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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.11 no.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Skinner e Bakhtin: possíveis diálogos no estudo da língua1

 

Skinner and Bakhtin possible dialogues in the study of language

 

 

Rodrigo Lopes Miranda2; Juliana Prieto Bruckner3; Sérgio Dias Cirino4

Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A linguagem pode ser considerada um objeto de estudo interdisciplinar, construído, este, no diálogo entre diversas disciplinas, dentre as quais a Filosofia da Linguagem e a Psicologia. Nesse sentido, o presente trabalho procurou analisar a aproximação entre proposições de Bakhtin e Skinner. O principal ponto analisado foi a noção de língua como o produto de interações entre sujeitos socialmente organizados. Bakhtin foca a interação verbal entre locutores e interlocutores, enquanto Skinner salienta o fazer, necessariamente mediacional, daquele que se comporta verbalmente. Ambos os autores indicam a importância dos determinantes sociais para a ação verbal e criticam a noção da língua como um reflexo de condições internas daquele que fala. Entretanto, não apenas pontos de convergência foram encontrados, também há elementos divergentes. A partir dos resultados encontrados, verifica-se que com este tipo de estudo de aproximação entre áreas e teorias o intuito não é o de suplantar uma área pela outra, mas sim, abrir novas possibilidades de estudo.

Palavras-chave: Língua, Comportamento Verbal, Interação Verbal.


ABSTRACT

Language may be considered as a subject for interdisciplinary study, constructed through dialog across many areas, including the Philosophy of Language and Psychology. With this in mind, this work sought to analyze the reconciliation between the propositions of Bakhtin and Skinner. The most important point analyzed is the notion of language as the product of interactions between socially organized individuals. Bakhtin focuses on the verbal interaction between speakers, while Skinner focuses on the doing, of necessity mediational, of the subject acting verbally. Both authors point to the importance of social determinants in verbal action and they are in agreement when criticizing the notion of language as a reflection of the internal condition of the speaker. Nevertheless, there are divergent elements as well as points of convergence. From the results of this research, we may ascertain that this kind of work, of reconciling areas and theories, does not aim to replace one area with the other, but in fact aims to open up new possibilities of study.

Keywords: Language, Verbal Behavior, Verbal Interaction.


 

 

A linguagem, como um elemento de interesse científico, caracteriza-se por ser um objeto multi e interdisciplinar. Nesse contexto, alguns autores (Bloomfield, 1933/1961; Watzlawick, 1967/1993) indicam que a Psicologia seria uma das ciências a dialogar na intersecção produzida pelos estudos lingüísticos. Skinner (1957/1978) afirma que o estudo do comportamento verbal é realizado por diversas outras teorias da linguagem bastante sofisticadas. Nessa mesma obra, ele declara que a finalidade da investigação da linguagem pelo Behaviorismo Radical não é a de suplantar estas teorias, mas acrescentar novas possibilidades de análise. Skinner (1957/1978) faz esse conjunto de observações, pontuando que embora outras teorias sofisticadas sobre a linguagem existissem, eles possuíam pouco refinamento no que se refere à análise funcional da língua. Com isso, uma interdisciplinaridade poderia ser possível desde que teorias em uma ou mais disciplinas pudessem ser aproximadas.

A Análise do Comportamento pode ser descrita como uma Psicologia que busca explicações sobre como os organismos se comportam fora do escopo subjetivista e biologicista, atendo-se à importância do mundo material (físico e social) para a determinação do comportamento. De acordo com essa teoria, segundo Dorna (2005), os comportamentos operantes humanos, dentre eles os operantes verbais, são sociais, já que são aprendidos e mantidos em cultura. Considera-se, assim, que o responder humano é modelado por suas experiências num ambiente social, tendose em vista que o ser humano produz o mundo com o qual interage e, dessa maneira, aquilo que produz torna-se ambiente para o responder de outras pessoas. O comportamento verbal, especificamente, caracteriza-se por ser aquele que atua indiretamente sobre o ambiente físico, agindo em primeira instância sobre outros seres humanos. Nessa perspectiva, a Análise do Comportamento é passível de comunicação com uma filosofia/ sociologia da linguagem como a proposta por Bakhtin, que pode ser inserida no campo da Sociolingüística e está interessada na relação entre as formas da língua e o seu significado social, concebendo a influência dos fatores socioeconômicos sobre as estruturas linguísticas.

Para Lopes (1992), a língua se consolida por ser o exercício da faculdade da linguagem, advento da razão humana e aprendida em sociedade. Ela é constituída por um conjunto de regras, sons e ruídos limitados e dotados de especificidade em sua combinação. Pela perspectiva da Sociolingüística, ela é inseparável da história da cultura e da sociedade da qual faz parte (Bakhtin, 1929/1986). Numa análise comportamentalista, a língua se caracteriza como o conjunto de práticas verbais partilhadas por uma comunidade de fala. A convergência entre a Psicologia e a Lingüística, desta maneira, torna a compreensão da língua centrada na determinação social do fazer verbal e da ‘consciência’.

Diante desse quadro referencial, o objetivo do presente artigo é indicar possíveis convergências e divergências entre o pensamento bakhtiniano e o skinneriano sobre a língua e o fazer verbal das pessoas. Esse diálogo não se faz inusitado, pois a Análise do Comportamento é marcada pelo viés da interlocução (Passos, 2004), de forma que diversos autores vêm publicando aproximações entre esse campo da Psicologia e as mais diversas áreas do conhecimento, faça-se ver: Pereira (2000); Fazzi e Cirino (2003); Passos (2003); Borloti, Iglesias, Dalvi e Silva (2008); entre outros. Este trabalho visa uma aproximação entre duas concepções teóricas de dois campos do saber diversos, sem o intuito de reduzir um campo ao outro, mas concebendo a comunicação entre eles para uma compreensão mais ampla do fenômeno lingüístico. Por outro lado, pretende-se uma aproximação preliminar, dada a complexidade e a extensão das obras dos autores em questão.

 

Método

O presente artigo é oriundo da pesquisa “Aproximações entre a Interação Verbal de Bakhtin e o Comportamento Verbal da Psicologia Analíticocomportamental: contribuições para o ensino de língua portuguesa a escolares de primeira à quarta série do ensino fundamental” que objetivou verificar aspectos gerais de convergência e divergência entre as concepções skinnerianas e bakhtinianas sobre o fenômeno lingüístico.

A primeira etapa do trabalho consistiu na leitura sistematizada de livros e artigos da área da Sociolingüística por dois motivos principais: (1) ter como referencial bibliográfico material que permitisse a delineação dessa área do conhecimento e; (2) levantar uma base de dados que possibilitasse a visualização das recentes discussões na área. A partir de tal leitura foram selecionados trechos que a priori se relacionem com a Análise do Comportamento e com as concepções apresentadas no livro de Bakhtin “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (1929/1986). Ao lado de cada um desses trechos foram colocadas as primeiras anotações reflexivas.

O conjunto de trabalhos de Bakhtin totaliza aproximadamente 10 livros (ver tabela 1). Desses, 5 encontravam-se traduzidos para o português brasileiro e disponíveis na instituição na qual a presente pesquisa transcorreu. A escolha do livro “Marxismo e Filosofia da Linguagem” se deu primeiramente pelo fato de ser uma das obras disponíveis no acervo pesquisado. Em segundo lugar, por ser, entre as obras do autor, uma referência.

Passou-se, assim, à leitura do livro “Marxismo e Filosofia da Linguagem” (1929/1986). Ao longo da leitura, foram adicionadas anotações ao lado de cada trecho que permitissem, tanto a aproximação com a área da Análise do Comportamento, quanto a explicitação da posição do autor sobre a língua. Após a leitura, essas anotações foram transcritas para fichas e, dessas, para uma planilha de OpenOffice 2.0, momento em que se iniciou a terceira etapa da análise.

A planilha contava com as anotações feitas e suas respectivas páginas, para facilitar o acesso ao longo do processo de pesquisa, e permitiram o levantamento de itens que se repetiam ao longo da obra. Verificando a freqüência de aparecimento desses elementos, eles foram agrupados em categorias de análise que forneceram uma possibilidade de compreensão da proposta bakhtiniana, bem como, de aproximação com a Análise do Comportamento.

Concluída essa etapa, iniciou-se o processo de leitura de livros e artigos da área analítico-comportamental, dentre essas, a obra de Skinner “O Comportamento Verbal” (1957/1978). Optou-se, no decorrer da pesquisa, circunscrever mais a área, selecionando-se, sobretudo, as proposições skinnerianas. Este livro foi selecionado pelo fato de constituir-se como a principal referência para o estudo da linguagem no viés analíticocomportamental, além de ser, nas palavras do próprio autor, sua publicação mais importante (Skinner, 1979). Com esse referencial bibliográfico, adotou-se o mesmo procedimento utilizado com as obras sociolingüísticas e de Bakhtin, mas, dessa vez, indicando aproximações com esse campo do conhecimento, já que os textos eram analítico-comportamentais.

 

 

A partir desses quadros compreensivos, confeccionaram-se os textos reflexivo-interpretativos, tanto de Bakhtin/ Sociolingüística, quanto de Skinner/ Análise do Comportamento. Os pontos indicados como semelhantes e que se relacionassem à “interação verbal” e ao “episódio verbal” foram destacados para serem utilizados na etapa final.

Nessa, os pontos convergentes e divergentes entre os dois campos do conhecimento foram agrupados, para facilitar a redação do texto de aproximação entre Bakhtin/ Sociolingüística e a Skinner/Análise do Comportamento, tomando-se dois cuidados: (1) o de não reduzir um campo ao outro, uma vez que cada um deles possui contribuições válidas para o estudo do fenômeno lingüístico; e (2) o de estar atento para o fato de que, mesmo com as semelhanças, Bakhtin atua em uma filosofia/sociologia da língua, enquanto que Skinner em uma explicação psicológica do fazer verbal das pessoas.

O primeiro cuidado se deve ao fato de que o intuito de um trabalho de aproximação não é o de valorizar uma área em detrimento de outra, mas sim, conjugar as possibilidades que ambas apresentam, visando um objetivo interdisciplinar, ou seja, de diálogo entre duas teorias (de Rose, 20005). Por sua vez, o segundo cuidado é indicado por Abib (1997) quando aproxima a noção do “comportamento verbal” de Skinner ao pensamento de Ludwig Wittgenstein (1889-1951) e de John Austin (1911- 19606), uma vez que, assim como Bakhtin, trabalham em campos do saber diferentes daquele no qual está inserida a Análise do Comportamento.

 

Resultados e Discussão

Considerando-se a amplitude do tema, assim como a complexidade dos pensamentos bakhtiniano e skinneriano, optou-se por segmentar esta seção em três partes: a primeira tratando sobre Bakhtin, a segunda sobre Skinner/Análise do Comportamento e a terceira, aproximando os dois autores.

Concepções de Bakhtin

O livro Marxismo e Filosofia da Linguagem7 (Bakhtin, 1929/1986) é tomado como referência para a discussão que se segue devido à sua relevância para a filosofia e sociologia da linguagem. Nele, Bakhtin propõe o desenvolvimento de uma concepção marxista sobre os problemas básicos da filosofia da linguagem, pois, para este autor, esse campo constituía-se como um terreno virgem nas concepções materialistadialética e necessitava, portanto, de discussões acerca da realidade ideológica na qual a língua se insere.

Bakhtin se opõe, nesta obra, a duas concepções da lingüística tradicional, que ele denominou respectivamente de “objetivismo abstrato” e “subjetivismo idealista”. Para ele, os estudos do primeiro conjunto são marcados pela percepção da língua como um objeto abstrato ideal, como um fenômeno sincrônico homogêneo, e rejeitam as manifestações individuais da fala. Discorda também das explicações que valorizam os atos verbais como manifestações da consciência, como fenômenos de natureza psicológica. A estas, Bakhtin chamou “subjetivismo idealista”.

O objetivismo abstrato tem Ferdinand Saussure8 como um de seus principais representantes. Juntamente com a lingüística tradicional, esta corrente teórica é criticada por desconsiderar o fenômeno ideológico e se ater à explicação do sentido diretamente representativo de uma locução. Desta forma, situam seus estudos no sistema lingüístico enquanto um conjunto de formas gramaticais, fonéticas e lexicais de uma língua, pois consideram que o ato de criação verbal único possui elementos constitutivos que o assemelham a outros atos. Assim, a língua se torna “(...) um arco-íris imóvel que domina (...)” (Bakhtin, 1929/1986, p.77) o fluxo verbal.

O subjetivismo idealista, por sua vez, é criticado por considerar o psiquismo individual como a fonte da língua, estabelecendo como elemento de estudo fundamental o ato de criação daquele que fala. Esse ato se caracterizaria por ser eminentemente criativo, subsidiado pela ‘energia psíquica’, e por constituir-se como um fluxo ininterrupto de construção verbal. Assim, a língua é percebida por essa vertente como um produto excepcionalmente maleável, já que é alimentado pela subjetividade do locutor. Nesse contexto, o trabalho do lingüista deveria limitar-se “(...) simplesmente [a] preparar a explicação exaustiva do fato lingüístico como proveniente de um ato de criação individual, ou então, a servir a finalidades práticas de aquisição de uma língua dada” (Bakhtin, 1929/1986, p.72) e a língua se instalaria no mesmo campo da arte e da estética.

Para Bakhtin, o objeto da filosofia da linguagem deve ser a própria linguagem, que não pode ser compreendida de forma abstrata e ideal, mas apenas em sua natureza e em sua manifestação reais: os atos da fala. Estes não são, como acreditam, tanto os representantes do objetivismo abstrato, quanto os do subjetivismo idealista, manifestações puramente individuais. Pelo contrário, a própria oposição entre os termos ‘individual’ e ‘social’ é absolutamente falsa. Todos os signos presentes na comunicação humana são aprendidos pelos indivíduos no contato com uma unidade social e a própria consciência individual é formada por esses signos, em meio a essa unidade. Assim, a consciência individual não é o elemento produtor do universo ideológico, mas, pelo contrário, é um fenômeno sócio-ideológico e obedece às mesmas leis que a comunicação do grupo.

O signo, segundo Bakhtin, é um fragmento de realidade que possui um significado, ou seja, reflete e refrata uma outra realidade exterior a si mesmo, para um determinado grupo. É o grupo que define a linguagem e o seu significado não é fixo; depende do contexto e da organização social do grupo em que aparece. Toda produção ideológica é formada por signos, isto é, possui um valor semiótico. Se não fosse assim, não poderia ser enunciada nem compreendida. A palavra é o fenômeno ideológico por excelência, uma vez que toda a sua realidade é absorvida pela sua função de signo e ela acompanha a produção ideológica de diferentes campos, além de ser usada como material semiótico do discurso interior, da fala interiorizada. Ela está presente em todo ato consciente e possui uma importância privilegiada na comunicação cotidiana, sendo, por isso, um objeto fundamental no estudo das ideologias.

A ideologia é um reflexo das estruturas sociais. Todo signo, assim como toda produção lingüística humana, é ideológico e, portanto, a evolução da língua reflete as variações da estrutura social. “O domínio do ideológico coincide com o domínio dos signos: são mutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-se também o ideológico” (Bakhtin, 1929/1986, p.32). Desconsiderar a ideologia no estudo da linguagem é um erro grosseiro comum tanto ao objetivismo abstrato como ao subjetivismo idealista, pois os elementos a serem procurados para a compreensão da língua e do ato da fala devem ser buscados nos determinantes ideológicos aos quais o locutor e o interlocutor estão submetidos. Embora a cadeia ideológica e discursiva necessariamente estenda-se pelo contato entre duas ou mais consciências individuais, nenhuma das duas pode ser submetida às leis de funcionamento da consciência, ou seja, mesmo a produção da língua e da ideologia passando pelo contato interindividual, esses dois elementos não podem ser reduzidos ao funcionamento psíquico individualizado.

Um objeto entra no campo da significação verbal de um determinado grupo, tornando-se um signo, quando está relacionado às condições sócioeconômicas deste mesmo grupo, ou seja, quando passa a fazer parte do seu horizonte social. O comportamento lingüístico de um indivíduo está delimitado pelo grupo e pela classe social de que ele faz parte e dentro dos quais ele aprendeu a utilizar-se de signos para relacionar-se com o plano ideológico. Desta maneira, conforme se transformam as condições sócio-econômicas, se dão também modificações nas formas de interação verbal do grupo. As normas lingüísticas e os atos verbais individuais mudam com o tempo e a língua se configura como uma corrente evolutiva ininterrupta.

Concepções de Skinner

A Análise do Comportamento, da qual o principal expoente foi Skinner, se define como um campo do conhecimento que tem como objeto de estudo aquilo que os sujeitos fazem em contato com o ambiente, sendo que, nesse sentido, este último se constitui não apenas pelo que é externo ao indivíduo, mas sim ao comportamento (Matos, 1998). Dessa forma, tanto os eventos externos como os internos ao sujeito podem servir de antecedente ou consequência para o comportamento do mesmo.

O desenvolvimento desse prisma epistemológico está bastante relacionado às mudanças de concepção de ciência que foram marcadas pela “crise da física clássica”. Assim, influenciado pelos trabalhos dos físicos Ernest Mach e Henri Poincaré, Skinner adota o modelo de “relações funcionais” ao invés das explicações de causalidade mecânica, estabelecendo uma metodologia de descrição de relações funcionais entre as alterações ambientais e o comportamento a ser estudado.

Um dos principais aspectos do pensamento skinneriano é o conceito de comportamento operante. Ele é definido como a ação sob o ambiente que o modifica e esta mudança irá alterar a probabilidade da resposta voltar a ocorrer e o organismo como um todo. Todavia, ao se trabalhar com seres humanos, torna-se imperativo o estudo de um tipo distinto de operante que atua indiretamente sobre o ambiente mecânico, pois age primeiramente sobre outros seres humanos (Skinner, 1957/1978). Essa classe de operantes é denominada comportamento verbal.

Embora não requeira uma nova maneira de análise (Cançado, Soares & Cirino, 2006), um tratamento diferenciado do comportamento verbal torna-se indispensável em decorrência das suas inúmeras possibilidades de forma (topografia) e função. Por definição, este tipo de comportamento é aquele cujas consequências são providas pela ação de um outro sujeito previamente treinado por uma comunidade verbal: o ouvinte. Assim, trata-se de um comportamento necessariamente mediacional (Vargas, 1991) e que se desenvolve apenas por meio das relações sociais entre os indivíduos (Abib, 1994). A ação do falante só é possível na sua interação com o ouvinte, uma vez que é este último que consequencia o comportamento do primeiro. Por outro lado, o comportamento do ouvinte também é criado e mantido pela comunidade verbal e pelo falante, sendo imprescindível que ambos façam parte da mesma comunidade verbal (Barros, 2003).

De acordo com a definição de Skinner, o comportamento do ouvinte não é necessariamente verbal. É verbal apenas quando se assemelha ao do falante na “compreensão” e no “pensamento”. Todavia, falante e ouvinte são funções que coexistem em um mesmo sujeito e, além disso, as funções de falante e de ouvinte ocorrem em pessoas diferentes cujos repertórios compartilham de um mesmo controle de estímulo. Assim, dois sujeitos em um diálogo assumem alternadamente as funções de falante e ouvinte e existem, ainda, situações em que um mesmo indivíduo, sozinho, assume as duas funções, como quando pensa ou fala consigo mesmo. Em outros casos, como quando alguém escreve um livro ou carta, o seu comportamento é verbal se for mantido pelos comportamentos emitidos futuramente pelos leitores. De todo modo, mesmo quando as funções de falante e ouvinte são desempenhadas por um único indivíduo, elas são produtos culturais, ou seja, são mantidas por contingências formadas em ambientes sociais verbais (Simonassi & Cameschi, 2003).

Os determinantes do comportamento verbal, portanto, devem ser buscados na interação entre falantes e ouvintes (Barros, 2003). Nesse sentido, deve-se considerar que é “(...) em sociedade que se aprende a falar (....). Toda linguagem é, assim, social, mesmo quando se refere ao 'mundo privado' ” (Figueiredo & Santi, 1991/2004, p.75). Delimita-se, portanto, que o estudo do comportamento verbal deve se ater aos determinantes sócio-históricos com os quais o indivíduo se relaciona ao se comportar verbalmente. Como afirma Skinner “A language is not the words or sentences ‘spoken in it’; it is the ‘it’ in which they are spoken – the pratices of the verbal community which shape andmaitain the behavior of espeakers9” (Skinner, 1969, p.12).

Pontos de convergência

Já em um primeiro momento, em concordância com Pereira (2000), a leitura de Skinner e Bakhtin indica uma semelhança entre eles: ambos apontam que o foco de análise do estudo da língua deve ser a prática lingüística das pessoas, ou seja, o seu fazer verbal. Skinner propõe o estudo do comportamento verbal a partir da procura das variáveis das quais a resposta verbal é função, sendo que estas devem ser buscadas em um “episódio verbal total”, ou seja, em uma situação concreta em que falante e ouvinte estão presentes (Simonassi & Cameschi, 2003). Do mesmo modo, para Bakhtin, o ato verbal, por ocorrer sempre em interação, pode ser denominado “interação verbal” e a linguagem deve ser estudada como uma ação do ser humano em situações sociais reais, uma vez que a língua só surge na interação entre indivíduos socialmente organizados.

A partir deste primeiro ponto de aproximação, outras duas convergências correlacionadas entre si se evidenciam. A primeira delas se refere à presença de ao menos duas figuras no episódio verbal ou interação verbal: para Skinner, o falante e o ouvinte e, para Bakhtin, o locutor e o interlocutor. A segunda diz respeito à natureza social da língua.

De acordo com ambos os autores, o ouvinte (ou interlocutor) é de suma importância, tanto para ocorrência do ato verbal, quanto para o seu desenvolvimento, pois é pelo contato com a comunidade verbal/de fala que os sujeitos aprendem a agir verbalmente. Para Skinner, o ouvinte, como parte do ambiente social com o qual o locutor se relaciona, estabelece ocasião para que esse atue linguisticamente, porque cria condições para a verbalização e estabelece consequências para a resposta verbal. Bakhtin (1929/1986), nesse mesmo sentido, indica que a configuração do enunciado se dá, em grande medida, pelo fato de se dirigir a alguém, pois, se isso não ocorresse, o próprio ato verbal não poderia ser decomposto e analisado.

Nesse contexto, a língua se constitui pela interação que locutores (falantes) e interlocutores (ouvintes) estabelecem, tendo em vista o contexto imediato da relação e o horizonte social que o configura. Para Bakhtin, todo ato verbal dialoga com a palavra que o antecedeu e, portanto, com uma marca ideológica já disposta por um outro. Além disso, traz consigo a suscetibilidade a uma resposta, pois se dirige a alguém. Skinner, por sua vez, indica que embora o comportamento verbal se refira à ação do falante, o ouvinte é indispensável para a sua ocorrência, mesmo que seu comportamento não necessariamente seja verbal na definição analíticocomportamental do termo (Skinner, 1957/1978). A relação falante-ouvinte é indissociável, uma vez que o ouvinte (interlocutor) estabelece a ocasião na qual se torna possível a ocorrência da resposta verbal do falante e é o locus de onde emerge a conseqüência do ato lingüístico. Vargas (1991), corroborando esse caráter social do comportamento verbal, delineia claramente uma peculiaridade dessa classe de operante que reside no fato de que o ato verbal está necessariamente ligado a um outro comportamento, sendo este último uma ação do ouvinte (interlocutor).

O caráter social da língua se evidencia, portanto, pela presença necessária de ao menos dois sujeitos em interação para a ocorrência do ato verbal e pelo fato de ser aprendido e mantido em cultura, por uma comunidade que partilha de uma mesma prática verbal ou código lingüístico. O ato da fala, para Bakhtin e para Skinner, por constituir-se como uma ação, implica necessariamente em uma relação indissociável entre o organismo, a própria ação e o contexto com o qual ambos estão integrados. Parte desse contexto é composto pelos demais membros que possuem práticas verbais similares às do locutor, a comunidade verbal – em Skinner - ou comunidade de fala – em Bakhtin.

Assim, é em sociedade que o ser humano aprende a agir verbalmente. Bakhtin afirma que “os sujeitos não ‘adquirem’ sua língua materna (....)” (Bakhtin, 1929/1986, p.108) e Skinner (1957/1978), em congruência, indica que a aprendizagem do comportamento verbal ocorre pelo contato da criança com a comunidade verbal - geralmente os pais - e que as formas complexas de ação verbal do adulto não estão alocadas na criança em detrimento da cultura. Portanto, para ambos os autores, os signos da língua não se constituem como ferramentas que são utilizadas pelo locutor, mas se consolidam, como ações socialmente orientadas e desenvolvidas em cultura.

Para Bakhtin, é a inserção do sujeito em uma comunidade lingüística que o molda, que forma o seu pensamento e a sua consciência. Para ele e para Skinner, a consciência é de origem social e pode ser entendida como a possibilidade que o indivíduo tem de, por meio de signos, organizar sua ação, tanto externalizada, quanto privada, descrevendo aquilo que está fazendo para si e para os outros indivíduos que compartilham de sua língua (Machado, 1997). Essa compreensão da 'consciência' implica na não existência de diferenças qualitativas entre as ações externalizadas e as privadas, já que o conteúdo a ser expresso e a expressão constituem-se como produtos sociais, ambos existindo pelo seu 'vir a ser' na cadeia semiótica e, portanto, produtos e produções ideológicas (Bakhtin, 1929/1986). Para Skinner (1974/1999), o autoconhecimento é de origem social, pois apenas quando o mundo privado de um sujeito se torna importante para outros indivíduos é que se torna importante para ele mesmo.

A partir da concepção de que o comportamento verbal é uma ação em cultura, podemos recuperar outro ponto de aproximação entre os autores: a noção de que a língua é uma entidade dinâmica que se constitui como prática lingüística dos falantes, estando em constante evolução. Como a configuração dessas práticas se dá pela relação lingüística que os sujeitos nela inseridos estabelecem, tais relações não só determinam o ato verbal individual, mas também são constituídas por aquilo que os indivíduos falam e como falam. Uma vez que o ato verbal é uma ação sobre o mundo, ele mesmo é modificado pelas consequências que produz. Assim, esse conjunto de ações associadas repercute no sistema lingüístico falado por um grupo e, da mesma forma que as práticas verbais mudam, o próprio grupo se modifica (Pereira, 2000). Os seres humanos, para Bakhtin e Skinner, são ativos, ou seja, agem sobre o mundo e estão em constante movimento. Como Skinner (1957/1978) afirma: “os homens agem sobre o mundo, modificam-no e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação” (p.16).

Como prática de uma comunidade verbal, uma língua possui características que permitem particularizá-la e defini-la diante de outras línguas. Contudo, os arranjos dos atos verbais em situações sociais concretas são múltiplos e, com isso, configura-se que em uma mesma comunidade verbal possam coexistir diversas línguas, determinando um plurilinguismo. Isso é aceitável para os dois autores. Para Skinner a língua, como um conjunto de práticas verbais, caracteriza-se como uma prática social e, portanto, está sofrendo influência do ato verbal individual e constituindo uma comunidade verbal específica (Fraley, 2004). Um conjunto de comunidades verbais, por compartilhar determinadas práticas verbais, configura um sistema que, então, seria uma língua. Nas palavras de Skinner (1957/1978, p.270): “O comportamento verbal é modelado e mantido por um meio verbal – por pessoas que respondem de certa maneira ao comportamento por causa das práticas do grupo do qual elas são membros”. Bakhtin, por sua vez, afirma que cada grupo social, em cada época, possui seu repertório de formas de discurso e, assim, a linguagem de negócios, por exemplo, difere da literária. A enunciação e o seu tema dependem tanto do grupo quanto do contexto em que ocorre a interação verbal e todos estes fatores são inseparáveis entre si. Contudo, não se devem confundir classes sociais com comunidades semióticas, pois estas últimas são formadas por todas as pessoas que utilizam um mesmo código ideológico, ou seja, uma mesma língua, de forma que diferentes classes sociais constituem uma única comunidade semiótica.

A partir do que foi desenvolvido até o presente momento, verifica-se que tanto Bakhtin como Skinner discordam das concepções tradicionais sobre a língua, que Bakhtin (1929/1986) define como objetivismo abstrato e subjetivismo idealista. Divergem dessa segunda concepção mesmo estando de acordo com o fato de que a língua se constitui como uma atividade que se configura pelos atos de criação verbal individual, pois, para ambos, a resposta verbal não ocorre pelo funcionamento de instâncias subjetivas desconectadas do contexto social em que os indivíduos se encontram. Ou seja, disposições e reflexos emocionais não explicam as propriedades reforçadoras de certas respostas verbais, são entendidas sim, como subprodutos de outras funções verbais (Skinner, 1957/1978). Nas palavras de Skinner (1957/1978, p.190):

“O meio verbal não estabeleceu a resposta cobra primariamente para evocar tal reação por parte do ouvinte. O emparelhamento de estímulos, que acaba por gerar a resposta surge de contingências relacionadas com um comportamento mais prático (grifo no original)”. Assim, para nenhum dos autores, as leis que regem o comportamento verbal/enunciado são as leis do psiquismo individual. Pelo contrário, o ato linguístico seria caracterizado pelos determinantes sóciohistóricos que se correlacionam com o fazer verbal do sujeito. A crítica ao mentalismo, proposta por Skinner, é congruente com a afirmação de Bakhtin de que a consciência é o conceito em que os teóricos encaixam tudo aquilo que não conseguem explicar de forma objetiva.

Quanto ao objetivismo abstrato, para ambos os campos aqui aproximados, a língua não se materializa como um produto acabado, um sistema de formas normativas. Tanto Bakhtin quanto Skinner discordam das afirmações de tal corrente, que estuda a língua como algo estático, como um conjunto fixo de normas desvinculadas do material ideológico que a fala veicula, desconsiderando a associação necessária entre palavras e significados (Bakhtin, 1929/1986). A língua, para Bakhtin e para Skinner, se configura como o fazer verbal dos membros de um grupo social. A sua estabilidade (dinâmica) se deve a padrões relativamente estáveis de respostas mantidos por circunstâncias sociais estabelecidas pela comunidade verbal/de fala (Fraley, 2004).

Por fim, nesse contexto eminentemente social, os dois autores definem duas unidades de análise da língua: uma formal e outra real, em termos bakhtinianos, ou topográfica e funcional, na nomenclatura de Skinner. Segundo Pereira (2000), a unidade formal para Bakhtin é a oração e a real é o enunciado. A 'enunciação' se concretiza como o ato verbal de um locutor em contato com um interlocutor, sendo que ambos estão contextualizados socialmente. É a partir dela que é possível compreender a língua e fazer uma reflexão sofisticada sobre ela. A oração é uma unidade dentro da enunciação, uma categoria lingüística da análise morfológica e um dos elementos com os quais a linguística tradicional trabalha. Ela, contudo, só tem sentido no interior da enunciação. Ao ser estudada isoladamente, ela torna-se uma entidade estática e descontextualizada. Pereira (2000) aponta que, no prisma bakhtiniano, a oração, tal como ela é tomada pelo objetivismo abstrato, não tem autor e nem destinatário, não suscitando resposta, de forma oposta ao enunciado.

Skinner (1957/1978), por sua vez, indica que o estudo do comportamento verbal contempla duas direções, uma descritiva e outra explicativa. No rumo descritivo, o trabalho com os operantes verbais implica no detalhamento da topografia (forma) do ato verbal. No explicativo, por outro lado, suscita a busca das variáveis das quais a resposta verbal é função, ou seja, requer a verificação dos aspectos do contexto social no qual o sujeito está integrado no momento em que efetua o ato verbal e ao longo de sua história de vida. Dessa maneira, a existência dos dois ramos de estudos indica que a atividade linguística apresenta-se de uma dada forma (com fonemas, morfemas, palavras, etc) e possui uma consequência no contato do locutor com seu ambiente social. Embora seja importante para um estudo completo do comportamento linguístico, a topografia do ato verbal é extremamente variável e não carrega em si as suas consequências (significado), que surgem da relação entre o sujeito e o contexto social imediato e amplo. Portanto, para Skinner, o foco de análise concretiza-se na função da ação verbal e necessariamente requer o contato com os determinantes sócio-históricos de sua produção.

Pontos de divergência

A diferença entre os referenciais epistemológicos adotados por Bakhtin e por Skinner, apontada por Pereira (2000), pode ser considerada uma das divergências mais relevantes entre os autores, na medida em que define o direcionamento de cada uma das obras e repercute em suas conclusões. Bakhtin parte de um referencial marxista, ou seja, materialista-dialético, que ele acredita ser o único capaz de resolver as contradições encontradas pelas correntes linguísticas tradicionais. Tomando a ideologia como uma superestrutura que depende das relações sócio-econômicas (infraestrutura) de uma dada sociedade e o signo como um produto ideológico, inseparável do campo da ideologia como um todo, ele procura explicitar “as relações entre linguagem e sociedade, colocando o signo sob a dialética do signo, enquanto efeito das estruturas sociais” (Bakhtin, 1929/1986, p.13). Em última instância, é o modo de produção que define o horizonte social dos falantes e, portanto, o que pode, ou não, se constituir enquanto signo.

Skinner, por sua vez, embora explique a relação dos sujeitos com o ambiente a partir de uma perspectiva materialista, não se aprofunda na discussão acerca da estrutura econômica e não recorre a uma postura dialética, como a proposta por Bakhtin, na análise do desenvolvimento do comportamento e do real. Diferentemente de Bakhtin, ele adota o modelo das ciências naturais – inicialmente a física e posteriormente a biologia – para estudar o comportamento humano (Pereira, 2000). Segundo Abib (1994), sua concepção pode ser vinculada, principalmente no que tange ao estudo do comportamento verbal, à concepção contextualista. Essa vinculação ocorre pelo fato de que, no estudo do comportamento humano, Skinner delimita que a ação depende e é indissociável do seu contexto de ocorrência. Dessa forma, embora a estrutura econômica possa fazer parte do contexto, Skinner não a posiciona como o elemento principal.

É importante perceber, contudo, que nem todas as divergências importantes entre os autores derivam da diferença entre os referenciais epistemológicos. A compreensão que cada um deles possui sobre o papel da consciência na ação verbal, por exemplo, também difere, embora ambos concordem quanto à sua origem social e quanto ao fato de os eventos privados/internos e os externos serem da mesma natureza.

Para Skinner, pela exposição a situações apropriadas, os indivíduos aprendem a se auto-observar e a descrever tais observações a outros sujeitos (Machado, 1997) e, dessa maneira, as ações às quais apenas aquele que se comporta tem acesso (denominados comportamentos privados ou encobertos) seriam comportamentos como os que são passíveis de contato público. Os produtos dessa auto-descrição podem, por sua vez, tornarem-se aspectos do ambiente que controlam outras ações do sujeito, todavia, não se constituem em elementos imperativos para ocorrência de qualquer ação, pois essas podem ocorrer sem necessariamente se relacionarem aos eventos privados. Assim, embora sejam parte importante daquilo que um sujeito faz, os eventos privados não são um elo indispensável da cadeia comportamental. Em linhas gerais, Skinner afirma que não seriam as variáveis privadas que deveriam ser buscadas para a explicação do ato verbal, mas, sim, sob quais aspectos sócio-culturais o sujeito aprendeu a comportar-se verbalmente, quando e como o faz.

Já em Bakhtin (1929/1986), o enunciado se configura como um produto da interação entre dois sujeitos, o locutor e o interlocutor, sendo que o primeiro tem como elemento fundamental de controle sobre a sua ação verbal a expectativa a respeito do que é conhecido (e compreendido) e dos resultados da sua fala sobre o segundo. Nesse contexto, para a existência do enunciado, eminentemente social e relacional, faz-se necessária a ocorrência de um monólogo interior que, embora ideologicamente demarcado, atua obrigatoriamente antes da resposta pública. Além disso, a intencionalidade do locutor é determinante para o ato da fala.

Nesse ponto, vemos que Skinner parte da história de relações vivenciadas pelo sujeito em seu ambiente social para verificar o impacto das experiências passadas para a ocorrência futura de respostas similares em contextos análogos (Pereira, 2000). Considera, igualmente, que os eventos privados, dentre os quais estariam o “discurso interior”, o pensamento ou a intencionalidade, não são elementos indispensáveis para a determinação do comportamento verbal público. Isso não quer dizer, que o comportamento privado, verbal ou nãoverbal, possa exercer influência sobre outras respostas públicas, apenas que, contrariamente à concepção bakhtinana, o responder privado não é uma situação sine qua non para as demais ações do sujeito. Bakhtin, contrariamente, considera a história como inserção na comunidade linguística para a constituição da consciência e estabelece a obrigatoriedade da intenção como um dos fatores explicativos para o ato verbal (Pereira, 2000).

A partir dessa diferença, verifica-se a existência de outro ponto de divergência entre as obras estudadas. Para Skinner, “falante” e “ouvinte” se referem mais a funções do que a indivíduos e, assim, um mesmo sujeito pode desempenhar os dois papéis em uma situação de interação verbal. A análise destas interações, portanto, reside sobre os papéis de falante-ouvinte e o comportamento verbal do falante pode atuar de forma a modificar a sua própria resposta futura, na medida em que pode alterar as condições às quais tal resposta é contingente (Simonassi & Cameschi, 2003).

Para Bakhtin, por outro lado, vemos que a enunciação necessariamente ocorre pelo contato entre ao menos dois indivíduos socialmente organizados, ainda que não seja essencial a presença imediata de um interlocutor, que pode ser substituído pelo representante médio do grupo social do locutor. É isso que ocorre nos casos da escrita e do discurso interior: ambas as atividades são mantidas por uma audiência própria bem definida. Qualquer enunciação, mesmo escrita ou interior, responde a uma outra que a precede e, ao mesmo tempo, se dirige a alguém, sendo, portanto, determinada por estes dois fatores. Assim, estabelecese a idéia de que uma enunciação é como uma réplica em um diálogo contínuo, um elo de uma corrente de comunicação verbal que não tem início nem fim. A própria compreensão de uma fala consiste em opor a ela uma contrapalavra.

Bakhtin afirma que tudo o que ocorre com um organismo humano pode vir a se constituir como material para a sua atividade psíquica, uma vez que todo elemento circunscrito pela ideologia tem a possibilidade de ter agregado um valor semiótico e, assim, tornar-se expressivo. A palavra, para ele, se constitui como o fundamento para a atividade mental, pois ela é um produto ideológico que pode ser utilizado como signo interior, ou seja, que se relaciona com aquilo a que apenas o indivíduo tem acesso. A atividade mental é necessariamente simbólica e, portanto, linguística.

De acordo com as concepções de Skinner, existiriam comportamentos privados verbais, mas, segundo a sua definição de comportamento verbal, nem todos o seriam, ainda que tenham se desenvolvido pelo fato do sujeito comportar-se em um ambiente social verbal. Com relação a isso, o autor (1957/1978) dá o exemplo de um sujeito que pensa sobre um movimento no jogo de xadrez. Essa resposta é privada, porque apenas seu executor tem acesso a ela, mas não é verbal em sua definição. Nesse mesmo sentido, Simonassi e Cameschi (2003) apontam que, em uma sequência de comportamentos, um pode criar condições para a ocorrência do seu sucessor e que, dentre eles, existem respostas precedentes que podem ser concomitantemente verbais e privadas, mas isso não se caracteriza como uma noção sine qua non.

 

Considerações Finais

A partir do exposto aqui, pode-se sumarizar as aproximações e as divergências entre Bakhtin e Skinner conforme as sistematizações das tabelas 1 e 2.

 

 

 

 

Diante dos pontos indicados, podese concluir que, de fato, existem aspectos convergentes entre os dois autores e que, com este tipo de trabalho, ambos os campos envolvidos ampliam seu referencial de análise. Podemos considerar, inclusive, que, apesar das muitas divergências, as obras analisadas possuem aspectos complementares. Isso se deve ao fato da língua se constituir como o conjunto de práticas verbais de uma comunidade verbal/de fala – inserindo-se no campo da Lingüística (Abib, 1997) – e também, como o fazer verbal dos sujeitos socialmente organizados – caracterizando-se como objeto de estudo da Psicologia (Abib, 1997).

Em acréscimo, indica-se que os resultados encontrados podem ser desenvolvidos separadamente, uma vez que cada aspecto de convergência ou divergência é, por si só, um tema de extrema complexidade.

Por fim, afirma-se que, com esse tipo de trabalho de aproximação entre áreas e teorias, de forma a não reduzir uma à outra, abre-se uma extensa possibilidade de estudos interdisciplinares sobre a língua, permitindose o refinamento dos instrumentos de análise de cada campo posto em questão e o desenvolvimento de novos conceitos sobre os temas.

 

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Endereço para correspondência
Rodrigo Lopes Miranda
E-mail: dingoh@gmail.com
Juliana Prieto Bruckner
E-mail: pbjuliana@yahoo.com.br
Sérgio Dias Cirino
E-mail: sergiocirino99@yahoo.com

Recebido em: 5/11/2007
Aceito para publicação em: 12/2/2009

 

 

1 Trabalho desenvolvido como parte constituinte da pesquisa “Aproximações entre a Interação Verbal de Bakhtin e o Comportamento Verbal da Psicologia Analítico-comportamental: contribuições para o ensino de língua portuguesa a escolares de primeira à quarta série do ensino fundamental”, desenvolvida com bolsa de iniciação científica PIBIC/CNPq (Edital 01/2006) para o primeiro autor sob orientação do terceiro.
2 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação da Faculdade de Educação da FMG. Bolsista da CAPES. Membro do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff (LAPED) da FAE-UFMG. E-mail: dingoh@gmail.com.
3 Psicóloga. Licenciada em Psicologia pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: pbjuliana@yahoo.com.br
4Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação da UFMG. Bolsista de Pós-doutorado CAPES na West Virginia University. Coordenador do Laboratório de Psicologia e Educação Helena Antipoff (LAPED) da FAEUFMG. E-mail: sergiocirino99@yahoo.com
5 de Rose, J. (2000). Apresentação (pp. 9 - 12). In M. E. M. Pereira (Ed.) O Estudo da Linguagem pela Psicologia: uma aproximação entre Skinner e Bakhtin. São Paulo, SP: EDUC. Para citações retiradas de partes de livros, tais como “apresentação” ou “prefácio”, optou-se por incluí-los apenas como notas de rodapé para não “inflacionar” as referências bibliográficas.
6 John Austin (1911-1960). Filósofo da linguagem britânico que desenvolveu uma grande parte da contemporânea teoria dos “atos discursivos”. Uma de suas principais obras, How to do things with words (1962) foi publicada postumamente e reúne uma série de palestras ministradas por ele nas William James Lectures, justamente o evento no qual são tornadas públicas as primeiras versões do livro de Skinner Verbal Behavior.
7 Bakhtin é um dos principais representantes da Sociolingüística. Sua obra é vasta e existe um frutífero debate sobre a autoria dos escritos tidos como seus. Tal discussão, contudo, extrapola os objetivos deste artigo, de forma que as obras consultadas são aceitas como sendo de fato do autor.
8 Ferdinand de Saussure (1857-1913). Lingüista suíço considerado um dos principais expoentes da Lingüística como campo do saber. Autor póstumo da obra “Course de Linguiste Général (1916)”
9 Tradução nossa: “uma língua não é as palavras e sentenças 'faladas nela'; ela é o 'esta' no qual elas são faladas – as práticas da comunidade verbal que modelam e mantêm o comportamento dos falantes”.

Agradecimentos: Os autores agradecem às críticas e sugestões feitas por Carlos Eduardo Lopes e Maria de Fátima Cardoso Gomes. Também agradecem àqueles que, gentilmente, outorgaram-nos o seu parecer, que analisaram este texto, pelas suas excelentes observações e críticas ao trabalho. Todavia, quaisquer equívocos ou imprecisões são de responsabilidade dos presentes autores.