa relação.

Para descrever a função das formas, foram consultados sete dicionários: dois etimológicos em Português (Cunha, 1986; Nascentes, 1955), um etimológico em Latim (Ernout & Meillet, 1967), um de Português-Latim (Ferreira, 1985), um de afixos e desinências (Góes, 1937), um de raízes e cognatos (Goés, 1936) e um morfológico (Heckler, Back & Massing, 1984).

Na análise funcional, um operante de primeira ordem (ou radical) em um nome de sentimento foi considerado, em sua origem, como um comportamento verbal com função de tato porque sob controle de um estímulo discriminativo não verbal público (ou propriedades desse estímulo) correlacionado a um estímulo não verbal privado – o sentido. Segundo Skinner (1957), o tato original esteve sob controle desse estímulo discriminativo não verbal público. Uma vez que “nenhuma palavra parece ter sido originalmente cunhada para denominar um sentimento” (Skinner, 1989/2006, p. 20), considerou-se que os operantes de primeira ordem de todos os nomes analisados originaram-se como metáforas, e que a “transferência” teria sido sempre do tato de um estímulo discriminativo público (presente na situação original) para o estímulo discriminativo privado (a condição corporal eliciada por esse estímulo).

A combinação da análise funcional com a etimológica se efetivou quando os dicionários indicavam esses estímulos públicos presentes na situação original que teriam controlado “verdadeiramente” ou “intimamente” (ou etimologicamente) o operante de primeira ordem, configurando uma relação com função de tato. A análise combinada foi corroborada em discussões entre os autores e um doutor em lingüística, professor do Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo. Nessas discussões, refinavam-se as discriminações de que esses estímulos públicos poderiam ser partes da contingência original que teria eliciado o estado corporal que, por sua vez, teria sido tateado com um operante de primeira ordem, o nome de um sentimento, e, depois acrescido de operantes de segundo ordem, de modo a precisar o seu controle sobre a audiência, de acordo com a função autoclítica, em geral, “de tato”.

Entende-se, aqui, por inferência a emissão, pelos autores, de novos comportamentos verbais emergidos da combinação dos estímulos discriminativos verbais dos materiais usados na análise dos dados com os estímulos verbais produzidos pelo repertório “de conhecimento” prévio dos autores. Ao final, a análise era corroborada por 10 juízes (alunos da Graduação em Psicologia) que respondiam um questionário sobre o que sentiriam caso estivessem sob controle da contingência original (por exemplo, para ansiedade perguntou-se “Como você se sentiria se estivesse numa sala e não pudesse sair e, de repente, o espaço entre as paredes fosse ficando cada vez mais estreito?”). Respostas variadas eram comparadas pela sinonímia. A concordância de, no mínimo, oito dos juízes foi exigida.

 

Resultados e discussão

O Quadro 1 resume a análise etimológico-funcional dos cinco nomes de sentimentos. Ansiedade é uma palavra originária do latim anxia, cuja raiz, ou operante de primeira ordem, angsignifica estreito. Como lembrou Skinner (1989/2006), sentimentos sinônimos incluem aflição, angústia ou sufocamento. Fixado após o radical angestá o sufixo –(i)dade.

A lingüística classifica o radical ang- como pertencente à mesma família que originou as palavras angia (que derivou angina, a dor constritiva ou o aperto atrás do osso externo), anseio e ansiar. Já o sufixo –(i)dade, que é vernáculo, ou seja, é termo próprio da Língua Portuguesa, está sob controle daquilo que indica: a qualidade própria do acontecimento com a propriedade tateada como estreito.

Portanto, na estrutura da palavra ansiedade combinam-se operantes de ambas as ordens: primária e secundária. O operante de primeira ordem ang-, originalmente, como raiz, foi um tato de um acontecimento público com a propriedade estreito. Uma vez que o acontecimento eliciou condições corporais privadas, acontecimento e condições corporais estiveram correlacionados e as condições corporais foram tateadas a partir da propriedade do acontecimento. A função do tato em angé modificada por respostas concorrentes adicionais permitindo, assim, uma análise funcional do processo autoclítico envolvido na emissão do sufixo –dade. Segundo a classificação dos autoclíticos (Borloti, 2004; Skinner, 1957), o sufixo – dade é um autoclítico descritivo “de tato”, pois “tateia” estreito como próprio (ou como propriedade) do acontecimento.

A repetição dessa propriedade em outros acontecimentos permitiu a sua abstração. Segundo Skinner (1957), a abstração é um fenômeno tipicamente verbal: a propriedade presente quando a resposta verbal foi reforçada adquiriu algum grau de controle sobre a resposta, e esse controle continuou a ser exercido, evocando esse nome de sentimento quando a propriedade apareceu em outros acontecimentos públicos. É assim que hoje se chama ansiedade o que se sente em acontecimentos que compartilham a propriedade estreito.

A contingência definidora da propriedade em alguns acontecimentos teria controlado o tatear o “ter estado” e o “como se estivesse estado” presente nos ambientes físicos que constituem esses acontecimentos.

 

 

Culpa é uma palavra originária do latim culpa, que significa falta, erro, defeito. Também denota um comportamento negligente ou imprudente, geralmente voluntário, em relação a uma obrigação ou a um princípio ético ou moral, que pode ser tateado como delito ou crime.

É evidente que culpa tateia tanto o comportamento operante específico público (o errar) quanto o seu produto (o erro). Pode-se inferir que culpa, como um operante de primeira ordem, foi controlado, originalmente, por uma contingência que, ao mesmo tempo, controlou um operante que produziu falha ou erro como conseqüência. O sentido corporal correlato ao operante foi tateado por um controle advindo dessa mesma contingência pública: a culpa, como produto corporal colateral, seria como o “erro” produzido pelo operante. Portanto, culpa, tanto originalmente quanto atualmente, é o tato do próprio comportamento que operou o ambiente produzindo o erro; e do erro em si mesmo como conseqüência do comportamento. A ação pública (o errar), a conseqüência pública (o erro) e o sentimento privado correlato (culpa) se mesclam no controle do tato. Assim, dizer em relações de tato “este é o meu comportamento”, “este é o meu erro” e “esta é minha culpa” podem ser funcionalmente equivalentes em termos do controle exercido pelos estímulos públicos.

Do ponto de vista lingüístico, depressão é uma palavra composta por radical, prefixo e sufixo. O radical - pressio- é originário do latim, e significa pôr, “fazer pressão, oprimir, apertar, estreitar ou abaixar de nível (no sentido geográfico)”. O adjetivo depressa possui esta mesma origem. Assim, se algo ou alguém pôs pressão “de cima para baixo” em outro alguém, significa que esse último “está depressa”. O prefixo latino de- exprime a direção “de cima para baixo” do pôr. O sufixo -ão indica a ação de pôr.

Em termos funcionais, pode-se inferir que depressão, originalmente, derivou-se de um controle de estímulo definidor de acontecimentos públicos que punham pressão sobre o corpo de cima para baixo e que controlaram o operante de primeira ordem do tipo tato pressio. A etimologia desta palavra indica que, possivelmente, a contingência original que a controlou sob a função de tato também continha estímulos discriminativos não verbais com propriedade tateada como apertado e estreito, como aquela propriedade que teria controlado o operante de primeira ordem (tato) emitido em ansiedade. Entretanto, na origem da palavra depressão, a relação verbal de primeira ordem tateia uma direção “de cima para baixo” da pressão que teria produzido o estreitamento ou o aperto, enquanto que na origem da palavra ansiedade a relação verbal de primeira ordem tateia o estreitamento ou o aperto como qualidade desse mesmo acontecimento. É por isto que, gramaticalmente falando, em depressão, utiliza-se o verbo estreitar, e em ansiedade, o adjetivo estreito. Isto pode indicar uma das razões para a correlação entre o “ter estado de” ansiedade e o “ter estado de” depressão. De fato, estados de depressão e de ansiedade se associam com contingências semelhantes (Douger & Hackbert, 2003).

Morfologicamente, indecisão é uma palavra originária do latim cadere, que significa “cair” para frente ou para trás, para a direita ou para a esquerda. O prefixo in- (como em insegurança) indica negação. Ou seja, indecisão é, literalmente, o “ato de não cair”. O sufixo -ão indica a ação, o ato.

Disto pode-se inferir que indecisão, em seu início, foi uma relação verbal evocada em uma contingência que controlou a permanência de um falante em um lugar, em um ponto do qual ele “não caía”, no sentido em que não tomava um rumo, não caminhava. -Cadere foi a relação verbal primária de tato desse acontecimento-ação que tem a direção como principal propriedade. In- é autoclítico qualificador (ou melhor, desqualificador), pois nega as condições que controlaram -cadere- como tato e desqualifica a direção como a sua principal propriedade.

Atualmente, direção é a propriedade abstraída das contingências envolvendo acontecimentos-ações semelhantes. Por isto, em geral, um falante diz sentir indecisão quando lhe falta um repertório adequado à resolução de um problema (como se ele “não caísse” em qualquer direção à solução). Desconsiderada a negação, o operante de primeira ordem do tipo tato cair, portanto, esteve sob controle dos mesmos estímulos discriminativos não verbais que controlaram o tato decidir. Considerada a negação, é importante apontar a sua função ao indicar que a direção, a principal propriedade do acontecimentoação que controlou -cadere- como operante primário do tipo tato, esteve ausente.

Insegurança é uma palavra originária do português segurança, que, por sua vez, origina-se do latim -securus-, que significa seguro, livre de perigo, firme, não hesitante, convicto. A presença do prefixo in- pressupõe negação. Inseguro, portanto, significa não seguro, não firme, hesitante, não convicto. O sufixo vernáculo –ança exprime ação, como em esperança.

Combinando esta descrição etimológica com uma descrição funcional dos operantes que compõem a palavra insegurança, conclui-se que, originalmente, ela foi um tato de um acontecimento-ação com propriedades frouxas; o contrário do tato da ação que produz como conseqüência algo seguro. A contingência que envolve a emissão de insegurança, portanto, relacionava-se com ambientes nos quais não foi possível segurar algo, enfatizado pela propriedade do acontecimento-ação que controla o operante de primeira ordem -securus- e os seus autoclíticos adicionais. In- e -ança tornaram mais preciso o controle que o tato -securus- exerceu sobre a audiência. A propriedade (seguro) do acontecimento- ação eliciou uma condição corporal particular que foi abstraída em outros acontecimentos-ações com a mesma propriedade e que, consequentemente, eliciaram condições corporais semelhantes. Esta correlação entre as condições corporais, as propriedades dos acontecimentos-ações e o tato das suas propriedades foi responsável pela transferência do controle dos estímulos públicos aos estímulos privados. Isto justifica porque, atualmente, condições corporais que acompanham ações hesitantes são tateadas como insegurança: elas são eliciadas pela mesma contingência que controla o operante que define a ação.

 

Conclusão

Estas conclusões são considerações. Muito antigamente considerar tinha o significado estrito de olhar atentamente para o espaço sideral até evocar uma idéia a respeito das estrelas (Skinner, 1989/2006). Hoje considerar é fazer a mesma coisa; só que agora as estrelas são comportamentos verbais. Assim, considera-se que a etimologia dos nomes de sentimentos constitui-se em uma importante ferramenta para compreender o controle sobre os operantes verbais que compõem esses nomes. Como lembrou Skinner (1989/2006, p. 15), a evidência funcional do controle sobre a emissão de palavras que designam sentimentos está na história dessas palavras, e “a análise experimental do comportamento favorece a nossa compreensão dos sentimentos por esclarecer os papéis dos ambientes passado e presente”.

Isto tem relevância prática para o terapeuta comportamental, pois permite uma melhor previsão das contingências que controlam o sofrimento do cliente e o modo como esse o relata em operantes tais como ansiedade, culpa, depressão, indecisão e insegurança. Por exemplo, quando o cliente emite o tato ansiedade, a etimologia desta palavra possibilita ao terapeuta inferir que a contingência em que o cliente se encontra possui uma equivalência com o estímulo “ambiente estreito” que pode estar “sufocando” o cliente. Conhecendo o contexto ambiental, o terapeuta pode atuar sobre ele ajudando o cliente a mudar o sentido.

Claro está que a análise apresentada neste artigo é uma análise contextualística que considerou os efeitos que os nomes de sentimentos e os estímulos verbais que compunham as “informações” históricas contidas nos materiais de pesquisa produziram no comportamento verbal dos pesquisadores. É apenas sob esse controle que se pode inferir “a história de uma forma particular de resposta e de todas as variáveis que adquiriram controle sobre ela” (Skinner, 1957, p. 189). Mesmo que em falantes atuais se possam observar mudanças nas contingências de reforçamento verbal, elas “podem ser traçadas historicamente” (p. 469). Eventualmente, no contexto atual, outros significados podem advir para os mesmos termos emitidos em contextos diferentes, pois “partes diferentes de uma comunidade verbal, ou da mesma comunidade em ocasiões diferentes, podem reforçar respostas diferentes” (p. 227). É isto o que ocorre quando um adolescente emite o tato “irado” num contexto e “maneiro” em outro. Supostamente a condição corporal tateada seria a mesma se os contextos (e as audiências que os definem) fossem os mesmos.

Algumas dificuldades apontam limitações deste estudo, a serem contornadas em estudos futuros. Uma delas diz respeito à identificação de unidades funcionais em registros verbais estáticos. Isto foi minimizado na descrição do controle sobre o interpretar e na verificação da concordância entre juízes. Entretanto, a concordância dos juízes não eliminou a dificuldade na classificação das unidades verbais de segunda ordem. Necessariamente, neste estudo, a descrição estrutural dos prefixos e sufixos mostrou-se como um ponto de partida útil para a análise funcional desses indicadores formais de unidades funcionais de segunda ordem. Este estudo apontou uma maneira de descrever como unidades gramaticais são emitidas como função “de tato” do comportamento do próprio falante (Catania, 1980).

Conclui-se que a noção de função verbal se relaciona a uma ação verbal em um contexto que inclui os efeitos dessa ação numa audiência. Nisto está o significado “íntimo” ou “verdadeiro” da palavra. A prática verbal original que reforçou a emissão de um operante de primeira ordem como radical, com o sentido de profundo, definiu o contexto original de controle da palavra; enfim, do seu significado etymom. Corrobora-se, assim, com este estudo, a teoria funcional da metáfora: o significado íntimo de uma palavra que designa um sentimento está na contingência de reforçamento da emissão da palavra e da história do falante e da audiência em contingências semelhantes. A resposta original de tato da condição corporal privada esteve sob controle de uma propriedade adventícia ou, literalmente, “que vem de fora”. Tida como “incorreta”, porém útil à comunidade ao saber sobre o mundo privado falante, foi reforçada como um tato metafórico.

 

Referências Bibliográficas

Andresen, J. T. (1990). Skinner and Chomsky thirty years later. Historiographia Linguistica, 7, 145-165.         [ Links ]

Borloti, E. (2004). As relações verbais elementares e o processo autoclítico. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 6 (2), 221-236.         [ Links ]

Catania, A. C. (1980). Autoclitic processes and the structure of behavior. Behaviorism, 8, 175-186.         [ Links ]

Catania, A. C. (1998). The taxonomy of verbal behavior. Em K. A. Lattal & M. Perone (Orgs.), Handbook of Research Methods in Human Operant Behavior (pp. 405-433). New York: Plennum.         [ Links ]

Berlitz, C. (1988). As línguas do mundo. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira.         [ Links ]

Chandra, S. (1976). Repression, dreaming, and primary process thinking: Skinnerian formulations of some Freudian facts. Behaviorism, 4, 53-75.         [ Links ]

Cunha, A. G. (1986). Dicionário Etimológico Nova Fronteira, 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.         [ Links ]

Cunha, L. S. & Borloti, E. (2005). Skinner, o sentimento e o sentido. Em E. Borloti, S. R. F. Enumo, e M. L. P. Ribeiro (Orgs.), Análise do Comportamento: Teoria e Prática (pp. 47-57). Santo André: ESETec.         [ Links ]

Darwich, R. A. & Tourinho, E. Z. (2005). Respostas emocionais à luz do modo causal de seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 7 (1), 107-118.         [ Links ]

Dias, M. A. L. D. & Malheiros, M. G. (sem data). Estudo de técnicas de radicalização para a Língua Portuguesa [On line]. Disponível: http://ensino.univates.br/~mald/artigowet.pdf. Recuperado em 29 de Outubro de 2007.         [ Links ]

Douger, M. J. & Hackbert, L. (2003). Uma explicação analítico-comportamental da depressão e o relato de um caso utilizando procedimentos baseados na aceitação. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 5 (2), 167-184.         [ Links ]

Epting, L. K. & Critchfield, T. S. (2006). Self-editing: on the relation between behavioral and psycholinguistic approaches. The Behavior Analyst, 29 (2), 211-234.         [ Links ]

Ernout, A. & Meillet, A. (1967). Dictionnaire étymologique de la langue latine – Histoire des mots, 4ª. Edição. Paris: Klincksieck.         [ Links ]

Ferreira, A. G. (1985). Dicionário de português-latim. Porto: Porto Editora.         [ Links ]

Góes, C. (1936). Diccionario de raizes e cognatos da Língua Portuguesa, 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas “Alba”.         [ Links ]

Góes, C. (1937). Diccionario de affixos e desinências, 3ª. Edição. Rio de Janeiro: Francisco Alves.         [ Links ]

Heckler, E., Back, S. & Massing, E. (1984). Dicionário morfológico da Língua Portuguesa. São Leopoldo: Unisinos.         [ Links ]

Houaiss, A. & Villar, M. de S. (2001). Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia e Banco de Dados da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro: Objetiva.         [ Links ]

Larousse, K. (1999). Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Cultural.         [ Links ]

Nascentes, A. (1955). Dicionário etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Acadêmica, Francisco Alves, São José, Livros de Portugal, depositários.         [ Links ]

Parrot, L. J. & Hake, D. F. (1983). Toward a science of history. The Behavior Analyst, 6 (2), 121-132.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.         [ Links ]

Skinner, B. F. (1982). Sobre o behaviorismo (Tradução de M. da P. Villalobos). São Paulo: Cultrix. (trabalho original publicado em 1974).         [ Links ]

Skinner, B. F. (1986). The evolution of verbal behavior. Journal of the Experimental Analysis of Behavior, 45 (1), 115-122.         [ Links ]

Skinner, B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano, 11ª Edição (Tradução de J. C. Todorov & R. Azzi). São Paulo: Martins Fontes. (trabalho original publicado em 1953).         [ Links ]

Skinner, B. F. (2006). Questões recentes na análise comportamental, 6ª Edição (Tradução de A. L. Neri). Campinas: Cultrix. (trabalho original publicado em 1989).         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Elizeu Borloti
E-mail: borloti@hotmail.com

Recebido em: 30/10/2007
Aceito para publicação em: 12/10/2008

 

 

1 Trabalho orientado pelo autor, elaborado e executado pelas autoras como pesquisadoras voluntárias.
2 Os autores agradecem às críticas e sugestões feitas pelos professores Doutor José Augusto Carvalho (Departamento de Letras – UFES) e Doutora Rosana Suemi Tokumaru (Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento – UFES).
3 Doutor em Psicologia, Pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES. E-mail: borloti@hotmail.com
4 Alunas da Graduação em Psicologia da UFES.