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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.13 no.2 São Paulo Sept. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Intervenção para pais adotivos na perspectiva da análise do comportamento

 

Intervention for adoptive parents under the behavior analysis perspective

 

 

Margarette Matesco Rocha*; Maura Glória de Freitas**

Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento - Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

Este trabalho tem por objetivo apresentar as estratégias utilizadas na etapa inicial de um programa de intervenção em grupo para pais adotivos. Essa etapa foi denominada de Sensibilização e o objetivo foi descaracterizar a adoção como um fator de risco para os comportamentos problemáticos apresentados pelos filhos. Assim, para o desenvolvimento desse programa, foram formados dois grupos por conveniência, com oito participantes cada um, onde a faixa etária dos pais variou entre 26 e 55 anos de idade. O procedimento foi similar nos dois grupos, constou de seis sessões e foi constituído de três fases: avaliação inicial, intervenção e avaliação do programa (conteúdos). Os resultados demonstraram, pelo relato dos pais, que a condição de ser filho por adoção, influenciava as práticas educativas. Com a intervenção, observou-se o reconhecimento do papel das interações familiares para o desenvolvimento e manutenção dos comportamentos dos filhos e o desmitificar da adoção como causa ou explicação dos comportamentos dos filhos.

Palavras-chave: adoção; fator de risco; análise do comportamento.


ABSTRACT

This work aims to present strategies used during the initial phase of an intervention program for adoptive parents. This phase was named Sensitiveness and the objective was to mischaracterize adoption as a risk towards the children problematic behaviors. Therefore, to develop the program, two convenience groups were designed, composed by eight parents each, whose ages were between 26 and 55 years old. The procedure was similar for both groups, developed in six sessions and three stages: initial evaluation, intervention and content program evaluation. According to parent's reports, adoption had a clear influence over their educational practices. After the intervention, family interaction's roles concerning the development and perpetuation of children's behavior were recognized, also demystifying adoption as a probable cause of problem behaviors.

Keywords: adoption; risk factor; behavioral analysis.


 

 

Introdução

Atualmente, as definições de adoção explicitam que as interações estabelecidas neste tipo de filiação não implicam apenas na qualificação de alguém ao status de filho, mas sim em todos os papéis sociais que envolvem uma família. Assim, conferir à adoção o sentido de constituir uma família trata-se de um ato legal, legítimo e afetivo como definido por Freire (2001, p. 21):

"Adoção é um processo afetivo e legal, por meio do qual uma criança passa a ser filho de um adulto ou de um casal. De forma complementar, é o meio pelo qual um adulto ou casal de adultos passa a ser pais de uma criança gerada por outras pessoas. Adotar é então tornar "filho", pela lei e pelo afeto, uma criança que perdeu ou nunca teve a proteção daqueles que a geraram."

Ao longo da história de muitas culturas, o estabelecimento de vínculos de filiação e paternidade, por meio da prática de adoção, nem sempre foi constituído de forma harmoniosa. A adoção já foi posta por meios jurídicos como possibilidade de agravante familiar e, para tanto, cláusulas de dissolução de tal vínculo eram bem explicitadas em antigos códigos, principalmente no que tange a partilha de herança e discordância pessoal ou moral entre os particulares (Lei 3.133, de 08/05/1957 e Lei 3.071 de 01/01/1916).

Tais leis preservavam em sua maioria os direitos e integridade dos adotantes e pouco era referido à qualidade de tratamento oferecida aos adotados. Após uma revisão necessária e tardia das leis em vigência e com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a integridade do adotado passou a ser assistida, pelo menos legalmente, de forma mais adequada (Lei 8.069 de 13/07/1990, capítulo III).

Analisando a reformulação mais recente do processo de adoção, expressa na Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009, Maux e Dutra (2010) afirmam que ainda há subestimação das famílias substitutas, com parágrafos na nova lei (por exemplo, Art.28 §3º) privilegiando a dimensão biológica da família e deixando a colocação em família substituta em segundo plano.

Apesar disso, a indissolução do vínculo de filiação e paternidade representou uma sensibilização social em relação às famílias por adoção e a qualidade de vida que delas decorrem, além de expressar a validação desta configuração familiar como as demais já validadas socialmente. Contudo, há ainda muita desinformação sobre a realidade das famílias adotivas, o que favorece a sustentação de diversas crenças que orienta conceitos sobre o tema e práticas familiares e profissionais em relação a essa população.

Algumas dessas crenças foram descritas por Weber (2001): filhos adotivos sempre têm problemas; filhos adotivos sempre pensam na família de origem e querem conhecê-la; escolher a criança a ser adotada facilita o vínculo; pessoas mais esclarecidas são menos exigentes e têm menor preconceito; filhos adotivos de cor de pele diferente têm mais problemas em relação à discriminação; pais que têm filhos biológicos e adotivos têm mais sentimentos positivos pelos biológicos; é melhor a criança não saber de sua adoção; é melhor não falar muito do assunto com o filho adotivo para não potencializar a importância da origem; filhos adotados têm dificuldade para amar seus pais adotivos.

Dentre essas, Weber (2001) considera que a crença filhos adotivos sempre têm problemas subsidia as demais e favorece uma postura iatrogênica dos profissionais da área de psicologia e psiquiatria que criam relações causais, colocando os problemas de comportamentos da criança adotada como efeitos da adoção. Para a autora, essa postura decorre das escassas pesquisas científicas sobre a adoção no Brasil, o que contribuiu para a generalização de casos dramáticos e a formação de preconceitos e estereótipos em relação à adoção. A autora acrescenta ainda que a visão desses profissionais é compartilhada por um número expressivo de pessoas que também exprimem ideias preconcebidas e estereotipadas acerca da adoção, tais como: crianças adotadas, cedo ou tarde, trazem problemas; ou ainda acreditam que o fato da criança saber da sua condição de adotada traz mais problemas para a família (Weber, 2001).

Para Weber (2001) forma-se, desta maneira, uma representação limitada e errônea em relação à adoção e, principalmente, em relação aos filhos adotivos, vistos como crianças problemáticas, revoltadas, ingratas com quem lhes acolheu, incapazes de superar o "trauma" do seu abandono e fadadas a repetir comportamentos, supostamente inadequados, de seus pais biológicos (o medo da hereditariedade desconhecida da criança).

Essas crenças, possivelmente têm subsidiado o surgimento, nas clínicas psicológicas, de uma população de crianças adotadas (Keyes, Sharma, Elkins, Iacono & McGue, 2008; Lee & Matarazzo, 2001; Nickman et al., 2005), trazidas para atendimentos de caráter preventivo ou remediativo de comportamentos inadequados, pré-diagnosticados por pais, psicólogos e psiquiatras como existentes pelo fato de serem adotadas. Essa prática contribui, cada vez mais, para o fortalecimento dos mitos que perpassam a realidade das famílias por adoção e para a manutenção da relação direta que acaba por estabelecer que as crianças adotadas sejam mais vulneráveis a riscos psicológicos (Maux & Dutra, 2010; Palacios & Brodzinsky, 2010). Para Porch (2007), além de outros profissionais que lidam com crianças nos mais diferentes contextos, os psicólogos que atuam em clínica precisam compreender que a adoção é simplesmente um modo bem sucedido de formar uma família e que, para muitas crianças e pais, é a melhor alternativa ou solução.

O conceito de risco normalmente é utilizado para a caracterização de eventos indesejáveis, estatisticamente atípicos e prejudiciais para o grupo social ou mesmo para o próprio indivíduo. Para Eisenstein e Souza (1993), risco é a probabilidade da ocorrência de algum evento indesejável e não está isolado ou independente do contexto social, mas sim interrelacionado a uma complexa rede de fatores e interesses culturais, históricos, políticos, sócio-econômicos e ambientais. Com isso, um evento que pode ser considerado de risco por uma pessoa pode não o ser para outra. Além disso, o que pode ser percebido como risco em um momento da vida, pode não se apresentar como tal em outro.

De acordo com Oliveira (1998), para caracterizar certas condições como favoráveis à ocorrência de eventos indesejáveis, deve-se estudar tais condições de risco e como elas se apresentam: 1) multifatoriais, no sentido de que um dado isolado não condiciona risco a um dado evento e 2) específicas ao organismo e contexto, o que requer a compreensão de como uma possível relação de dependência entre eventos foi aprendida e mantida ao longo da vida do indivíduo, contribuindo para sua ocorrência nos eventos de vida atuais. Para o autor, antes de declarar que determinadas condições de vida adversas são consideradas de risco para um indivíduo, é necessário considerar quais as características específicas do grupo que podem interagir com aquelas condições e quais contextos específicos tornam aquelas condições favoráveis ao desenvolvimento de comportamentos considerados problemáticos.

Estudos que avaliaram a relação entre adoção e risco psicológico (Bronsdisky, 1993; Haugaard, 1998; Borders, Black & Pasley, 1998; Peters, Atkins & Mckay, 1999; Freundlich, 2002; Jonhson, 2002; Nickman et al, 2005) afirmam que não há dados conclusivos sobre o tema, consequentemente é inapropriado basear práticas ou políticas de prevenção considerando que a adoção, per se, coloca a criança em risco para o desenvolvimento de problemas de comportamento. Essa suposta relação representa uma contradição em relação ao movimento social, político e jurídico em prol da adoção, pois este enfatiza os benefícios da criança viver em família adotiva em detrimento das opções dispostas pela sociedade, tais como o cuidado em instituições, a guarda provisória ou as experiências de abuso e negligência que ocorrem na família biológica (Brodzinsky, 2007).

Além disso, considerar a adoção como fator de risco para problemas de comportamento implica em atribuir a esse processo uma função causal que explicaria o comportamento do indivíduo adotado. Nessa direção se posiciona Brodzinsky (1993; 2007), que enfatiza ser comum constatar o destaque dado para a adoção como uma variável significativamente convincente para explicar o aprendizado e a manutenção dos problemas de comportamentos apresentados por algumas dessas crianças. Em suma, o que se constata é que a sociedade enfatiza que a causa subjacente, para os problemas da criança adotada, é a própria adoção.

Compreender os comportamentos da criança adotada sob uma perspectiva de comportamentos aprendidos ao longo da história de vida requer resgatar o posicionamento de Skinner (2007/1981) com relação ao comportamento e compreendê-lo como o produto de três tipos de seleção por consequências: filogenéticas, ontogenéticas e culturais. O modelo explicativo do comportamento, baseado no modo causal de seleção por consequências, considera que as contingências ontogenéticas de reforçamento selecionam os comportamentos durante a vida do indivíduo, sendo, portanto, o ambiente o agente causal, não no sentido de iniciar ou eliciar comportamentos, mas no de selecioná-los (Micheleto, 1997).

Com isso, o modelo de seleção por consequências dá origem a novos comportamentos seguindo um processo similar ao de seleção natural que dá origem a novas espécies. Considerando esses aspectos, a análise de um dado comportamento focaliza o contexto de interação em que o indivíduo vive, investigando as contingências passadas e atuais. Dessa forma, os comportamentos são considerados como produto do processo de aprendizagem ao qual o indivíduo foi exposto ao longo de sua vida e não há nada nesses processos de aprendizagem em si que seja certo ou errado, doente ou saudável, sendo, portanto, qualquer comportamento adequado ao contexto ao qual foi exposto (Gongora, 2003).

Com base nos pressupostos teóricos propostos por Skinner para a compreensão do aprendizado e manutenção dos comportamentos, esse artigo apresenta as estratégias aplicadas na avaliação e intervenção em uma das etapas de um programa em grupo oferecido a pais adotivos. Nesta etapa o objetivo principal era, a partir da análise funcional das interações familiares, descaracterizar a adoção como fator causal ou explicativo para os comportamentos ditos problemáticos apresentados pelos filhos adotivos.

 

Método

O programa de intervenção foi realizado em duas etapas: (1) Sensibilização (6 sessões) e (2) Treino de Habilidades Sociais (10 sessões). Para o alcance dos objetivos deste trabalho serão apresentados somente os procedimentos adotados nas três fases (avaliações e intervenção) da Etapa de Sensibilização.

 

Participantes

Participaram deste estudo 16 pais que atendiam aos critérios de seleção: ter filho(s) adotado(s) e com idade entre 5 e 10 anos. Os pais foram distribuídos, de acordo com a disponibilidade de horário, em dois grupos com oito participantes cada um. Em ambos os grupos o número de mães era superior (75%) ao número de pais (25%), a idade dos participantes variava entre 26 e 55 anos e com concentração de escolaridade (68,75%) na faixa do ensino médio. Cerca de 80% das crianças foram adotadas ainda bebês (entre 0 e 6 meses) e na época do atendimento a idade delas variava entre 3 e 10 anos.

 

Local

A intervenção foi realizada em uma clínica-escola de uma Universidade Pública do Estado do Paraná.

 

Instrumentos

Os dados que subsidiaram a escolha dos conteúdos para esta etapa do programa foram coletados por meio de uma entrevista semi-estruturada, contendo 13 questões, distribuídas em: (a) Levantamento da queixa (8 questões): descrição do comportamento-problema, frequência, duração, locais de ocorrência, fatores marcantes no início do problema, atribuições ao mesmo, tentativas de mudança, consequências do problema para a própria pessoa e para o(s) filho (s) e relato da última ocorrência do problema e; (b) Dados referentes à adoção (5 questões), averiguando o conhecimento que os pais tinham sobre o tipo de adoção ( legal ou ilegal; intrarracial; tardia ou precoce, aberta ou fechada); sobre o processo jurídico que tratava da adoção, bem como por meio de que pessoas essas informações foram fornecidas; quais pessoas próximas (a própria criança, professores, vizinhos, parentes, etc.) conheciam o processo da adoção; a reação da criança e das pessoas próximas quando souberam da adoção; a participação dos pais em algum tipo de serviço de preparação para adoção ou acompanhamento após terem adotado.

A fim de verificar qual o nível de contribuição da intervenção para esclarecimento dos temas abordados nessa etapa do programa (aspectos jurídicos da adoção, revelação ao filho(a) da sua condição de adotado(a), mitos e preconceitos sobre a adoção e como falar ao(a) filho(a) sobre os pais biológicos), foram elaboradas cinco questões, envolvendo três opções de resposta: (1) "não contribuiu", (2) "contribuiu mais ou menos"; (3) "contribuiu". Para análise dos dados foi considerada a somatória simples dos itens avaliados, com a maior pontuação representando contribuição total e a menor a falta de contribuição do programa naquele item avaliado.

 

Procedimento

Os participantes foram recrutados na clínica-escola da instituição em que o estudo foi realizado e, também, por meio da divulgação do projeto em ônibus coletivos urbanos (cartazes) e clínicas pediátricas (cartazes e folders).

Foram selecionados 21 pais que atendiam os critérios de seleção; porém, 16 deles aceitaram participar de todas as etapas do programa. Antes de iniciar a coleta de dados, os pais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que cumpriu todos os requisitos da Resolução 196/96 e foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição.

A Etapa de Sensibilização teve três fases:

1ª Fase: Avaliação: Para coleta dos dados, duas sessões individuais, com 50 minutos de duração cada uma, foram realizadas com cada um dos pais. Os dados obtidos foram organizados de modo a comparar, dentre os temas (queixas; compreensão dos pais sobre determinantes dos comportamentos-problema e aspectos da adoção), aqueles que eram comuns ao grupo e os que eram específicos a cada família. Os dados obtidos nessa fase determinaram o conteúdo da intervenção, descrito a seguir.

2ª Fase: Intervenção da Etapa de Sensibilização:

Nesta fase pretendeu-se desfazer mitos e crenças sobre a adoção como causa de comportamentos-problema. Essa proposta visou diminuir a relação estabelecida entre adoção e problemas de comportamentos que eram apresentados pelas crianças; e capacitar os pais para identificarem as contingências presentes na interação familiar e que poderiam contribuir para a emissão dos comportamentos das crianças. Foram realizados seis encontros no decorrer de dois meses, com duração de 90 minutos cada um.

Na primeira sessão, os mitos relatados pelos pais foram discutidos, buscando esclarecer sobre: (a) a importância da revelação à criança da sua condição de adotada; (b) a formação de sentimentos (amor, apego) parentais e filiais; (c) o direito da criança de conhecer sua história prévia e os pais biológicos e as vantagens decorrentes, e (d) o caráter irrevogável da adoção.

Na segunda sessão, o objetivo foi mostrar aos pais quais eram as consequências de utilizar a adoção como explicação para os comportamentos dos filhos, enfatizando principalmente que os comportamentos relatados por eles, tais como agressividade, responder, fazer birra e recusar pedidos, eram comportamentos normalmente observados nas crianças em geral, independente da condição de serem ou não adotadas.

O objetivo da terceira sessão foi esclarecer aos pais que os aspectos genéticos não poderiam ser considerados como determinantes únicos e absolutos do comportamento do seu filho. Essa fase contribuiu para diminuir o sentimento de medo dos pais de que a sua criança apresentasse comportamentos antissociais (alcoolismo, prostituição e furtos), muitas vezes característicos dos pais biológicos. Para tanto, foram enfatizados os determinantes ambientais como passíveis de manipulação e, portanto, com efeitos diretos e controláveis sobre o comportamento da criança. Ainda nessa fase, observou-se que sem a atribuição causal à adoção ou aos aspectos genéticos outros fatores passaram a ser tomados pelos pais como explicação para os comportamentos, como, por exemplo, a "personalidade forte da criança" (sic). Mais uma vez, essas atribuições causais foram discutidas visando descaracterizá-las como determinantes do comportamento e, assim, esses pais chegaram a um nível de preparo e sensibilização com relação aos comportamentos-problema do filho adotivo que os habilitava a iniciar a fase subsequente do programa.

 

Tabela 1

 

Na quarta e quinta sessões foram apresentados os princípios de aprendizagem do comportamento humano (Canaan-Oliveira et al., 2003): reforço positivo e negativo, extinção, punição, discriminação (controle de estímulos). O objetivo era ajudar os pais a identificar os princípios de aprendizagem subjacentes às suas práticas educativas e aprender alternativas comportamentais mais efetivas para a educação de seus filhos.

Na última sessão, os pais foram orientados a identificar as contingências que favoreciam a manutenção ou redução dos comportamentos-problema dos filhos no ambiente familiar. Para tanto, utilizou-se de registros feitos pelos pais, nas semanas anteriores, nos quais foram descritos os comportamentos adequados e/ou inadequados dos filhos e a reação dos pais a esses comportamentos. Esse exercício semanal tinha por objetivo auxiliar os pais na discriminação das contingências familiares que poderiam ser responsáveis pelos comportamentos dos filhos. Cada sessão seguia uma estrutura básica, iniciando com exposição oral, questionamentos ou técnicas

(vivências ou jogos/brincadeiras de grupo) para facilitar a discussão dos temas propostos para a sessão. Com o objetivo de distribuir o tempo de atendimento e sinalizar aos participantes a sequência de objetivos e atividades a serem cumpridos na sessão, a cada semana era confeccionado um cartaz com as informações pertinentes a sessão e afixado na sala onde ocorriam os atendimentos.

3ª Fase - Avaliação da etapa de Sensibilização: Ao final da sexta sessão, os pais responderam, individualmente, o questionário elaborado para a avaliação dessa etapa do programa.

 

Resultados e discussão

Os dados da entrevista sobre aspectos específicos da adoção possibilitaram identificar diversas dificuldades dos pais em relação ao próprio processo de adoção, por exemplo, como explicar à criança sua condição de adotada e/ou a sua história anterior à adoção. Essas dificuldades sugerem a falta de preparo dos pais pelos órgãos competentes e podem significar, no dia-a-dia dessas famílias, uma postura de não revelar ou revelar tardiamente ao filho a sua condição de adotado, além de evitar falar sobre a família biológica, o que pode acarretar prejuízos para a criança e à família (Weber, 2001; Costa & Rossetti-Ferreira, 2007).

Com relação à contribuição do programa para esclarecer assuntos relacionados ao tema adoção, avaliados na última sessão, os pais consideram que o programa contribuiu, principalmente, para lidar com mitos e preconceitos sobre a adoção, falar com o filho sobre os pais biológicos e revelar a condição de adotado para a criança e demais pessoas. Para os pais, a menor contribuição do programa foi referente às informações sobre os aspectos jurídicos, muito provavelmente por se tratar de famílias, na sua maioria, com processo de adoção legal. Esses dados apóiam as evidências em diversos estudos (Maux & Dutra, 2010; Weber, 2001) de que as pessoas que adotam necessitam de preparação para as especificidades da família formadas por meio da adoção.

Quanto às queixas comportamentais, esse grupo de pais revelou que seus filhos apresentavam, frequentemente, comportamentos de agressividade, birras, recusar/desobedecer ordens, pouco envolvimento com os estudos (recusa em ir à escola ou fazer tarefas de casa), falta de organização com objetos próprios e alheios. Especificamente sobre a adoção, os pais se queixavam da recusa da criança em falar sobre a adoção, perguntas persistentes sobre os pais biológicos e ameaças de abandonar os pais adotivos. Constatou-se que, para a maioria dos pais, esses comportamentos eram determinados pela história de abusos e negligências vivida pela criança, anterior a sua adoção pela família. Essa história era vista como algo que a criança passava a "carregar consigo" (sic) e que determinava, quase que de forma absoluta, os comportamentos observáveis, os pensamentos e os sentimentos problemáticos apresentados pela criança adotada.

Dentre alguns fatores internos, consideravam que "carência que a criança adotada carrega consigo" (sic) ou o "trauma por ter sido abandonada" (sic) eram os principais responsáveis pelos comportamentos-problema das crianças e, portanto, deveriam ser alvos de mudança ou de atenção e cuidados pelos pais para não produzirem efeitos ainda mais danosos na vida da criança. Como salientou Weber (2001), esse entendimento dos pais, juntamente com profissionais da saúde mental, educação e o restante da população, está sob a influência dos preconceitos que ainda existem na questão da adoção e percebem-na como um fator de risco natural.

No caso dos pais participantes do grupo, essas atribuições favoreciam o estabelecimento de contingências que contribuíam para a manutenção dos comportamentos-problema apresentados pela criança. Isto é, ao considerar que esta apresentava "carência afetiva" ou "trauma" devido ao abandono ou a rejeição da família biológica, os pais adotavam comportamentos para evitar a exposição da criança a situações aversivas, evitando aumentar os sentimentos de rejeição, os traumas ou as carências. Por exemplo, faziam as tarefas pela criança para evitar que fossem repreendidas na escola ou pediam aos professores que tivessem paciência, evitando repreender a criança em sala de aula por conta da sua história de sofrimento anterior à adoção. A mesma recomendação era feita aos familiares, com os pais sugerindo que chamar a atenção da criança, quando apresentavam comportamentos de manhas ou de birras, poderia deixá-las constrangidas e potencializar os problemas psicológicos.

Ainda que a adoção não tenha sido apontada como diretamente responsável pelo comportamento da criança, os relatos dos pais demonstraram claramente que essa condição da criança influenciava suas práticas educativas, evidenciado, como em outros estudos, a dificuldade desses pais em assumir diversas funções parentais, como: determinar e manter regras que contrariavam a vontade do filho sem temer que este o abandone; usar permissividade como estratégia de superproteção (Reppold & Hutz, 2002) e considerar mais prontamente um comportamento da criança como sendo problemático (Keyes et al., 2008).

Após a intervenção, os pais relataram que os conteúdos abordados por esta etapa do programa favoreceram a identificação das variáveis ambientais que atuavam como facilitadoras ou não para a emissão dos comportamentos de pais e de filhos. Dentre essas variáveis, consideraram que precisariam mudar algumas práticas parentais para lidar de maneira mais efetiva com os filhos, dentre elas: a colocação de limites e regras (sem medo que o filho os abandone), a utilização de estratégias mais positivas para melhorar a disciplina, a valorização, junto à criança e outros, do vínculo afetivo e da filiação adotiva e a capacidade de resolver as adversidades (opiniões e costumes), principalmente nos casos de adoção tardia.

Entende-se que o fato dos pais reconhecerem a necessidade de mudanças em suas práticas educativas e discriminar as situações nas quais essas mudanças deveriam ocorrer não é suficiente para que eles passem a responder diferentemente no seu contexto diário. Isto significa que aprender a descrever contingências de reforço operante não pode ser confundido com arranjar essas contingências (Skinner, 1974). Assim, tornam-se essenciais propostas de intervenção que incluam estratégias específicas para que esses pais possam arranjar novas contingências em seu ambiente familiar, favorecendo a aprendizagem de novos comportamentos ou o fortalecimento daqueles já existentes em seus repertórios.

Nesse sentido, Rushton, Monck, Upright e Davidson (2006) defendem que programas para pais adotivos devem, mais do que mudar práticas parentais negativas, ampliar as habilidades parentais; porém, sem perder o objetivo de aumentar a consciência ou entendimento das prováveis origens de certos tipos de problemas. A avaliação positiva dos pais sobre os efeitos do programa para identificar as relações funcionais e, consecutivamente, para desmitificar a adoção como fator explicativo, demonstra a importância dessa etapa do programa para atender aos interesses e necessidades dessa população.

Espera-se que a implantação das fases subsequentes do programa para o treinamento de habilidades parentais possa favorecer as mudanças necessárias nas práticas parentais, com efeitos positivos nos comportamentos dos filhos adotivos, como constatado em estudos (Rushton et al., 2006) que avaliaram programas para pais adotivos dentro de um modelo relativamente semelhante ao apresentado nesse estudo.

 

Considerações finais

Os dados obtidos nesse estudo mostraram que os participantes relataram mudanças na forma de entender os efeitos das contingências, presentes nas interações familiares, para a determinação e a manutenção dos comportamentos dos seus filhos.

A opção em descrever os conteúdos e as estratégias que foram utilizadas na intervenção deve-se a escassez deste tipo de relato na literatura nacional e internacional. No entanto, a ênfase na análise das interações familiares não pode ser entendida como algo inédito, pois segue praticamente a mesma orientação consolidada na literatura mundial e, portanto, amplamente utilizada para o atendimento de famílias constituídas das mais diferentes formas. Isto significa dizer que no âmbito psicológico as dificuldades encontradas por famílias adotantes devem ser buscadas nas interações diárias com os filhos, e que o sucesso ou dificuldade nas interações familiares deve-se à qualidade dessas interações, independente da condição de adotada da criança.

No entanto, as famílias adotantes têm tarefas exclusivas: falar à criança sobre os motivos de sua adoção; informar sobre sua história genética, social e cultural e revelar a condição de adotado ao filho, assim como o manejo de questões referentes à revelação ou situações de preconceito e discriminação em relação às pessoas próximas e à sociedade em geral. Assim, essas especificidades justificam a necessidade desse tipo de programa de atendimento, ou seja, um trabalho de intervenção que ofereça às famílias adotantes a oportunidade de discutir e superar dificuldades e mitos inerentes à adoção e de desenvolver práticas educativas que contribuam para melhorar o relacionamento familiar e, consequentemente, o ajustamento dos filhos.

Não obstante as avaliações terem sido realizadas de maneira não sistemática, os relatos verbais dos participantes evidenciaram que houve contribuições relevantes do programa para as interações familiares. Entretanto, para confirmação desses resultados faz-se necessário investigar até que ponto essa etapa inicial do programa, com características psicoeducacionais, é de fato efetiva na modificação das interações familiares estabelecidas pelos pais. Para tanto, estudos futuros poderiam adotar delineamento com grupos independentes e intervenções com diferentes focos (psicoeducacionais e treinamento de habilidades), visando à avaliação dos componentes críticos do programa para as mudanças terapêuticas. Portanto, esforços ainda são necessários nessa direção de pesquisa, que se mostra bastante escassa na literatura.

Com relação aos pressupostos teóricos e filosóficos que nortearam essa intervenção, a objeção em considerar a adoção como condição de risco, no sentido de aumentar a probabilidade da apresentação de comportamentos desajustados, se deve ao fato da adoção, muitas vezes, tomar lugar no exame de coisas mais importantes, ou seja, das variáveis responsáveis pela ocorrência do comportamento. Nessa perspectiva, a análise de qualquer fenômeno reside em discutir quais as variáveis (sociais, culturais, biológicas, familiares) presentes no contexto atual do indivíduo determinam seu comportamento.

Essa forma de entender o comportamento pode contribuir significativamente para desmitificar a adoção como causa ou explicação do comportamento. Na proposta adotada, o comportamento da criança deve ser entendido como produto variável de um processo de interação de um grande número de variáveis (Carvalho Neto e Tourinho, 1999) e não da sua própria condição de adotada que pode, inadvertidamente, perpetuar a relação entre adoção e problemas de comportamento.

As limitações metodológicas do presente estudo, tais como utilização de apenas um único tipo de instrumento (autorrelato) para a coleta de dados e a amostra por conveniência, não permitem generalização para todas as famílias por adoção. No entanto, o relato dessa experiência pretende apontar possibilidades para novas questões e pesquisas sobre o atendimento às famílias adotantes.

 

Referências

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Recebido em 10 de fevereiro de 2011
Devolvido em 23 de maio de 2011
Aceito em 16 de agosto de 2011

 

 

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