SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número2O surgimento de diferentes denominações para a Terapia Comportamental no Brasil índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.13 no.2 São Paulo set. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Promoção de comportamentos de estudo em crianças - resultados de um programa de ensino para pais e responsáveis

 

Study behavior promotion in children - results of an educational program for parents and guardians

 

 

Danila Secolim CoserI,*; Ana Lucia CortegosoII; Dra. Maria Stella Coutinho de Alcantara GilII

IUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar), Psicóloga e Mestranda do programa de pós-graduação em Educação Especial
IIDra. Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Docente do Departamento de Psicologia e do programa de pós-graduação em Educação Especial

 

 


RESUMO

Frequentemente pais ou responsáveis não possuem repertórios necessários para promover comportamentos de estudo autônomos e eficazes em suas crianças. O presente estudo teve por objetivo executar e avaliar um programa de ensino, desenvolvido por meio de um processo de programação, aplicado a pais ou responsáveis de crianças com história de baixo desempenho escolar. Participaram da investigação três responsáveis de alunos, indicados por professores como apresentando dificuldades de aprendizagem. Foram coletadas medidas de pré-teste, treino e pós-teste por meio de entrevistas com responsáveis e alunos. Além das atividades realizadas nos oito encontros, os responsáveis receberam uma apostila com as informações mais relevantes; a cada duas sessões passaram por uma avaliação. Os resultados indicam que o programa pode ter promovido mudanças no repertório dos pais/responsáveis ao lidar com o estudo dos filhos e/ou na rotina diária de interação no ambiente familiar, principalmente para um dos três participantes.

Palavras-chave: treinamento de pais; comportamento de estudo; fracasso escolar; programa de ensino.


ABSTRACT

Parents or guardians frequently do not have the necessary repertoires to promote effective self-study behavior on their children. This program had, as a goal, to carry out and assess an educational program for parents or guardians of children with a history of low school performance. Three guardians participated in the research. They were selected by teachers because their children presented learning difficulties. Measures of pre-test, training and post-test were collected through interviews with the guardians and children. In addition, activities were performed in eight meetings, the parents received a handout with the most relevant information; every two session they passed through an evaluation. The results indicate that the program may have promoted changes in the repertoire of parents/guardians to deal with the studies of children and/or on the daily interaction routine in the family environment, especially for one of the three participants

Key-words: parents training; study behavior; school failure; educational program


 

 

Introdução

Considerações sobre desempenho escolar e envolvimento parental

Comumente a família é apontada, em pesquisas e por professores e profissionais da área da educação e saúde, como responsável pelas dificuldades escolares dos filhos devido a fatores como: separação ou dificuldades conjugais; déficit nas relações afetivas; psicopatologias parentais; alcoolismo; falta de estímulo para atividades acadêmicas; falta de acompanhamento das tarefas de casa1; falta de participação na escola; falecimento dos pais e/ou ausências prolongadas (Ferreira & Marturano, 2002; Marçal & Silva, 2006; Santos & Marturano, 1999).

Considerando o grande número de encaminhamentos de crianças com queixas escolares para atendimento em serviços fora da instituição educacional, evidenciando as dificuldades do atendimento às necessidades educacionais e sociais desses alunos na escola regular, parece fundamental investir na busca de ferramentas para melhorar a condição da escola regular para cumprir seu papel. Ao mesmo tempo, é possível encontrar, na literatura, indicações de que o envolvimento dos pais com as atividades escolares dos filhos pode ser um importante recurso que a escola poderia utilizar como apoio para o enfrentamento de problemas escolares (Bhering & De Nez, 2002).

De maneira geral, diversos indicadores de envolvimento parental têm sido associados a um melhor desempenho escolar durante a infância. São exemplos de suporte parental: a disposição de tempo e espaço adequado em casa para a realização dos deveres escolares, a exigência de cumprimento desses deveres, o intercâmbio regular com o professor, uma rotina de horários para as atividades diárias básicas, o compartilhamento do tempo livre em atividades culturais, etc. (Bolsoni-Silva & Marturano, 2002; D'Avila-Bacarji, Marturano & Elias, 2005).

Fehrmann, Keith e Reimers (1987) sugerem que o envolvimento dos pais tem um efeito direto e positivo nas notas dos filhos e um efeito significativo também no tempo que as crianças despendem fazendo tarefas acadêmicas em casa ("lição de casa"), tendo também um efeito indireto positivo nas notas alcançadas por estas crianças. Levantamentos realizados no Brasil por Hubner (1999) e Marturano (1999, 2006) também sugerem que um dos determinantes no sucesso ou fracasso escolar de crianças é a participação dos pais sobre o comportamento de estudar destas. Nestes levantamentos, o progresso na aprendizagem escolar apareceu associado à supervisão e organização das rotinas do lar (como horários para tarefas e atividades diárias), à oportunidade de interação com os pais e à oferta de recursos do ambiente físico (como livros e brinquedos).

Contudo, é necessário ressaltar que o envolvimento parental, quando não adequado (com muita pressão e controle coercitivo, por exemplo), foi associado a relações negativas nas aquisições escolares das crianças, conforme aponta o estudo de Cooper, Lindsay e Ney (2000). Nas palavras dos autores: "uma afirmação categórica de que qualquer envolvimento parental é melhor do que nenhum é um tanto quanto injustificável" (p.483); no entanto, os dados não permitiram verificar uma direção causal específica entre envolvimento parental e baixo desempenho, ou seja, se o envolvimento inadequado dos pais acarreta desempenhos mais fracos, ou se tais desempenhos é que acarretam maior envolvimento parental inadequado. O que foi sugerido pelos autores é que professores deveriam ter precaução ao pedir que os pais ajudem seus filhos com dificuldades escolares, sem levar em conta as descobertas descritas.

Mesmo com todo conhecimento disponível sobre a importância do envolvimento parental para o melhor rendimento escolar, pouca aplicação deste pode ser observada na prática presente tanto em situações escolares quanto domésticas, em relação à promoção de aprendizagem. Professores culpam, muito frequentemente, a família, por suas ações ou omissões em relação às dificuldades dos estudantes (Carvalho, 2004). Raramente ocorre o reconhecimento de que é responsabilidade da instituição educacional informar aos pais e indicar as maneiras como poderiam ajudar a criança no seu desenvolvimento e crescimento, de modo que possam acompanhar e, eventualmente, complementar o trabalho feito na escola (Bhering & De Nez, 2002).

No caso de crianças com história de baixo rendimento escolar, as dificuldades para desenvolver um adequado repertório de estudos podem ser ainda maiores, assim como são maiores as necessidades de apoio para que este problema seja superado o mais rapidamente possível. Kay, Fitzgerald, Paradee e Mellencamp (1994) analisaram a perspectiva dos pais de crianças com distúrbios de aprendizagem em relação às tarefas de casa de seus filhos. Os dados apontaram que os pais não se sentem preparados para ajudar seus filhos na lição de casa, gostariam de receber mais informações sobre as expectativas do professor em relação a seu filho e sobre possibilidades e formas de ajudá-los em casa, gostariam de tarefas específicas e individualizadas para as necessidades da criança, valorizam tarefas que envolvam toda a família e gostariam de ser ouvidos pelos professores e escola.

Em levantamento realizado no Brasil por Pereira et. al. (2005) com pais de crianças que apresentavam queixas escolares, foram obtidos relatos de familiares que afirmam sofrer pela dificuldade da criança, que comumente é culpada por eles pela dificuldade de aprendizagem. Segundo os autores, parece difícil para os pais perceberem a influência que exercem no comportamento dos filhos; assim, os pais expressam como gostariam que os filhos se comportassem, mas não atentam para as consequências que fornecem a eles quando agem de maneira adequada e inadequada. Os pais também se referem ao fato de que seus filhos não respeitam regras, e citam utilizar frequentemente controle aversivo para garantir a realização de atividades. Nesse sentindo, para conseguirem ensinar comportamentos adequados aos filhos, frequentemente, necessitam de habilidades que ainda não possuem. Dados semelhantes foram encontrados por Carvalho e Burity (2006), em pesquisa com mães de crianças em escola pública e privada, sendo que principalmente na escola pública os pais se sentiam culpados pelo fracasso da criança e revelaram dificuldades na ajuda da lição de casa, por não saberem ler, por falta de tempo, ou por não saberem ensinar, dadas as diferenças que percebem entre o que estudaram em seu tempo de escola e o que é ensinado a seus filhos.

Para Gurgueira (2005), particularmente nestas situações o preparo de pais para atuar de modo a favorecer comportamentos de estudo apropriados em crianças que iniciam seu contato com o ensino formal pode ser um importante recurso para mudar estas situações em direções mais inclusivas.

O comportamento de estudar na promoção de melhor rendimento escolar de crianças

Estudar é uma classe geral de comportamentos que, é esperado, resulte no desenvolvimento, ampliação ou aperfeiçoamento de repertórios comportamentais individuais, a partir e sob controle de conhecimento com que o indivíduo entre em contato, em relação a assuntos diversos. Ler e escrever textos, fazer resumos, procurar informações, organizar dados, fazer tabelas, procurar um local de estudo adequado e adequar o local de estudo são algumas das classes de comportamentos mais específicas que a compõem (Cortegoso & Botomé, 2002).

Como todos os comportamentos, os que compõem a classe geral estudar podem ser adquiridos e mantidos. Hubner (1999), Hubner e Marinotti (2000), e Matos (1993) sugerem que comportamento de estudar pode ser aprendido pelas crianças e mantido por pais e professores. Em uma perspectiva mais ampla, Cortegoso e Botomé (2002) apontam que comportamentos de estudos podem ser instalados e mantidos por agentes educativos, particularmente por pessoas que estão em constante contato com a criança aprendiz na escola ou instituição de ensino, em casa ou em qualquer outro local onde possa haver aprendizagem "mediada" da criança sobre algum assunto.

Como apontam Hubner e Marinoti (2000) e Ferreira e Marturano (2002), problemas de estudo são estabelecidos e mantidos por contingências de ensino. Tais problemas podem estar relacionados às condições antecedentes ao próprio comportamento de estudar (organização do ambiente, iluminação, grau de ruído, qualidade do material escolar, horário de estudo, etc); às propriedades das classes de respostas envolvidas (procedimentos de estudo utilizados, atenção a prazos de entrega, postura etc) e às condições consequentes desse comportamento (natureza - positiva ou negativa - das consequências recebidas após a execução das tarefas escolares, frequência, distribuição etc). O conhecimento disponível sobre as variáveis que podem ser relevantes para favorecer ou desfavorecer comportamentos de estudo adequados possibilita preparar os pais para atuarem como agentes de promoção de condições positivas ao estudo quanto a aspectos como estes, e outros similares. A questão de como pais podem ser preparados para promover melhores condições para o desenvolvimento e manutenção de repertórios de estudo, contudo, não parece estar satisfatoriamente respondida.

Nos Estados Unidos diversos estudos sobre tarefa de casa e treinamento de pais para a realização do dever escolar foram realizados na década de 1980 e início da década de 90, principalmente em 1994, devido ao declínio dos resultados obtidos nos testes de estudantes na época (Miller & Kelly, 1994). Os estudos de Jenson, Sheridan, Olympia e Andrews (1994), Kahle e Kelly (1994) e Miller e Kelly (1994) comparam alguns procedimentos e efeitos de treinamentos de pais, sendo que em todos foram observadas melhoras na ocorrência de realização da tarefa em casa.

Já no Brasil, Gurgueira (2005), Martins (2001), Sampaio, Souza e Costa (2004), Scarpelli, Costa e Souza (2006) e Sudo, Souza e Costa (2006) utilizaram diversos procedimentos de intervenção com pais para favorecer o comportamento de estudo e, consequentemente, melhorar o desempenho acadêmico de crianças. Os três primeiros estudos brasileiros citados foram realizados em ambiente experimental, com dados coletados por meio de filmagens, sendo verificadas mudanças de comportamentos nas categorias denominadas positivas ("dar reforço", "conferir tarefa" e "dar instruções") ou negativas ("punição", "apontar erros na resposta dada pela criança", "responder ou fazer pela criança" e "chamar atenção da criança"). Nos estudos de Martins (2001) e Gurgueira (2005), a efetividade de treinamentos para pais foi avaliada apenas por meio do relato dos próprios pais participantes; nesse sentido, os resultados desses estudos não são conclusivos, uma vez que, no momento da entrevista, estes poderiam estar mais sob controle de variáveis como a presença de pesquisadores ou suas expectativas, ao relatar exemplos de conduta em casa, do que efetivamente descrevendo seus comportamentos nestas situações.

Como forma de dar continuidade à produção de conhecimento sobre a eficácia de treinamento de pais para promover repertórios de estudo em crianças, foram propostos como objetivos gerais, neste estudo, planejar e implementar um programa de intervenção junto a pessoas responsáveis por crianças com história de baixo rendimento escolar, e avaliar este programa quanto à eficácia para promover competências destas pessoas como agentes favorecedores de comportamentos adequados de estudo nestas crianças. Para maior fidedignidade dos dados foi programada coleta de dados com os adultos responsáveis por crianças em idade escolar e com as próprias crianças, a fim de verificar coincidências e discrepâncias nos relatos e, a partir delas, alcançar maior confiabilidade nos dados desta avaliação.

Foi utilizado como base para esse estudo o programa de ensino desenvolvido por Gurgueira (2005), a partir de princípios da análise do comportamento (ver Botomé, 1981). A existência de uma descrição dos objetivos comportamentais que constituíram ponto de partida para a construção do programa de Gurgueira facilitou a revisão do programa, sua adaptação a uma nova situação e decorrente avaliação. O programa apresentava potencial para treino simultâneo de grupos de pais, ou seja, maior número de pais e crianças podendo ser beneficiado por ele. Além disso, os resultados obtidos pelo autor foram analisados completamente (com entrevistas de pré e pós teste) apenas para uma das três mães participantes e foram obtidos somente os relatos dela na atribuição de mudanças no seu repertório de promoção estudos, resultado que, segundo o próprio autor, era limitado, uma vez que as mudanças verificadas poderiam ser apenas no âmbito verbal. Dessa forma, a utilização do programa para uma nova situação pareceu adequada para gerar novas informações sobre capacitação de pais como agentes favorecedores de comportamentos de estudo.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa: a) três responsáveis (duas mães e um avô) por alunos do ensino fundamental de uma escola municipal, localizada em bairro de população de baixa renda em uma cidade de pequeno porte no interior do Estado de São Paulo, b) três crianças, alunos desta escola, pelas quais os adultos participantes eram responsáveis. Para cada responsável foi atribuída, para efeito do estudo, uma sigla de identificação (P1, P2, P3).

As crianças foram identificadas pelas siglas C1, C2 e C3, de acordo com o número da identificação de seus respectivos responsáveis. No Quadro 1 podem ser vistos dados gerais dos participantes do estudo

Seleção dos participantes

Os participantes foram indicados previamente pelas professoras. Foi solicitado que elas indicassem alunos que estariam apresentando dificuldades de aprendizagem, caracterizadas pela ocorrência de notas baixas, não realização de atividades em sala de aula e/ou não realização regular de lição de casa, em conformidade com definições presentes no estudo de Scarpelli et al (2006). Participaram dessa indicação apenas professores da escola que solicitavam tarefa de casa ao menos uma vez por semana.

Para os alunos indicados (cerca de 40) foi enviado, por meio da direção da escola, um convite para uma reunião com a pesquisadora, no qual foram abordadas questões referentes à realização da pesquisa. Os responsáveis P1 e P2, que estavam presentes nesta reunião, decidiram participar do estudo e assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A participante P3 não havia sido indicada para participar, mas procurou a pesquisadora ao saber da realização da pesquisa, relatando encontrar dificuldades para lidar com o estudo do filho em casa. Após conversar com a pesquisadora a participante assinou ao TCLE e foi incluída no grupo de participantes, por atender aos requisitos estabelecidos.

Ambiente

O programa de ensino foi implementado em uma sala de aula do primeiro ano da Escola de Ensino Fundamental que ficava livre no período da manhã. Durante a intervenção, pesquisadora e participantes ficavam sentados em torno de duas mesas que eram unidas para esta finalidade, ou com as cadeiras em círculo, dependendo das atividades a serem realizadas. As entrevistas dos alunos e pais/responsáveis também foram realizadas nesta sala.

Materiais

Coleta de dados: Foram utilizados, para coleta de dados, utensílios usuais para registro de informações (papel, lápis), roteiros de entrevista e impressos com atividades de simulação.

Treino: Para coleta de dados e aplicação do programa, caderno para diário de campo, lápis, canetas, rádio e luminária, cartolinas para atividades de apresentação, roteiro de atividades do aplicador, impressos de tarefa de casa, apostila para participantes e jogos educativos entregues aos participantes ao final do programa de ensino.

Instrumentos e procedimentos de coleta de dados

A. Instrumentos de avaliação antes e após o treinamento, que consistiram de roteiros de entrevistas para responsáveis e para alunos. Os instrumentos tinham por objetivo verificar hábitos em relação ao estudar em casa (horários de estudo, frequência do estudar, realização de intervalos durante sessões de estudo, acompanhamento de estudos, entre outros). Tais roteiros de entrevistas foram adaptados dos trabalhos de Gurgueira (2005) e Souza (2001). O roteiro de entrevista de pré teste para pais/responsáveis possuía 84 questões e o para alunos 109 questões. As questões eram de respostas abertas e fechadas e os tempos de aplicação dos instrumentos variaram de 40 a 60 minutos para pais e de 20 a 60 minutos para crianças. No pós-teste o roteiro foi elaborado com questões correspondentes às presentes no instrumento de pré-teste, alteradas na formulação para minimizar os efeitos de simples memorização das respostas apresentadas quando da aplicação do roteiro de pré-teste. As entrevistas de pré-teste ocorreram nas duas semanas anteriores ao início do programa e as de pós-teste uma semana após o término.

B. Exercício de simulação de desempenho. Para avaliação da eficácia do programa em instalar comportamentos nos aprendizes no âmbito da própria situação de ensino (usualmente denominada "avaliação de desempenho"), foram desenvolvidos exercícios realizados pelos pais/ responsáveis a cada duas sessões finalizadas, antes do início da nova sessão, assim como ao final das oito sessões do programa de ensino. Os exercícios previam a apresentação de textos contendo descrições de situações relativas a estudo, envolvendo pais e filhos. Para cada situação descrita, foram elaboradas afirmações diversas, sobre formas de agir dos pais/mães/filhos presentes nos textos, cabendo aos pais assinalar, com base nas informações oferecidas durante a implementação do programa e contidas no material disponibilizado, se as afirmações eram corretas (sinal positivo verde), incorretas (sinal negativo vermelho) ou, ainda, indicando a opção "não sei" (ponto de interrogação). O número de simulações para cada unidade e de afirmações para cada situação foi variado. No Quadro 2 pode ser visto um exemplo de simulação utilizada durante o programa a respeito do tema rotina de estudo.

C. Diário de Campo. A pesquisadora realizou anotações em um diário de campo ao final de cada sessão de treinamento e entrevistas sobre comentários e formas de participação dos pais, avaliações pessoais do encontro etc. Além disso, anotava também comentários de pessoas em geral envolvidas com o processo de pesquisa (diretores, professores, funcionários da escola).

Procedimento de intervenção (programa de ensino)

O programa de ensino de agentes favorecedores do comportamento de estudos foi elaborado a partir daquele desenvolvido por Gurgueira (2005), com revisão dos objetivos de ensino correspondentes às competências esperadas dos participantes como favorecedores de comportamentos de estudo propostos por este autor, utilizando procedimentos previstos para programação de ensino. A revisão dos objetivos permitiu avaliar se, para a nova versão do programa, deveriam ser mantidos os mesmos comportamentos a serem alcançados com a nova população-alvo, tendo sido feitos pequenos acréscimos às descrições destes objetivos, que foram então mantidos integralmente. Esta revisão possibilitou, ainda, alterar as condições de ensino originalmente utilizadas, a saber: reorganização das unidades de ensino, que passaram de 10 para nove (após eliminação de repetições e divisão de unidades que abordavam conjuntamente aspectos considerados diversos ou considerados demasiadamente complexos para a população-alvo prevista para o estudo), e que foram reordenadas de acordo com a percepção de grau de dificuldade da pesquisadora, da mais fácil ou simples para a mais difícil ou complexa; introdução de atividades de ensino novas ou complementares (dinâmicas, textos para aquecimento ou finalização de sessão, role-playing, uso de quadrinhos e tirinhas de jornais, tarefas de casa); ampliação do material de consulta dos pais, com introdução de novas informações, exemplos e ilustrações, bem como tentativas de simplificação de linguagem.

Para o programa de ensino utilizado neste estudo, foram definidas as seguintes unidades: 1. Conhecendo seu filho, 2. Relação com a escola e o professor, 3. Local de estudo, 4. Material de estudo, 5. Rotinas de estudo, 6. Regras para o estudar, 7. Consequências para o estudar, 8. Como ajudar nas tarefas, 9. Como lidar com interferências e programar sessões de estudo.

As unidades foram organizadas em oito sessões de intervenção, com 1h30min cada, e incluindo atividades diversas com uso de materiais áudio visuais, instrução, modelagem, modelação, feedback, reforçamento e role-play. Dados relativos ao desempenho dos participantes do programa, bem como dúvidas, sugestões e opiniões foram utilizadas para exploração dos temas. As informações correspondentes às unidades de ensino foram organizadas em uma apostila, preparada pela pesquisadora, que foi entregue aos participantes no início do programa de ensino e também serviu de base para as exposições conceituais previstas. Informações correspondentes a cada uma das unidades componentes do programa de ensino podem ser vistas no Quadro 3.

Os treinamentos foram realizados duas vezes por semana (nas quartas e sextas feiras pela manhã), salvo feriados, pontos facultativos da escola ou quando ocorriam ausências, sendo que, neste caso, os participantes eram convidados a realizar a sessão suspensa em dias diferentes da semana, de acordo com suas disponibilidades. Após cada sessão de treinamento foram feitos, pela pesquisadora, registros de fatos relevantes ocorridos, bem como das dificuldades e depoimentos apresentados pelos participantes, em um diário de campo.

Os encontros foram realizados de acordo com o seguinte roteiro: inicialmente eram discutidas as tarefas de casa solicitadas na sessão anterior, a fim de verificar a ocorrência de eventuais alterações, em casa, de condições de acompanhamento de estudo abordadas nas sessões de treinos anteriores. Na discussão da tarefa eram abordadas e comentadas a realização e grau de dificuldade encontrado pelos pais/responsáveis (exceto no primeiro encontro, quando não havia tarefa a ser realizada). Posteriormente, era realizado um exercício de "aquecimento" (jogo, questionamento ou texto relacionado ao tema central da sessão); em seguida, era realizada a explanação/discussão sobre o tema e, ao final, ocorria a indicação de uma nova tarefa de casa para a sessão seguinte.

 

Resultados e Discussão

Aspectos da aprendizagem durante e após o programa de ensino

As respostas dos aprendizes nos exercícios de simulação foram analisadas em conjunto, considerando a porcentagem de acertos e erros2 durante e no final do treinamento. Os dados obtidos a partir das respostas dos responsáveis, nos exercícios de simulação de desempenho após unidades de ensino durante a realização do programa de ensino, e nos exercícios gerais de exame de situações de estudo utilizados no pós-teste, são apresentados na Figura 1, de acordo com a porcentagem de acertos e erros dos aprendizes na apresentação da resposta verdadeira ou falsa. As respostas de dúvidas, assinaladas como "não sei", foram consideradas como erros. É importante destacar, ainda, que o número de solicitações de manifestação dos participantes em relação a cada tipo de aspecto considerado para avaliação era diferente, tendo variado de cinco a 34 afirmações.

Conforme apresentado na Figura 1, a aprendiz P1 acertou sempre acima de 90%, chegando a 100% de acerto para as simulações referentes às unidades "Relação com a escola", "Local de estudo" e "Como ajudar nas tarefas". O aprendiz P2 obteve de 55 a 84% de acerto, sendo que seus piores desempenhos foram nas unidades finais. Já P3 obteve 100% de acerto para as simulações referentes às unidades "Relação com a escola", "Local de estudo" e "Rotinas e Regras para estudar" e mais de 80% para as demais unidades.

De forma geral, é possível observar que P1 e P3 apresentaram poucos erros nos exames de simulações de situações de interação relacionadas a estudo. Já no caso de P2, este parecia escolher a alternativa de resposta, com frequência, de modo aleatório, principalmente nas simulações referentes às duas últimas unidades (Como ajudar nas tarefas; Programando o estudar), nas quais, aparentemente, fez isto para todos os exercícios, uma vez que dizia, ao apontar uma das alternativas, "Ah...Eu vou nessa"; quando indagado pela pesquisadora sobre o motivo da escolha, não a justificava. Nestas situações a pesquisadora informava que, caso estivesse com dúvidas, poderia escolher tranquilamente a alternativa "não sei".

É possível verificar também que, em todas as simulações (durante e após o programa de ensino), P2 apresentou as maiores dificuldades, o que pode ser devido a vários fatores: ausência ou insuficiência de prática para realização de atividades acadêmicas, limitações de audição eventualmente agravadas pela precária condição acústica da sala e análise parcial dos enunciados (muito de seus erros se deviam a atentar apenas ao início ou fim das frases, que por vezes começavam corretas e terminavam erradas ou vice-versa).

No contexto da programação de ensino, a avaliação é concebida como parte do processo de ensino-aprendizagem. De acordo com Cortegoso (2002), a avaliação de um programa de ensino é desejável em vários níveis ou dimensões. Um deles refere-se à avaliação dos comportamentos que o programa foi capaz de gerar no aprendiz no âmbito da situação de ensino (Avaliação de desempenho). Em relação a esta dimensão, o programa pareceu satisfatório para gerar alguns comportamentos esperados, uma vez que dois dos três participantes apresentaram elevados níveis de acerto nas simulações, durante e após o programa de ensino. A maioria dos erros cometidos pelos participantes ocorreu nas fases finais do programa, quando o nível de complexidade para a aprendizagem era maior, assim como o número de exercícios apresentados para avaliação. Os erros dos participantes nestas fases ocorreram, possivelmente, porque eles parecem ter respondido muito mais de acordo com conceitos de senso comum, em relação a processos educativos, possivelmente pré-existentes em relação ao programa, indicando como corretas alternativas que utilizavam coerção como forma de lidar com comportamentos das crianças nas situações que envolviam o estudar.

Dados relativos aos relatos das díades responsáveis-crianças nas entrevistas de pré-teste e pós-teste.

Quanto à avaliação dos comportamentos que o programa foi capaz de gerar no aprendiz quando este tem que lidar com a situação concreta, outro dos possíveis e desejáveis níveis de avaliação de programas de ensino (Cortegoso, 2002), os dados obtidos junto aos responsáveis e crianças por meio das entrevistas antes, e após o treinamento são apresentados, no Quadro 4, em função das informações solicitadas, sendo evidenciados aspectos indicativos de mudanças no relato dos participantes antes e após o treinamento, bem como divergências ou convergências dos dados.

Os aspectos avaliados nas entrevistas com os responsáveis e crianças, bem como as observações da pesquisadora feitas durante a pesquisa e registradas no diário de campo são indicadas, na sequência, para cada díade responsável-criança.

Díade P1/C1

Em relação à participante P1 foram observadas mudanças positivas, ao final do programa de ensino, em 10 dos 12 aspectos avaliados nos relatos dela e da filha (C1) em relação ao estudar em casa e na relação familiar. Além disso, os relatos de mãe e filha no pós-teste foram convergentes para todos os aspectos avaliados. A concordância dos relatos de P1 e C1 indica que, possivelmente, as mudanças apontadas no nível verbal realmente estariam ocorrendo na situação real.

Quanto às mudanças relatadas, destaca-se as consequências para as obrigações da criança com os serviços de casa; em relação a este aspecto, mãe e filha apresentaram relatos convergentes sobre consequências mais positivas, como sair para brincar ou realizar atividades de que a criança gosta após a realização das tarefas.

Quanto aos aspectos gerais relacionados ao estudar, antes do treinamento a criança não realizava atividade de estudo em casa. Após o programa, ambas indicaram a realização das tarefas quando solicitado pela professora. A mãe relatou ainda que examinava o caderno da filha com regularidade. Além disso, os relatos demonstram maior atenção e conhecimento da mãe em relação às dificuldades escolares apresentadas pela criança, bem como mudança em relação a dificuldades da mãe para lidar com o estudo da filha: na entrevista de pré-teste, a mãe relatou ficar nervosa, sem paciência, acabando por reclamar e brigar com a filha; já pós a intervenção, a mãe indicou outros aspectos da dificuldade de ajudar, como possíveis problemas de ensinar de forma diferente o que a criança aprendeu. Local de estudo, características do material de estudo e cuidado com o mesmo, bem como supervisão do estudo pela mãe, também passaram, de acordo com o relato das participantes, a apresentar condições adequadas. Neste sentido, a mãe, de acordo com os relatos, não oferecia mais a resposta pronta dos exercícios para a filha, organizava os horários de estudos a fim de possibilitar menor distração para a criança e melhores condições para ela própria acompanhar os estudos de forma tranquila e disposta.

Os relatos das participantes P1 e C1 para as consequências oferecidas à criança em relação à realização de tarefas e atividades de estudo apontam que, antes do programa de ensino, a participante P1 apresentava um repertório de uso de coerção diversificado, chegando até a punição física quando a filha não queria estudar ou estudava de forma descuidada. Após o programa, a mãe não relatou mais coerção, assim como a criança. P1 e C1 relataram ainda outros fatores positivos da supervisão das atividades, como fazer comentários positivos sobre a tarefa e enviar dúvidas para os professores.

A mãe ainda relatou também sentir-se mais tranquila e calma depois de ter feito o curso, fato que a filha também percebia. P1 chegou a relatar que a própria vizinha notou mudanças, indicando que as pessoas na casa estavam "mais silenciosas", sem as brigas e discussões frequentes.

Segundo informações da escola, no pré-teste C1 tinha encaminhamento para psicóloga por apresentar comportamentos agressivos em sala de aula; no pós-teste o encaminhamento havia sido retirado, já que a criança apresentava melhoras no comportamento em geral, fato indicado pelas professoras como um subproduto do programa de ensino, uma vez que elas percebiam que estava ocorrendo melhor interação mãe-criança. A mãe informou que nunca mais foi chamada na escola devido a problemas de comportamento da filha e que na última reunião as notas de C1 haviam melhorado.

Um dos fatores que, provavelmente, indique o sucesso de P1 nas modificações de supervisão e interação familiar, após a realização do programa de ensino, pode ser devido ao repertório inicial que ela já demonstrava ter na interação com os filhos antes do inicio da pesquisa. A participante já apresentava, desde o pré-teste, características de envolvimento com as atividades dos filhos e supervisão destas atividades (mesmo que muitas vezes de forma negativa, utilizando controle coercitivo), e relatava ainda ter boa comunicação com as crianças, ser respeitada pela filha e fazer uso adequado de autoridade, o que possivelmente pode ter facilitado o envolvimento e a supervisão de aspectos do estudar.

Díade P2/C2

O participante P2 apresentou relatos de mudanças para apenas quatro dos doze aspectos avaliados no envolvimento com a criança em casa, assim como a convergência de relatos, que também foi pequena. Quanto às atividades em tempo livre, após o treinamento pareceu haver maior interação entre os familiares da criança, particularmente facilitada pelo jogo que pesquisadora ofereceu aos participantes na finalização do programa de ensino.

Para os aspectos gerais relacionados ao estudar antes do início do programa, os relatos indicaram que a criança não realizava atividades de estudo em casa; já no pós-teste C2 indicou que estava realizando as tarefas com a ajuda da tia que vivia no mesmo terreno da família. Não houve relatos de ocorrência de estudo fora atividades da escola, assim como sobre existência, na casa do participante, de materiais de estudo como livros, revistas e jornais, devido a dificuldades financeiras. Em relação ao local de estudo, tanto no pós como no pré-teste foram indicados lugares com aspectos negativos para estudar (chão, cadeira, sofá ou cama). Já o material de estudo, após o programa de ensino, passou a ser guardado, ao invés de deixado no chão, conforme indicado no pré-teste. Quanto a consequências fornecidas em relação à realização de tarefas e atividades de estudo, P2 indicou presença de coerção pelos familiares, que chegava à punição física, fato confirmado pela criança. Não foram indicadas pelo aluno consequências positivas para realização da tarefa escolar em qualquer das etapas da pesquisa.

De maneira geral, após o programa de ensino C2 apontou que estava mais fácil estudar porque a tia estava ajudando; também disse que estava conseguindo fazer mais a tarefa por esse motivo. Já P2 disse que era difícil mudar alguma coisa, pois quando tentava falar alguma coisa com o neto ele abaixava a cabeça e não falava nada.

Todas as entrevistas, tanto com o responsável como com a criança, foram difíceis, uma vez que ambos se manifestavam pouco. Ambos apresentaram indicações de não compreensão de perguntas, às quais a pesquisadora respondeu procurando modificar as formulações e substituir termos. Nas entrevistas, C2 ficava por longos períodos em silêncio e não respondia às perguntas por completo. O responsável apresentava problemas de audição, o que levava a uma limitação na comunicação.

A importância da comunicação na interação de pais e filhos foi ressaltada em estudos como os de Cia, Pamplim e Willians (2008) e Cia, D'Affonseca e Barham (2004), e indicam que quanto maior a frequência de comunicações entre pai e filho, melhor o desempenho escolar das crianças. Além disso, Silva (2000) afirma que a habilidade de dialogar com os filhos é muito importante no contexto educativo, pois refere-se ao repertório inicial para o desenvolvimento de todas as demais habilidades parentais, tais como fazer perguntas, expressar sentimentos, expressar opiniões e estabelecer limites. De acordo com esses dados é possível supor que as dificuldades de C2 possam estar relacionadas, entre outros fatores, a falhas na comunicação familiar.

A dificuldade de comunicação da díade P2/C2, somada às condições da vida do aluno - de extrema limitação financeira (indicada nos relatos de alimentação restrita e dificuldades para compra de material escolar) e histórico familiar conturbado (morte da mãe, pai com histórico de conflito com a lei, irmãos internados na Fundação Casa) - podem ter contribuído para o limitado impacto do programa no repertório dos participantes. Estudos anteriores, realizados por Marçal e Silva (2006); Santos e Marturano (1999); Ferreira e Marturano (2002) e Bolsoni-Silva e Marturano (2002) já indicaram a influencia de variáveis tais como separação e dificuldades conjugais, falecimento dos pais, falta de estímulos para atividades acadêmicas, alimentação restrita, recursos familiares (brinquedos e livros) etc., como sendo possíveis condições preditoras de fracasso escolar. Considerando que essas variáveis estavam presentes na vida da díade P2/C2, o programa de ensino pareceu não constituir condição suficiente para promover resultados tais como os propostos, neste contexto da vida dos participantes.

Díade P3/C3

A díade P3 e C3 relatou mudanças em apenas dois dos doze aspectos avaliados e poucos relatos convergentes. A participante P3 relatava se sentir cansada por cuidar da casa, principalmente porque sofria de fibromialgia e depressão, fazendo sempre relatos sobre rotina da casa e da família que contribuiriam para seu estado. Os problemas de saúde eram frequentemente indicados como justificativa para sua impossibilidade de lidar melhor com a educação dos filhos e o cuidado da casa. Não foram citadas atividades de interação com o filho e na entrevista realizada após a aplicação do programa de ensino, e P3 indicou que estava passando a maior parte do dia sozinha em seu quarto.

Para os aspectos gerais relacionados ao estudar antes do inicio do treinamento, a criança não realizava as tarefas em casa, sendo que após o programa de ensino C3 disse estar realizando as atividades conforme previsto, enquanto a mãe ainda indicava situações em que esta não era feita. O responsável disse ter dificuldades para supervisionar o estudo do filho devido às dificuldades de saúde, pois dizia não ter ânimo para tolerar birras e brigas.

Quanto às características do local estudo, foi possível verificar que a criança e o responsável indicaram lugares com aspectos negativos para estudar (sala com TV ligada, quarto) em todas as entrevistas, apesar de a criança indicar, na entrevista pós-programa, a tentativa da mãe em modificar o local de estudo.

Sobre as ações tomadas pela participante P3 em relação à supervisão das atividades de estudo fei-tas em casa, no pós-teste a criança indicou não gostar da supervisão da mãe, já que ela exigia correção dos erros e não oferecia as respostas para o aluno. Para consequências do estudar, C3 relatou que, quando fazia as tarefas como o combinado, era elogiado e ganhava beijos; já P3 afirmou não apresentar tais consequências.

De maneira geral, a criança indicou, na entrevista final, que a mãe estava falando mais baixo com ele, não estava "xingando" tanto e que estava dando melhores explicações. Disse também que a mãe estava "obrigando-o" a vir na aula e olhava a tarefa, principalmente quando ele dizia que não tinha. A mãe indicou os mesmos aspectos, dizendo que estava tentando explicar melhor para o filho o porquê das exigências feitas como, por exemplo, vir na aula, ao invés de apenas gritar com ele. Também informou que sabia o que deveria mudar, mas não estava com disposição física para realizar as mudanças, devido aos problemas de saúde relatados desde o início do treinamento.

Durante as sessões do programa de ensino, P3 era muito participativa, expunha suas opiniões e relatos de maneira pertinente aos assuntos tratados. Expressava suas dificuldades e sentimento de culpa por lidar de maneira errada com os filhos, tanto nos encontros individuais como em grupo, sendo comum P3 relatar as dificuldades e a vontade de mudar, muitas vezes seguido de relatos sobre seus problemas de saúde. De acordo com Menegatti (2002), pais depressivos são menos carinhosos, responsivos e mais irritáveis, hostis e críticos; assim, para a díade P3/C3, as dificuldades de realização das atividades propostas e sugeridas no programa de ensino devido a problemas de saúde podem ter trazido um prejuízo da interação entre pais e filhos, principalmente devido à depressão relatada por P3.

 

Conclusão

Foi possível identificar diferentes impactos do programa de ensino para os pais e crianças participantes. Foram verificadas algumas mudanças nos repertórios verbais dos aprendizes durante o programa de ensino (no contexto da realização do programa), bem como indicações de mudanças nas situações de interação familiar (de acordo com relato de responsáveis e crianças), principalmente para a díade P1/C1. Os dados apontam algumas variáveis que podem ser importantes para compreender estes resultados e para avançar na criação de estratégias para elaboração, implementação e avaliação de programas de ensino que sejam eficazes para ensinar responsáveis a promoverem comportamentos de estudos adequados em crianças, a fim de promover repertórios de estudo apropriados.

Como apontado pelos dados, o programa de ensino conseguiu modificar e aprimorar alguns relatos dos pais ao avaliarem diferentes situações de ensino, ou seja, os pais obtiveram bons desempenhos ao analisar se determinadas situações favoreciam ou não o estudar; contudo, os dados que permitem melhor avaliar a apresentação dos comportamentos esperados, em situação natural, pelos participantes do programa, indicam que apenas um dos três responsáveis conseguiu intervir nas situações reais para favorecer o estudar dos filhos. Como destacam Sanabio e Abreu-Rodrigues (2002), os desempenhos verbais e não verbais são funcionalmente independentes; nesse caso, é possível supor que o comportamento de analisar as simulações estava sob controle do comportamento da pesquisadora (ou da expectativa em relação ao que a pesquisadora esperava ouvir); isso significa que o programa de ensino modelou mais o que os aprendizes diziam e não o que os aprendizes faziam.

Em relação às condições de vida intervenientes na interação familiar, e em especial na supervisão escolar de crianças, Souza (2001) verificou que muitas das dificuldades das interações familiares na supervisão de tarefas de casa podem ocorrer pelas próprias contingências de vida do agente supervisor do estudo; no caso daquele estudo, os ganhos alcançados com um treino de pais foi mínimo, devido, entre outras limitações metodológicas, à falta de tempo e de disposição da mãe para verificar as atividades de estudo do filho em virtude de um aumento da demanda em suas atividades profissionais. Nesse estudo não foram identificadas demandas profissionais; porém, a condição de vida desses participantes (problemas de saúde e limitações financeiras) pareceu influenciar as interações familiares. A partir desta identificação, Marturano (1999) faz um alerta indicando que nos casos em que coexistem eventos de vida adversos e sobrecarga dos pais, não basta informar a família quanto às formas de ajudar a criança a enfrentar a dificuldade escolar, uma vez que isto pode significar apenas acrescentar responsabilidades.

Ainda é importante destacar que as dificuldades dos pais para intervir na situação real após serem submetidos às condições de ensino, podem se referir a uma gama variada de fatores; entre eles, estão os problemas das condições de ensino. A entrega de materiais da apostila a cada sessão de treinamento, para que os participantes possam ler pequenas quantidades de informações, com provável impacto positivo na motivação para prosseguir participando das atividades, é uma alternativa aparentemente mais adequada do que a estratégia utilizada no caso deste estudo. Da mesma forma, uma revisão das condições de ensino utilizadas nas unidades sobre Regras, Rotinas e Consequências, aquelas em que os participantes apresentaram maior número de erros cometidos, parece necessária.

Relevante parecer ser, também, a inclusão de uma unidade de ensino para abordar questões relacionadas à assertividade e outras habilidades parentais, a fim de promover melhores e diferentes condições dos responsáveis para conversarem com os filhos. Este parece constituir um pré-requisito importante, para produzir inicialmente algumas mudanças no modo de comunicação dos pais como os filhos para que eles possam realizar comportamentos subsequentes a uma comunicação positiva para, por exemplo, indicar aos filhos melhores formas de se programar para estudar. Del Prette e Del Prette (2001) apontam algumas habilidades sociais educativas nesse sentido, tais como habilidades de expressar sentimentos positivos e negativos, ouvir com empatia, fazer e responder a perguntas, admitir erro e pedir desculpas, dar e pedir feedback e demonstrar aceitação ou reprovação do comportamento dos filhos de maneira assertiva.

Uma avaliação específica do repertório de entrada de cada participante, antes do início do programa, parece ser também uma providência importante, para permitir adequações ao programa que aumentem a probabilidade de sucesso no processo de aprendizagem. Com os mesmos objetivos, pode ser relevante, em especial para superar dificuldades relacionadas às limitações verbais, ou de familiaridade com situações acadêmicas, explorar melhor, no programa, situações de ensino que envolvam dramatização, demonstração, e uma abordagem direta a dificuldades que os pais identifiquem para se comportar conforme sugerido no programa, de modo a poder apontar alternativas e treinar mais diretamente os comportamentos requeridos.

Outra variável do programa de ensino a ser considerada diz respeito ao tempo de intervenção, e a realização de sessões duas vezes na semana, com intervalos de um dia. A fim de que novas aprendizagens sejam consolidadas, seria importante aumentar o tempo de intervenção ou realizar intervenções apenas uma vez na semana, de modo que os pais tenham tempo de experimentar, avaliar e consolidar novas práticas ensinadas no programa.

Quanto a aspectos metodológicos, o delineamento utilizado, do tipo AB, com medidas de pré e pós- -teste, tem limitações importantes a serem consideradas, para afirmar relações de eficácia do programa para promover um efetivo repertório de apoio aos estudos das crianças sob a responsabilidade dos participantes, ficando a confiabilidade dos dados centrada no confronto dos relatos dos diferentes participantes. Para estudos futuros, é relevante buscar o uso de medida contínua de observação para comparação de desempenho entre sujeitos ou o uso de um delineamento mais rigoroso no controle experimental como, por exemplo, linha de base múltipla entre participantes ou grupos.

Além disso, estudos futuros sobre o programa de capacitação de agentes promotores de estudos com responsáveis por crianças não indicadas como apresentando dificuldades escolares e com responsáveis por crianças com diferentes níveis de renda e escolaridade, para comparação dos resultados, podem trazer contribuições adicionais para alcançar resultados desejáveis na participação de familiares e responsáveis na promoção de repertórios de estudo em crianças.

 

REFERÊNCIAS

Bhering, E. e De Nez, T. B. (2002). Envolvimento de pais em creches: possibilidades e dificuldades de parceria. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18,1,063-073.         [ Links ]

Bolsoni-Silva, A. T. e Marturano, E. M. (2002). Práticas educativas e problemas de comportamento: uma análise à luz das habilidades sociais. Estudos de Psicologia (Natal), 7,2,227-235.         [ Links ]

Botomé, S. P. (1981). Objetivos comportamentais no ensino: a contribuição da análise experimental do comportamento. Tese de doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. São Paulo-SP.         [ Links ]

Carvalho, M. E. P. (2004). Modo de educação, gênero e relações escola-família. Cadernos de Pesquisa, 34,121,41-58.         [ Links ]

Carvalho, M. E. P. e Burity, M. H. (2006). Dever de casa: práticas atuais e visões de professoras, estudantes de pedagogia e mães. Olhar de professor, 9,1,31-46. Recuperado de: <http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/684/68490103.pdf> em fev. 2008.         [ Links ]

Cia, F., D'Affonseca, S. M. e Barham, E. J. (2004). A relação entre envolvimento paterno e desempenho acadêmico dos filhos. Paidéia: Cadernos de Psicologia e Educação, 14,29,277-286.         [ Links ]

Cia, F.; Pamplin, R. C. O. e Williams, L. C. A. (2008). O impacto do envolvimento parental no desempenho acadêmico de crianças escolares. Psicologia em Estudo, 13,2,351-360.         [ Links ]

Cooper, H.; Lindsay, J. J. e Nye, B. (2000). Homework in the home: how student, family, and parenting-style differences relate to the homework process. Contemporary Educational Psychology, 25,464-487.         [ Links ]

Cortegoso, A. L. (2002). Planejamento de avaliação em programação de ensino. São Carlos: UFSCar/ Departamento de Psicologia. Material da disciplina de Programação de Ensino e Treinamento.         [ Links ]

Cortegoso, A. L. e Botomé, S. P. (2002). Comportamentos de Agentes Educativos como Parte de Contingências de Ensino de Comportamentos ao Estudar. Psicologia: Ciência e Profissão, 22,1,50-65.         [ Links ]

D'Avila-Bacarji, K. M. G.; Marturano, E. M. e Elias, L. C. S. (2005). Suporte Parental: Um estudo sobre crianças com queixas escolares. Psicologia em Estudo, 10,1,107-115.         [ Links ]

Del Prette, A. e Del Prette , Z. A. P. (2001). Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Fehrmann, P. G.; Keith, T. Z. e Reimers, T. M. (1987). Home influence on school learning: direct and indirect effects on parental involvement on high school grades. Journal of Educational Research, 80, 6, 330-337.         [ Links ]

Ferreira, M. C. T. e Marturano, E. M. (2002). Ambiente familiar e os problemas do comportamento apresentado por crianças com baixo desempenho escolar. Psicologia Reflexão e crítica, 15,1,33-44.         [ Links ]

Gurgueira, L. H. (2005). Avaliação de um programa de ensino para capacitar pais como agentes favorecedores do estudar. Trabalho de conclusão de curso, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos - SP        [ Links ]

Hubner, M. M. (1999). Contingências e regras familiares que minimizam problemas de estudos: a família pró-saber. In: Kerbauy, R. R.; Wielenska, R. C. (Coord.) Sobre comportamento e cognição: Psicologia comportamental e cognitiva: da reflexão teórica à diversidade da aplicação. 1. ed, pp. 251-256. Santo André: ESETec Editores Associados.         [ Links ]

Hubner, M. M. e Marinotti, M. (2000). Crianças com dificuldades escolares. In E. F. M Silvares (Org.) Estudos de caso em Psicología Clinica Comportamental Infanti, pp. 259-304. Campinas: Papirus.         [ Links ]

Jenson, W. R.; Sheridan, S. M.; Olympia, D. e Andrews, D. (1994). Homework and Students with learning disabilities and behavior disorders: a pratical, parent-based approach. Journal of learning disabilities, 27,9,538-548.         [ Links ]

Kahle, A. L. e Kelly, M. L. (1994). Children's homework problems: a comparison of goal setting and parent training. Behavior therapy, 25,275-290.         [ Links ]

Kay, P. J.; Fitzgerald, M.; Paradee, C. e Mellencamp, A. (1994). Making homework at home: the parent's perspective. Journal of learning disabilities, 27,9,550-561.         [ Links ]

Marçal, V. P. B. e Silva, S. M. C. (2006). A Queixa Escolar nos Ambulatórios Públicos de Saúde Mental: Práticas e Concepções. Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, 10,1,121-131.         [ Links ]

Martins N. A. R. (2001). Análise de um Trabalho de Orientação a Famílias de Crianças com Queixa de Dificuldade Escolar. Dissertação Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP.         [ Links ]

Marturano, E. M. (1999). Recursos do Ambiente Familiar e dificuldades de aprendizagem na escola. Psicologia: teoria e pesquisa, 15,2,135-142.         [ Links ]

Marturano, E. M. (2006). O inventário de Recursos do Ambiente Familiar. Psicologia: Reflexão e Crítica, 19,3,498-506.         [ Links ]

Matos, M. A. (1993). Análise de contingências no aprender e no ensinar. In: Alencar. E. S. (org.) Novas contribuições da Psicologia aos processos de ensino e aprendizagem. 141-165, São Paulo: Cortez.         [ Links ]

Menegatti, C. L. (2002). Filhos e depressão infantil: uma abordagem comportamental. Dissertação de Mestrado, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Curitiba - PR.         [ Links ]

Miller, D. L. e Kelly, M. L. (1994). The use of goal setting and contingency contracting for improving children's homework performance. Journal of behavior analysis, 27,73-84.         [ Links ]

Pereira, A. C. S.; Ambrózio, C. R.; Santos, C. N.; Borsato, F.; Figueira, F. F. e Riechi, T. I. J. (2005). Família e dificuldades de aprendizagem: uma reflexão sobre a relação pais e filhos. Anais 4º.Encontro de Extensão e Cultura da UFPR, Curitiba. Recuperado de http://www.proec.ufpr.br/enec2005/links/saude.htm em: Outubro, 2008.         [ Links ]

Sampaio, A. C. P.; Souza, S. R. e Costa, C. E. (2004). Treinamento de mães no auxílio à execução da tarefa de casa. In: Brandao, M. Z. S.; Comte, F. C. S.; Brandão, F. S.; Ingbergman, Y. K.; Silva, V. L. M. & Oliani, S. M. (Org.) Sobre comportamento e cognição: contribuições para a construção da teoria do comportamento. p. 295 - 309. Santo André: ESETec Editores Asociados.         [ Links ]

Sanabio, E. T.; Abreu-Rodruigues, J. (2002). Efeitos de contingências de punição sobre os desempenhos verbal e não verbal. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 18,2,161-172.         [ Links ]

Santos, L. C. e Marturano, E. M. (1999). Crianças com dificuldade de aprendizagem: um estudo de seguimento. Psicologia Reflexão e Critica, 12,2,377-394.         [ Links ]

Scarpelli, P. B.; Costa, C. E. e Souza, S. R. (2006). Treino de mães na interação com os filhos durante a realização da tarefa escolar. Estudos de Psicologia, 23,1,55-65.         [ Links ]

Silva, A. T. B. (2000) Problemas de comportamento e comportamentos socialmente adequados: sua relação com as habilidades sociais educativas de pais. Dissertação de Mestrado, Centro de educação e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Carlos. São Carlo - SP.         [ Links ]

Souza, F. L. (2001). Administração de consequências atrasadas para comportamentos de estudo em crianças: papel e dificuldade de pais que trabalham fora de casa. Trabalho de conclusão de curso, Departamento de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos. São Carlos - SP.         [ Links ]

Sudo, C. H.; Souza, S. R. e Costa, C. E. (2006). Instrução e Modelação no treino de mães no auxilio a tarefa escolar. Revista Brasileira de Psicologia Comportamental e Cognitiva, 8,1,59-72.         [ Links ]

Weber, L; Salvador, A. P e Brandenburg, O. (2005). Programa de qualidade na interação familiar: Manual para aplicadores. Curitiba: Juruá         [ Links ].

 

 

Recebido em 4 de janeiro de 2011
Devolvido em 3 de fevereiro de 2011
Aceito em 4 de junho de 2011

 

 

Pesquisa realizada com financiamento FAPESP
As autoras agradecem o apoio financeiro da pesquisa oferecido pela FAPESP.
1 No presente estudo os termos: lição de casa, dever e tarefa serão utilizados indistintamente.
2 A denominação erro refere-se às respostas dos aprendizes que diferem de um gabarito, construído pela pesquisadora, a partir das informações inseridas no programa de ensino.
* Rua Bahia, nº 240, Bairro Santa Cruz - Mogi-Mirim/SP, CEP 13800-510, telefone (19)3862-3431 ou (19) 8135-3097 - e-mail: danilacoser@yahoo.com.br