SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 issue2Reinforcement contingencies programming to strengthen pro-social repertoire in the school contextAdherence process from a behavioral analysis perspective author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.11 no.2 São Paulo Dec. 2009

 

ARTIGOS

 

Formação de terapeutas analítico analítico-comportamentais: efeitos de um instrumento para avaliação de desempenho1

 

Professional formation of behavior-analytic herapists: effects of an instrument to evaluate performance

 

Esther de Matos Ireno2,3,I,II; Sonia Beatriz Meyer4,III

I Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora
II Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC)
III Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo da investigação foi avaliar os efeitos da utilização de uma lista de verificação de desempenho de terapeutas analítico-comportamentais sobre a atuação de nove duplas de terapeutas iniciantes, alunos de curso de especialização em terapia comportamental. Os terapeutas participantes assistiram a 13 sessões por eles realizadas e foram gradualmente avaliando seu próprio desempenho. O registro foi feito na lista de verificação em um delineamento de linha-debase múltipla. Os resultados indicaram que a utilização do instrumento teve algum efeito positivo sobre o desempenho geral dos terapeutas, em especial sobre os desempenhos relacionados à coleta de dados e estabelecimento de aliança terapêutica. Não foram obtidos resultados tão positivos com relação às estratégias de intervenção do terapeuta. Foram discutidas outras variáveis que podem ter influenciado os resultados, como experiência clínica, supervisor, tipo de caso atendido e validade/confiabilidade do instrumento.

Palavras-chave: Formação profissional; Avaliação de desempenho; Auto-avaliação; Terapeutas analítico-comportamentais.


ABSTRACT

The objective of this investigation was to evaluate the effects of a behavior-analysis therapist’s performance checklist on the performance of nine pairs of psychotherapists commencing advanced training. The therapists watched 13 videotapes of their own sessions and graded their performance on the checklist, following a multiple baseline design. Results indicated that this tool had a certain, positive effect on overall performance and particularly on performance related to the collection of data by the therapists and the establishment of a therapeutic alliance. In terms of performance related to intervention strategies, however, the results were not so positive. Observations were made in relation to other variables that could have influenced the results, such as clinical experience, supervisory style, type of clinical problem and validity/reliability of the tool.

Keywords: Professional training; Performance evaluation; Self-evaluation; Behavior-analysis therapy.


 

 

Introdução

 

Uma questão que exige dedicação de supervisores de psicologia é a busca por métodos capazes de proporcionar aos novos terapeutas o aprendizado de conceitos e habilidades necessárias para a condução de um processo terapêutico efetivo (Rosenberg, 2006). A formação profissional consiste em dispor contingências que facilitem a instalação de um controle preciso dos estímulos presentes na situação profissional sobre as respostas do formando, maximizando a probabilidade de sua ação ser positivamente consequenciada (Starling, 2002). Assim, o papel do supervisor tem grande importância, consistindo em fortalecer o embasamento teórico, estabelecer uma conduta ética e garantir a capacidade de atuação, desenvolvendo no aluno as habilidades necessárias para o exercício profissional (Moreira, 2003; Thurber, 2005; Ulian, 2002).

No entanto, apesar do processo de supervisão em Psicologia ter surgido por volta de 1920 (Bernard, 2005), o que o torna efetivo ainda é desconhecido (Bennett-Levy & Beedie, 2007; Moreira, 2003). Após uma revisão sobre programas de treinamento de terapeutas comportamentais / analítico-comportamentais, tanto na literatura nacional, como internacional feita por Ireno (2007), parece que dentro desta abordagem teórica a realidade não é diferente, ou seja, faltam estudos que mostrem quais métodos de ensino são mais eficazes. De acordo com Beckert (2002), embora exista um número considerável de escritos teóricos sobre o processo de supervisão, os estudos sobre o tema limitam-se a descrever experiências de ensino, existindo pouca literatura, principalmente nacional, que avalie procedimentos de supervisão.

Somando-se esta constatação ao desenvolvimento crescente da terapia analítico-comportamental, percebe-se uma necessidade imediata de avaliar e aprimorar os programas de treinamento, realizando estudos sobre o tema. Tanto Wright, Mathieu e Mcdonough (1981), quanto Milne, Baker, Blackburn, James, e Reichelt (1999) ao descreverem estudos conduzidos para testar procedimentos envolvidos no treinamento de terapeutas comportamentais (primeiro estudo) ou cognitivos (segundo estudo) afirmam que este tipo de trabalho é fundamental para verificar a efetividade de diferentes métodos de treinamento. Também Collins, Foster e Berler (1986), ao discutirem questões relacionadas ao treinamento de terapeutas behavioristas, enfatizam a necessidade de ser dada uma maior importância aos estudos sobre métodos de treinamento em terapia comportamental, pois há uma escassez de pesquisas avaliando a efetividade destes procedimentos. Uma revisão de estudos sobre a formação de terapeutas comportamentais pode ser encontrada em Ireno 2006 e 2007.

Concluindo, parece que o problema seria a escassez de evidências sobre a efetividade dos programas de treinamento. Embora exista um número considerável de escritos teóricos sobre o processo de supervisão, os estudos encontrados sobre o tema limitam-se a descrever experiências de ensino ou pesquisa (como os de Gongora, 1999; Regra, 2001; Silvares e Silveira, 2003; Ulian, 2002; Wielenska, 2000), existindo pouca literatura empírica que enfoque a avaliação dos procedimentos de supervisão existentes. Kaufman e Korner (1997) enfatizam que o treinamento em psicoterapia é uma área negligenciada no estudo empírico e as pesquisas têm produzido poucos dados comprovando a eficácia dos métodos de treinamento para mudar o comportamento do estudante na direção dos objetivos propostos e favorecem o desempenho terapêutico efetivo.

Para contribuir com tais evidências empíricas o objetivo desta pesquisa foi avaliar a eficácia de um procedimento utilizado em programas de formação de terapeutas analítico-comportamentais, qual seja, fornecer ao terapeuta iniciante uma lista de verificação de desempenho para que ele possa se avaliar, observando suas próprias sessões e assim, identificar as contingências relevantes presentes na situação de atendimento clínico.

 

Instrumento para avaliação de desempenho de terapeutas analítico-comportamentais

A Lista para Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico- Comportamental é um instrumento que possibilita o estabelecimento de metas para o treinamento de terapeutas, facilita a observação e registro da ocorrência das classes de respostas que deveriam ser emitidas pelo terapeuta na sessão e propicia a modelagem do comportamento por permitir que o reforçamento incida sobre respostas especificadas (Gongora, 1999; Rangé, Guilhardi, Kerbauy, Falcone, & Ingberman, et al., 1995; Starling, 2002).

Starling (2002) afirma que ao ficar exposto à lista de verificação para observar os atendimentos o terapeuta toma mais contato com as regras de desempenho contidas na mesma, tendo uma probabilidade aumentada de induzir a resposta-alvo em situação de atendimento clínico. Diante de itens como: “Reforçar descrições verbais do cliente de seus comportamentos e seus controles” ficaria subentendido que ao emitir esta resposta de maneira adequada o terapeuta teria como consequência o bom andamento do caso.

Sabemos que as contingências presentes em uma situação clínica são complexas e, fornecer regras para atuação facilitaria o contato com as contingências relevantes. Como regras podem estabelecer comportamentos novos, antes mesmo de estes manterem contato com as suas consequências, seu enunciado possui a vantagem de substituir o procedimento de modelagem pelas contingências em seres humanos (Albuquerque, 2001).

No entanto, as pesquisas têm constatado também que as regras podem produzir uma redução na sensibilidade às contingências do comportamento instruído em contraposição ao aumento na sensibilidade às contingências do seguir a regra - contingências sociais. Mas uma análise das contribuições da pesquisa básica indica que a insensibilidade às contingências não é efeito inevitável do comportamento de seguir regras, pois esta insensibilidade às contingências depende de várias características de como o comportamento instruído foi adquirido (Meyer, 2005). No caso da formação de terapeutas, este tem contato com as contingências naturais e supervisão com um profissional mais experiente, podendo discriminar quando elas não estiverem de acordo com as regras. Além disso, as regras contidas no instrumento são do tipo vaga, facilitando a sensibilidade às contingências presentes nas sessões terapêuticas. Portanto, a função de inserirmos um instrumento de controle instrucional é potencializar os efeitos da modelagem feita pelo supervisor e pelas contingências naturais.

Outra vantagem deste instrumento, segundo Starling (2002), é que sua utilização facilita ao terapeuta a discriminação dos eventos antecedentes/conseqüentes que podem ter exercido controle sobre suas respostas. O fato de fazer (ou ter alguém que faça) uma observação do seu próprio desempenho na sessão pode aumentar a discriminação dos seus comportamentos, por ser a observação/avaliação feita de maneira bastante pontual. Um dos papéis da supervisão é auxiliar na discriminação do terapeuta entres aqueles aspectos de sua atuação que dizem respeito ao comportamento do cliente e sua terapia, ao seu conhecimento teórico, à própria história de vida ou à sua relação com o cliente (Zamignani, 2000). A utilização deste instrumento pode facilitar esse processo.

Outra vantagem da utilização deste instrumento é a possibilidade de avaliar a evolução do terapeuta ao longo da sua formação. Campos (1989) ressalta que existe uma carência no Brasil de instrumentos que tenham como objetivo avaliar o grau de competência profissional adquirida pelo aluno de psicologia e que permita afirmar se ele está apto para exercer a profissão. Este instrumento permite isso, além de fornecer ao supervisor dados sobre a efetividade de seus métodos de ensino.

Diante do exposto, o presente estudo pretendeu responder se há melhoras no desempenho de terapeutas iniciantes quando estes são expostos a uma listagem de habilidades necessárias ao terapeuta analítico-comportamental, utilizando este instrumento para se auto-observar e avaliar. Espera-se que este procedimento potencialize os efeitos da supervisão tradicional (onde o supervisor discute o caso atendido a partir do relato e/ou de gravações da sessão) sobre o desempenho do terapeuta iniciante.

 

Método

Participantes:

Terapeutas: nove duplas de terapeutas, alunos de Curso de Especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva. Trata-se de um curso com duração de um ano, sendo que os alunos participam, uma vez por semana, de aulas e supervisões. Estas supervisões são realizadas em grupo, onde se discutem os casos atendidos pelos alunos. A supervisão oferecida pelo curso funcionava da seguinte maneira: todos os alunos gravavam suas sessões em áudio e deviam entregar ao supervisor um relatório do atendimento semanal e 15 minutos de transcrição da fita. Os casos encaminhados para tratamento eram designados para duplas de terapeutas, sendo os atendimentos feitos pelos dois na própria instituição durante todo o curso (um ano). Na presente pesquisa foram utilizadas as 13 primeiras sessões realizadas pelas duplas de terapeutas que aceitaram participar como voluntários. Os critérios de inclusão foram: ter menos de um ano de experiência em atendimentos clínicos em consultório, atender clientes adultos no curso e ter disponibilidade de tempo para assistir a própria sessão em conjunto com sua dupla. A média de experiência clínica (estágio + profissão) dos terapeutas era de 16 meses (desvio padrão = 13, variação de 0 a 36 meses) e a média de casos atendidos (estágio + profissão) era de oito casos (desvio padrão = 10, variação de 0 a 30 casos). Dos 18 terapeutas, seis fizeram estágio na abordagem comportamental na graduação. Estas nove duplas de terapeutas foram divididas em quatro grupos de acordo com o delineamento de linha-de-base múltipla, como será descrito no procedimento.

Clientes: nove clientes adultos cadastrados para atendimento no curso de especialização. Todos preencheram o Termo de Consentimento do Cliente.

Avaliador: a própria pesquisadora (experiência clínica de 60 meses e de atendimento de 25 casos) que assistia às sessões realizadas pelos terapeutas - gravadas em fitas de vídeo, avaliando o desempenho deles através do mesmo instrumento. Essa avaliação foi de forma independente dos terapeutas. Para ter conhecimento do caso, a pesquisadora recebeu das duplas de terapeutas os relatórios contendo a transcrição de uma parte da sessão e as análises feitas pelos terapeutas e supervisor.

Material:

Lista para Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico-Comportamental: instrumento elaborado após revisão de um já existente (Starling, 2002) e revisão de literatura sobre habilidades necessárias ao terapeuta comportamental / analítico-comportamental. É composto de uma folha de instruções e a lista contendo 61 itens para serem avaliados, referentes aos comportamentos que um terapeuta analítico-comportamental deve ter em seu repertório e emitir durante a sessão. Estes itens foram divididos em quatro grandes blocos de desempenhos:

1) Desempenhos relacionados ao estabelecimento da aliança terapêutica: composto por 14 itens, que descrevem comportamentos relacionados a postura, entonação de voz, contato visual, expressão facial e gestos, assim como verbalizações que demonstrem interesse, compreensão, aceitação, apoio, entendimento e flexibilidade.

2) Desempenhos relacionados à postura profissional: engloba oito itens relacionados ao comportamento ético e profissional do terapeuta, como cumprimentos iniciais e de despedida, vestimenta, educação, estruturação da terapia (horário, objetivos, regras etc.) assim como sua capacidade para enfocar os problemas chave do cliente.

3) Desempenhos relacionados à coleta de dados: contém 12 itens que descrevem as habilidades do terapeuta em fazer perguntas pertinentes, de maneira clara e precisa, evitando perguntas fechadas e indutoras, a fim de obter dados sobre os problemas, contingências de reforçamento passadas e atuais, pensamentos e sentimentos do cliente.

4) Estratégias de intervenção do terapeuta: contém 27 itens referentes às habilidades de intervenção, como: fazer interpretações sobre o comportamento do cliente, ensiná-lo a analisar os controles de seus próprios comportamentos, consequenciar comportamentos que ocorrem na sessão, confrontá-lo, dar orientações e informações e, aplicar técnicas.

Abaixo, um recorte da lista de verificação, lembrando que eram duplas de terapeutas e, por isso consta o campo para avaliar o desempenho de cada um (T1 e T2):

 

 

Para preencher o instrumento o observador deveria assistir à sessão de atendimento e avaliar o desempenho dos terapeutas em cada um dos 61 itens (trata-se de uma avaliação global – molar - da sessão), registrando esta avaliação de acordo com a seguinte legenda: NA (Não Aplicável) - avaliação feita quando não houve oportunidade/ aplicabilidade para o terapeuta emitir determinado desempenho. Ou seja, indica que o item relaciona um comportamento que não houve momento para ser aplicado naquela sessão. Este instrumento possui esta possibilidade já que há comportamentos que um terapeuta pode ou não emitir na sessão, dependendo do caso, da sessão em si e do objetivo do tratamento.

Exemplo: dentro do bloco Desempenhos relacionados à postura profissional o sexto item “Estruturação da Terapia” diz respeito à habilidade para fazer descrição e discutir sobre o funcionamento da terapia – objetivos, contrato, regras e acerto de horários. Este desempenho é requerido principalmente nas primeiras sessões e em outras nas quais surja a necessidade de discutir este tópico (véspera de férias, troca de horários, atrasos e/ou faltas do cliente entre outras situações). No entanto, há sessões em que não há esta necessidade. Nestes casos, o observador colocaria “NA” neste item ao preencher o instrumento.

O (Omitido) - quando o desempenho deixou de ser emitido pelo terapeuta naquela sessão quando se fazia necessário.

Exemplo: dentro do bloco Desempenhos relacionados à coleta de dados, seria o item de número seis “Formular questões sobre o estado de saúde geral do cliente”. Ao investigar a queixa depressão de um cliente pode ser necessário saber dados sobre seu estado de saúde geral para levantar hipóteses sobre a etiologia do estado depressivo. Outro caso seria quando o cliente relata a utilização de medicamentos. É necessário o terapeuta investigar o tipo de medicamento, dose tomada, há quanto tempo faz uso etc. para ver possíveis efeitos do medicamento sobre comportamentos do cliente. Quando o terapeuta não conduz este tipo de investigação, quando deveria fazê-lo, o observador deve avaliar o item como “O”.

OP (Opcionalmente Omitido) - quando o terapeuta deveria ter emitido determinado desempenho, mas optou por não fazê-lo. Sendo o observador outra pessoa, que não o terapeuta, deve-se discutir o item após a sessão. Se o observador concordar com a argumentação do terapeuta passa-se a avaliação para “opcionalmente omitido”.

Exemplo: no item “Formular questões sobre o estado de saúde geral do cliente” no bloco Coleta de Dados, pode ser que o observador considerou a necessidade de fazer tal investigação, mas naquele momento o terapeuta priorizou outra questão, deixando essa para uma próxima sessão. Neste caso, o observador trocaria a avaliação para “OP”.

IE (Inadequadamente Executado) - quando um desempenho foi emitido de maneira errada, faltando habilidade para desempenhar um comportamento necessário naquela sessão, ou então quando o comportamento foi emitido no momento inadequado.

Exemplo: o item “Sugerir ou solicitar ao cliente que emita uma ou um conjunto de respostas ou cursos de ação” (Estratégias de intervenção do terapeuta) descreve uma das possíveis intervenções na sessão. O uso da orientação (regras) é uma das possíveis maneiras do terapeuta intervir e modificar o comportamento do seu cliente. No entanto, o uso de regras (inclusive o conteúdo da orientação fornecida) deve ser baseado numa análise das contingências atuantes sobre o comportamento problema. Deve ser também baseado numa avaliação do repertório atual do cliente (ou seja, da sua capacidade para conseguir emitir o comportamento sugerido pelo terapeuta), assim como numa avaliação sobre a necessidade de fornecer essas regras ao invés de esperar o comportamento ser modelado pelas contingências. Portanto, um terapeuta poderia ter este item avaliado como “IE” caso fornecesse uma orientação para seu cliente emitir determinado desempenho de forma precipitada, sem aparentar uma boa análise e justificativa para tal orientação. Um terapeuta poderia, por exemplo, orientar uma cliente a tentar agir diferente com sua filha com quem tem problemas sem antes investigar as contingências envolvidas nas brigas entre cliente e filha, qual a função deste comportamento de “briga”, ou mesmo antes de verificar se a cliente tem repertório para agir diferente.

PA (Parcialmente Adequado) - quando o desempenho foi feito de maneira adequada, mas deve melhorar em algum ponto (momento em que foi emitido, algum aspecto do desempenho ou quando o item descreve mais de um desempenho e algum ficou a desejar). Nesse caso o aspecto inadequado deve ser registrado também.

Exemplo: o quarto item do bloco Desempenhos relacionados ao estabelecimento da aliança terapêutica avalia “Gestos (mãos e balanços ocasionais da cabeça)” que podem transmitir interesse, atenção, empatia do terapeuta e, também, o quanto este está à vontade na sessão. Pode ser que o terapeuta tenha movimentos de assentimento com a cabeça, demonstrando interesse pelo que o cliente está relatando, mas suas mãos estejam presas, entrelaçadas ou se esfregando, demonstrando certo nervosismo ou tensão. Neste caso, o observador colocaria “PA” neste item e apontaria a inadequação dos gestos das mãos. Neste mesmo bloco pode-se citar o item “Postura (relaxada e dirigida ao cliente)”. Um terapeuta pode estar dirigido ao cliente, mas seus ombros parecem tensos e suas pernas estarem “sacolejando”, demonstrando certo nervosismo. Este caso também seria avaliado como “PA”.

AE (Adequadamente Executado) - avaliação feita para os itens que descrevem desempenhos realizados com maestria, ou seja, executados de maneira adequada.

Exemplo: o item 25º do bloco Estratégias de Intervenção do Terapeuta avalia o desempenho do terapeuta referente à “Aplicação adequada das técnicas (domínio dos procedimentos)”. Se o terapeuta ao aplicar uma técnica na sessão ou ao ensinar uma para ser realizada em casa (como relaxamento ou exposição com prevenção de resposta) o fizer de maneira precisa, demonstrando ter domínio de cada passo da técnica, sem deixar dúvidas, o observador marcaria “AE” neste item.

Procedimento: após a revisão da Lista de Verificação de Desempenho do Terapeuta (Starling, 2002), começou-se a fase de coleta de dados. Os terapeutas assistiam à sessão gravada em vídeo, discutindo entre si e registrando na lista a avaliação de seu próprio desempenho. Com o objetivo de medir o impacto da VI (Variável Independente), ou seja da introdução da Lista para Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico- Comportamental como instrumento para observar e avaliar seus comportamentos em sessões de atendimento sobre a VD (Variável Dependente), no caso o desempenho dos terapeutas, foi utilizado um delineamento de linha-de-base múltipla através de participantes. Este consiste em introduzir a mesma variável experimental para os participantes em diferentes pontos no tempo até todos serem incluídos no programa. A relação causal é demonstrada se mudanças de comportamento ocorrem somente quando a variável independente é introduzida (Cozby, 2003; Craighead, Craighead, Kazdin, &Mahoney, 1994).

A VI foi introduzida a partir da quarta sessão de atendimento. As três primeiras serviram como linha-de-base, sendo o único método de treinamento neste momento a supervisão oferecida pelo curso de especialização e a autoobservação através das sessões gravadas em vídeo (não foi dada nenhuma instrução sobre o que observar).

O delineamento foi feito da seguinte maneira: nas quatro primeiras sessões todos os terapeutas (com exceção das duas duplas do Grupo 4) realizaram a auto-observação sem ter acesso ao instrumento de avaliação (Linha-debase). A partir de então, as duas duplas do Grupo 1 passaram a utilizar a lista, enquanto as outras sete duplas recebiam somente a supervisão do Curso de Especialização e realizavam a autoobservação. Nas próximas três sessões mais três duplas (Grupo 2) passaram a utilizar a lista e nas três sessões finais mais duas duplas (Grupo 3). As outras duas duplas (Grupo 4) não se autoobservaram e nem preencheram o instrumento em nenhum momento.

De forma independente das duplas participantes, a pesquisadora (nomeada como avaliadora) observou as sessões realizadas por todos os terapeutas, avaliando o desempenho destes também de acordo com a Lista de Verificação.

Tratamento dos dados: para verificar se houve melhora no desempenho dos terapeutas a partir da introdução da Lista a pesquisadora contabilizou com que frequência os 61 itens contidos no instrumento foram avaliados (pela mesma) como Adequadamente Executados, Parcialmente Adequados e Inadequados (soma de IE e O) nas sessões anteriores à introdução do uso da Lista de Verificação e nas sessões posteriores. Com isso, pretendeu-se verificar se as alterações nestas medidas ocorreram com a introdução da VI, indicando o possível efeito positivo do método de ensino proposto neste estudo.

Os dados de auto-observação foram utilizados para medir o grau de concordância com a avaliação feita pela pesquisadora, calculando-se a porcentagem de itens avaliados igualmente tanto pela pesquisadora como pela dupla de terapeutas.

 

Resultados e Discussão

Foram avaliados os efeitos da utilização do instrumento tanto sobre o repertório geral de habilidades dos terapeutas participantes, quanto nos quatro conjuntos específicos contidos na Lista de Verificação (Desempenhos relacionados ao estabelecimento da aliança terapêutica; Desempenhos relacionados à postura profissional; Desempenhos relacionados à coleta de dados e Desempenhos relacionados às estratégias de intervenção do terapeuta). No entanto, aqui serão discutidos de forma detalhada somente os dados referentes ao desempenho geral e às habilidades contidas no Bloco Coleta de Dados, pois foi nestes itens que se verificou um maior efeito da VI5.

1) Efeitos do instrumento sobre o Desempenho Geral

Os gráficos da Figura 1 mostram o número médio de itens avaliados como Adequados, Parcialmente Adequados e Inadequados (IE + O) no total de 61 itens que compõem o instrumento, podendo-se observar o desempenho geral médio por grupo de terapeutas ao longo das 13 sessões.

 

 

No gráfico dos terapeutas do Grupo 1 observa-se que há um possível efeito da VI nas três medidas (frequência de itens adequados, parcialmente adequados e inadequados), mas especialmente na frequência de parcialmente adequados e inadequados. Na fase de linha-de-base o número de itens avaliados como adequadamente executados estava em torno de 23, aumentando após a introdução da VI e, atingindo 39 itens na 13ª sessão. No entanto, observa-se na Figura 1 que a aceleração positiva da curva só é maior a partir da oitava sessão, podendo-se pensar em um efeito atrasado da VI ou em outras variáveis influenciando o desempenho (como supervisão). Já na frequência de itens parcialmente adequados e inadequados o efeito foi mais claro, ocorrendo reversão (decréscimo) na tendência da curva na primeira sessão de uso da Lista, ficando três inadequados e um parcialmente adequado na 13ª sessão.

No gráfico do Grupo 2 pode-se ver um efeito claro da VI em duas medidas. O número de itens avaliados como parcialmente adequados e inadequados apresenta uma tendência crescente na linha-de-base, que foi revertida logo após a introdução do uso da Lista de Verificação. Já a curva de itens adequados apresenta uma elevação já na linha-debase, que continua crescente até a 13ª sessão, não podendo ser atribuída à introdução da VI. Modelagem e supervisão podem ser os responsáveis pela melhora. Assim, verifica-se que há melhora nas três medidas, ou seja, parece que os alunos aprenderam a ser melhores terapeutas, mas a lista parece ter afetado mais na redução dos itens desempenhados de forma inadequada do que na aquisição dos adequados.

O Grupo 3 não apresentou melhora de desempenho, observando um efeito do uso da lista somente na freqüência de itens avaliados como inadequados. Na linha-de-base o número de itens inadequados estava em torno de quatro, alcançando seis itens. Após a introdução da VI esta tendência foi revertida, ocorrendo uma diminuição na sua ocorrência (Sessões 11 a 13). No entanto, não há mudanças nas outras duas medidas feitas. Na fase de linha-de-base o número de itens adequados oscilou entre 23 e 34 itens, ficando em torno de 26 nas três sessões na fase seguinte. Também na freqüência de itens parcialmente adequados não ocorrem as mudanças esperadas com a introdução da VI. Pelo contrário, a frequência aumenta de seis itens na linha-de-base para nove nas sessões de uso do instrumento. Portanto, os dados não permitem afirmar que houve efeito positivo da utilização da Lista no desempenho destes terapeutas.

No desempenho do Grupo 4, até a quinta sessão o número de itens adequados oscila entre 21 e 30. A partir da sexta a curva apresenta um aumento e uma estabilidade, mas sem ultrapassar o valor alcançado na primeira sessão. Também a partir da quinta sessão o número de itens inadequados diminui. Estava em torno de oito itens, caindo para quatro e apresentando uma certa estabilização. Já o número de itens avaliados como parcialmente adequados permanece estabilizado em torno de nove itens ao longo das 13 sessões. Assim, os quatro terapeutas que não foram submetidos a VI parecem ter melhorado seu desempenho quando utilizamos como referencial a frequência de desempenhos inadequados, mas não nas outras duas medidas.

Ainda na Figura 1 pode-se verificar se houve efeito do instrumento sobre o desempenho geral dos terapeutas de acordo com o delineamento desta pesquisa. Para afirmar que houve um efeito positivo seguindo o raciocínio do delineamento de Linha-de-base Múltipla através de participantes, seria necessário verificar uma evolução do desempenho ocorrendo somente no momento em que cada terapeuta passa a utilizar a Lista de Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico-Comportamental como instrumento para observar e avaliar seus comportamentos nas sessões de atendimento. Ainda, é necessário observar se esta mudança na VD só ocorre para os participantes que estão sendo submetidos à intervenção (e continua inalterada nos demais).

Na Figura 1 verifica-se que o número de itens avaliados como adequados apresentou um aumento a partir da quinta sessão nos Grupos 1, 2 e 3. Só poderíamos atribuir essa mudança ao uso da Lista se somente no Grupo 1, que passou a usá-la, ocorresse essa tendência. Uma das hipóteses para esta melhora pode ser a aula ministrada pela pesquisadora sobre “Habilidades do Terapeuta” que ocorreu exatamente entre a quarta e quinta sessão. No entanto, também os terapeutas do Grupo 4 participaram e não apresentaram os mesmos resultados. Além disso, a curva de itens adequados do Grupo 3 apresenta uma queda na sessão seguinte (6ª sessão). Verifica-se ainda que os terapeutas dos dois primeiros grupos (1 e 2) parecem ter um melhor desempenho do que os terapeutas dos Grupos 3 e 4 ao final das 13 sessões. Os primeiros alcançam uma média de 40 itens avaliados como adequados na 13ª sessão, enquanto que os terapeutas dos dois últimos grupos ficam em torno de 27 itens na mesma sessão.

Já a segunda medida (itens avaliados como parcialmente adequados) mostra um possível efeito da VI. Houve reversão na tendência crescente da frequência de itens parcialmente adequados no Grupo 1 a partir da 5ª sessão (momento de introdução da VI) e, o mesmo não ocorreu nos Grupos 2, 3 e 4. No Grupo 2 foi a partir da 8ª sessão (primeira da fase de intervenção) que o número de itens avaliados como parcialmente adequados começou a decrescer. Já no Grupo 3 também houve uma queda na frequência de itens avaliados como parcialmente adequados na primeira sessão de uso do instrumento (11ª sessão), mas que não se manteve nas duas últimas sessões. No Grupo 4 observa-se que não há oscilações nesta medida. Também nos itens parcialmente adequados verifica-se que os terapeutas dos Grupos 1 e 2 tiveram melhor desempenho do que os terapeutas dos dois outros grupos. Enquanto os terapeutas dos dois primeiros grupos obtiveram menos do que cinco itens avaliados como parcialmente adequados nas últimas sessões, os terapeutas do Grupo 3 e 4 apresentaram em torno de 10 itens.

A terceira medida feita – frequência média de itens avaliados como inadequados resultante da soma de itens avaliados como O e IE – também sugere um efeito da VI sobre o desempenho dos terapeutas participantes desta pesquisa. No Grupo 1 houve uma diminuição do número de itens avaliados como inadequados a partir da 5ª sessão – momento de introdução da VI - que continuou decrescendo até a 13ª, enquanto que o mesmo não aconteceu nos Grupos 2, 3 e 4. No Grupo 2 há um decréscimo de inadequados nesta mesma sessão mas que é seguido de um aumento que só se reverte a partir da 8ª sessão com a introdução da Lista. No Grupo 3 verifica-se esta diminuição também a partir da introdução da VI, na 11ªsessão. O Grupo 4, mesmo sem o uso da lista, apresentou uma queda a partir da 6ª sessão.

Ainda com relação ao Grupo 4, observam-se algumas variações nas três medidas, mas seus participantes não chegaram a alcançar o número de itens avaliados como AE dos demais grupos (em torno de 38), ficando este em 28. Também o número de itens avaliados como inadequados apresentou diferenças. Enquanto os terapeutas dos Grupos 1, 2 e 3 apresentaram uma redução alcançando na última sessão uma frequência média de três itens, o Grupo 4 permaneceu em cinco itens.

Estes dados sugerem que um efeito da VI, ocorrendo uma melhora no desempenho dos terapeutas. No entanto, o efeito está mais claro na redução de itens considerados pela avaliadora como inadequados ou parcialmente adequados do que no aumento de itens avaliados como adequadamente executados. Em termos de desempenho os melhores resultados foram obtidos pelos Grupos 1 e 2, sendo estes terapeutas os que tiveram maior tempo de exposição ao instrumento.

 

Efeitos do instrumento sobre os Desempenhos Específicos

Coleta de Dados: foi neste bloco que se pode verificar um efeito mais claro da utilização da Lista de Verificação de Desempenho como instrumento para auto-observação. Na Figura 2 observa-se que no Grupo 1 o número de itens considerados como adequados aumentou exatamente a partir do momento em que eles foram submetidos a VI (após a quarta sessão), com decréscimo dos itens avaliados como inadequados seguida de uma elevação nas três últimas sessões. Além disso, dando força à hipótese do efeito benéfico da lista, na mesma sessão (5ª) a frequência de itens avaliados como adequados apresentou tendência inversa (queda) nos Grupos 2 e 3, assim como aumentou a frequência de inadequados no Grupo 3. A curva de itens adequados apresentou tendência crescente no Grupo 2 após a introdução da lista, mas já vinha crescendo. Já a curva de itens inadequados apresenta queda por volta da quarta sessão, seguida de aumento e novamente queda a partir da introdução da VI confirmando o efeito positivo do instrumento.

Os terapeutas do Grupo 3 estavam apresentando um piora visível, com queda no número de itens avaliados como adequados e aumento de inadequados. Nas sessões em que passaram a utilizar a Lista (11,12 e 13) eles apresentaram uma discreta recuperação em adequados e uma queda em inadequados, parecendo haver uma melhora de desempenho como efeito da VI.

Os terapeutas do Grupo 4 apresentaram uma oscilação na frequência de desempenhos adequados e uma estabilidade na freqüência de inadequados, não parecendo haver melhora nos desempenhos de coletar dados sobre o cliente.

Assim como no desempenho geral, também neste bloco, os terapeutas dos Grupos 3 e 4 tiveram um pior desempenho do que os demais participantes. Enquanto os terapeutas dos Grupos 3 e 4 tiveram em torno de seis itens avaliados como adequados nas últimas sessões, os terapeutas do Grupo 1 e 2 tiveram nove itens.

 

 

Estes dados parecem indicar que houve um efeito positivo do uso do instrumento sobre os desempenhos contidos no bloco de coleta de dados, efeito este medido através do aumento do número de itens avaliados como adequados e decréscimo da emissão de itens inadequados.

Com relação ao Estabelecimento da Aliança Terapêutica a utilização do instrumento somente teve efeito nas habilidades para estabelecer aliança terapêutica dos terapeutas do Grupo 1. Mas, como os terapeutas dos Grupos 2 e 3 apresentam curvas semelhantes às do Grupo 1 pode ser que outra variável tenha influenciado.

Já nas habilidades listadas no bloco Postura Profissional verificou-se que os terapeutas desta amostra tinham bem estabelecidos os desempenhos listados neste bloco, havendo um efeito teto. Ou seja, não é possível avaliar o efeito da VI sobre a VD, porque o valor desta já estava próximo do valor máximo possível de ser alcançado (oito itens avaliados como adequados).

Por outro lado, no bloco Estratégias de Intervenção foi onde se verificou as maiores dificuldades dos terapeutas participantes desta pesquisa e, também, foi neste bloco que o efeito da VI pareceu ser menor ou quase nulo. Os terapeutas do Grupo 2 apresentaram uma frequência média de 11 itens avaliados como adequados do total de 27 desempenhos listados. Os outros grupos tiveram menos que 25% dos desempenhos listados neste bloco considerados pela avaliadora como adequadamente executados, não havendo melhoras ou ganhos significativos com a utilização da Lista de Verificação.

 

Grau de Concordância

Considerando-se o fato do instrumento não ter passado por teste de validação e fidedignidade, tornou-se necessário calcular o grau de concordância e verificar se problemas no uso do instrumento poderiam ter afetado os resultados. Para isso, a pesquisadora verificou a porcentagem de itens que foram avaliados igualmente por ela e pela dupla de terapeutas naquelas sessões nas quais o instrumento foi preenchido. O grau de concordância se refere às sete duplas que utilizaram o instrumento.

A maior concordância obtida foi com relação aos itens do bloco Postura Profissional (78%), seguido de Aliança Terapêutica (62%), Coleta de Dados (52%) e Estratégias de Intervenção (33%). A concordância com relação ao desempenho geral foi de 49%, considerada baixa para um instrumento de avaliação.

Há duas hipóteses para o baixo grau de concordância entre o avaliador e os participantes: 1) Problemas do instrumento – a Lista de Verificação não foi testada formalmente e os critérios para avaliação de desempenhos relatados no método só foram sistematizados posteriormente ao início da pesquisa (não foram passados por escrito para participantes, nem foram discutidos exaustivamente). Talvez se os critérios de avaliação e cada um dos 61 itens fossem discutidos logo após o preenchimento do instrumento houvesse um aumento de concordância. Esta falta dos critérios para avaliação explicitados de forma precisa nas instruções somada à falta de um manual contendo a definição/operacionalização e exemplos de cada um dos 61 itens listados pode ter dificultado a auto-avaliação dos terapeutas, propiciado interpretações errôneas dos desempenhos listados. 2) Problemas na auto-avaliação – parece que terapeutas iniciantes possuem dificuldades para se avaliarem em sessões de atendimento. Se eles não percebiam os desempenhos emitidos de maneira inadequada não haveria o que melhorar.

 

Conclusões

Os dados expostos confirmam, em parte, a hipótese de que utilizar a Lista de Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico-Comportamental como instrumento para auto-observar e avaliar seus comportamentos em sessões de atendimento pode potencializar os efeitos da supervisão tradicional sobre o desempenho do terapeuta iniciante. No entanto, este efeito foi mais visível na redução de itens avaliados como parcialmente adequados e inadequados do que no aumento de adequados.

A análise dos desempenhos dos terapeutas desta amostra, separando pelos quatro blocos de desempenhos do instrumento mostra que houve um efeito do procedimento nos desempenhos relacionados à Coleta de Dados em primeiro lugar e de maneira menos clara em Aliança Terapêutica. Com relação aos desempenhos relacionados a Estratégias de Intervenção não se observou efeito do uso do instrumento. Os dados sugerem, ainda, que as habilidades relacionadas à Postura Profissional já estavam bem instaladas no repertório destes terapeutas e que as habilidades relacionadas à Coleta de Dados sejam passíveis de autoavaliação. Já as habilidades relacionadas ao Estabelecimento da Relação Terapêutica e Estratégias de Intervenção parecem requerer um treino técnico e teórico em supervisão para haver melhora de desempenho. Um estudo para treinamento de habilidades de entrevista conduzido por Bailey, Deardoff e Nay (1977) mostrou que o método de autoobservação em vídeo de sessões de entrevista conduzidas pelos próprios terapeutas produziu resultados inconsistentes quando comparados com o método de modelação. Estes autores afirmam que a auto-observação em vídeo não tem efeitos quando utilizada sozinha, devendo ser utilizada juntamente com outros procedimentos, como instruções de quais aspectos o terapeuta deve observar e comentários positivos, destacando os desempenhos adequados. Também Miltenberger, Raymond e Veltum (1988) concluíram, ao conduzir um estudo para treinamento de habilidades de entrevista em estudantes de psicologia, que somente fornecer instruções não é suficiente para a instalação destas habilidades, sendo necessário procedimento de modelação e o fornecimento de avaliação do desempenho após cada sessão.

Segundo Catania (1999) a aquisição de uma habilidade significa a adição de um novo comportamento ao repertório de um organismo, sendo três processos relevantes para esta aquisição: a modelagem pelas contingências, o controle do comportamento por regras e a modelação. Também a aprendizagem profissional se dá dessa maneira. Assim, o uso da Lista de Verificação estaria atendendo à instalação do comportamento por regras e à modelagem do comportamento quando o terapeuta recebe feedbacks sobre seu desempenho. No entanto, ressalta-se a importância da modelagem a partir das próprias contingências dispostas na sessão de atendimento, na evolução do caso e na sessão de supervisão, assim como a aprendizagem que pode ocorrer quando o terapeuta participa de treinamentos que envolvem desempenho de papéis ou observar o próprio supervisor em atendimento.

Portanto, os resultados do presente estudo, somado aos resultados encontrados por outros autores sugerem que instruções (como as fornecidas pela lista) mais auto-observação (por terapeutas ainda não treinados) não são métodos suficientes para ensinar alunos de psicologia habilidades necessárias ao terapeuta, embora tendo inconsistentes efeitos positivos.

Outras variáveis podem ter afetado os resultados, como: 1) experiência clínica – nos dados dos terapeutas percebe-se que havia diferenças marcantes na experiência clínica e, portanto, no repertório de entrada; 2) realização ou não da auto-observação; 3) tipo de casos atendidos e, 4) diferentes grupos de supervisão e supervisores.

Outra consideração a ser feita é que os dados apresentados são referentes à avaliação feita por uma única pessoa (denominada de Avaliadora), que era a própria pesquisadora. Como o grau de concordância destes dados com os dados da auto-avaliação foi baixo, os resultados deste estudo podem sofrer mudanças caso as sessões sejam avaliadas por outros juizes. Estudos futuros terão que testar a utilização do instrumento por outro juiz que tenha o mesmo nível de experiência que a pesquisadora, por um que tenha menor experiência e, por um com maior experiência (um supervisor, por exemplo). Perguntas como “É correta a avaliação dos colegas?”, “Há diferenças (e quais são) entre as avaliações feitas pelos colegas e pelo supervisor?”, “Há diferenças entre as avaliações feitas por diferentes supervisores?”, deverão ser respondidas.

Com relação à própria Lista de Verificação de Desempenho do Terapeuta Analítico-Comportamental, esta precisa, ainda, ser testada (confiabilidade, validade). Além disso, um estudo de Heaton, Hill e Edwards (1995) aponta que os métodos molares (em contraposição aos moleculares) parecem ser mais passíveis de vieses, já que ao requererem que os observadores sejam capazes de avaliar de maneira geral os comportamentos de terapeutas, acaba por possibilitar inferências. Estes dados levam ao questionamento sobre o possível viés dos observadores ao avaliarem seu próprio desempenho.

Observa-se ainda que neste estudo houve uma mudança do procedimento original utilizado por Starling (2002). No programa deste autor a lista era utilizada a partir de uma observação feita por um colega, através do espelho unidirecional, que fornecia a avaliação ao estagiário logo após a sessão. Nesta pesquisa era o próprio terapeuta que se observava. Fica uma pergunta sobre se haveria diferenças de resultados caso a observação/avaliação fosse feita de outra maneira. Na autoavaliação, alguns terapeutas consideraram que estavam tendo um desempenho muito melhor do que foi considerado pela avaliadora. Parece que terapeutas iniciantes têm dificuldades para identificar déficits e problemas no seu próprio desempenho em sessões de atendimentos, especialmente quanto à adequação de estratégias de intervenção. Portanto, pode-se pensar que pedir que terapeutas iniciantes se auto-avaliem através de observações de seu desempenho quanto a procedimentos de intervenção não seja eficiente já que eles não percebem quais aspectos devem melhorar. Auto-avaliação parece ser mais indicada nos desempenhos relacionados à postura profissional, ao estabelecimento da aliança terapêutica, e mesmo a alguns itens da coleta de dados. Se a autoobservação ocorrer no contexto onde há pessoas mais experientes que podem apontar déficits e pontos positivos, uma aprendizagem é mais provável de ocorrer. Esses dados sugerem que a Lista de Verificação pode não ser um instrumento para auto-avaliação e, ao ser aplicado na forma de auto-observação pode ter sido subutilizado nesta pesquisa.

Outro fato que pode ter prejudicado os efeitos positivos do instrumento, é que os participantes não discutiam as avaliações com seus supervisores e apenas nas primeiras sessões fizeram algumas perguntas sobre o instrumento para a pesquisadora. Pode ter ocorrido confusão ao preencher o instrumento assim como ao avaliar seu próprio desempenho. Mesmo sendo esta avaliação discutida com a dupla, o fato de eles conduzirem a sessão juntos pode interferir na observação e avaliação.

Uma estratégia possível para que os terapeutas pudessem utilizar de maneira mais adequada a Lista de Verificação seria a confecção de um manual, descrevendo/operacionalizando melhor os itens e os critérios. Antes do início das sessões os alunos deveriam ser treinados no uso do instrumento, assistindo sessões de outros terapeutas até obterem um grau de concordância satisfatório com avaliações feitas pelo próprio supervisor. Além disso, parece ser importante que os terapeutas aprendizes recebam um feedback dos pontos positivos e negativos de seu desempenho a cada sessão. Para isso, podem ser feitas discussões com o supervisor a partir do instrumento por ele preenchido e também da construção de gráficos contendo os dados. Assim, foi elaborada uma nova Lista para Verificação de Desempenho de Terapeutas Analítico- Comportamentaisi. Esta lista é resultante de uma reformulação do instrumento utilizado nesta pesquisa, confeccionada a partir de sugestões dadas pelos terapeutas participantes e por outros voluntários que testaram o instrumento, assim como de percepções da própria pesquisadora e sua orientadora. Esta lista contém: 1) manual contendo uma explicação sobre o instrumento, sobre os blocos de desempenhos e os critérios de avaliação, assim como sugestões de como um supervisor pode utilizá-lo; 2) instruções para o observador/terapeuta; 3) o instrumento propriamente dito composto de 55 itens e, 4) um CD contendo uma planilha, que pode ser preenchida tanto manual como eletronicamente, para completar a cada sessão. Estas planilhas geram gráficos que permitem visualizar a evolução dos terapeutas ao longo das sessões, fornecendo um feedback de seu desempenho.

Ficam, então, algumas perguntas a serem respondidas por novos estudos: 1) haverá efeitos potencializadores no desempenho de um terapeuta aprendiz se este for avaliado por outra pessoa a partir deste instrumento? Quais seriam as diferenças se essa pessoa fosse um colega com o mesmo nível de experiência ou uma pessoa com nível mais avançado? 2) se os itens forem mais claramente descritos, assim como os critérios de avaliação, haverá uma maior concordância? Havendo maior concordância o instrumento surtirá mais efeitos? 3) obtendo uma avaliação sessão por sessão o instrumento poderia ter o efeito de melhorar o desempenho dos terapeutas?

 

Referências Bibliográficas

Albuquerque, L. C. (2001) Definições de regras. Em: H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz & M. C. Scoz (Orgs.) Sobre Comportamento e Cognição – expondo a variabilidade. pp. 132-140. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Bailey, K. G., Deardoff, B. & Nay, W. R. (1977). Students Play Therapist: relative effects of role playing, videotape feedback, and modeling in a simulated interview. Journal of Consulting and Clinical Psychology. 45(2), 257-266.         [ Links ]

Beckert, Marcelo. (2002). Relação supervisor-supervisionando e a formação do terapeuta: contribuições da Psicoterapia Analítico Funcional (FAP). Em: H. J. Guilhardi (Org.) Sobre Comportamento e Cognição – contribuições para a construção da teoria do comportamento. pp. 245-256. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Bennett-Levy, J. & Beedie, A. (2007). The Ups and Downs of Cognitive Therapy Training: What Happens to Trainees’ Perception of their Competence During a Cognitive Therapy Training Course? Behavioural and Cognitive Psychotherapy, 35, 61–75        [ Links ]

Bernard, J. M. (2005). Tracing the Development of Clinical Supervision. Supervision in Couseling: interdisciplinary issues and research. 24(01), 03-21.         [ Links ]

Campos, L. F. L. (1989). Supervisão Clínica: um instrumento de avaliação do desempenho clínico. Dissertação de Mestrado, PUC-Campinas.         [ Links ]

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição (D. G. Souza et al.; trads). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Collins, F. L., Foster, S. L. & Berler, E. S. (1986). Clinical Training Issues for Behavioral Psychology. Professional Psychology: research and practice. 17(4), 301-307.         [ Links ]

Cozby, P. C. (2003) Métodos de Pesquisa em Ciências do Comportamento (P. I. Gomide; E. Otta trads.). São Paulo. SP:Atlas        [ Links ]

Craighead, L. W., Craighead, W. E., Kazdin, A. E. & Mahoney, M. J. (1994) Cognitive and Behavioral Interventions. Boston: Allyn and Bacon.         [ Links ]

Gongora, M. A. (1999). Aprendendo Entrevista Clínica Inicial: contribuições para a formação do terapeuta. Em: R. A. Banaco (Org.) Sobre Comportamento e Cognição – aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista, pp. 516-524. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Heaton, K. J., Hill, C. E. & Edwards, L. A. (1995). Comparing molecular and molar methods of judging therapist techniques. Psychotherapy Research, 5(2), 141-153.         [ Links ]

IRENO, E. M. (2006). A Formação do Analista do Comportamento Clínico: revisão de literatura e controle instrucional. In: R. R. Satrling; K. A. Carvalho. (Org.). Ciência do Comportamento conhecer e avançar. SP: Esetec Editores Associados, v. 5, p. 141.         [ Links ]

Ireno, E. M. (2007). Formação de terapeutas analítico-comportamentais: efeitos de um instrumento para avaliação de desempenho. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia, USP. São Paulo – SP.         [ Links ]

Meyer, S. B. (2005). Regras e auto-regras no laboratório e na clínica. Em J. Abreu- Rodrigues & M. R. Ribeiro (Org.). Análise do Comportamento: Pesquisa, Teoria e Aplicação, p. 211-227. Porto Alegre: ARTMED.         [ Links ]

Kaufman, M. & Korner, S. (1997). Psychotherapists’ perceptions of their trainers and training emphases. The Clinical Supervisor. 16(1), pp. 97-115.         [ Links ]

Milne, D. L., Baker, C., Blackburn, Ivy-Marie, James, I. E & Reichelt, K. (1999). Effectiveness of cognitive therapy training. Journal of Behavior Therapy and Experimental Psychiatry. 30, pp. 81-92.         [ Links ]

Miltenberger, Raymond G & Veltum, Lois G. (1988). Evaluation of an instructions and modeling procedure for training behavioral assessment interviewing. Journal of Behavioral & Experimental Psychiatry. 19(1), pp.31-41.         [ Links ]

Moreira, S. B. S. (2003) Descrição de algumas variáveis em um procedimento de supervisão de terapia analítica do comportamento. Psicologia: Reflexão e Crítica. 16(1), pp. 157-170.         [ Links ]

Rangé, B., Guilhardi, H. J., Kerbauy, R. R., Falcone, E. M. O. & Ingberman, Y. K. (1995). Ensino, treinamento e formação em Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. Em: B. Rangé (Org.) Psicoterapia Comportamental e Cognitiva: pesquisa, prática, aplicações e problemas. pp. 331-355. Campinas, SP: Psy        [ Links ]

Regra, J. A. G. (2001). Habilidade desenvolvida em alunos de Psicologia no atendimento a crianças com problemas de escolaridade e suas famílias. Em: M. Delitti (Org.) Sobre Comportamento e Cognição – a prática da análise do comportamento e da terapia cognitivo-comportamental. Edição revisada, pp. 304-314. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Rosenberg, J. I. (2006). Real-Time Training: transfer of knowledge through computermediated, real time feedback. Professional Psychology: research and practice. 37 (5), 539-546.         [ Links ]

Silvares, E. F. M & Silveira, J. M. (2003) Condução de atividades lúdicas no contexto terapêutico: um programa de treino de terapeutas comportamentais infantis. Em: M. Z. S. Brandão (Org.) Sobre Comportamento e Cognição – a história e os avanços, a seleção por conseqüências em ação. 1ª edição, pp. 272-281. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Starling, R. R. (2002). Formação de Terapeutas Analítico-Comportamentais: colocando o modelo sob as contingências do modelado. Em: A. M. S. Teixeira (Org.) Ciência do Comportamento – conhecer e avançar. pp. 01-37. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Thurber, S. L. (2005). The effects of direct supervision on therapist behavior: an initial functional analysis. Tese de Doutorado. Brigham Young University        [ Links ]

Ulian, A. L. A. O. (2002). Reflexões sobre uma experiência relativa à formação de dois terapeutas comportamentais. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 4(2), pp. 91-104        [ Links ]

Wielenska, R. C. (2000). A investigação de alguns aspectos da relação terapeuta-cliente em sessões de supervisão. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 2, pp. 9-19.         [ Links ]

Wright, J., Mathieu, M. & Mcdonough, C. (1981). An evaluation of three approaches to the teaching of behavioral therapy. Journal of Clinical Psychology. 37(2), 326-335.         [ Links ]

Zamignani, D. R. (2000). O Caso Clínico e a Pessoa do Terapeuta. Em: R. R. Kerbauy. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição - Conceitos, pesquisa e aplicação, a ênfase no ensinar, na emoção e no questionamento clínico. pp. 234-243. Santo André, SP: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Rosecler Netto
Rua Hamilton Navarro, 103 São Sebastião Barbacena
36202-304, MG, Brasil.
E-mail:estherireno@yahoo.com.br; sbmeyer@usp.br

Recebido em: 28/05/2008
Aceito para publicação em: 06/07/2009

 

 

1 Artigo referente à dissertação de mestrado da primeira autora sob orientação da segunda.
2 Mestre. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES), Juiz de Fora, MG, Brasil.
3 Universidade Presidente Antônio Carlos (UNIPAC). MG, Brasil. Email:
4 Doutora, Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia, Universidade de Sâo Paulo. São Paulo.
5 Para maiores detalhes sobre os outros blocos ver Ireno (2007).

Agradecimento à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento desta pesquisa. Aos terapeutas e clientes que aceitaram participar deste estudo