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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.11 no.2 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Contingências envolvidas na condução do desenvolvimento verbal de uma criança de 5 anos

 

Contingencies involved in driving riving the verbal development of a 5 year year-old child

 

 

Denise de Lima Oliveira Vilas Boas1,2, I,II; Roberto Alves Banaco3, I

I Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
II Universidade de Fortaleza

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Comportamento verbal é comportamento operante, sujeito a leis de reforçamento. Contingências de reforçamento podem produzir supressão ou baixa frequência de emissão de respostas verbais. O objetivo deste trabalho foi: levantar hipóteses de possíveis contingências de reforçamento que pudessem provocar supressão e/ou baixa frequência na emissão respostas verbais; observar interações familiares e identificar contingências que pudessem diminuir ou aumentar a frequência de emissão de respostas verbais e comportamentos inadequados; e, desenvolver procedimentos de intervenção através de orientações aos pais e verificar possíveis mudanças na frequência de emissão de respostas verbais de uma criança de cinco anos. Para isso, foram feitas: entrevista para levantamento da história de vida da criança e da queixa; observações semanais de uma hora na residência da criança por um período de sete meses; e, orientações aos pais ao final de cada sessão de observação para que usassem procedimentos tais como reforçamento diferencial de respostas alternativas, ensino de nomeação, reforçamento de mandos vocais, consequenciação de emissão de resposta verbal, alteração na frequência de assistir TV e jogar vídeo-game e extinção para comportamentos inadequados. As interações entre os membros da família durante as sessões de intervenção foram transcritas e categorizadas. Os resultados mostram que a criança em sua história de reforçamento e no início do estudo, foi exposta a contingências desfavoráveis ao desenvolvimento de respostas verbais, o que produziu supressão e/ou baixa frequência de emissão de respostas verbais. As orientações emitidas pela pesquisadora parecem ter produzido mudanças nos comportamentos dos pais e consequentemente, nos comportamentos da criança, provocando aumento na frequência de emissão de verbalizações e diminuição dos comportamentos inadequados. Além disso, os dados mostram que ocorreram mudanças na interação de todos os membros da família.

Palavras-chave: Comportamento verbal; Orientação familiar; Estratégias de intervenção.


ABSTRACT

Verbal behavior is operant behavior and, therefore, is ruled by the laws of reinforcement. Reinforcement contingencies may result in suppression or low frequency of verbal responses. The purpose of this study was threefold: To formulate hypotheses of possible reinforcement contingencies that might suppress or lower the frequency of verbal responses; to observe family interactions and identify the contingencies that could lower the frequency of verbal responses and raise the frequency of inappropriate behavior; to develop intervention procedures through parent counseling and to verify possible changes in the frequency of verbal responses emitted by a 5 yearold child. In order to accomplish this aim, an interview was conducted to assess the history of the child’s and the parents’ complaints; one hour observation sessions in the child’s home were held over 7 months and, at the end of each observation session, parent counseling took place. The purpose of counseling the parents was to instruct them to differentially reinforce alternative responses, teach naming, reinforce vocal mands, prompt the emission of verbal responses, alter the frequency of watching TV and playing video games, and perform the extinction of inappropriate behavior. The interactions of family members during the intervention sessions were noted and categorized. The results show that the child was exposed to unfavorable contingencies at the beginning of the experiment and in his earlier life, which had given rise to the suppression and/or low frequency of verbal responses. The instructions given by the researcher seem to have produced changes in the parents’ behavior and, consequently, in the child’s behavior, leading to an increased frequency of verbal responses and a decreased frequency of inappropriate behavior. In addition, the data show that changes occurred in the interactions of all members of the family, confirming that verbal behavior is shaped and maintained by reinforcement contingencies.

Keywords: Verbal behavior; Family counseling; Intervention strategies.


 

 

Skinner ao descrever funcionalmente o comportamento verbal (1957/ 1978), não apresenta um trata-mento claro sobre o processo de aquisição dos operantes verbais, especialmente tato e mando, enquanto produto de suas consequencias (Brino e Souza, 2005). No entanto, alguns autores propuseram interpretações sobre a aquisição dos repertórios verbais durante o desenvolvimento da criança.

Stemmer, (1992), por exemplo, discute a aquisição do repertório verbal, por meio do conceito de eventos ostensivos, que se configuram como a exposição ao pareamento palavra-objeto, em que a primeira faz referência ao segundo. Na proposta desse autor, a diversas exposições a esse tipo de evento promoveriam o desenvolvimento de classes de generalização entre estímulos, de forma que a criança responderia apropriadamente a novos estímulos ambientais, idênticos ou similares àqueles aos quais já foi exposta. Considerado desta forma, a criança primeiramente deve aprender comportamento de ouvinte para depois aprender o comportamento de falante.

Consonante com essa interpretação, Moerk (1990) descreve que num processo de treino e aprendizagem do comportamento verbal, a criança primeiramente responde às declarações de um falante (em geral, da mãe) e tem suas respostas verbais modeladas por este falante. Segundo ele, modelagem, imitação, princípios de aprendizagem social e do reforçamento explicam a aquisição do repertório verbal. Sendo assim, habilidades verbais requerem motivação (Operação Estabelecedora) para sua aquisição e consequências reforçadoras para sua manutenção.

Outra proposta interpretativa sobre a aquisição do repertório verbal é apresentada por Schlinger (1995), que descreveu um processo em que se observa o desenvolvimento da pré-fala (balbucio) por meio de relações reflexas que se tornam operantes, quando a vocalização modifica o meio e é modificada por ele. A partir da modelagem do balbucio a criança começa a emitir o que Schlinger (op cit) chama de palavras únicas, ou seja, palavras que são emitidas isoladamente, sem fazerem parte, nesse estágio, de uma frase. Essas palavras vão aumentar de frequência no repertório verbal da criança a partir dos processos de imitação vocal e de modelagem e de reforçamento automático.

Para Skinner (1957/1978), no reforçamento automático a resposta pode ser fortalecida por duas formas adicionais que não requerem a ação deliberada de outra pessoa. Na primeira forma, chamada de prática, as respostas verbais das crianças são reforçadas automaticamente quando reproduzem vários tipos de som (gato, cachorro, carro, etc.). Neste caso ouvir a própria resposta vocal é o estímulo reforçador. Na segunda forma autista/ artística (autistic/artistic), um tipo de estímulo neutro adquire valor reforçador através do pareamento com um estímulo reforçador já estabelecido. Estudos feitos por Smith, Michael e Sundberg (1996), mostraram que o emparelhamento de respostas vocais de crianças com um estímulo neutro afetou muito pouco a taxa de vocalização da resposta alvo; já o emparelhamento com o estímulo reforçador aumentou a taxa da resposta alvo, enquanto que o emparelhamento com o estímulo aversivo resultou num decréscimo imediato da resposta alvo.

Procurando ainda explicações para a aquisição do comportamento verbal, Schlinger (1995) e Drash e Tuddor (1993), propõem que as primeiras emissões vocais da criança são evocadas por uma operação estabelecedora aversiva. Tais emissões produzem uma alteração ambiental específica que modela e mantém essas respostas que podem, por essa razão, ser classificadas como mando. De acordo com Schlinger (op cit), em seguida as crianças aprendem a nomear eventos do mundo por substantivos simples e depois mais complexos por um estabelecimento convencional da comunidade verbal em que está inserida. De acordo com Hart e Risley (1995), a criança precisa aprender primeiramente o nome de todas as coisas e as ações requeridas para depois emitir ordens e pedidos; depois disso deve ser preparada para a escola, sendo exposta a contingências que possibilitem o aprendizado de nomeação de cores, contar e nomear letras.

Na mesma linha explicativa, Souza (2003) propõe que a aquisição e o desenvolvimento do repertório verbal ocorrem em função do ensino de uma determinada comunidade verbal, estabelecendo diferentes competências linguísticas, Para o autor, as respostas que se aprendem primeiro são imitação, compreensão e produção, tornando-se base para o desenvolvimento de outras respostas linguísticas.

O estudo realizado por Souza (2003) mostra que a partir do emparelhamento palavra-objeto, as crianças não aprendem a competência de nomear (tatear), tornando-se necessário, para isso, o treino direto. No entanto, após uma história de reforçamento entre emparelhamento palavra-objeto, repetição vocal e nomeação, o emparelhamento palavra-objeto é suficiente para emergência da nomeação. Além disso, o estudo feito por Hall e Sundberg (1987) mostrou que apenas saber tatear um objeto não é suficiente para emissão de mandos: é necessário o treino direto de mando, sob o efeito de uma operação estabelecedora (privação).

Drash e Tudor (1991) apresentaram um experimento no qual se utilizaram de uma dica facial para aumentar a taxa de respostas vocais da criança para dicas (prompt). Nesse artigo, os autores sugerem que a taxa de respostas vocais é uma variável dependente relevante, altamente sensível a diferentes contingências de reforçamento. Eles apontam também que a combinação de procedimentos que incluam reforçamento positivo e contingências aversivas suaves (brandas) é mais efetiva do que apenas reforçamento positivo para aquisição de respostas verbais. A visão de que o comportamento verbal é um comportamento operante torna possível uma análise funcional das interações entre ouvinte e falante, revelando as variáveis que controlam a supressão ou baixa frequência de emissão de respostas verbais, possibilitando, por meio da manipulação destas variáveis, o aumento na frequência de emissão de respostas verbais.

Segundo Drash e Tudor (1993), poucas pesquisas foram feitas para analisar a baixa frequência de emissão de respostas verbais de crianças que possuem uma estrutura genética, orgânica e neurológica preservada (crianças com desenvolvimento típico). De acordo com os autores, a supressão ou baixa frequência de emissão de respostas verbais vocais é decorrência de contingências ausentes ou defeituosas e pode ser revertida por meio de manipulação de variáveis ambientais. Sendo assim a identificação dessas variáveis, na maioria das vezes, indica um prognóstico mais positivo para desenvolvimento de um tratamento comportamental e a possibilidade de ampliação do repertório verbal da criança.

Um estudo longitudinal feito por Hart e Risley (1995) mostra que crianças americanas em situação de pobreza têm um repertório verbal mais restrito do que crianças de classes sociais mais elevadas. Nesse estudo Hart e Risley (op cit) selecionaram quarenta e duas famílias americanas, distribuídas em três grupos de acordo com a classificação sócioeconômica, sendo elas: “pais da seguridade social” (desempregados), “pais da classe trabalhadora” e “pais profissionais liberais”4. O estudo teve como objetivo, analisar os efeitos das evidentes diferenças nas interações verbais dessas famílias sobre o repertório verbal de seus filhos e, com isso, baixo desempenho cognitivo no futuro. Os autores descrevem que todas as crianças do estudo tiveram experiências de interações verbais, mas a diferença entre as famílias ocorreu na frequência com que as interações ocorriam: a frequência de interação nas famílias da seguridade social foi menor do que dos pais trabalhadores, que foi menor do que dos pais profissionais liberais.

Hart e Risley (1995) propuseram, então, que quanto mais a criança ouve aspectos da linguagem mais ela tem oportunidades de desenvolver seu repertório verbal. Segundo os autores, algumas crianças aprenderam mais palavras simplesmente porque se engajaram em muito mais atividades de interação verbal. Hart e Risley (op cit) demonstraram que mesmo com procedimentos para recuperação no atraso do repertório verbal de crianças com mais de três anos, estas não atingiram o mesmo nível de desenvolvimento de crianças que foram expostas a contingências que proporcionaram maior desenvolvimento do repertório verbal desde a primeira infância.

Corroborando estas hipóteses, em estudo posterior Souza (2003), propôs que as situações nas quais as pessoas usam as palavras em relação com os objetos/eventos do mundo (emparelhamento) podem ser um importante fator na aquisição de comportamentos que são caracterizados como pré-requisitos na aquisição de repertório verbal. Desta forma, quanto maior o número de emparelhamentos palavra-objeto propiciado à criança pelos pais ou cuidadores, melhor o desenvolvimento do seu repertório verbal. Tal emparelhamento também deve ser acompanhado pelo reforçamento de respostas das crianças.

Drash e Tudor (1993) descreveram seis paradigmas de reforçamento na relação pais e filhos que podem provocar supressão ou baixa frequência na emissão de comportamento verbal de algumas crianças. O primeiro foi por eles denominado como reforçamento de submissão, fuga e reforçamento de outros comportamentos inadequados. Nesse processo ocorre reforçamento positivo das respostas “inadequadas” da criança (choro e grito) e a emissão de respostas de fuga ou esquiva dos pais diante da estimulação aversiva (choro e grito). Pode ocorrer também resposta de fuga e esquiva da criança diante de uma situação aversiva e punição da resposta dos pais em relação à criança.

O segundo paradigma apontado pelos autores seria o reforçamento de formas não vocais de comportamento verbal. Neste processo, pai consequenciam resposta não vocal da criança, tais como apontar e/chorar, que são suficientes para a obtenção de reforçadores, não exigindo respostas vocais, tais como pedir.

O terceiro paradigma foi descrito como a extinção de respostas vocais, que ocorre quando os pais ou cuidadores estão desatentos aos primeiro balbucios da criança, impossibilitando a ocorrência do processo de modelagem.

O quarto paradigma definido por Drash e Tudor (1993) é o processo de supressão do comportamento verbal por punição. Para os autores isso pode ocorrer pelo processo de punição das primeiras verbalizações da criança (chorar e gemer) e, dessa forma, a exposição frequente à contingência de punição pode provocar a supressão dessas respostas, impossibilitando a modelagem de respostas vocais da criança.

O quinto paradigma descrito é a ausência ou ineficiência de reforçamento do comportamento verbal. Isso ocorre geralmente em decorrência tanto da falta de habilidade, quanto de um repertório verbal deficiente dos pais e/ou cuidadores. Os achados Hart e Risley (1995) demonstram que quanto menor o repertório verbal dos pais, menor o repertório verbal dos filhos.

E por último Drash e Tudor (1993) ressaltam como paradigma a interação entre fatores orgânicos ou presumivelmente orgânicos e fatores comportamentais. Segundo os autores, as respostas dos pais diante da inabilidade da criança podem aumentar ou diminuir a frequência de problemas futuros

Identificar paradigmas de reforçamento que inibem o desenvolvimento do comportamento verbal durante os primeiros anos pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de programas comportamentais. Esses estudos visam prevenir a instalação de comportamentos inadequados e proporcionar o desenvolvimento de comportamento verbal da criança com um repertório amplo.

Muitas vezes o atraso no desenvolvimento do comportamento verbal é associado a retardo mental, quando na realidade, o suposto retardo mental ocorre em função do atraso verbal da criança. Assim, o uso da tecnologia comportamental no treino de pais, professores, pediatras e outros cuidadores para diminuir a incidência de atraso no comportamento verbal, poderiam diminuir a incidência de diagnóstico inadequado de retardo mental.

Estudos demonstraram que o treino dos pais como mediadores (Polster & Dangel 1989; Souza, 2000; Wodarski & Thyer, 1989) para aplicação de procedimentos comportamentais pode ser eficaz para o desenvolvimento e/ou ampliação de repertório verbal de uma criança. Drash e Tudor (1991), por exemplo, demonstraram que a manipulação de variáveis alterando os esquemas de reforçamento era eficaz em obter esses resultados. Hall e Sundberg (1987) demonstraram que o uso de dica facial para emissão de comportamento ecóico e treino de mando, sem manipulação de operações estabelecedoras, mas aproveitando operações estabelecedoras vigentes na situação, também melhoravam os desempenhos verbais da população por eles estudada. Esses trabalhos demonstram que queixas de baixo repertório verbal de crianças podem ser eliminadas e os repertórios verbais de crianças, melhorados por meio de manipulação de dicas e consequências.

O objetivo do presente trabalho foi, a partir de queixas de uma família sobre o repertório verbal enfraquecido de uma criança de 5 anos, obter dados sobre possíveis contingências na história de reforçamento de respostas verbais emitidas pela criança que pudessem provocar a supressão e/ou baixa frequência na emissão de comportamento verbal pela criança. Para isso, optou-se por observar as interações familiares e identificar contingências que pudessem diminuir a frequência de emissão de respostas verbais e aumentar a frequência de comportamentos inadequados. As hipóteses norteadoras foram baseadas nos paradigmas de Drash e Tudor (1993). Diante dessas hipóteses, o desenvolvimento de procedimentos de intervenção, através de orientação aos pais, procurou verificar se mudanças nas interações entre os familiares provocariam mudanças na frequência de emissão de respostas verbais e de comportamentos inadequados da criança. As respostas e dimensões selecionadas para observação e intervenção foram: frequência de emissão de comportamento verbal pela criança, interação verbal com os membros da família, dificuldade de aprendizagem, emissão de comportamentos inadequados (choros e gritos) e frequência de interação do pai com a criança.

 

Método

Participantes

Uma família composta por quatro membros – pai, mãe e dois filhos -, com perfil de classe Baixa Superior, classificada em estudo sócio econômico de uma universidade da Grande São Paulo.

Foco: Criança de 5 anos com baixa frequência na emissão de respostas verbais, interação pouco frequente com seus pares e baixo desempenho escolar.

Local

Todas as observações e intervenções foram feitas na residência da família: um apartamento de três quartos, num bairro residencial de uma cidade da Grande São Paulo.

Contato inicial e Queixa

A mãe da criança chegou ao consultório particular da pesquisadora (psicóloga) relatando que o filho não falava (ou falava pouco) e apresentava alguns comportamentos inadequados, tais como bater a cabeça, gritar e chorar muito.

Equipamento

Para realização da pesquisa utilizou-se: gravador cassete para registro das verbalizações; computador; e, programa de computador (software) para contagem e classificação das palavras emitidas por todos os membros da família.

Procedimento

Realizou-se num primeiro momento entrevista com a mãe para o levantamento da história de vida da criança e histórico da queixa. Os registros da entrevista foram transcritos pela pesquisadora. Após a transcrição os dados foram organizados para a realização de uma análise qualitativa dos relatos e para levantamento da queixa.

Após a entrevista foram realizadas observações semanais na residência da criança, com duração de uma hora, segundo as recomendações de Hart e Risley (1995). Após cada observação eram realizadas as intervenções, que serão descritas a seguir. O Estudo foi realizado num período de sete meses.

Durante o período de observação todas as verbalizações da criança e de quem estivesse na residência foram registradas por meio de um gravador cassete. Além disso, foi desenvolvida uma folha de registro, que permitisse coletar dados sobre o que a criança estava fazendo, o material com o qual estava em contato, quem estava presente no ambiente e suas interações com a criança. A folha de registro, nas três primeiras observações, estava dividida em intervalos de cinco minutos; já nas demais estava dividida em intervalos de 1 minuto.

Foi realizado por duas vezes, num intervalo de quinze dias, um teste que consistia na apresentação de 92 figuras projetadas em tela de um microcomputador e o pedido subsequente para que a criança nomeasse cada uma das figuras. As figuras selecionadas representavam objetos que supostamente pertencem ao cotidiano de uma criança de 5 anos. A pesquisadora solicitou que a criança nomeasse cada figura por meio da verbalização: “O que é isto?”. As respostas, certas ou erradas, foram consequenciadas apenas com a apresentação de uma nova figura. O objetivo destes testes foi identificar quais figuras a criança era capaz de nomear e tomar as medidas do repertório verbal durante a intervenção.

Após a primeira realização do teste, os pais foram orientados a “brincarem” com a criança uma hora por dia, repetindo o procedimento utilizado pela pesquisadora. No entanto, os pais foram orientados para elogiarem diferencialmente as respostas da criança, ou seja, quando a criança respondesse corretamente os mesmos deveriam consequenciar a resposta com elogios do tipo “muito bem”, “parabéns”, “isso mesmo”. Quando a resposta fosse incorreta ou ausente, os pais deveriam verbalizar o nome correto e solicitar que a criança repetisse. Essas intervenções foram baseadas em Drash e Tudor (1993) e Hart e Risley(1995).

As respostas da criança no teste de nomeação foram classificadas em três categorias, apresentadas na Tabela 1 abaixo:

 

 

A organização e análise dos dados foram feitas baseadas no estudo de Hart e Risley (1995), com algumas alterações, considerando que o atual estudo trata-se de um estudo de caso único. Foram medidas a frequência de emissão do comportamento vocal da criança e a frequência de emissão do comportamento vocal dos pais (Drash e Tudor, 1991).

Os conteúdos das gravações foram transcritos, digitados e depois alimentaram um programa de computador criado especialmente para a análise dos dados. Foi também registrada e comparada a quantidade de palavras emitidas por cada membro da família, por hora de observação.

Foi feita, também a quantificação das verbalizações emitidas por todos os membros da família, dividindo-as em frases. Foram quantificadas apenas as frases dos membros da família em direção à criança e as falas em direção ao outro membro da família, quando estas interromperam um episódio verbal (diálogo) entre este e a criança.

O falante foi identificado em cada episódio verbal analisado da seguinte forma: M= mãe; P= pai; C= criança; I=irmão.

Intervenção

Com base nos paradigmas propostos por Drash e Tudor (1993), foram elaborados nove procedimentos de intervenção específicos, que deveriam ser realizados pelos pais, sob orientação da pesquisadora. Esses procedimentos foram ensinados aos pais através de orientação verbal.

As sessões de orientação aos pais ocorreram após o período de observação, em todos os dias de observação. As nove orientações foram feitas em todas as sessões aos pais, ou apenas à mãe nos dias em que o pai estava ausente.

Os procedimentos utilizados foram:

1) DRA – reforçamento diferencial de respostas alternativas: procedimento de extinção de mandos inadequados e reforço de respostas vocais;

2) Ensino de nomeação: nomeação de objetos e solicitação para que a criança repetisse e em seguida a solicitação de nomeação do objeto pela criança;

3) Reforçamento de mandos vocais: atender apenas a pedidos e solicitações vocais da criança.

4) Alteração na frequência de assistir a TV e jogar vídeo-game: diminuir a frequência de permanência da criança assistindo TV e jogando vídeo game;

5) Suspensão da punição da emissão de respostas inadequadas;

6) Suspensão da punição da emissão de respostas verbais inadequadas;

7) Alternativas para colocação de regras ou limites;

8) Consequenciação da emissão de comportamento verbal, sempre prolongando a conversa quando possível; e,

9) Aumento das verbalizações descritivas e encorajadoras de forma geral dentro da residência.

Além dessas orientações descritas acima, outras foram fornecidas em alguns dias de observação, como consequenciar comportamentos ou queixas ocasionais ocorridos em algumas observações, aumento na interação entre o pai e a criança e que os pais não interferissem na interação entre os irmãos.

 

Resultados

Através de entrevista com a mãe, foram levantadas contingências que poderiam diminuir a probabilidade da criança emitir respostas vocais, tais como: reforçamento de submissão e fuga; reforçamento de mandos inadequados; extinção do comportamento verbal; ausência de reforçamento do comportamento verbal; ausência de reforçamento automático; e ausência de reforçamento de comportamentos adequados.

Para verificar essas hipóteses levantadas com base na entrevista da mãe e os resultados das intervenções, foram selecionadas para análise de resultados a primeira e a última observação com todos os membros da família presentes, em intervalo de aproximadamente 6 meses entre elas, a primeira e a última observação em que estavam presentes a mãe e a criança (intervalo similar) e a observação na semana posterior ao teste de nomeação, dois meses depois do início do estudo .

Os dados sobre as categorias foram organizados em figuras para facilitar a visualização das mudanças ocorridas no decorrer das observações. As descrições das mudanças foram correlacionadas com as intervenções que possam ter possibilitado determinada alteração no padrão familiar de emissão de respostas verbais.

Nesse primeiro momento optou-se por descrever as mudanças quantitativas ocorridas nas verbalizações tanto da criança quanto dos seus familiares. A Figura 1 mostra a quantidade de frases emitidas pelos pais em direção à criança e a quantidade de frases emitidas pela criança. Na primeira observação a criança interagiu praticamente apenas com a mãe, apesar de todos os familiares (mãe, pai e irmão) estarem presentes. Por parte do pai, ocorriam breves declarações seguidas por silêncio. Este dado confirmou a descrição da mãe na entrevista, de que havia baixa frequência de interação entre o pai e a criança.

No decorrer das intervenções a criança aumentou o tempo de interação com o pai, ocasionando aumento e maior variação na interação com os familiares.

Ao final da primeira observação os pais foram orientados a aumentarem a quantidade de verbalizações em direção à criança. Na segunda observação pode-se notar o aumento na quantidade de frases emitidas pela mãe em direção à criança. Ao final da hora de observação do dia (2), durante a orientação, a mãe voltou a apresentar a queixa de que o pai interagia pouco com seu filho. Baseada na queixa e no registro da primeira observação (poucas verbalizações do pai em direção à criança), a pesquisadora orientou a mãe a deixá-los mais tempo sozinhos e não interferir na interação entre eles. A diminuição na quantidade de frases emitidas pela mãe em direção à criança pode ter sido consequência dessa orientação, pois ocorreu concomitante ao aumento na quantidade de frases emitidas pelo pai em direção à criança.

Ao final de cada observação em que o pai interagia com a criança, a pesquisadora ressaltava este fato e emitia elogios ao pai, enfatizando o quanto ele estava ajudando no desenvolvimento do repertório verbal de seu filho. Esses elogios e o aumento nas verbalizações da criança provavelmente mantiveram e aumentaram a quantidade de frases do pai em direção a criança, como verificado no dia 10.06.2005 (5).

Essas mudanças no desempenho dos pais foram seguidas por uma mudança na quantidade de frases emitidas pela criança, que aumentou a cada sessão de observação selecionada.

Pode-se, então, levantar a hipótese de que o aumento das frases emitidas pela criança em direção aos pais ocorreu como consequência do aumento de verbalizações dos pais em direção à criança, conforme demonstra a curva da Figura 1, com média de 160 palavras nas três primeiras sessões e número final próximo das 330 palavras.

 

 

O aumento das verbalizações do pai em direção à criança e da criança em direção ao pai pode ser, também, produto de uma contingência de reforçamento, em que as consequências liberadas por um, diante da verbalização do outro, mantiveram e aumentaram a frequência de respostas verbais de ambos.

A Figura 2 mostra a quantidade de palavras emitidas pelos pais, irmão e pela criança nas sessões de observação selecionadas. A quantidade de palavras emitidas na presença da criança, em direção a ela ou não, pelos pais e irmão também mudou no decorrer das sessões de observação. Além disso, a quantidade de palavras emitidas pela criança aumentou de uma observação para outra.

 

 

A quantidade de palavras emitidas pelo pai aumentou gradativamente no decorrer das sessões de observação em que esteve presente. Concomitante a isso, a quantidade de palavras emitidas pela mãe e também pelo irmão na presença da criança diminuiu.

Na sessão (3) parte da interação do pai com a criança ocorreu jogando vídeogame (pai, criança e irmão), no entanto as interações verbais entre eles não ocorreram o tempo todo. Ao final dessa observação, a pesquisadora destacou a importância de o pai ter brincado com a criança e emitiu elogios dirigidos a essa ação. No entanto, ressaltou que além de brincar o pai deveria conversar com a criança sobre o jogo, descrevendo, nomeando e qualificando os objetos e situações presentes. Essa orientação pode ter provocado o aumento na quantidade de palavras emitidas pelo pai na sessão 5.

Houve um aumento gradativo na quantidade de palavras emitidas pela criança durante o período de observação (ver Figura 2, sessão 2, 4 e 5), concomitantemente às mudanças observadas na quantidade de palavras emitidas pelos pais e pelo irmão. É importante ressaltar que na sessão (4) a criança estava sozinha com a mãe e na sessão (5) ela passou mais tempo em interação com o pai. Observa-se também que nessa oportunidade a quantidade de palavras emitidas pela criança na presença do pai foi maior do que a observada anteriormente na presença da mãe.

Outra intervenção que pode ter provocado mudanças na quantidade de verbalizações emitidas pelos pais e consequentemente pela criança foi o teste de nomeação. Este, que tinha como objetivo verificar quais objetos do cotidiano a criança sabia nomear, tornouse uma intervenção que mudou a rotina e as verbalizações dos membros da família. A Tabela 2, abaixo, mostra o resultado dos dois testes de nomeação aos quais a criança foi submetida pela pesquisadora na segunda aplicação do teste de nomeação houve um aumento de 126% de nomeações corretas e uma diminuição de 71% de nomeações erradas e de 37,5% de nomeações próximas à certa.

 

 

A mudança no resultado da segunda aplicação do teste de nomeação, feito duas semanas depois da primeira, parece ser decorrência da maior exposição da criança às solicitações de nomeação por parte dos pais.

 

Discussão

Segundo Skinner (1957) o ambiente cultural é o maior responsável pelo desenvolvimento do comportamento verbal em sua forma e função. A comunidade verbal definirá como será a topografia e qual será a função do comportamento verbal. Neste estudo observou-se que as alterações comportamentais dos pais e do irmão, nesse período de observação, parecem ser responsáveis pelas mudanças comportamentais da criança.

A mudança na quantidade de tempo de interação com a criança e na variedade de interlocutores expôs a criança a contingências mais variadas em verbalizações, o que, provavelmente, permitiu que ela ampliasse o seu vocabulário e consequentemente suas verbalizações. Parece que a possibilidade de manipular as variáveis que controlavam a baixa frequência de emissão de respostas vocais pela criança, provocou um aumento do seu repertório (vocabulário) verbal.

Segundo Drash e Tudor (1993), a supressão de respostas vocais é decorrência de contingências ausentes ou defeituosas. A partir dessa declaração, levantou-se a hipótese de que manipular as contingências envolvidas na relação familiar observada poderia melhorar o desenvolvimento do comportamento verbal da criança.

A aplicação do teste de nomeação no meio do processo proporcionou um inicio de procedimento para solicitar respostas verbais da criança, aumentando a frequência destes tipos de verbalizações pelos pais, acompanhada pelo aumento na frequência de verbalizações de nomeação pela criança e aumento na quantidade de nomeações corretas na segunda aplicação do teste de nomeação.

Dados informais de observação apontam que, o trabalho de intervenção envolvendo todos os membros da família parece ter produzido mudanças no comportamento da criança, ter aumentado a frequência de respostas verbais emitidas pela mesma e, também, ter produzido mudanças no comportamento de todos os membros da família, que, além de aumentarem a quantidade de verbalizações emitidas em direção à criança, passaram a emitir consequências positivas para comportamentos adequados com mais frequência, a atenção para comportamentos inadequados diminuiu e aumentou o uso apropriado de consequências negativas com descrição de contingências (regras e limites).

As intervenções ocorreram de forma assistemática e todas ao mesmo tempo, o que dificultou a possibilidade de definir qual intervenção produziu determinada alteração no comportamento dos membros da família. Além disso, por se tratar de um estudo em ambiente natural, não foi possível o total controle de variáveis estranhas (intervenientes), que garantisse essa definição.

 

Conclusão

Com este estudo foi possível observar que mudanças no comportamento da criança acompanhou as mudanças no comportamento dos demais membros da família, e que as mudanças no comportamento dos pais foram seguidas às orientações, mas provavelmente mantidas pelas mudanças provocadas no comportamento da criança. A orientação serviu para aumentar a frequência das verbalizações no inicio, mas o que manteve esse aumento no repertório dos pais, provavelmente, foram as contingências em vigor, no caso, a expansão do repertório verbal da criança.

Num próximo estudo, seria importante, aplicar um procedimento por vez e assim observar as mudanças que cada procedimento provocou, seguindo uma linha de base múltipla, pois isso possibilitaria analisar melhor qual procedimento provocou determinada mudança (Johnston e Pennypacker, 1993).

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência
Denise de Lima Oliveira Vilas Boas
Rua Desembargador Avelar, 1403, Cidade dos Funcionários
60822-120, Fortaleza, CE, Brasil.
E-mail: oliveiradenise@globo.com

Roberto Alves Banaco
Rua Dr. Homem de Melo, 211, apto. 131
05007-000, São Paulo, SP, Brasil
E-mail: robertobanaco@nucleoparadigma.com.br

Recebido em: 01/10/2007
Aceito para publicação em: 20/07/2009

 

 

1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Psicologia Experimental Análise do Comportamento, São Paulo, SP, Brasil.
2 UNIFOR – Universidade de Fortaleza, Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento.
3 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento, Doutor em Ciências: área de concentração Análise Experimental do Comportamento.
4 Os autores classificam os pais como pais na seguridade social, pais da classe trabalhadora e pais profissionais, sem o adjetivo “liberais”, embora na descrição dos participantes esta característica fosse invocada. Optou-se neste trabalho por fazer este comentário já que os pais poderiam ser profissionais - em alguma profissão - e estarem desempregados, e certamente os pais da classe trabalhadora também são considerados profissionais. Da mesma maneira, profissionais liberais também são trabalhadores.